Resquício - Com Café escrita por Youseph Seraph


Capítulo 3
3 - Um sabor familiar


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora para postar esse capítulo. Estive muito ocupado com estágio e faculdade. Espero que entendam.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/761138/chapter/3

A semana passou rápido como uma flecha. Aprendi bastante sobre o que eu era e como eu deveria agir no trabalho. Apesar de ser um emprego ótimo, eu tinha obrigações que deveriam ser cumpridas. Eu deveria, sempre, abordar os clientes com uma frase aconchegante e feliz. Eu deveria anotar seus pedidos e mesas rapidamente. Também deveria pedir para que voltem sempre. E acima de tudo, eu teria que tirar os pratos e limpar a mesa assim que o cliente sair do Sweet Mornings.

É difícil se acostumar com tudo isso logo na primeira semana, mas eu consegui. Já sentia como se eu estivesse trabalhando ali há meses. Eu até tinha adicionado Isabel, que preparava os pratos e as bebidas, no Instagram. Estava tudo indo muito bem. Mas eu sabia que nem tudo ficaria assim por muito tempo. Eu estava ansioso. Era sexta-feira, o dia que Vinícius iria aparecer no Sweet Mornings. Ele queria conhecer a comida, a bebida, e principalmente, saber como eu estava.

Vinícius esteve do meu lado todo o período que eu fiquei deprimido. Ele queria certificar-se de que tudo estaria bem comigo, de que o ambiente não é tóxico pra mim, mesmo eu sabendo que não era.

Ele viria logo no fim da tarde, perto da hora de fechar. Ele também me daria uma carona de volta para casa, e então, me daria carona para a faculdade. Tudo isso para garantir-se de que tudo estaria bem comigo. O melhor amigo que eu tive em toda minha vida.

Assim que um casal de idosos saiu, eu vi seu carro, um corolla vermelho 2014, estacionando no outro lado da rua. Logo tirei o prato sujo da mesa e entreguei para o Diego. Limpei a mesa rapidamente com um pano que estava no meu avental rosa-chá e, por fim, segurei a prancheta.

Ele entrou pela porta principal. Estava vestido com o mesmo estilo de sempre. Cabelos loiros presos em um rabo-de-cavalo, barba curta e bem-aparada, camiseta preta do Aerosmith, jeans velho, coturnos e uma jaqueta de couro. Parecia um rockstar no auge dos seus 19 anos. Os olhos verdes dele olharam pra minha roupa num tom julgador, então ele sorriu e sentou-se em um dos lugares "para um", em frente a um balcão reto com várias cadeiras de frente ao balcão.

Eu fui até ele. Então ouvi uma voz, a minha voz.

—Ah, qual é! Você sabe que esse não é o tipo de lugar dele!

Era o Dark Ness. Ele estava logo atrás de mim, com o mesmo tom sarcástico e transparência fantasmagórica. Eu o ignorei. Ele havia me atrapalhado uma semana toda. Não precisava ouvir ladainha de sentimentos reprimidos.

—Boa tarde! Bem-vindo a-ao Sweet M-Mornings! Em q-que p-posso ajudar? —Gaguejei.

Vinícius pareceu confuso, mas acabou soltando uma gargalhada. Eu fiquei um pouco sem jeito, não vou mentir.

—Sério, Ness? Não precisa de tudo isso com seu mano! —Ele zombou. Então estendeu a mão para um "toca aqui".

Eu olhei para Dani, a gerente. Ela estava prestando atenção no celular do que na loja em si. Mas resolvi não arriscar.

—Eu tenho que seguir o "código" daqui! Desculpa! —Falei.

—Deveria mesmo pedir desculpas, Ness! —Zombou Dark Ness.

Mas em seguida, Vinícius riu.

—Lembra-se do que eu te disse, Ness? Não precisa se desculpar, cara! —Ele soltou um sorriso. —Você não fez nada de errado. —Então ele se ajeitou na cadeira e leu o cardápio.

Esperei ansiosamente pelo pedido. E quando digo ansiosamente, eu quero dizer que o Dark Ness estava me olhando diretamente nos olhos, me deixando extremamente desconfortável. Enfim, Vinícius colocou o cardápio sobre a mesa e olhou para mim diretamente.

—Não tinha um lugar mais hipster para encontrar? Você era roqueirão, mano! —Então riu. Eu ri também, mas cortei a gargalhada.

—Sério, cara, faz o pedido!

Ele tossiu para acalmar o riso.

—Ah, tá bem. Eu vou querer um café. O mais forte possível, já que não tem refri. E me vê a coisa mais gordurosa que você tem.

Ele não tinha mudado nem um pouco desde que nos formamos.

Eu fui até o caixa e falei com Isabel.

—Um ovo com bacon. E café preto.

Ela assentiu com a cabeça, então entrou para a cozinha.

Aproveitando que não havia nenhum outro cliente naquela hora, me sentei ao lado do meu amigo.

—Então, o que achou daqui? Fora a parte de parecer um lugar hipster, claro. —Perguntei.

Ele olhou para mim.

—Você tá se sentindo feliz? —Ele perguntou.

Eu fiquei surpreso com a pergunta, mas confirmei com a cabeça.

—Então é o que importa. Sabe, dessa vez você parece mesmo feliz. Fazia muito tempo que eu não te via assim, feliz de verdade. —Ele disse. —Então, se você está feliz de verdade, eu quero que se agarre ao que te faz assim.

Eu fiquei simplesmente sem palavras. Respirei fundo e então pude me recompor. Nem Dark Ness conseguiu comentar algo para cortar a profundidade da conversa.

—Obrigado. —Foi o que eu pude dizer. O cheiro do bacon estava indicando que o "prato gorduroso" que Vinícius pedira estava quase pronto. —Eu vou ver a situação do seu pedido. Provavelmente vou voltar com ele.

Então, eu levantei e fui até a cozinha. Isabel estava colocando o café na xícara.

—Ele não parece meio estranho pra você? —Ela perguntou.

Eu fiz cara de bobo.

—O cara que você tava atendendo. —Ela explicou.

—Ah! —Fingi estar surpreso. —Ele é a minha carona pra faculdade hoje. Ele é, na verdade, meu amigo.

Ela soltou uma risadinha.

—Ele realmente não viria aqui se não fosse seu amigo.

—E você sabe que ele não vai vir mais, né? —Comentou Dark Ness, mesmo que eu não me importasse. Era importante que ele soubesse o que eu estava fazendo.

—É, e eu duvido que ele virá de novo. Não tem whisky pra ele aqui. —Falei.

Ela riu, então me entregou a xícara de café. Diego apareceu logo em seguida com o maravilhoso prato com ovo e bacon preparado por Isabel, sobre uma bandeja com talheres, sal e pimenta.

—Obrigado. —Falei, então fui até onde Vinícius estava.

Coloquei o prato e a xícara sobre a mesa dele. Também coloquei os talheres e temperos na mesa.

—Aqui está seu pedido. —Falei.

—Valeu, maninho! —Ele respondeu, e então começou a comer.

Eu fui até à cozinha enquanto isso, mas em todo o tempo, eu estava assistindo. Quando ele terminou, ele foi até o caixa, pagou a conta e saiu. Assim que eu terminei de tirar o prato e limpar a mesa, o meu horário acabou. Despedi-me dos meus colegas e, então, saí.

Vinícius estava me esperando do lado do corolla. Seu tom irônico como sempre.

—Não me obrigue a voltar aqui não, Ness! —E então ele riu.

Tive que rir também. Eu tinha mudado tanto desde que eu me formei e superei tudo aquilo. Mas sinceramente, eu sentia falta da música e do meu amigo.

Entramos no carro. Dark Ness, apesar de invisível para Vinícius, passou através da porta e se acomodou. Assim que Vinícius ligou o carro, ele também ligou o som. Saímos em direção à minha casa ao som de Detroit Rock City, da banda Kiss.

—Então, o que achou do lugar? —Perguntei.

Ele riu.

—Faltou uma Natasha! Mas sério, essa lanchonete hipster aí pode não fazer o meu estilo, mas tem potencial. Ela vai te fazer bem. Algum dia desses você vai estar aí de novo, pegando a mulherada. —Falou.

Eu senti Dark Ness mais perto.

—Heh! Não vai contar pra ele, vai? Você sabe, ele é teu melhor amigo. Vai arriscar perder o melhor amigo? Ou seria segundo melhor? O melhor sou eu né? —Zombou o resquício.

Aqueles pensamentos eram estranhos. Dentro de mim, eu sabia que estava tudo bem, e que Vini me apoiaria. Mas e se ele se afastasse de mim? E mesmo assim, falar isso com o carro em movimento? Eu já não podia esconder mais! Eu esperei uma semana inteira pra poder falar isso pra ele! Eu precisava. Mas a coragem que eu tinha não estava mais lá.

—Eu... —Foi o que eu consegui falar.

Vinícius diminuiu a velocidade e estacionou em uma vaga.

—Tá tudo bem com você, maninho? —Ele perguntou.

Eu olhei pra ele, tão preocupado comigo. Eu não conseguiria suportar perder mais isso.

—Oh! Ele nunca saberá! —Atiçou Dark Ness. —Uma vez covarde, sempre covarde, né? Ness, Ness, desista de uma vez. Se ninguém souber, melhor. Ninguém poderá usar isso contra você.

Por um momento, as palavras sussurradas na minha mente pareceram coerentes. Eu poderia esconder tudo de todos. Mas aí eu pensei. E pensei mais. Pensei em como minha vida seria cinza. Tão cinza quanto o céu estava. E o céu cinza estava começando a chorar. De fininho, as pequenas gotas começaram a cair, como se o céu quisesse esconder o choro. Então eu percebi que eu estava começando a chorar, e eu não queria chorar. Eu não queria.

—Oh! Pobre garoto! Forçado a fazer decisões difíceis. —Debochou Dark Ness. Senti seus braços envolvendo meu peito. Senti como se eu estivesse prestes a desabar também. Senti o frio, o medo e a tristeza voltando. Senti todos os sentimentos que reprimi por tanto tempo voltando. —Você não precisa falar. Vai ser mais seguro.

De repente, eu senti um toque no ombro. Eu olhei para o espelho retrovisor. Da minha perspectiva, o reflexo era eu. A mão de Vini no meu ombro. Eu olhei para o meu amigo. Ele estava sorrindo. Um olhar confortável e confiável.

Eu olhei em volta. Poucas pessoas na rua naquele dia. As poucas que ali caminhavam estavam armando seus guarda-chuvas. Quando tornei a fixar meus olhos em meu amigo, eu senti o calor da coragem. Senti os braços da repressão soltarem meu corpo e, principalmente, meu coração. Eu consegui a coragem de volta. E era tarde demais para voltar atrás.

—Me desculpa Vini. Você pode ficar assustado com o que vai ouvir. —Comecei.

—Não precisa pedir...

—Sim, preciso. —Eu o interrompi.

Senti Dark Ness ficar inquieto. Com raiva. Medo, talvez? Mas eu senti o ranger de dentes dele.

—Vinícius Gabriel Schneider, você é como um amigo pra mim. Foi assim desde o Ensino Médio. Eu não teria conseguido superar o meu passado sem você. —Eu falei.

A boca dele parecia querer falar, mas estava em silêncio. Era um pouco perturbador.

—Você falou sobre eu estar "pegando mulheres". O fato é que eu não sou esse tipo de cara. Claro, eu ainda não deixei de gostar delas. Mas, o que eu quero dizer é que... —Fiz uma pausa. Respirei fundo. Então continuei. —Eu já senti atração por você.

Ele ficou paralisado por alguns segundos, mas pareceu uma eternidade.

—Me desculpe, Vini. Me desculpe mesmo.

Ele riu com essas palavras.

—Não se desculpe. Olha Nestor, —Eu tinha medo quando ele me chamava pelo meu nome de verdade. —eu não sei como reagir a isso. De verdade, eu não sabia mesmo.

Ele não ligou o carro novamente. Ele só ficou com as mãos no volante, olhando para as gotas que caíam no para-brisa. Dark Ness estava apertando meu estômago. Era uma sensação familiar. O estômago embrulhando. Eu sabia o que era. Era uma sensação causada pela ansiedade. Tive isso por muito tempo.

—Você não deveria ter feito isso, Ness! —Dizia o fantasma. Eu o ignorei por enquanto.

—Tudo bem. —Falei. —Não precisa me levar até em casa. Eu não tenho um guarda-chuva, mas posso seguir sozinho a partir daqui.

Quando eu levei a mão até à maçaneta da porta do carro, ele segurou meu braço.

—Não, por favor. —Ele estava tentando não fazer contato visual. —Eu não estou bravo, magoado, ou o que quer que esteja pensando.

Eu parei para ouvi-lo.

—Eu só não fazia ideia. Então, aquele namoro com a Priscila, não foi real? —Ele perguntou.

—Foi sim. Eu gostava dela.

—Então, você é bi, certo?

—Eu acho que sim. —Respondi. —Ainda não tenho certeza.

Vinícius sorriu.

—Acho que eu entendi agora. —Então ele olhou diretamente pra mim. —Estou orgulhoso de você.

Eu senti minhas bochechas aquecerem. De novo, a vontade de chorar. Tentei segurar, e consegui sorrir. Então eu o abracei e comecei a chorar.

Ele não sabia o que fazer e ficou sem jeito. Eu percebi isso, mas fiquei daquele jeito por mais alguns segundos até soltá-lo.

—Você sabe que eu sou hétero, né? —Ele perguntou, depois que eu o soltei.

—É. —Eu respondi soluçando. —Eu respeito isso. —Mais soluços. —Eu tô tentando superar.

—E não tá conseguindo. —Reclamou Dark Ness. Ele ainda apertava meu estômago. Agora, com menor força.

—Que bom que você entendeu. Eu ainda sou seu amigo, tá? Eu estarei aqui sempre que precisar. Eu ainda vou cuidar de você, do mesmo jeito. Seja quem você é. —Vini estava confiante. Ou pelo menos parecia estar.

As mãos dele tremiam. Eu vi o esforço que ele fazia para se manter forte por mim. Ele se esforçava para que tudo parecesse normal, como era pra ser. A ideia de que ele se afastaria ainda mais apertou (literalmente) muito forte o meu estômago.

—Eu sou a primeira pessoa que sabe disso, Ness? —Vini perguntou, enquanto girava novamente a chave na ignição.

—Você é o primeiro, na verdade. —Respondi.

Ele provavelmente se sentiu melhor depois da minha resposta.

—Então se recompõe aí, maninho. Eu tenho que te levar de volta pra casa. —Ele falou, assim que o carro começou a andar. —Lembra que eu tô orgulhoso de você!

Eu lembrei. E o meu estômago se sentiu aliviado do aperto. Mais um sentimento reprimido era deixado de lado. E apesar da chuva ter começado a cair, eu sentia que o Sol da minha mente começava a aquecer o meu futuro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Desculpa por ter sumido por um tempinho. Eu prometo que vou dar meu melhor aqui e na vida real ^^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Resquício - Com Café" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.