Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 14
Sobrietas


Notas iniciais do capítulo

Terceiro, para dar sorte de o quarto vir o quanto antes!



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— Fique parado, ou serei incapaz de te fotografar.

Tom bufou, enquanto eu tentava inutilmente controlar uma de suas mechas negras que insistia a cair sobre seus olhos. Mesmo que o dispositivo fosse magicamente modificado para captar os movimentos da foto, eu queria que mantivesse sua pose ereta e séria, pensando em montar um álbum que possivelmente Voldemort odiaria: meus doces 16 anos.

Ridículo, mas a ideia me era fantástica.

— A luz não vai ajudar. - ele reclamou. - Estou mais pálido do que o natural, além disso, não envelhecerei 16 anos de uma vez, Valery, após a meia noite continuarei o mesmo e você poderá fazê-lo mais tarde, na primavera.

— Na primavera farei outra. Também no verão. Você é a única pessoa que desejo fotografar. Vou aproveitar o filme o quanto puder, pois para adquirir outro novo devo dispor de uma pequena fortuna.

— E por quê? - sorriu genuinamente, mas com uma dose de sarcasmo. - Qual a razão de tamanha insistência?

— Porque você vai envelhecer... - respondi-lhe maldosamente, enquanto o mesmo abriu a boca em um "O" perfeito, pronto para protestar. - como qualquer outra coisa nesse mundo. - fiz a fotografia, abanando-a para que secasse sob o papel. - Mas isso aqui durará para sempre. Veja.

O Tom Riddle na imagem desfazia-se em indignação, abrindo os lábios repetidamente na mistura do que parecia ser um sorriso frustrado e uma expressão irritada. Os ombros balançavam suavemente, e tinha a impressão de que poderia saltar da foto em qualquer momento para me punir. Olhei Tom ao meu lado, com a mão no rosto e os olhos fumegantes a observarem a fotografia. Quando toquei a mesma mecha persistente de seu cabelo, movendo-a para o outro lado da testa, ele relaxou e encontrou o meu olhar.

— Se você gosta de viver, Srta. Westwood, é bom guardar essa relíquia em um local seguro e privado. Não vai querer distribuir cópias por ai, não é verdade? - ele ameaçou, empertigado. - Sabe do que sou capaz quando fico furioso.

— Não se preocupe. Não tenho a intenção de te magoar. - respondi à altura, fazendo com que parecesse ainda mais irritado. - Ademais, se sem esse sorriso as garotas daqui caem aos seus pés, vendo você desse jeito não terei sossego.

Tom observou a fotografia novamente, agora com certa curiosidade. Olhava seus movimentos esdrúxulos capturados por mim num momento descontraído como se visse outra pessoa e, senão pela tez branca e os olhos penetrantes, ele parecia não se reconhecer. Permiti-me traçar a linha de seu rosto com os dedos, mas este não o desviou do papel.

— O que está pensando? - arrisquei perguntar.

— É assim que você me vê?

Franzi o cenho, não compreendendo a pergunta.

— É difícil descrever como eu te vejo. - respondi sincera. - Acho que é algo maleável. Ah, não, flexível. Tem dias que vejo você de um jeito, outros dias, vejo diferente.

— Como assim?

— Este aqui não é você sempre. - lamentei, indicando a foto. - Geralmente você é sério, fechado, com sua pose impecável de sobriedade e integridade. Duvido que outra pessoa já o tenha visto dessa maneira.

— Você é a primeira a despertar muitas coisas em mim, Valery. - confessou ele, encarando-me os olhos. - Mas concordo com você. Minha postura é outra. Devo ter fixado minhas atitudes um pouco além do que poderia ser a minha personalidade, e não soube separar o Tom monitor do que seria um Tom sociável.

— Não foi isso que eu quis dizer. - continuei, andando pelo corredor.- E apesar da doçura dos seus gestos comigo e do bom relacionamento que levamos, eu te vejo muito mais como o Lord do que como Tom.

Ele parou de andar.

— E isso não é bom?

Parei também, um pouco atrás. Limitei a encarar meus próprios pés, articulando uma resposta que causasse certo desconforto, ao mesmo tempo que não o intimidasse a ponto de questionar minhas próprias conjecturas a seu respeito. Neste caso, eu teria muito o que falar, e infelizmente devido a nossa proximidade física eu havia perdido um pouco da minha habilidade maniqueísta.

— Não sei até que ponto isso me coloca mais a sua direita, do que me afasta.

Tom piscou. Percebi nesta atitude mínima o quanto minhas palavras haviam tocado seu ego. Primeiramente porquê, desde nossa última reunião entre os escolhidos, eu me negara a atacar Abraxas com um feitiço que o deformaria por dias, e causaria uma certa turbulência em sua casa durante os feriados. Tom ficou furioso, levantando sua voz para mim como sinal de poder e eu, assentindo, aguardei pela tortura, que não veio.

Naquela noite, refleti sobre o quanto eu havia desempenhado do meu papel aqui, mais uma vez. Revisei os pontos pré-definidos da minha missão, os quais decorei religiosamente, e decidi que se fosse necessário eu sofreria as consequências para permanecer em seu elo de confiança.

Mas a maldição nunca veio.

— Não quero que se afaste. Nunca. Não vou permitir isso. - ele respondeu bravo, segurando meus ombros com as duas mãos firmemente.

— Mas e se meus ideais não forem exatamente iguais aos seus? - suspirei, tremendo pela resposta dele. Ao longe, Slughorn o chamava persistente. Talvez imaginasse que o mesmo sumiria feito fumaça, devido a data comemorativa do ano novo coincidir com seu fatídico aniversário.

— Você não precisa me acompanhar, diretamente, mesmo que eu acredite que você irá, e por conta própria. - ele sussurrou. - Até lá, é só não me atrapalhar.

Sorri enquanto se afastava. Os planos estavam de pé.

O dormitório feminino das masmorras estava ainda mais silencioso do que o normal, devido as festas de fim de ano. Apesar de poucas famílias realmente celebrarem os feriados como tradição, eu entendia que os poucos momentos em que se reuniam talvez fossem importantes para manter a unidade - no caso das casas mais afortunadas, como Malfoy e Black - mas também diante da preocupação com o futuro.

A segunda guerra mundial estava batendo à nossa porta constantemente, em seu ápice. Tudo o que sabíamos, contudo, era limitado as funções da mídia, que pouco também conhecia dos fatos. A tecnologia limitada dos bruxos também não ajudava com a informação, que se perdia entre especulação, exagero e um pouco de ceticismo.

No ano de 1943 todo o mundo vivenciaria um período drástico na história: bruxos e trouxas. A ascensão irrefreável do exército alemão na Europa, assim como os poderes de Grindelwald espalhando-se como um feixe de luz no escuro. Daí por diante pouco se sabia de Tom Riddle e sua jornada até o grande duelo de entre Grindelwald e Dumbledore, em 1945, já que Dumbledore estava com a mente ocupada lidando com outros problemas.

— Sinto muito deixá-la em desfalque a partir daqui, Srta. Westwood. - disse, em um dia de treinamento. - São memórias referentes ao desaparecimento e consecutiva morte da menina Warren, de quanto Tom incriminou Hagrid e ganhou um belíssimo troféu por serviços prestados à escola. - ele riu para si mesmo, desdenhando um pouco da sua própria ignorância à época. - Depois disso pouco posso oferecer sobre o Sr. Riddle. Seja lá o que ele fez, conseguiu passar por mim bastante desapercebido.

Eu já estava vivendo neste tempo o suficiente para entender que Dumbledore tinha realmente outras preocupações que o afastava de prestar atenção aos arredores. Na verdade, ele pouco se envolvera desde que cheguei aqui com qualquer assunto que fosse.

Confesso que, no início, achei um pouco perturbador. Ele teria implementada uma leve memória do meu presente, fazendo com que me admitisse na escola e também convencesse o diretor Dippet das minhas origens sem se queixar. Porém, conhecendo-o desde sempre, achei que seu faro quase inequívoco para situações extraordinárias o faria me perseguir até que eu fosse tentada a revelar o mistério por trás da minha identidade e todo o envolvimento com Tom.

Entretanto, suas perguntas para comigo foram totalmente superficiais e pareciam estar totalmente direcionadas a Tom, por quem ele nutria certa preocupação fraternal.

— Acalme a sua mente turbulenta, Valery. - falei para mim mesma, terminando de pentear o cabelo de modo tão desleixado que deixaria Aurora indignada.

Eu tinha uma aptidão estrondosa para controlar minha mente desde muito jovem. Segundo Dumbledore este teria sido o motivo principal - além do histórico perfeito de condenações e caçadas a seres abomináveis das trevas - para que eu fosse a escolhida dessa missão. E também a beleza física, comentara Snape a contragosto.

Precisei de um grosso casaco para proteger-me do frio que assolava a noite de 30 de dezembro de 1942. Mesmo com o aquecimento mágico, os corredores solitários da escola estavam ainda mais gélidos e cinzentos do que de costume, e me perdi vagando por sua beleza como nunca fizera antes. Próximo a enorme tapeçaria de Barnabas, o Maluco, em sua tentativa falha de ensinar balé aos trolls, estava Tom, parado, aguardando a passagem secreta da Sala Precisa ser revelada. Seu silêncio indicou-me que, por sorte, a conversa com Slughorn um pouco mais cedo tinha sido suficientemente chata para não retornarmos para o assunto anterior.

— Eu não estou atrasada. - defendi, antes mesmo de notar o seu olhar divertido para meu casaco escocês de segunda mão, que provavelmente pertencera a algum velho falecido. - O que? Está frio.

Ele riu alto, naturalmente.

— Eu não disse nada. - concentrou-se em abrir a pequena porta, indicando-a para mim.

— Mas pensou. - revidei. - Nem todos têm a sorte de ganhar casacos bonitos dos professores, ou ainda, os do Malfoy, que com certeza são lavados a seco e possuem um cheiro ótimo.

Tom revirou os olhos enquanto eu atravessava a passagem.

Dentro da Sala Precisa estava quente e confortável, o cenário desenvolvido para nossas aulas práticas e encontros estratégicos dissolvido no que seria uma pacífica sala de estar, com um grande sofá no centro e a mesinha de chá posta. Numa das xícaras, o vapor quente e delicioso de frutas vermelhas fumegava no líquido rubro que eu sabia ser da Fortnum & Mason.

Tom parou displicente na porta, apoiando-se. Vestia trajes totalmente pretos que o deixava ainda mais pálido, a face etérea de grande beleza. Seu rosto estava impassível, e mesmo que eu tentasse ler suas expressões através do olhar negro carregado de emoção que disparava para mim, limitei-me a abrir os botões do meu próprio casaco, afim de me livrar da peça agora desnecessária.

Sentei-me na poltrona, acostumando-me com o acolchoado um tanto gasto, mas macio, e ele mudou de posição abruptamente. Caminhou com passos calculados na minha direção, os braços presos para trás do corpo, porém, eu ainda era incapaz de distinguir seu olhar. Havia um toque de paixão, confusão, e raiva, misturados a algo que eu não conseguia decifrar. Algo que ele estava se esforçando para esconder.

Um enigma perfeito para mim, que adorava desafios.

Tom sentou-se na minha frente, apoiando os joelhos no chão. Daquele modo sua altura permitia apoiar os cotovelos nas minhas pernas, protegidas por uma grossa camada de meia-calça azul marinho, de cor idêntica a da saia de oxford que eu usava. Seus olhos permaneciam em chamas, desviando do meu rosto apenas para buscar uma das xícaras na mesa ao lado. Soprou delicadamente o líquido, fazendo-me sentir um arrepio doce enquanto o vapor continuava a sair em pequenas elipses. Doce demais.

— Para você. - ofereceu, levando a xícara até minha boca com cuidado. - Beba devagar, está bem quente.

Eu sabia que algo estava errado com a bebida, mas tomei mesmo assim. Se Tom esperava arrancar algo da minha mente à força, aquele era realmente seu único recurso, e falharia, quanto ao meu passado, seu futuro, caso ansiasse por alguma informação.

De resto, eu estava preparada. Fui treinada minha vida toda.

— Gostou? Este eu escolhi especialmente pra nós dois. Queria compartilhar meus dois últimos bags, restantes do presente que você tão carinhosamente me deu há algumas semanas atrás.

— Eu adoro as frutas do bosque. São minhas favoritas.

Tom sorriu.

— Não saberia escolher meu predileto. São todos maravilhosamente bons.

Foi minha vez de sorrir.

— Talvez o chá preto? - indaguei, sentindo uma leveza considerável após a ingestão do primeiro gole. - É o que você mais bebe.

— Observadora você, Valery.

— Não sou. - respondi divertida. - É algo que você faz sempre, então, qualquer pessoa ao seu redor reconhece tal prática. Se você repete uma ação, continuamente, você faz dela um hábito, e isso marca quem convive com você.

O sorriso de Tom vacilou um pouco, mas não diminuiu.

— Sabe, hoje mais cedo eu realmente esperava abrir uma discussão com você. - ele comentou suavemente, tirando uma mecha de cabelo do meu rosto. - Sobre nossos ideais, antes de Slughorn nos interromper para falar sobre aquela festa petulante que ele dará amanhã no ano novo.

Engoli seco.

— É mesmo? Uma discussão? Acho inviável. - eu ri, aproximando meu rosto do dele. - Você venceria sem eu ao menos tentar convencê-lo, seja lá qual for meu ponto.

— Você acha que é muito inferior a mim, Valery, mas eu sei. Você esconde segredos. Sua estadia aqui é muito mais do que uma simples moça que fora desafortunada na guerra. Não é verdade?

— De fato, sim, eu já comentei algo com você sobre, ahn, a minha família, Tom, e seu envolvimento com Grindelwald. Como ele me faria prisioneira de guerra, já que meu pai provavelmente guarda informações valiosas pra ambos os lados.

— Seu pai, o Inominável.

— É.

Tom virou um pouco o rosto, como se me analisasse.

Não é que a poção veritaserum estivesse agindo inutilmente. Ele não estava fazendo as perguntas corretas para desvendar-me.

— Você é contra a dominação do mundo trouxa pelos bruxos, Valery? - ele mudou de assunto para algo próximo do absurdo.

— Dominação? Não sou contra, nem a favor, pois nunca irá acontecer. - eu ri, perdendo parcialmente meu controle. - Somos de mundos distintos demais para que um possa engolir o outro, Tom. Mesmo numa guerra não sairíamos vencedores. Todos iriam perder, e se reestruturar separadamente, como sempre foi feito.

Minha resposta estruturada deve tê-lo deixado indignado, também, pela formalidade à palavra, ditada por uma mulher madura e experiente revestida por uma carcaça de menina.

— E se eu fosse o responsável por tal?

Pisquei, incrédula.

— Por qual motivo dominar trouxas é interessante pra você? - perguntei sincera, sentindo minhas pupilas dilatarem um pouco devido a curiosidade iminente. Sua resposta, a depender do caráter, mudaria um pouco a visão temporal que eu tinha de seus assuntos pessoais.

— Acha que eu não seria capaz?         

Pisquei novamente, sentindo os olhos colarem um pouco às pálpebras.

— Não, querido. - sussurrei, quase inaudível. - Você é completamente de capaz de fazer tudo o que quiser, seja o que for objeto do seu desejo, você o conquistará, apenas por ser você.

E apaguei, sentindo meu corpo desmanchar inerte sobre o dele.


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Notas finais do capítulo

Tom colocando as asinhas de fora, vocês não concordam que até aqui ele estava bonzinho demais?!



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