Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 21
Facultas


Notas iniciais do capítulo

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— Muito do que sabemos do fatídico evento da Câmara Secreta me foi notado com dificuldade à época. - confessou Dumbledore, sentando-se em sua poltrona. O quadro do antigo diretor, Dippet, resmungou no fundo. - Minha ocupação com Grindelwald era constante, e sinto que tenha negligenciado Tom e tudo o que acontecia em Hogwarts naquele momento.

— Eram tempos difíceis, Diretor. - consolei-o como pude. Dumbledore parecia vencido, sua mão enfeitiçada ainda mais enegrecida sob a pouca luz da sala, reluzente apenas pelas memórias de Tom Riddle expostas na vitrine.

— Sabemos que isso não é desculpa suficiente, Srta. Westwood. - sorriu para mim, num dos seus vários sorrisos translúcidos de bom humor. - Mas agradeço. Essa gentileza me traz certa esperança.

Dentre suas memórias eu podia ver um Tom Riddle apático, magro e sempre recluso em seus estudos. A invisibilidade de Tom mediante a seu incrível desempenho acadêmico o provia de ser, ao mesmo tempo, uma celebridade excluída dos olhares caóticos dos professores, preocupados com a guerra que se acercava, e seu relacionamento direto com a promulgação do ódio aos trouxas e meio-sangue na Escola de Magia.

O que, para Dumbledore, não fazia sentido algum. Confesso, pois, que nem para mim.

Tom estava vestido com seu traje de monitor quando foi notificada a morte de Myrtle e consequente fechamento da escola. Parecia desesperado em seu íntimo, mesmo que os olhos negros surgissem impassíveis, sabia que corria risco de ser afastado daquilo mais precioso para ele no momento - seu elo mágico. A única coisa que lhe garantia alguma felicidade.

— Diretor, sobre alterações na matriz... - incitei-o, uma em diversas vezes. Dumbledore não levantou os olhos quando respondeu.

— Sua existência no espaço tempo já traz alterações suficientes.

— Isso significa que eu tenho liberdade, mesmo que condicionada, de alterar o rumo dos acontecimentos?

— Sinceramente, minha cara, eu não sei dizer. - agora, sim, seus olhos azuis pequenos e cristalinos me encaravam. - Nunca, nunca de fato, usei tamanha magia para enviar algo tão longe. Alguém, tampouco.

— O efeito temporal vai corrigir as alterações de qualquer forma. - raciocinei, mencionando as palavras exatas de Snape para mim quando assinei o contrato para embarcar nesta jornada, sozinha. - Inclusive minha própria existência. É questão de tempo.

— O tempo, Valery, é a única coisa que nos controla. Até Tom. Não se engane. A maior batalha que Tom Riddle já enfrentou, e ainda enfrenta, é com o tempo. Tornar-se imortal é seu objetivo. Aquele, minha querida, que se possível, você trará insignificância.

— A autenticidade da minha linhagem só seria confirmada através dessa descoberta, Valery. - Tom confessou-me, sussurrando, ainda que ninguém pudesse nos ouvir tão tarde da noite no salão comunal da Sonserina. Evan Rosier, o monitor-chefe, estava em sua ronda geral instruída pelo próprio Dipped diante da possibilidade de um avanço dos esforços de Grindelwald em invadir Hogwarts.

— E como foi isso? - questionei interessada. - Você diz saber parsel, portanto, deve ter lido ou ouvido algo sobre a linhagem de Slytherin e sua relação com as serpentes.

— Na realidade, foi intuição. - sorriu, tomado pela ansiedade. - Eu buscava sinais há anos, e sendo monitor, pude explorar melhor lugares inócuos de Hogwarts, passagens escondidas, enigmas através dos livros de história. Nada foi simples, acredite.

— Oh, eu acredito, e muito! Na verdade ainda estou surpresa.

— Por eu ter encontrado a entrada da Câmara?

— Por você ser da linhagem de Sonserina. - fingi estar deslumbrada, aquecendo seu ego. Os olhos de Tom brilhavam de excitação. - Alguém mais sabe disso?

— De ser um Sonserina? Ou da Câmara?

— Uma coisa não leva a outra? - perguntei realmente interessada, não via sentido em guardar segredo. Eu não sabia, pelas memórias de Dumbledore ou qualquer outra referência, se havia algum pacto de silêncio, ou voto perpétuo, que garantisse Tom a segurança de poder usar o monstro da Câmara enquanto a escola permanecia em alerta. Entendi que não havia compartilhado sua grande novidade com ninguém.

Ou, pelo menos, com ninguém da Sonserina.

—  São coisas bem distintas. Existem outros herdeiros. Wiglaf, por exemplo, sabe que sua geração e as anteriores estão intimamente ligadas à família Corvinal. São séculos de mapeamento sanguíneo, uniões planejadas, tudo para manter a tradição vinculada a magia original.

— Por que você pensa que a magia original foi concebida pelos fundadores? Não há lei para isso. A magia nem sempre segue padrão genético, Tom.

— Você se escuta? - ele arguiu, um pouco alterado. - Independente da existência dos trouxas, a magia é sempre, sem exceção, vinculada a um elo genético, Valery. Lembre-se que, na crendice, somos todos filhos do mesmo pai.

Eu ri. Aquilo era um absurdo tamanho!

— Wiglaf já havia me dito que você era herdeiro de Sonserina.

— Era o que ele pensava desde que me conheceu. - Tom ajeitou-se na poltrona, nitidamente nervoso. - Via algo de diferente em mim. O mesmo com Lázarus e Grisha, mas muito mais intenso em mim.

— Porém...?

— Nunca confessei a nenhum dos três minha habilidade com parsel.— aquilo, sim, era interessante. Como Wiglaf havia inferido, os poderes de Tom eram pertencentes a ele e independentes dos ciclos mágicos das gerações anteriores. Isso também devido ao fator genético combinado entre a herança mágica da mãe abortada - retraída magicamente por tantos abusos - e do pai trouxa.

— E como Dumbledore descobriu?

Tom revirou os olhos.

— Eu mesmo contei, quando me buscou no orfanato há 5 anos.

Um denso silêncio instalou-se no Salão, rompido apenas pelo estalar da lareira que permanecia acesa. Reconheci imediatamente a memória a que Tom associava, o menino branco, franzino, parecendo arrependido por ter desafiado o professor de Transfiguração a mostrar seus poderes e, dessa forma, incriminá-lo por roubo. Podia ver seus olhos escuros brilhando como nunca, a empolgação vencendo qualquer vergonha que deveria sentir. E Dumbledore, genuinamente curioso, encarando o fato de que seu mais novo aluno talvez não fosse apenas uma criança com graves traumas e problemas de socialização.

Por que o havia ignorado assim?

— Imagino que tenha sido sem querer.

— Eu estava vulnerável e, de fato, essa habilidade é associada a algo monstruoso... - refletiu, passando a mão pela cabeleira negra já despenteada. - Ninguém sabe sobre a Câmara.       

— Quer que saibam?

— Não pretendo tornar isso público. - Tom inspirou profundamente, começando a demonstrar sinais de relaxamento. - Mas seria engraçado. Poderia instalar uma câmera na Câmara e cobrar uma quantia razoável de ingresso. Tire aqui sua fotografia com o monstro!

— Afinal, você disse que é controlável por saber falar a língua das serpentes. Portanto, é uma cobra?

— Um basilisco. Estava hibernando, mal quis sair quando entrei a primeira vez. Na verdade, quis me atacar. Notei que era diferente quando pairou frente a mim, meio torpe, e então senti meus ossos enrijecerem, contudo, não me petrificou.

Anotei mentalmente essa informação. Tom era imune ao olhar mortal do basilisco?

— Você olhou para ele? - questionei-o apenas para confirmar.

— Não diretamente. A Câmara é muito alta, Valery. Meu pescoço, ainda que curvado, é incapaz de enxergá-lo de frente. Vi apenas a sua sombra.

— Tom... - chamei-o, tomando sua atenção. - Fico satisfeita que tenha confirmado suas origens mágicas. É muito importante pra você.

— É tudo para mim, Valery. Entenda, a única coisa que tenho é meu nome e o da minha mãe. Minha certidão de nascimento. E o obituário dela. Eu não tive nem uma carta de Hogwarts. Me senti demasiadamente excluído quando soube que alunos das famílias normais, ainda que trouxas, descobriam sua convocação através do correio bruxo, algo original, entregue por corujas.

"Dumbledore precisou atender-me pessoalmente, pois seria impossível entregar-me uma carta estando desde que nasci sob tutela do orfanato. Minha manifestação mágica era onipresente, e sempre fui uma pessoa reservada."

Tom era uma criança calma, nunca chorava, e parecia entender as coisas com certa facilidade. — disse Dumbledore, uma vez. - Maduro o suficiente para saber o que precisava fazer de modo a  sobreviver no mundo, fosse ele mágico ou não.

— Você é tão merecedor de estar aqui quanto qualquer outra criança.

— Eu sei disso. - respondeu ele. - Nunca duvidei das minhas faculdades mentais, Valery, nem por um instante eu me confundi sobre o mundo de lḠe o daqui. O fascínio pela minha própria existência levou-me no caminho que estou agora. E o melhor...

— O que? - questionei, sentindo sua aproximação.

— Finalmente não me sinto sozinho.

Snape cerrou os olhos negros por baixo do cabelo comprido, indicando-me a saída da sala de Dumbledore, pouco antes do meu envio. Percebi seu gesto e, me despedindo cordialmente do Diretor, saí pela porta principal seguida por ele. Ao cruzarmos o corredor, continuei o mesmo caminho em paralelo, escutando de longe seus passos pesados pelo chão de pedra tão tarde da noite, reverberando alto e, após uma longa caminhada, nos encontramos do lado de fora.

Estava anormalmente frio para uma noite comum de primavera, e senti o vento entrecortar meu fino casaco de lã, comprado em um brechó qualquer. Desviando de qualquer olhar que pudesse cativar nossa atenção ali, apenas as criaturas da noite e o céu limpo, Severus Snape me entregou uma fotografia. Nela, uma jovem sorridente estava estática - uma fotografia trouxa.

— É a mãe de Harry Potter. - explicou. - Lílian Evans.

— Entendo. - disse a ele, pegando a foto e analisando seus traços. Não havia cores e, pelo pouco contato que tive com o garoto Potter, ele não parecia fisicamente com a mãe.

— Potter é como o pai. - Snape cuspiu as palavras como se respondesse a minha mente. - Irresponsável como ele, parecido em tudo, menos os olhos.

— De fato, de fato. - concluí sem realmente entender suas intenções.

— Valery Westwood. - Snape tomou a foto para si, deixando sua voz grave ainda mais gutural. - Se existir uma maneira de vencer as barreiras que compõe o espaço e tempo através da magia, se houver uma chance, mesmo que mísera, de mudar a realidade...

— Severus...

— Você fará uma promessa a mim e eu a você.

Snape parecia outra pessoa, com seus gestos desesperados, tomou com a mão livre a minha entre a sua e disse, de uma única vez:

— Vou garantir com a minha vida que Victoria esteja a salvo. E você a salvará... salvará Lily de seu destino, se tiver a oportunidade.

Olhei para o homem alto a minha frente, seus olhos profundos marejados, uma face que dificilmente me esqueceria. Um pedido que dificilmente iria ignorar.

Lily Evans e seu destino não eram as únicas coisas que pretendia salvar caso tivesse a oportunidade. Eu encararia a missão ainda que se tornasse insuportável. Ainda que Snape não parecesse implorar para que, mesmo sem saber se de fato ocorrera, sua amada Lilian estivesse vivendo uma vida mais longa e feliz.

            O tempo corrigiria tudo.


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