Já era bem tarde da noite quando Dona Benta sugeriu aos moradores e hóspedes do Sítio do Picapau Amarelo que suspendessem a busca por Edmundo e voltassem para casa para dormir. Seria melhor, principalmente para as crianças, que continuassem depois de descansados, no dia seguinte. Algumas pessoas da cidade também já tinham ido para as suas respectivas casas dormir. As crianças não gostaram muito da ideia, mas Dona Benta prometeu que amanhã de manhã bem cedinho eles voltariam com a busca. Conselheiro deu a ideia de se revezar com Quindim como vigia, caso o Edmundo aparecesse por lá ou alguém fosse ao Sítio avisar que o havia encontrado e todos estivessem dormindo. A avó de Narizinho achou a ideia ótima e as crianças também, bom, a maioria delas...

Voltaram ao Picapau Amarelo, comeram e, após o jantar, Dona Benta e Tia Nastácia foram atrás de redes para os visitantes. Enquanto as crianças esperavam por elas na sala, Pedrinho, de repente, deu um suspiro e colocou a mão na testa como a gente faz quando percebe que esqueceu de alguma coisa ou quando se acha burro.

— Não acredito que eu não pensei nisso antes!

— O que foi, Pedrinho? — Perguntou Narizinho.

— Se o Edmundo tá em perigo... vocês falaram que foi o que o leão disse, né? — O menino voltou-se para os Pevensie.

— Isso, o Aslam — respondeu Lúcia.

— Então ao invés de ter procurado pelo sítio, pela cidade e tal, a gente devia ter ido em algum lugar perigoso!

— Mas você e o Pedro não foram procurar lá no Capoeirão dos Tucanos em algum momento? — Perguntou Susana.

— Sim, a gente tava lá ainda agora, mas... a gente não foi em todos os lugares do Capoeirão, sabe?

— Você também, né, Pedrinho? — Emília interveio. — Nem pra guiar o seu xará... Você conhece a mata, ele não.

— E em qual parte da mata a gente não foi? — O xará de Pedrinho perguntou.

— Ah, não! — Exclamou Narizinho. — Você não tá pensando que o Rei Edmundo pode estar na Caverna da Cuca, tá, Pedrinho???

— É claro que eu tô! Onde mais ele poderia estar?

— Quem é Cuca? — Perguntou Susana, que já estava começando a ficar preocupada com aquela suposição.

— É uma bruxa que é meio jacaré meio mulher...

— E ela é muito perigosa? — Perguntou Lúcia assustada.

— Bom, ela já me transformou em pedra uma vez — respondeu Narizinho.

— Parece a Feiticeira Branca! — Pedro lembrou da bruxa que dominava Nárnia antes de ele e seus irmãos irem para lá.

— A Cuca é perigosa e poderosa.

— Hum. Eu não acho ela tão poderosa assim — disse Emília. — O meu faz-de-conta é bem mais poderoso que qualquer feitiço dela...

— Ah, nem vem, Emília! — Retrucou Pedrinho. — Que a Cuca também já te pegou!

Percebendo que os Pevensie estavam ficando cada vez mais preocupados com o irmão, Narizinho decidiu mudar de assunto:

— Mas, calma! A Caverna da Cuca não é o único lugar onde a gente não procurou: também falta o Reino das Águas Claras. Tem perigos lá, mas também tem muitos guardas e tal que podem estar protegendo o Edmundo.

— Reino das Águas Claras? — Perguntou Susana, confusa.

— Ah, é, eu não falei dele pra vocês ainda...

Naquela hora, as idosas chegaram com as redes e ouviram o final da conversa.

— Narizinho, amanhã você conta sobre suas aventuras no Reino das Águas Claras— disse Dona Benta.

— Eu não tava contando aventuras, vovó. Só sugeri que a gente fosse lá amanhã pra procurar o Edmundo.

— Ah, bom. É uma ótima ideia! É... Pedro, você pode ficar no quarto do Pedrinho e as meninas, no quarto da Narizinho, está bom pra vocês?

Eles disseram que sim, pegaram as redes, agradeceram e foram aos respetivos quartos. Mas antes, Lúcia cutucou Pedrinho e o perguntou:

— Você sabe o caminho pra Caverna da Cuca?

— Sei, sim. Fica tranquila, que amanhã, assim que o sol nascer, a gente vai lá procurar o irmão de vocês — o menino respondeu, sorrindo.

Lúcia também sorriu e voltou a seguir Narizinho e Emília. Mas não estava satisfeita. De todos os irmãos, era a mais sensível e a que estava mais preocupada.

***

A ordem era dormir, porém os Pedros só faziam conversar. O mais velho queria saber tudo sobre a Cuca, pois estava muito preocupado com o irmão.

— Seu irmão é esperto? — Perguntou o mais novo.

— Ele sempre foi. Só não era muito sábio, mas isso tá mudando agora que ele é rei.

— Então não precisa se preocupar. Eu, a Narizinho e a Emília sempre escapamos dela com a nossa esperteza e com a ajuda dos amigos, é claro.

— É comum vocês serem pegos por ela?

— Na verdade, sim. Você é inglês, por isso nunca ouviu falar da Cuca, mas, aqui no Brasil, toda criança ouve uma música de ninar que diz que ela pega as crianças quando os pais não tão. Além d'a gente aprender sobre ela na escola, já que faz parte do folclore.

— Ah... — Pedro estava um pouco assustado, um pouco confuso.

— Você deve tá pensando que todo mundo aqui no Brasil sabe da existência dela e que isso não parece coisa do seu mundo, né? Na verdade, a maioria acha que ela é só uma lenda, mesmo, e geralmente são só as crianças que acreditam nela. Só que aqui no Sítio as coisas são muito diferentes de como são no resto do país, por isso a gente sabe que a Cuca, o Saci e a Iara existem, por exemplo.

— Ah, entendi. Isso é por que tem magia por aqui, né?

— Exatamente! Mas quando eu falo de qualquer uma dessas coisas lá na cidade grande, onde eu moro, as pessoas acham que eu sou louco.

— Eu imagino! Eu também achei que a Lúcia fosse louca na primeira vez que ela falou sobre Nárnia...

— E agora você é rei de lá.

— Haha pois é, que ironia!

Agora foi a vez de Pedrinho querer saber tudo sobre Nárnia. Por mais que ainda estivesse preocupado com Edmundo, Pedro havia ficado mais tranquilo ao lembrar que ele era realmente esperto e que isso, de certa forma, o protegeria até o socorro chegar (estando ele na Caverna da Cuca ou não).

Eles não eram os únicos acordados lá naquela casa. Após Narizinho contar sobre o Reino das Águas Claras, Susana dizer que preferia acreditar que Edmundo estivesse lá a acreditar que estivesse com a Cuca e Emília falar algumas asneiras, as três começaram a dormir. Porém Lúcia não dormia de jeito nenhum. Ela até tentou, mas não conseguiu, estava preocupada demais. Ela só conseguia pensar: "o Edmundo está na Caverna da Cuca, não no Reino das Águas Claras. Eu sei que está, foi por isso que o Aslam nos mandou justamente pra mata, porque ele está lá. Eu não posso ficar aqui parada, tenho que ir atrás dele! Mas tá tão escuro..." Esses pensamentos ficaram martelando na cabeça da menina, até que ela se levantou, pegou sua adaga e seu elixir da cura e, apalpando as paredes, foi até a cozinha. Chegando lá, procurou por uma vela, um suporte para vela e palitos de fósforo (esperava não ter se esquecido de nada!) e, após encontrar, voltou a apalpar as paredes até encontrar a porta de entrada, abri-la e sair.

Lúcia tomou um susto ao ver Quindim, havia esquecido da ideia do Burro Falante de eles dois revezarem a guarda. Porém, ficou aliviada ao ver que o rinoceronte estava dormindo. Isso deveria ser ruim, já que a função dele era vigiar, mas, para uma menina que fugia escondida, era ótimo! Enfim, Lúcia seguiu para o Capoeirão dos Tucanos. Ela ainda não conhecia a mata direito, porém tinha um plano: como já lera muito João e Maria na sua vida, sabia que devia marcar o caminho de algum jeito, mas de um jeito que não pudesse ser comido por pássaros ou qualquer outro bicho; então Lúcia decidiu riscar com sua adaga as árvores por que passava, assim, caso se sentisse perdida, era só olhar se as árvores tinham risquinho ou não. Assim, a pequena Pevensie se foi pela mata.