Bye - 6259 escrita por Mauschen


Capítulo 9
Lugar vermelho e agradável.


Notas iniciais do capítulo

Do tupi guarani:
Anhapõa - Dentes caninos, presas.
Angûeraso - aquele que assusta, assustador.
Macuim - Pequeno roedor.
Jibá - Braços (longos)
Do grego:
Nicolas - aquele que leva a Vitória, vitorioso.



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Jibá olhava para o máximo de lados que podia com seus dois pequenos olhos negros e
profundos. Em suas mãos repousavam pedrinhas de beira de rio, sua fiel munição na
brincadeira. Ele andava cauteloso pelo chão grudento de lama suja de vermelho, tinha um
cheiro ruim, mas ninguém se importava mais com ele, todos já haviam se acostumado. As
carcaças de prédios altos eram o palco perfeito pra brincar de tiro ao alvo, sendo os alvos
eles mesmos.
O menino pensou na estratégia perfeita para sair vitorioso. Anhapõa não podia andar, então
devia estar escondido num dos prédios vazios, onde podia acertar os outros de longe, ou
tinha feito aliança com alguém para ser carregado, provavelmente com Angûeraso, ele era
forte e podia carregar uma pedra pesada sem problemas, eles teriam vantagem com a
aliança. Mas se o grandão tivesse sozinho, não estaria muito preocupado em ser discreto.
Já Macuim não devia estar longe, ele era furtivo e ágil graças à pequenez, sempre tentava
pegar os outros de supressa.
Continuou andando prestando atenção nos prédios, usando suas grandes patas de aranha
que saiam de suas costas. Graças a elas podia se apoiar nas paredes e atacar os outros de
cima, embora ficasse exposto. Viu Angûeraso passando pela rua abaixo, sequer se dava o
trabalho de olhar para os lados. Jibá ergueu a pedrinha na sua mão e pam! Angûeraso
eliminado! O wendigo finalmente olhou para cima e fez cara feia para a criança aranha
risonha.
Jibá desceu do prédio, e apenas pode sentir o baque na cabeça.
―Jibá eliminado! ― Ouviu a voz doce e infantil vindo acima deles, acenava com uma das
mãos e com a outra se apoiava na janela. Angûeraso riu da cara do pequeno aranho ao ser
acertado por Anhapõa. ― 'Raso, vem me buscar?

Em pouco tempo os três aviam chegado ao prédio onde viviam. Era o menos destruído do
lugar, mas um dos menores. Jibá organizou os dois andares em áreas. O térreo era centro
de operações, o lugar das reuniões e deposito, embora parecesse mais um lixão com uma
mesa no meio. Macuim era um verdadeiro acumulador. O segundo andar era onde ficavam
os quartos, banheiro e cozinha, havia dois quartos que podiam ser usados, já que não
tinham entulho ou coisa do tipo os obstruindo. Um era de Jibá e Macuim e o outro de
Anhapõa e Angûeraso. Só tinha um banheiro utilizável e a área grande (que deveria ter sido
planejada pra ser apenas um salão) era a cozinha/sala.
O wendigo deixou 'Põa no sofá vermelho e mofado da sala, o menino gostava de coisas
vermelhas. Ele se deitou usando 'Raso de travesseiro, observando atentamente Jibá
acendendo o fogão improvisado de tijolo para preparar macarrão instantâneo ou alguma
comida enlatada. Estava ficando incomodado de ficar na forma humana.
―Come. ― Jibá estendeu um prato com arroz e feijão para 'Põa, que deu um sorriso
sincero e fez o mesmo à 'Raso, se sentando na outra ponta do sofá. ―Onde será que tá o
Macu?
―Tentando pregar uma peça na gente, provavelmente. ― Respondeu o wendigo sem se
importar muito com o púca. Aquele projeto de goblin era chato. ―'Põa acertou uma pedra
em cheio na cara dele.
Os dois maiores riram e conversaram bastante. 'Põa já havia dormido, voltando pra
verdadeira forma, um pequeno lobinho de pelo escuro e duro, provavelmente ele estava
sujo de lama. ‘Raso acomodou o filhotinho nos braços, desejou boa noite a Jibá e foi dormir.

‘Põa não era uma criança chorona, apenas muito carente. Vivia grudado em ‘Raso ou em Jibá, (Macuim era pequeno demais pra carrega-lo). Era até quieto demais, sempre lendo um resto de livro que achava ou desenhando nas paredes. Mas hoje parecia um dia particular. A última vez que um dos três tinha visto o pequeno chorar fora quando ele era apenas um bebê, não conseguiam entender por que ele chorava. Tentava abraçar ‘Raso e Jibá ao mesmo tempo, nem conseguia formar palavras coerentes. Eram barulhinhos parecidos a latidos que a forma humana podia imitar.
Macu veio trazendo um pouco de água e ofereceu ao pequeno. Ele só havia voltado pra casa de manhã, tinha ficado a noite procurando coisas pra adicionar a coleção no térreo, quando chegou apenas se deparou com ‘Põa chorando e dois caras parecendo um casalzinho de primeira viajem. O projeto de lobisomem só tinha tido um pesadelo, mas ‘Raso estava preocupado e Jibá tentava fazer umas piadas, que na humilde opinião de Macu, só estavam piorando tudo de tão ruins.
O púca se lembrou de um dos achados de suas pequenas aventuras. Foi o mais rápido que suas pernas deixavam até o depósito e voltou com um pequeno boneco de pelúcia. O tecido do brinquedo era velho, mas tinha uma cor vermelha bonita, queria dar a ‘Põa só no seu aniversário, mas agora era um bom momento. ‘Põa só viu o boneco... Apenas enterrou o rosto no pelo de ‘Raso.
―Boa tentativa― Jibá bateu nas costas do goblin rejeitado. O menino com patas de aranha saiu do abraço do lobinho sem dificuldades, o que fez o choro piorar. Mas voltou com em seguida com alguns papéis e lápis coloridos. Isso não fez com que Anhapõa mudasse completamente de humor, mas ele parou de chorar ao menos. Se enfiou no próprio mundinho de desenhos, no colo do wendigo.
‘Raso não ligava ser a “mãe”, sentia-se orgulhoso de ser visto assim pelo lobinho. Ele tentava achar alguma coerência nos rabiscos que ‘Põa fazia. Era um boneco de palito com quatro linhas saindo das costas. No começo achou que fosse Jibá, mas ele não tinha cabelo loiro nem vestia um vestido. A verdade lhe veio como uma pedrada.
―Eles estão aqui― O wendigo chamou a atenção dos dois garotos que conversavam.
―O-Os Anjos? ― Macu disse já entrando em pânico ao ver o desenho estendido. Ninguém tinha falado para ‘Põa sobre os anjos, se o pequeno desenhou um é porque viu um! Anjos eram criaturas más, achavam que seres como aquelas crianças eram apenas monstros que não podiam pensar e raciocinar. Muitos haviam sido levados por eles, é só o Divino sabe o que aconteceu com seus amigos e parentes. Jibá não deixaria mais nenhum ser levado, protegeria os amigos não importa o que acontecesse.

Anhapõa largou o caderno de desenho. Não estava conseguindo pensar num bom jeito de continuar a história. Talvez alguém deva ser capturado pelos anjos... seria um bom jeito de introduzi-los adequadamente.
―Nick? ― ‘Põa olhou em direção a porta. Uma das enfermeiras entrava com uma bandeja de comida. O pequeno gostava dela, Maria era a mais gentil. ―Estava desenhado?
‘Põa deixou que ela visse os desenhos. Não eram tão bem feitos como gostaria, Macuim obrigaria com ele por não desenhar sua beleza incrível se existisse.
―Que legal. Eu adoro esse com patas de aranha― Ela elogiou os traços infantis, mesmo qual mal pudesse ler o que o garoto escrevia, achava a história fofa. Maria deixou o caderno no canto da cama, onde ficavam os ursinhos de pelúcia que serviam de inspiração para os personagens para história de ‘Põa. ― Bem Nick, deve estar com fome. Hoje temos purê de batata com queijo, gosta?
O menino assentiu se ajeitando na cama para comer. Apenas não gostava de ser chamado de Nick ou Nicolas. Aquele não era o seu nome de verdade, mas insistiam chama-lo assim, não sabia de onde tinham tirado esse nome... Nomes são coisas especiais, tem que ter um significado que combine com a pessoa e “Nick” não tinha nada a ver consigo. Ele era o completo oposto de alguém vitorioso. Tinha sido aquele cara bonzinho na floresta que havia lhe dado esse nome, talvez na época que morou com ele esse nome fizesse sentido, mas agora sentia que não merecia ser chamado assim. Anhapõa fazia mais jus a si.
Maria pegou uma prancheta e começou a anotar coisas que o pequenino não podia ler― Certo. Como se sente? ― ‘Põa pensou bastante. Era uma pergunta bem complicada. Apenas fez um gesto com as mãos, “nada”. Pensou mais um pouco e entrelaçou os dedos e os balançou a frente do corpo, “confusão”.
―Entendo ― E assim começou uma série de perguntas que o menino tentava responder do melhor jeito que conseguia sem precisar abrir a boca, respostas estranhas só faziam ele ter que tomar mais remédio com gosto ruim. Maria finalmente foi embora e o deixou no quarto de paredes brancas e sem graça, ‘Põa gostava de pinta-las, as enchendo aos poucos de desenhos que gostava. Voltou a atenção para os bonecos de pelúcia.
―Eu continuo a história depois ok? Tô com sono... ― Os bichinhos entenderam e não viram problema em dormir um pouco. Anhapõa os abraçou e em poucos segundo já sonhava com seu lugar cinza e agradável.


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