Poni Vanish escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 3
Dia 3




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A segunda noite se passou sem que Looker conseguisse descansar. Cada vez mais, sentia-se culpado pelos erros cometidos. Um caso aparentemente simples estava se desenrolando com falhas em sequência para lhe atormentar.

Suas conclusões precipitadas na véspera deram de cara com informações úteis, verdade, mas foi mais tempo perdido em uma situação que poderia ter sido resolvida em minutos caso ele não tivesse com sua guarda baixa quando de sua investigação nas planícies.

Agora, com sua principal pista tendo desaparecido tanto quanto os jovens, era hora de tomar outro tipo de medida.

Não antes de receber uma bronca da policial encarregada de lhe acompanhar nas investigações no instante em que ele chegou para o trabalho, pouco depois do amanhecer.

— Onde você esteve ontem à noite?

— Bom dia para você também…

— Você ao menos leu o relatório médico que deixei na sua mesa para saber com o que estamos lidando?

Merda!

Looker não respondeu, sabendo onde havia errado. Partira cedo demais para o vilarejo, tendo quase certeza de que encontraria lá as respostas para o crime.

E não poderia estar mais enganado, percebeu; a cor fugia de seu rosto a cada linha visualizada da perícia, retornando em tons de vermelho ao final da leitura.

— Isso é sério?

— O que você estava pensando que fosse? São adolescentes, sabe como é essa idade…

A inquietação de Looker era por não ter percebido aquele tipo de detalhe durante o relato na véspera, quando os procurou para comentarem sobre o sumiço.

O relatório médico, porém, mostrava o que ambos tentavam esconder. Estavam bem alimentados e sadios, sem qualquer sintoma de que tivessem sido mantidos em cativeiro e sem sinais de violência, com exceção da região genital.

Tornava-se óbvio o motivo do mais jovem deles estar tão inquieto na cadeira ao ser questionado, tendo tido relações sexuais por várias vezes nos últimos dias. Situação semelhante se aplicava ao outro, o que dava a entender não ser um caso de desaparecimento como o imaginado, mas que ambos haviam fugido para alguns dias de romance mútuo.

Sendo assim, o desaparecimento atual possivelmente em nada tinha a ver com o anterior. Considerando que a segunda dupla não teria a mesma motivação da primeira para tais atos… ou talvez tivesse?

Quais seriam as chances?

Contudo, outra vez as peças não se encaixavam como deveriam. Perdia-se o ponto principal que norteava todas as investigações, que seria o uso de hipnose no sequestro, uma certeza dada pela ilusão de Looker enquanto andava com eles até as montanhas.

Eu sei que precisavam se livrar de mim naquele momento…

O pensamento dele não fazia sentido. Ora, se fosse por esse motivo, bastava que eles não o acompanhassem. Estariam sozinhos e poderiam sumir sem deixar qualquer pista.

Sem contar que a dica de Mesmer se mostrava quase que uma perda de tempo. Afinal, não era incomum de se encontrar Hypno selvagens naquela região do desaparecimento, apesar de eles nunca usarem seus poderes contra humanos; não eram seu alvo, tampouco era de seu feitio fazer com que criaturas desaparecessem. Afinal, alimentavam-se de sonhos e, para isso, precisavam de presas saudáveis e felizes, como os Trumbeak ou Gumshoos que viviam na região.

Looker persistia com a ideia de que havia algo a ser descoberto que ligaria ambos os casos.

E, para isso, precisaria de um novo interrogatório com os primeiros desaparecidos.

~ ~ ~

— Com licença, posso entrar?

Não foi difícil encontrar o paradeiro de ao menos um dos treinadores, hospedado no centro pokémon da região. Era o maior e mais velho dos dois, o que dadas as circunstâncias deveria ter menos receio de tocar naqueles assuntos delicados.

Ao menos em teoria, tendo em vista a expressão emburrada do garoto com a chegada do detetive, acompanhada pelo retorno do Gastrodon de que ele cuidava para a pokébola.

— Desculpe pela bagunça… — comentou ele, estendendo o lençol, antes embolado no chão, de volta sobre a cama, sem muito cuidado. — Mas já lhe adianto que não tenho nada para lhe falar que eu já não tenha dito ontem…

— Talvez… Ainda não tenho uma explicação concreta para o que aconteceu, toda e qualquer pista é bem-vinda.

Looker puxou a cadeira da escrivaninha, sentando-se de frente para o jovem que se acomodava na beirada da cama, escondendo uma embalagem vazia de ração em seu bolso.

— Primeiro de tudo, eu gostaria de saber se você já viu algum desses treinadores…

O garoto analisou as fotos dos outros desaparecidos por um breve instante, logo as devolvendo para Looker.

— Minha memória não é muito boa, talvez eu tenha visto de relance, não sei… mas não conheci nenhum dos dois.

— Não sei se ficou sabendo, mas eles sumiram na mesma noite em que você e seu colega foram encontrados, acredito que possa haver uma relação entre os dois casos.

— Estou tão curioso quanto o senhor nessa. Quer dizer, como eu posso ajudar se eu nem mesmo sabia que estava desaparecido?

— Pois bem, era nesse ponto que eu queria chegar. Eu preciso que me diga se você sabe de alguma coisa que não quis comentar ontem lá na enfermaria. — Looker falava, analisando o espanto no rosto do jovem ao contrair seus músculos faciais. — Não importa o que tenha a dizer, saiba que eu não vou lhe julgar, independentemente do segredo…

— Pera lá, o senhor está insinuando que eu ia mentir pra vocês?

— Eu jamais diria isso. Perguntei apenas se você não pode ter se esquecido de algum detalhe…

— Qual é? Se eu me lembrasse de alguma coisa eu falaria! — O tom de voz agressivo do garoto denunciava sua irritação. — Eu já te falei, a última coisa que eu me lembro foi de estar voltando pra cá pro centro depois da batalha e quando eu me dei conta tinha três policiais nos acordando…

— Vou perguntar diretamente então. Você me afirma com toda a certeza que não se escondeu com seu colega por…

— Tá querendo me sacanear? Tá achando o quê, só porque eu sou gay eu vou sequestrar outros rapazes? Eu não preciso dessas coisas, não sou de esconder nada de ninguém… sem contar que eu nunca faria nada com alguém mais novo do que eu!

— Qual sua idade, mesmo?

— Dezessete.

— Entendo… E se eu lhe dissesse que os exames que fizeram em vocês provam que você teve várias relações sexuais ativas com seu colega durante esses três dias?

— Então eu diria que o senhor está mentindo… — o jovem aproximou-se de Looker, baixando o tom de voz ao terminar a frase — porque eu sou passivo.

O detetive parou, apenas o observando. A linguagem corporal do garoto era clara; apesar de ele estar se resguardando devido ao tema mais pesado da conversa, não havia qualquer indício de mentira em seu relato. Ele acabara de se abrir mesmo em seus detalhes mais privados, mesmo assim não se intimidara com a ameaça.

Sem contar que isso não se conectava o desaparecimento atual.

— Tudo bem, você me pegou nessa — mentiu Looker. — Só queria confirmar que estava falando a verdade.

— Eu já te falei, não teria porque enganar ninguém…

— Certo, pra finalizar então. Você se lembra da sua batalha com o outro garoto? Sabe me dizer se havia outros treinadores por perto?

— Não, eu não cheguei a ver ninguém pelas redondezas… e olha que eu procurei, porque senti durante a luta que estava sendo observado…

— Certo. E se eu perguntar para seu colega, ele pode me confirmar tudo o que você disse?

— Te garanto que ele não vai desmentir nada do que eu falei.

— Obrigado pelas informações — disse Looker, levantando-se e cumprimentando o garoto. — E desculpe pelo transtorno.

Este apenas deixou que Looker saísse pela porta; o detetive escondia bem sua frustração. Cada um de seus passos até então havia dado em becos sem saída. Pensava que seria apenas mais um caso qualquer, sem muitos contratempos, mas que estava se desenrolando para o terceiro dia de investigações. E ele se via de volta à estaca zero.

Até que, subitamente, uma ideia lhe passou pela sua mente. Era um plano arriscado, mas o único que podia lhe trazer alguma resposta.

Aproveitando que estava em um centro pokémon, entrou em contato com o quartel-general de Unova.

Pois precisaria de reforços.

~ ~ ~

A tarde caía com a chegada de dois treinadores na região das planícies da Ilha Poni. O mais jovem deles, com talvez uns quinze ou dezesseis anos e um rabo-de-cavalo pouco usual em garotos daquela idade, mostrava-se inquieto em meio a uma região desconhecida para ele.

— Vá com calma, Zach, lembre-se do que eu te falei!

O mais velho dos dois, trajado com as vestes alaranjadas típicas de um Ranger, chamava a atenção do colega para evitar que este corresse em direção à grama alta.

— Não sabemos que tipo de pokémon podemos encontrar, e não é saudável incomodá-los!

— Você tem razão — guinchou o jovem, quase cuspindo as palavras. — Mas dá vontade de correr por toda essa ilha, olhe só isso!

— Não foi pra isso que viemos aqui, Zach! Melhor me obedecer, não queremos arrumar encrenca tão cedo…

Os dois caminhavam apressados, procurando pela presença de algum outro treinador pela região encravada entre os rochedos e uma cadeia de montanhas.

— Tem certeza que é aqui, Boni?

— Eu também não sei, Zach, também não conheço muito dessa ilha pra falar a verdade…

Eles logo se aproximaram de uma clareira mais próxima às grandes rochas que bloqueavam o caminho mais próximo para o litoral leste da ilha, onde finalmente sentiram alguma presença humana. Uma garota de cabelos negros encaracolados e curtos sentava-se aos pés de uma das árvores, sua mão esquerda ocupada com uma caneta. Certamente fazia algumas anotações, visto que seu olhar estava perdido em uma das páginas do caderno em seu colo.

Os dois rapazes trocaram olhares rápidos antes de seguirem adiante. Zach ia na frente, ansioso por alguma coisa, porém Boni seguia com certa tranquilidade, liberando seu Croagunk sem qualquer pressa.

— Aqui parece um local adequado para treinarmos… Oh, desculpe. Não vou atrapalhá-la?

A garota não respondeu, estando absorta com o que escrevia, ao que o Ranger tomou como um sinal verde para prosseguir.

— Certo… Zach, preste atenção para ver como se faz! Croagunk, vamos treinar o seu Vacuum Wave, tudo bem?

Os dois ali permaneceram por talvez uns vinte minutos, o pokémon lutador usando seus golpes contra algumas pedras que o Ranger atirava em direções diversas. Zach, a princípio animado para acompanhar o mais velho em seu treino, logo se entediou, sentando-se não muito distante de onde a menina estava. Esta, contudo, logo sentiu-se incomodada, afastando-se com a proximidade do menino.

— Bom trabalho, Croagunk! Acho que por hoje está bom.

— Ei, Boni, você não me deixou tentar…

— Não hoje, Zach! Você não está pronto ainda. Sem contar que o Croagunk já se cansou, não quero forçá-lo.

— Tá bom, Boni, eu entendi o recado. Já vai voltar para o centro?

— É uma boa, confesso que estou meio cansado…

Os dois retornavam a passos lentos, com diversas paradas no meio do caminho para recolherem berries caídas. Boni, em particular, demorava-se por minutos escolhendo as frutas que estivessem em melhores condições, despreocupado com estarem sozinhos em uma planície desconhecida em pleno anoitecer.

Foi quando ouviu um curto estalo a lhe roubar toda a concentração.

Concentrou-se apenas em olhar para a frente, em um movimento quase robótico. Boni e Zach deparavam-se com um Hypno a poucos metros de distância, quase invisível em meio a grama mais alta de um dos arbustos.

“Venham comigo, sei de um bom lugar para descansar.”

O pokémon psíquico seguia a frente em passos acelerados, rumando em direção a uma passagem ignorada pela rota em direção às montanhas, tomando um desvio inusitado por entre as ruínas. Zach ia no meio, logo à frente de Boni a fechar a fila, sem manifestar qualquer emoção, sendo controlado pelo pêndulo que balançava em um ritmo constante nas mãos do pokémon.

O atalho pelo qual caminhavam dava em uma casa ligeiramente rústica, uma construção em alvenaria mal-acabada, a iluminação elétrica visível por uma pequena janela lateral, mais alta do que mesmo Boni poderia alcançar se estivesse alinhado a ela.

Seguiam pelo outro lado, contudo; o Hypno deu três batidas ritmadas na porta antes de abri-la, revelando uma cena capaz de surpreender a ambos os visitantes caso eles não estivessem hipnotizados pelo pokémon psíquico.

Dois adolescentes posicionavam-se em uma cama, completamente despidos. Dormiam profundamente, o maior dos dois cobrindo o outro como uma concha. Alguns objetos incomuns estavam jogados por ali, incluindo preservativos e estimulantes vibratórios, o que evidenciava o caráter da relação entre os dois jovens ali deitados.

Do outro lado havia uma garota sentada em uma mesa de tamanho considerável, toda tomada por objetos. Um caderno ao centro, rodeado por várias folhas de papel amassadas, uma grande variedade de canetas e pelo menos cinco copos cheios com um líquido que provavelmente era água.

— Que bom que chegou, Phantasos, eu estava quase arrancando os cabelos aqui. Mas por que trouxe os dois? Eu não te falei que só queria o mais novo? Se bem que, olhando melhor, ele pode me servir também…

A garota deu um curto bocejo, sentindo certo cansaço após o percurso realizado da clareira nas planícies para a casa; ao contrário deles, não tinha um preparo físico adequado para uma treinadora.

Atirou então uma pokébola, liberando outro Hypno; este tinha uma coloração púrpura em vez do amarelo habitual.

— Morpheus, eu vou descansar um pouco, coloque esses dois para dormir também…

A frase era a deixa ideal.

Night Daze!

O grito de Boni ecoou pelo cômodo, por pouco não acordando os jovens adormecidos. Seguiu-se por um pulso de energia negra emanado de Zach, pegando ambos os pokémon psíquicos de surpresa, abatendo-os de imediato.

— Mas que porra!

— Você está presa! — O ranger gritou, removendo a boina e, juntamente com ela, a peruca loira que usava como parte do disfarce. Liberando seus dois pokémon, Looker sabia que ela não seria capaz de escapar, não quando ele bloqueava a única saída daquela casa.

Zach uivou logo em seguida, revelando sua verdadeira forma como um Zorua. O pokémon canídeo fora o responsável pelo sucesso do plano, bloqueando os poderes hipnóticos usados pelos Hypno, sendo ele mesmo imune aos efeitos de pokémon psíquicos sobre sua mente.

Não foi surpresa que, incapaz de reagir, a garota fosse imediatamente detida, logo se rendendo e permitindo que Looker a algemasse. O que o surpreendia era como uma garota como ela, que se mostrara tão tímida da primeira vez que Looker a viu, ocultasse aquele tipo de segredo por trás de uma face tão meiga.

— Eu não entendo… por que?

A jovem perdera a fala. Balbuciava alguns sons, quase incompreensíveis, sem conseguir se expressar. Looker não a pressionava. Sabia que ela não teria a menor condição psicológica de lhe responder a suas dúvidas naquele estado.

Por precaução, ocultou o caderno da garota no bolso direito de seu casaco, pouco antes dos reforços chegarem para levá-la até a delegacia. Vantagens de se ter um Fearow devidamente treinado, pensou, já mentalizando uma noite de sono mais tranquila com os desaparecimentos enfim resolvidos.


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