Trevo de Quatro Folhas escrita por Dixon


Capítulo 5
A Dor do Passado é a Revelação do Presente


Notas iniciais do capítulo

Hey, aqui estou eu para matar a curiosidade de vocês! Teve gente que acertou nas teorias, mas é claro que eu me fiz de sonsa, de desentendida e disse que não era nada disso, se não iria estragar a surpresa né amores HAHAHA Espero que gostem!

Por favor, deixem comentários, isso me estimula muito e me ajuda saber se ainda estão comigo! Também podem me chamar no twitter (@dixonfanfic) ou deixar perguntinhas anônimas (ou não) no curious sobre a fanfic ou sobre qualquer outra coisa que quiserem, quero estar o mais próximo possível de vocês! ♥ (curiouscat.me/dixonfanfic).

Agora, venham comigo embarcar nessa loucura de fanfic!



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Ema continuava tagalerando sobre a mãe, mas Julieta não escutava mais uma palavra sequer da menina. Por um instante tudo ao seu redor havia desaparecido, se viu perdida nos próprios pensamentos, na própria dor e nos demônios do passado que nunca a deixaram, mas que agora estavam determinados a destróí-la de uma vez por todas. Não conseguia se mover, não conseguia falar e sequer conseguia respirar, então, com muita determinação reuniu todas as forças que conseguiu para reagir.

— Eu preciso ir. — As palavras saíram abruptas, rápidas e emocionadas. Somente agora a jovem ao lado notou o estado em que a mais velha se encontrava e isso a assustou.

— Dona Julieta... — A menina Cavalcante jamais tinha visto a empresária daquela maneira, parecia extremamente perturbada. Não entendia o que tinha acontecido, será que ela tinha feito alguma coisa que a mulher não aprovava?

— Eu realmente preciso ir, Ema. — A Rainha interrompeu com a voz firme, mas ainda com resquícios da inquietude que consumia a sua alma. Levantou-se imediatamente e se pôs a andar em direção a porta, antes que a neta do Barão pudesse fazer qualquer coisa. — Obrigada pelo chá, eu apreciei muito! — Declarou antes de desaparecer pela porta, deixando uma jovem atônita e confusa para trás.

Julieta precisava sair daquela casa antes que não pudesse mais conter as emoções e se desmanchasse no chão, em meio a lágrimas e dores. Seria obviamente uma cena patética para Ema assistir, sem contar que deixaria a garota ainda mais confusa e preocupada.

Ficou parada em frente a casa de Brandão. As mãos e as pernas tremiam, estava nauseada e o sentimento no peito era a mais inexplicável que já havia sentido. Tentava puxar o ar, mas ele não vinha, começou a ofegar na desesperada busca pelo oxigênio e então, rasgou ferozmente a gola de renda que cobria todo o pescoço. Finalmente encontrou o ar que buscava, levando alguns segundos para conseguir repirar normalmente de novo.

Segurou com as mãos os lados do vestido preto e os ergueu um pouco, impedindo que a barra entrasse em contato com o solo. Iniciou uma corrida para qualquer lado, sem nenhuma direção, sem nenhum caminho certo para ir, sem nenhum destino, apenas queria sair dali, iria para qualquer lugar, não interessasse qual fosse. Correu até o ar ser arrancado dos seus pulmões novamente, correu até sentir as solas dos pés doerem, até sentir os nervos das pernas começarem a se contorcer pelo esforço, até sentir que o peito ia explodir e só parou quando não podia mais continuar, quando todas as suas forças se esgotaram.

Estava em cima de um morro, não tinha nada ao seu redor a não ser mato e árvores, não fazia ideia de como tinha parado ali ou por qual caminho tinha percorrido para estar ali, mas isso não importava. A respiração ofegante, desesperada, se misturava junto com as lágrimas que agora escorriam livremente pela face, permitiu-se chorar sem se preocupar. O vento forte, violento, batia nos cabelos que já estavam frouxos por conta da corrida, soltando-os, livrando-os definitivamente de qualquer grampo. Todas as partes do corpo doíam, mas não mais do que a dor que sentia no coração. Em sua mente passava tantas coisas. Ela estava sozinha e mais perdida do que jamais esteve em toda a sua vida.

Escutou alguém gritar pelo seu nome diversas vezes e virou-se imediatamente. Avistou o filho do Barão correndo em sua direção, ele ainda estava distante, mas gritava com tanta força que já era possível ouvi-lo. Não sabia como a tinha encontrado, mas no momento já não sabia mais de nada. A Rainha do Café continuou ali, parada, derramando lágrimas, enquanto ele não parou de chamar por ela em nenhum momento, até chegar a poucos metros de distancia.

Aurélio estava chegando à casa de Brandão, já que o amigo havia o hospedado lá, até que voltasse a se estabelecer financeiramente. Mas, quando estava prestes a entrar, notou Julieta correndo pelos campos verdejantes. Ela já estava distante, corria por entre as terras da fazenda vizinha e ele não pode entender o que estava acontecendo. Por que ela corria daquela maneira? Certamente, a mulher estava perturbada, afinal, a Rainha do Café não saíra correndo sem nenhum motivo e de forma desvairada por aí. Sendo assim, resolveu segui-la. Agora, vendo-a naquele estado, o botânico percebeu que fez a coisa certa.

Assim que a morena notou a pouca distância entre eles, correu e o abraçou, fazendo com que os dois corpos se chocassem levemente. Nunca havia abraçado alguém daquela maneira. Os braços estavam envolta do pescoço dele, agarrando-o de maneira forte, aflita e o mais próximo dela possível. Era como se precisasse dele, do cuidado e proteção dele, e na verdade, nesse momento ela precisava. Sentiu os braços do homem se enrolarem em volta do seu corpo, com mais intensidade, com a mesma necessidade e ali ela sentiu o conforto que tanto precisava.

Afundou o rosto na curva do pescoço de Aurélio e chorou desesperadamente, chorou como uma criança que tinha acabado de se machucar. O loiro a apertou ainda mais dentro do abraço em uma tentativa de protegê-la de todas as maldades do mundo e de toda a dor que a cercavam.

— Julieta, alguém te machucou? — O filho do Barão perguntou suavemente, mas a preocupação era evidente em sua voz. Nenhuma resposta obteve, então ele continuou a apertando contra o corpo, a acariciando e a confortando. — Julieta, o que aconteceu? — Precisava urgentemente de respostas, estava aflito.

— Eu não sei o que fazer. Eu não sei o que fazer, Aurélio. — Julieta respondeu em meio a soluços e lágrimas. O choro era tanto que ele podia ouvir os soluços de desespero, eram sons de imensa dor. — O que está acontecendo com a minha vida? Eu não tenho mais controle sobre nada nela, é como se estivesse escorrendo pelas minhas mãos. Eu não sei que fazer, Aurélio... Eu não sei.

Depois que Osório Bittencourt faleceu, a Rainha do Café tomou as rédeas da própria vida. Tinha absoluto controle sobre tudo, sobre seu filho, sobre as emoções, sentimentos, finanças e até mesmo as pessoas que ficariam próximas dela, nada saía do seu controle, dos seus planos. Sabia que ainda tinha medos e traumas, mas preferia acreditar que não os tinha mais, preferiu acreditar nas próprias mentiras. Mas esse ano as coisas tinham saído do controle, parecia que ela já não exercia poder sobre nada, nem mesmo sobre ela mesma. Não entendia: como as coisas tinham chegado nesse ponto? Como poderia estar tão perdida, sem rumo e direção? Como poderia estar deixando as emoções dominá-la novamente?

— Está tudo bem... Calma... Tudo vai ficar bem. — Aurélio dizia calmamente, tentando tranquilizá-la daquele choro incessante. Não sabia o que tinha acontecido para deixá-la naquele estado e provavelmente ela não lhe contaria, mas ele não precisava saber, tudo o que precisava no momento era acalmá-la.

Sentou-se no gramado sem quebrar o abraço intenso, trazendo-a junto dele. Ali a colocou no colo, aninhando-a como uma criança que estava prestes a dormir. A cabeça dela estava encostada em seu peito e ao mesmo tempo perto na curvatura do pescoço, molhando com as lágrimas aquela região da roupa. Aurélio enrolou os seus braços em volta do corpo pequeno e magro, a segurou firme e da melhor maneira que podia, queria que soubesse que ele estava ali para ela, para consolá-la, cuidá-la, protegê-la e principalmente para amá-la.

Julieta se permitiu chorar nos braços do filho do Barão e pela primeira vez em toda a sua vida sentiu a proteção vindo de um homem, bem como, sentiu o amor que emanava dele e diretamente a atingia através das palavras de consolo que Aurélio pronunciava, das carícias delicadas nos cabelos, nas costas e da maneira que ele a segurava em seus braços, com todo o cuidado, mas ao mesmo tempo firmeza, demonstrando que jamais a deixaria cair, que estava ali para ela.

E então ela chorou como não chorava em anos, permitiu que todas as dores se sobreviessem, permitiu que o acumulo de coisas ruins que aconteceram na vida pela primeira vez escapassem pelos olhos e pelos gritos de dor, de agonia que emanavam da garganta. Permitiu-se ser fraca, ser frágil depois de anos a fio sendo forte, fria. Tudo o que foi aglomerado desde a juventude até os últimos acontecimentos estavam sendo manifestados agora, de maneira dolorosa. Chorou até que não houvessem mais lágrimas para serem derramadas e em nenhum momento Aurélio a soltou.

Já fazia algum tempo que o choro de Julieta havia cessado, mas ela continuou agarrada nele, como se necessitasse daquilo para viver. Soluços ainda escapavam dos lábios da morena, visto a força com que as emoções e as lágrimas a atingiram. Esperou mais alguns segundos, respirou fundo e criou coragem para sair daquele abraço protetor, era hora de voltar a enfrentar sozinha as dores, aflições e problemas que vinham contra ela.

Levantou-se e os dois caminharam silenciosos de volta para a cidade. Julieta não sabia como tinha chegado até ali e nem como voltar para o lugar de onde saiu, por isso o filho do Barão a conduziu. Ele não perguntou nada e ela agradeceu internamente por isso, pois não poderia contar a ele o que tinha causada tamanha explosão de sentimentos. Mas, após alguns passos, sentiu a mão de Aurélio encaixar perfeitamente na sua.

A estrada era longa e eles caminhavam sem pressa. A empresária não fazia ideia de que tinha corrido tudo aquilo, não se lembrava de passar por ali, tudo era um borrão em sua mente. O seu corpo agora sentia o desgaste emocional pelo qual a alma estava passando, cada parte, cada músculo doía. Ela estava cansada emocionalmente e fisicamente e sabia que não encontraria o descanso tão cedo.

Aurélio segurava firmemente a pequena mão da morena, a olhava pelo canto dos olhos. Vê-la com a face inchada e avermelhada, os olhos pequeninos, apagados e vermelhos por conta do choro incessante e a tristeza aparente, cortavam o seu coração em pedaços. Nunca a tinha visto tão frágil, como se qualquer toque fosse a quebrar. Jurou para si mesmo que no que dependesse dele, faria de tudo para ajudá-la. Ele estaria ali não importasse se a mulher lhe contasse ou não o que havia acontecido.

— Desculpe por ter presenciado essa cena patética. — A voz de Julieta saiu baixa e rouca, com uma pitada de vergonha e muita tristeza. Continuou observando a estrada entre os pastos, evitou o olhar dele a todo custo.

— A cena não foi patética e a senhora não me deve desculpas. — Aurélio disse a encarando, mesmo percebendo que a mulher evitava olhá-lo. — Jamais peça desculpa por se expressar ou por sentir, Julieta. — O loiro declarou enquanto acariciou a mão dela com o polegar.

— Obrigada... — A morena disse com a voz sincera, finalmente o fitando. Os olhos lagrimejavam novamente e a garganta doía com a força que fazia para não chorar. — Por tudo, Aurélio.

A Rainha do Café aproximou-se mais do corpo dele, permitindo que os ombros se tocassem enquanto caminhavam. Aurélio nada disse, mas ele não precisava, já que o aperto na mão dela e o sorriso reconfortante no rosto diziam tudo.

Um silêncio confortável os acompanhou pelo resto do caminho. Ao chegaram à cidade, felizmente não tinha mais ninguém nas ruas do pequeno Vale, visto que, já era noite. Aurélio levou Julieta para casa e quando chegaram, para o alívio da morena, também não encontraram nenhuma das pessoas que ali viviam, ela não seria capaz de lidar com pessoas a enchendo de perguntas nesse momento. Prontamente, tratou de se despedir do filho do Barão.

— Julieta, você vai ficar bem sozinha? — Era nítida a preocupação na voz do loiro. Não queria deixá-la sozinha esta noite, queria pode abraça-la e acariciá-la, até que a mesma estivesse em um sono tranquilo, mas sabia que não seria possível, que a Rainha do Café não permitiria.

— Sim. — Ela respondeu com a voz decidida, mas ainda rouca. Tinha voltado a usar a sua máscara de autoridade, de mulher de negócios que todos conheciam. Sempre agia assim quando queria afastar alguém. — A solidão não me assusta.

A verdade é que Julieta não ficaria bem sozinha e a solidão ainda a assustava, especialmente hoje. Estava com medo, apavorada, mas não poderia mais arrastar Aurélio para essa escuridão em que vivia. Não poderia destruí-lo, tirar todos os sentimentos admiráveis que ele tem, igual tinha feito com todos a sua volta. Era assim que ela era, contaminava todos com a sua impureza, com a sua dor, com a sua maldade, arrastando-os para o beco junto dela. Foi dessa forma com Camilo, com Jane, com Susana e com os demais que a cercavam. Não permitiria que o mesmo acontecesse com Aurélio.

O filho do Barão respirou fundo, triste, pois desejava com todas as forças que pudesse ficar ali para ajudá-la, mas ele a respeitaria. Segurou novamente as duas mãos da mulher e as beijou demoradamente, em seguida, depositou um beijo casto na bochecha dela e ali encostou o rosto delicadamente, percebeu que a mesma fechou os olhos com a aproximação.

— Saiba que eu estou do seu lado e caso precise de mim, não hesite em me procurar ou me chamar. — Aurélio sussurrou as palavras, e sentiu a mesma acenar com a cabeça positivamente. Depositou mais um beijo na bochecha da morena e então partiu, deixando o seu coração para trás, junto dela.

Julieta permaneceu com os olhos fechados e quando ouviu a portar se fechar permitiu que uma lágrima escorresse pela face. Aquele dia ela subiu para o quarto e não saiu mais de lá pelo resto da noite, sequer jantou. Lágrimas foram derramadas durante toda a noite e a cabeça doía, latejava por conta do choro, mas não conseguia controlar. Pelo menos no próprio quarto se daria a chance de se desmanchar, se desnudar, se desfazer da máscara de forte e inatingível que havia criado para si mesma.

O alvorecer chegou e com ele um novo dia. A Rainha do Café voltou à ativa, ainda mais forte, mais distante, mais fria. Quando Aurélio chegou para trabalhar, imediatamente foi até o escritório da mulher e o que encontrou foi desdém. Quando perguntou sobre os fatos ocorridos no dia anterior, ela reagiu como se nada tivesse acontecido. O tratou da mesma maneira como tratava quando se conheceram, com indiferença, como se fosse um completo estranho e inútil. Como se tudo o que ele fosse era um simples funcionário. Isso machucou.

Aurélio sentiu a dor da rejeição ainda mais forte do que quando a conhecera, porque antes ele não conhecia a verdadeira Julieta como conhecia agora. Resolveu dar tempo ao tempo, tinha certeza de que com o decorrer da semana ela voltaria a tratá-lo amigavelmente. Entretanto, a semana passou e a Rainha do Café continuou a tratar o filho do Barão com descaso, com distância. Evitava-o a todo custo, só tratava de assuntos de extrema importância que fossem sobre trabalho, nunca ficava a sós com ele, sempre designava alguém para estar junto. Mas as esperanças ainda continuavam no coração do botânico e se cercava da certeza de que no encontro de quarta-feira veria Julieta e saberia o motivo de tanta indiferença. Mas ao contrário do que pensou, ele não a encontrou.

A semana passou, quarta-feira chegou e lá estava Aurélio, sentado no gramado com a cesta de palha repleta de alimentos ao lado, a espera da amada, mas esta não apareceu. As horas passaram e ele esperou até o anoitecer, até o último momento, até ter a certeza de que Julieta não viria e quanto a teve, o coração se fez em pedaços. Não entendia o que tinha acontecido, por que ela o estava distanciando daquela maneira? Ele tinha feito algo de errado? Ela ainda estava envergonhada pelo episódio que tinha acontecido? Lembrou-se subitamente de que Julieta e Ema tinham passado a tarde juntas naquele dia e que nenhuma das duas havia dito o que tinha acontecido. Mas isso não ficaria assim. Aurélio estava determinado a descobrir o que se passou naquele encontro.

Imediatamente correu até a casa de Brandão. No dia seguinte a filha partiria para São Paulo novamente, então, precisava descobrir hoje o que tinha acontecido. Chegou alvoroçado na casa, sendo logo notado por Ema, que apreciava uma leitura na sala de estar.

— Papai, o que aconteceu? Por que está tão agitado? — A jovem perguntou com os olhos arregalados, esquecendo o livro em cima da mesinha de centro. Já havia notado que durante a semana inteira o genitor estava agindo de maneira estranha e cabisbaixa.

— Nada, minha filha. Eu estou bem, só vim correndo. — Aurélio disse coçando a cabeça, em uma maneira de disfarçar a agitação que sentia. Se queria realmente saber o que tinha se passado entre a filha e Julieta precisava abordar o assunto com delicadeza, mas não sabia como fazê-lo.

— Correndo? Por que veio correndo, papai? — Ema perguntou confusa, certamente o pai estava agindo de maneira bem estranha ultimamente. Por um momento cogitou se não deveria ficar definitivamente no Vale e cuidar de Aurélio, mas tentou afastar os pensamentos e focar nos conselhos que recebeu da Rainha do Café.

— Oras, eu vim correndo porque... Porque preciso me exercitar! — Aurélio disse enquanto colocava a cesta de palha também em cima da mesa central, evitando a todo custo encontrar os olhos da jovem.

— O que é isso? Estava em um piquenique? — Ema observou a cesta de palha e rapidamente a abriu, observando todas as guloseimas que tinha ali. Não viu o seu pai sair essa tarde e por isso a surpresa de vê-lo com tal cesta.

— Não. — Ele respondeu rapidamente, procurando respostas para as perguntas da filha. — Eu fui à cachoeira esta tarde e levei um lanchinho, para comer lá. — Respondeu a verdade, só não disse que esperava uma companhia que não apareceu e o deixou nesse estado.

— O senhor não acha que é muita comida para apenas um lanchinho? — Ema o questionou, a menina espremia levemente os olhos, demonstrando a maneira em que estava desconfiada das atitudes do homem.

— Ema, minha filha, até parece que estou em um interrogatório! — Aurélio alterou levemente a voz, esfregou as mãos que estavam começando a suar nas calças, demonstrando ainda mais o seu nervosismo com toda a situação. O filho do Barão definitivamente não sabia disfarçar os sentimentos.

— Desculpa papai. Não está mais aqui quem falou. — A menina olhou encabulada e ergueu as mãos em forma de redenção. Era nítido o nervosismo do genitor, mas não queria pressioná-lo ou o deixar desconfortável, sabia que ele não conseguiria guardar o que o afligia por muito tempo. Observou que dentro da cesta havia sua fruta favorita. — Posso? — Apontou para a pera e o olhou com as sobrancelhas erguidas, em uma forma de pedir se poderia comê-la, o pai assentiu com um sorriso nos lábios.

Aurélio observou a menina pegar rapidamente a fruta, de uma maneira alegre e entusiasmada começou comê-la, rapidamente esquecendo das diversas perguntas que circulavam na mente dela. Sorriu ao lembrar que pera também era a fruta predileta de Julieta. A mulher que amava e a sua filha eram tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão parecidas, bastava conhecê-las para perceber isso.

Não queria esconder de Ema que encontrava Julieta todas às quartas-feiras na cachoeira, não queria ocultar mais nada da filha, porque ambos haviam feito um acordo: sem mais mentiras entre eles. Mas ocorre que, aquilo não se tratava apenas dele, tratava-se também de Julieta e sabia que ela não queria que ninguém soubesse sobre isso. Respirou fundo e se preparou para o dialogo que se iniciaria.

— Ema, passou a semana e você não me contou como foi encontro com Julieta. — Aurélio também pegou uma fruta da cesta e passou a comê-la. Ele não estava com fome, mas queria que a conversa parecesse despretensiosa. A jovem novamente apertou levemente os olhos, dessa vez pensativa.

— Eu lhe disse sim, papai. O senhor não lembra? — A menina perguntou, mordendo mais um pedaço da fruta e a mastigando rapidamente. — Eu lhe contei que foi bom. Tivemos uma conversa agradável. — Agora quem estava ocultando informações era ela, não queria contar a maneira súbita que a Rainha do Café havia saído do encontro das duas.

— Sim, mas me conte mais sobre isso. O que conversaram? — O filho do Barão questionou a menina com um sorriso disfarçado. Se alguma coisa havia acontecido ali, ele descobriria de uma maneira ou de outra. A filha o olhou com um olhar incrédulo.

— Papai, desde quando o senhor se tornou um enxerido? — Ema repreendeu o genitor, tentando manter uma voz autoritária. Literalmente, desde que fora embora o seu pai e avô começaram a perder as estribeiras. Aurélio, por sua vez, se surpreendeu com a atitude da jovem, Ema se transformou desde que foi morar em São Paulo, se tornou mais dona de si, de suas opiniões e certamente estava com a língua afiada. — Nós conversamos sobre assuntos de mulher. — Apesar de repreender o pai, a jovem optou por responder a pergunta do mesmo de maneira breve e sem detalhes. — Também mostrei um álbum de fotos nossas. — A última frase foi dita em voz baixa, em uma tentativa de que a fala passasse despercebida.

— Mostrou um álbum de fotos a Julieta? — O botânico franziu a testa em confusão. Por que diabos a filha mostraria fotos para a Rainha do Café? E pior, por que ela estava falando isso naquele tom baixo, como se tentasse esconder o ocorrido?

— Mas só o fiz porque o álbum já estava em cima da mesinha e ela viu uma foto minha quando criança. — Ema falou rapidamente, e se endireitou no sofá, ficando reta em direção ao pai. Dessa vez era a neta do Barão que aparentava nervosismo. Ambos ficaram em silêncio enquanto o genitor a fitava, ele não estava bravo, apenas intrigado.

— Ema, o que mais não está me contando. — Aurélio perguntou ao observar o olhar preocupado e a tensão com o qual a filha agia após o assunto ter sido abordado. A menina respirou tristemente e deixou o restante da fruta em cima da mesinha de centro.

— Ela estava gostando de ver as fotos. Estava sorrindo, principalmente nas fotos em que nós dois aparecíamos. Elogiava a nossa família, parecia feliz, assim como eu. — Ema explicou gesticulando com as mãos, em meio a respirações que ficavam presas em sua garganta. — Mas... Mas então chegou às últimas fotos... Nas fotos da mamãe e... — A menina pausou e nervosamente esfregou as mãos uma na outra — Ela agiu de maneira estranha.

— De que maneira estranha? — O filho do Barão sabia como Julieta havia agido depois que saiu da casa de Brandão, pois era ele quem havia segurado ela nos braços enquanto chorava, mas precisava saber como Julieta havia agido ali na frente de Ema, no momento em que viu as fotos da falecida mulher.

— Ela... Ela disse subitamente que tinha um compromisso e foi embora sem que eu tivesse tempo de dizer qualquer coisa. Mas estava pálida e os olhos pareciam tristes. Eu... Eu não sei explicar, mas ela pareceu ficar incomodada, até mesmo perturbada. — A jovem relatou com nítida preocupação em seus olhos. Aurélio não sabia quando ou como as duas estabeleceram um vínculo que possuíam ultimamente, mas sabia que a filha apreciava muito a companhia da Rainha do Café. — Por que, papai? Ela disse algo?

— Não, ela só tem agido estranho esses últimos dias. — O filho do Barão respondeu pensativo, ele já tinha em mente o que poderia ter acontecido. — Mas eu vou conversar com ela agora e ver o porque dela estar agindo assim. — O homem começou a levantar-se mas foi impedido pela fala da filha.

— Papai, me desculpe se eu fiz algo que te prejudicou com Dona Julieta. — A menina o fitou tristonha. As mãos continuavam a esfregar umas nas outras. — Eu juro que jamais foi a minha intenção.

A baronesinha estava triste, jamais pensou que o convite feito para a Rainha do Café desencadearia tal situação, muito menos que mostrar as fotografias da família deixaria esse mal estar entre o pai e a mulher. Apesar de Aurélio não lhe dizer nada, ela sabia que ele estava apaixonado por Julieta Bittencourt. Podia ver que os olhos dele brilhavam quando a empresária era o assunto da conversa, que a maneira como pronunciava o nome dela era suave e doce, e também o modo com que ele se preocupava com a mulher. Seu pai era transparente em seus sentimentos e emoções, mesmo tentando esconder ele não conseguia, pelo menos não da própria filha, que o conhecia tão bem.

Ema fazia muito gosto dessa relação, queria que o pai encontrasse um novo amor, que recomeçasse ao lado de outra pessoa, que fosse novamente feliz. Ao contrário do que todos pensam a menina não tinha essa visão de que a Rainha do Café fosse intocável, tão fria e tão amarga. Ela pode perceber isso no dia em que perderam a fazenda Ouro Verde.

Apesar da mulher estar tomando posse da casa que era deles, ela não foi fria e distante, não com Ema. Ela a acolheu, permitiu que permanecesse ali e a aconselhou, com uma genuína preocupação, e aquele momento a jovem percebeu que havia muito mais em baixo da máscara da Rainha do Café. Instantaneamente se sentiu vinculada aquela mulher, sentia uma essência vinda dela, uma ligação diferente de todas que já havia sentido com outras pessoas. Dona Julieta era especial para ela, e agora, também era especial para o seu pai.

— Não, minha filha, não diga isso. — Aurélio ajoelhou-se ao chão, ficando perto de Ema que continuava cabisbaixa sentada no sofá. Segurou as mãos dela firmemente, impedindo que continuasse a mexê-las. — Você nunca me prejudicou em nada! Nem agora e nem em nenhum outro momento, muito pelo contrário, você sempre me trouxe coisas boas. — O homem beijou as mãos da filha, em uma tentativa de afastar qualquer tipo de pensamento ruim que estava naquela cabecinha. Não era culpa dela e jamais permitiria que pensasse assim. — Julieta... — Ele fez uma pequena pausa, procurando palavras que pudessem confortar e despreocupar a menina. — ...Está apenas sendo Julieta. Acredito que a maneira dela agir não seja por causa do álbum de fotos e muito menos por causa do encontro de vocês duas. Ela gosta muito de você, a própria Rainha do Café me disse isso com todas as letras. — Tal informação fez com que um sorriso tímido nascesse nos lábios da jovem.

— Eu também gosto muito dela. — Ema falou as palavras olhando dentro dos olhos azuis do genitor. Apertou as mãos dele e exibiu um sorriso aberto e um olhar esperançoso e imediatamente Aurélio entendeu, a filha estava dizendo silenciosamente que sabia dos sentimentos dele por Julieta e que os aceitava, e ainda mais, o apoiava.

— Eu sei. — O filho do Barão exibiu também um sorriso que dizia que tinha entendido o que a filha estava dizendo. — Provavelmente é um problema na fazenda ou nos negócios, ambos sabemos que Xavier anda dificultando as coisas para ela. Por isso, agora irei conversar com ela para ver se eu posso ajudar. Mas não quero que a minha menininha fique com o coração aflito aqui, certo? — Ema balançou a cabeça positivamente, mas os olhos ainda denunciavam a aflição e tristeza que sentia.

Aurélio levantou-se e depositou um beijo delicado na testa da filha, bem como, acariciou os cabelos dela e apenas a olhou por alguns segundos. A menina era linda, o cabelo caía em ondas desajustadas, mas ao mesmo tempo impecáveis, os olhos eram de um castanho esverdeado, tão brilhoso e que transmitiam tanta paz, as bochechas rosadas e cheias, os dentes acertadamente alinhados e os lábios sempre dispostos a sorrir. Parece que Deus a havia desenhado com extrema dedicação e perfeição, se sentia o homem mais sortudo por ser o pai de Ema.

Ele sabia que a filha ficaria bem, agora ela era uma mulher forte e decidida sobre os sentimentos, sabia se virar sozinha e fazia questão de que todos soubessem disso. Por isso, deixou-a lá, novamente dispersa na leitura que fazia antes dele chegar, e se dirigiu para a casa de Julieta Bittencourt.

Queria chegar o mais rápido possível para descobrir o que se passava na cabeça daquela mulher tão complicada, mas ao mesmo tempo perfeita. Montou em seu cavalo e se pôs a galopar velozmente em direção à fazenda Bittencourt. Nem os movimentos bruscos e o vento frio e forte que batiam em seu rosto de forma árdua foram capazes de afastar os pensamentos que o atormentavam.

Estava aflito, não queria perder Julieta, não depois de saborear os doces lábios dela, de sentir o perfume adocicado que emanava do pescoço da mulher, de tocar os cabelos macios, sedosos e de escorregar as mãos pela fina cintura dela; não agora que estava conseguindo trazê-la para perto de si, que podia sentir os dedos dela se arrastarem em sua nuca, cabelo e ali repousarem para acariciar, de sentir a maneira prazerosa com o qual ela correspondia aos seus beijos e de escutar a risada dela. Haviam dado um passo e não iriam retroceder, Aurélio não deixaria isso acontecer. Não permitiria que os dois se tornassem estranhos novamente, e muito menos, que ela voltasse a agir como a Rainha do Café para com ele.

Os pensamentos o distraíram tanto que chegou na fazenda mais rápido do que esperava. Rapidamente desceu do cavalo e o deixou no estábulo, juntos dos demais. Com passos largos e apressados chegou até a porta da residência e ali bateu, com mais força do que deseja e do que era adequado, o nervosismo estava evidente em sua face e demais atos. Respirou fundo e apertou as mãos ao lado do corpo enquanto aguardava ser atendido, se queria falar com Julieta tinha que manter a calma, se não, isso apenas a afastaria. Foi Tião que atendeu a porta.

— Boa noite, senhor Cavalcante. — O funcionário disse com as feições surpresas, mas ainda assim simpático, fazendo o seu melhor para sorrir. O mesmo se afastou da porta para que o filho do Barão pudesse passar. Já era por volta das oito e meia da noite, não era comum que pessoas visitassem as outras nesse horário, principalmente a senhora Bittencourt, que não tinha intimidade com ninguém para receber visitas nem de dia, quem diria a noite.

— Já disse que pode me chamar de Aurélio. — O botânico entrou dentro da residência. Os cabelos estavam bagunçados e a respiração um pouco acelerada, por conta da rapidez com que viera, mas fingiu que estava normal, e o mesmo fez o motorista, ignorando o comportamento estranho do novo funcionário da chefe. — Vim para falar com Dona Julieta. — Falou naturalmente, antes que o homem a sua frente chegasse a perguntar. Apesar da amizade conquistada algum tempo atrás e agora, dos beijos e carícias trocadas no último encontro, ele e a empresária ainda mantinham as formalidades na frente dos outros, por isso utilizou a expressão "dona", e também para que o colega de trabalho não desconfiasse que se tratava de um assunto pessoal.

— Dona Julieta esta no escritório, trabalhando. Pediu para não ser incomodada. — Tião falou em vão, porque logo viu os passos do herdeiro Cavalcante se direcionarem para o escritório. O motorista correu e rapidamente se pôs na frente do homem, impedindo de continuar. — Lamento Aurélio, mas acredito que não posso te deixar passar.

— Ela marcou uma reunião comigo, está a me esperar. — O loiro disse, tentando soar o mais comum possível e conseguiu. Entretanto, o motorista o olhou desconfiado, pois a patroa sempre avisava quando estava esperando alguém e hoje ela não o tinha feito. — Está tudo bem, Tião. Ninguém vai se meter em problemas aqui, eu prometo. — Aurélio exibiu um sorriso convincente e deu duas pequenas batidinhas no ombro do homem, que apenas murmurou um "tudo bem" e o deixou passar.

A verdade era que Tião não acreditava nas palavras dele. Sabia que a empresária não tinha marcado um horário com o botânico e principalmente, sabia que alguém se meteria em problemas, provavelmente seria ele, já que deixou o homem entrar sem anunciá-lo e com a determinação expressa de que a patroa não deveria ser incomodada. Mas fez isso porque a dias que percebe algumas trocas de olhares entre ambos, a Rainha do Café abria pequenos sorrisos quando o filho do Barão estava por perto e sempre depois de vê-lo ela ficava mais feliz, mais leve. Não sabia o que os dois tinham ou sequer se tinham alguma coisa, ou, muito menos se algum dia chegariam a ter, mas hoje, ele se arriscaria e talvez se meteria em problemas, mas fazia isso apenas para ajudar a chefe a encontrar a felicidade.

Aurélio andou até o escritório e percebeu que a porta do mesmo estava aberta. Parou um pouco antes de adentrar no local e observou a empresária completamente absorta nos documentos que segurava nas mãos. Ela estava com os óculos na ponta do nariz, aqueles que sempre usava quando estava analisando papéis. Ele achava um charme quando a mesma os usava, ficava ainda mais linda, mais instigante. Deu um último suspiro, procurando a calma e adentrou no local, fechando imediatamente a porta do escritório. Isso chamou a atenção de Julieta, que ergueu os olhos por cima dos óculos, procurando saber quem ousava incomodá-la.

Suspirou fundo quando viu o filho do Barão na sala, retirou os óculos, deixando-os em cima da mesa e suspirou profundamente. Sabia que esse momento chegaria, tinha certeza de que hora ou outra o botânico a procuraria, mas apesar de ter conhecimento disso, ainda não estava preparada para enfrentá-lo.

— Quem o deixou entrar? — A morena questionou com a voz séria, mesmo já sabendo a resposta. — Eu deixei ordens expressas a Tião para que ninguém me interrompesse. — Estava visivelmente irritada e o tom de voz que utilizava faria qualquer um temer, com exceção obviamente de Aurélio, que mantinha a expressão inatingível no rosto.

— A culpa não é de Tião, eu disse a ele que a senhora tinha marcado uma reunião comigo. — O herdeiro de Afrânio declarou. Não permitiria que outra pessoa levasse a culpa por seus atos e atitudes, já havia se eximido de suas própria responsabilidade por muito tempo.

— Parece mesmo que o senhor tem talento para mentiras. Não aprendeu o suficiente com as mentiras que contou para Ema? — Julieta se referia ao fato de que ele tinha escondido da menina a falência da família. Aurélio, no mesmo momento entendeu isso. Aquelas palavras doeram no fundo do seu coração, da sua alma, afinal ele tinha consciência de que havia errado, mas já estava tentando se redimir, mas era ainda mais duro escutar isso da boca da mulher que estava apaixonado.

— Então é assim que irá agir? Irá tenta me ferir para que eu me afaste de você? — O filho do Barão não iria se abater, sabia que a mulher fazia isso apenas para o afastar, para que ele a deixasse, para que desistisse dela, mas se tem algo que ele é nessa vida é ser persistente. — Vai continuar fugindo de mim?

— O que está dizendo? — A empresária franziu o cenho e o olhou com os olhos confusos, tentando fingir desentendimento da melhor maneira que conseguiu. — Eu estou agindo normalmente e se a verdade te fere, isso já não é problema meu.

— Se está agindo normalmente, por que então tem me evitado a todo custo? — Aurélio com passos lentos se aproximou da mesa e apoiou as mãos na mesma, se inclinando para poder olhar profundamente nos olhos acastanhados dela. — Por que evita ficar a sós comigo? Por que evita me olhar? Ou até mesmo falar comigo?

— O senhor deveria se consultar com o Doutor Rômulo e procurar saber qual é a causa de tais devaneios. — O encarou e percebeu um riso sarcástico escapar dos lábios do mesmo, afinal de contas, quando ele tinha se tornado tão desabusado? — Eu não sei do que está falando. — Voltou os olhos para os papéis em cima da mesa, fingindo-os ler, mesmo que ambos soubessem que ela não o fazia.

— Se não está me evitando e nem fugindo de mim, então por que não veio hoje para o nosso encontro semanal na cachoeira? — Aurélio a questionou com as sobrancelhas levantadas e um sorriso de lado, quase indetectável.

— Ora! Eu não lhe devo satisfações nenhuma! — Julieta larga exasperada os papéis na superfície da mesa novamente e levanta-se furiosa. — Quem o senhor acha que é para entrar em meu escritório sem autorização e ainda, questionando sobre o que eu faço ou deixo de fazer?

— Sou alguém que se preocupa com a senhora. — O filho do Barão continuava na mesma posição, sendo possível encarar os olhos furiosos da mulher, que se suavizaram quando ele proferiu tais palavras. — Principalmente com o seu bem estar e com a sua felicidade, e nessa última semana eu notei que a senhora não está bem e muito menos feliz.

— O senhor não me conhece para fazer tal afirmação, não sabe nada sobre mim, tampouco sobre a minha felicidade. — A Rainha do Café pronunciou com soberba. O loiro estava certo, ela não estava bem e sequer feliz, mas nunca admitiria isso, não permitiria que ele soubesse que era o único capaz de lê-la.

— Eu posso ver em seus olhos, Julieta. — A voz dele era suave, as palavras eram carregadas de verdade, de sinceridade. — É hora de aceitar que existe outra pessoa capaz de compreendê-la além de você mesma. E compreender que talvez, apenas talvez, eu a conheça melhor que do você conhece a ti mesma. É por isso que tens fugido de mim? — Aurélio a questionou, mas recebeu silencio em resposta e olhos marejados por lágrimas contidas. — Isso a assusta, eu sei, mas não há necessidade de fugir.

Por mais que tentasse negar, Aurélio já sabia que podia ver através da alma dela. Não tinha mais nada que pudesse fazer para negar isso. Ele tinha razão em tudo o que disse, era o único capaz de compreendê-la além dela mesmo, que até mesmo a conhecesse melhor do que ela própria, mas a parte que mais tinha razão era que isso a assustava, nunca imaginou que apesar da máscara de Rainha do Café que usava, alguém algum dia poderia ver por trás dela, podia se importar o suficiente para aprender a entendê-la. E sim, era por isso também que fugia dele, porque ele descobriria a verdade apenas em olhá-la e isso o destruiria.

Julieta engoliu seco ao ouvir todas as palavras e ver a forma amorosa com que o filho do Barão a fitava. Apesar de saber que os olhos denunciavam as lágrimas contidas, ela respirou fundo e se recuperou. Precisava agir indiferente e sair imediatamente dali.

— Eu estou cansada. Irei me deitar. Com licença — Essa era a desculpa que sempre usava quando queria fugir de alguma situação desagradável, sempre usava o cansaço como seu aliado e fugia para o quarto, onde ninguém a ousaria perturbar.

Começou a caminhar, retirando-se de perto da mesa, entretanto, o corpo de Aurélio se colocou na frente dela, impedindo-a de prosseguir. Ele a olhava determinado e ela sabia que o homem não a permitiria passar, não até que contasse o que estava acontecendo, não até que tivesse respostas.

— Além de atrapalhar o meu trabalho, agora o senhor vai atrapalhar o meu descanso também? — Julieta o questionou, armando todas as suas defesas novamente. Por mais que soubesse que Aurélio jamais seria capaz de a tocar, de segurá-la fortemente e a forçar ficar ali, o corpo parecia não entender isso, pois ficou tenso. Todos os nervos se retorceram, a respiração acelerou, as mãos começaram a tremer e ela sentiu um frio percorrer a espinha vertebral. Lembrou-se das vezes em que tentava fugir, mas Osório se punha em sua frente, a segurava brutamente pelos braços, a machucando, batendo nela, forçando-a ficar e agradá-lo da maneira mais sagaz, sórdida e suja existente.

Mas ao contrário do que o nojento do falecido marido, Aurélio levantou lentamente uma de suas mãos e delicadamente encostou na bochecha de Julieta, com cuidado para não a assustar e muito menos irritar. Ela o fitou com os olhos cheios de dor, feridos pelo passado e preocupados pelo presente. Ao ver que a morena não se afastou, ele levou a outra mão até o canto oposto da face dela e com os polegares fez carícias suaves. Julieta fechou os olhos e apreciou o toque carinhoso, tão cheio de amor e dedicação. Como era possível que ele não se afastasse mesmo depois de tratá-lo daquela maneira?

— Por que continua insistindo em mim, Aurélio? — A morena levou as próprias mãos até os pulso do homem e ali fez suas carícias, tão pequenas, que eram quase difíceis de serem notadas.

— Porque eu a admiro, porque eu a estimo. — O filho do Barão deslizou uma das mãos até a mandíbula dela e a desenhou com os dedos. Os olhos percorriam cada detalhe do rosto da mulher com minunciosidade. — Porque eu a amo, Julieta.

Apesar de já saber a muito tempo que nutria tal sentimento pela empresária, essa era a primeira vez que Aurélio pronunciava tais palavras em voz alta. Julieta, por sua vez, era a primeira vez que escutava tal frase de um homem, e nunca pode imaginar que alguém as pronunciaria para ela de maneira tão apaixonada. Os olhos lagrimejavam, denunciando o misto de emoções que sentia.

— A partir do momento em que eu lhe disser o que está acontecendo, todos esses sentimentos bons que nutre por mim vão mudar para os piores possíveis. — Uma lágrima escorreu pela face da morena, deixando uma pequena trilha úmida em suas bochechas. — Eu vou torná-lo rancoroso e o ódio tomará posse do seu coração, sempre tão bondoso. Eu vou contaminá-lo com minha impureza, com minhas feridas, assim como fiz com o meu filho, com Jane, com Susana, com todos a minha volta. Eu não posso fazer isso com você, Aurélio. Por mais que eu queira lhe contar, eu não posso me permitir contaminar o homem mais honrado, mais digno e amoroso que já conheci. — A voz estava embargada e as lágrimas agora escorriam livremente pelo rosto de Julieta, já não tentava mais prendê-las.

Aurélio com os polegares limpou as lágrimas que escorriam pela face dela, exibiu um sorriso tranquilizador, como uma maneira de dizer que tudo ficaria bem e que ela não precisava se preocupar. O mesmo também estava emocionado, pois, a amada havia acabado de confessar que tinha medo de perdê-lo, e por mais que ela não dissesse, soube nesse momento que ela também nutria os mesmo sentimentos por ele.

— Não há nada que possa mudar os meus sentimentos por você, Julieta. — O filho do Barão delicadamente depositou um beijo demorado em cada bochecha, exatamente em cima do lugar onde as lágrimas haviam passado anteriormente. — Nem as verdades, nem as suas duras palavras ou os seus atos não podem mais me afastar de você. — Aurélio continuou a acariciar o rosto da morena e a viu exibir um sorriso triste.

— Isso não se trata apenas de mim, Aurélio. — Julieta arrastou as mãos que repousavam no pulso do homem até as mãos dele e as retirou do rosto, segurando-as firmemente entre seus corpos. — Se eu lhe disser, todos os aspectos da sua vida irão mudar. Não sei se está preparado para isso, não sei se eu mesma estou preparada ou sequer sei se algum dia estaremos preparados.

— Julieta, você já mudou todos os aspectos da minha vida, e ainda bem que o fez. — Aurélio apertou as mãos dela, a confortando. — Desde que chegou em minha vida, desde a primeira vez que te vi tudo mudou. No inicio foi difícil, foi duro, mas eu aprendi e amadureci, mudei para melhor, bem como, a minha vida se tornou melhor com a sua presença. — Todas as palavras que dizia eram verdades, e agora, as falava como uma forma de reafirmar os sentimentos, mas também para que Julieta entendesse que ele estava disposto a ouvir o que quer que fosse. Estava a acalmando e a encorajando a lhe dizer o que se passava. — A verdade pode ser dolorosa, mas ainda assim é necessária e ambos sabemos disso, aprendemos da pior maneira. Eu estou disposto e pronto para ouvir o que tem a me falar.

Julieta rapidamente segurou o lábio inferior entre os dentes, estava cogitando a possibilidade de contar a Aurélio, pensou nisso a semana inteira. Ele estava certo, as mentiras e ocultações nunca surtiam efeitos positivos, sempre deterioravam relações. Mas nesse caso a verdade também arruinaria diversas relações, ela tinha certeza disso. Estava entre a cruz e a espada, as duas situações levariam não só eles a ruína, mas outras pessoas também. Entretanto, resolveu que falaria, contaria tudo o que aconteceu, era a coisa certa a se fazer, era o que seu coração exigia que fizesse.

— Eu... Eu... — Julieta tentava procurar palavras, mas agora todas pareciam escassas do vocabulário. — Eu não sei como dizer isso.

Aurélio olhava-a de maneira compreensiva. Imaginava que o assunto era sobre os sentimentos dela e sabia como era difícil para a mulher os expor, falar e principalmente, admitir eles. Havia a conhecido suficiente para saber disso, mas acima de tudo, para compreender.

— Eu sei que isso deve estar sendo difícil para você e entendo. — Aurélio acariciou com os polegares as mãos dela, que seguravam a dele firmemente. Era uma tentativa de acalmá-la, de dar segurança e de demonstrar que ele estaria ali. — Caso queira, eu posso tentar te ajudar a começar a falar. — Julieta exibiu um sorriso de canto, se encantava pelo carinho e benevolência que o botânico demonstrava. Ela balançou positivamente a cabeça, mesmo sabendo que o homem jamais seria capaz de saber o que realmente acontecia. — Ema me disse que mostrou um álbum de fotos de nossa família e quando chegou às fotografias da minha falecida mulher, você foi embora, quase que imediatamente. O que aconteceu?

Tudo o que o filho do Barão recebeu em troca foi um silêncio perturbador. Os olhos castanhos da mulher a sua frente se tornaram mais escuros e pareciam ainda mais transtornados. Sentiu as mãos dela tremerem e começarem a suar. A falecida mulher parecia ser uma assunto extremamente delicado, e ele imaginava o porquê disso.

— Julieta... Você... — Aurélio pronunciou as palavras com cuidado. Ergueu as mãos dela até o seu peito e as segurou coladas ali, perto dele. — Você está insegura por causa da minha falecida mulher? Ou... Está com ciúmes dela?

O homem questionou e viu a empresária de maneira rápida balançar a cabeça negativamente, quase em um desespero para dizer que não era isso. O loiro suspirou fundo, não sabia o que mais poderia ser se não isso. O que mais mexeria tanto em Julieta ao ver tais fotos? Provavelmente ela estava em negação, não iria admitir a ele que se sentia enciumada.

— Eu jamais sentiria ciúmes da Helena. — Julieta declarou as palavras com naturalidade e viu a expressão de Aurélio se tornar confusa, viu a certeza dos olhos dele se retirar e dar lugar para a incerteza.

— Você fala como se conhecesse Helena. — Aurélio estava com as sobrancelhas franzidas e a testa enrugada, em embaraço. O que o incomodava não era a Rainha do Café saber o nome da falecida mulher, pois Ema certamente tinha dito para ela, mas sim, a maneira com a qual ela pronunciou, de uma maneira tão singela.  

— É porque eu a conheci.... Eu conheci Helena. E Ema também, quando ela ainda era recém-nascida. — Julieta pronunciou as palavras e viu a surpresa estampada na face do filho do Barão. Vê-lo daquela maneira e saber que estava prestes a partir o seu coração, fazia com que o dela mesmo se enchesse de dor. Respirou pesadamente, puxando oxigênio e coragem para revelar a verdade. — Aurélio... Eu... Ema... — As palavras pareciam mais difíceis de falar do que imaginava. — Eu sou a mãe de Ema.

O choque tomou conta da expressão de Aurélio, que nada falou. Os olhos dele estavam arregalados, a boca estava fechada firmemente e a cor sumiu do seu instantaneamente, assim como as palavras. O silencio dele parecia uma eternidade, mesmo que só segundos haviam se passado. Agora era ela quem esperava ansiosamente por alguma resposta, por alguma ação, por qualquer coisa que fosse.

E quando ele se manifestou, foi a morena quem ficou surpresa. Aurélio soltou uma risada, parecia um riso alto e confuso, como se estivesse tentando negar para ele mesmo o que ouviu.

— Julieta, isso não faz sentido. — O botânico pronunciou em meio ao riso, que foi embora ao poucos quando percebeu a expressão séria da mãe de Camilo. — O que você está querendo dizer?

— Estou querendo dizer que Ema foi gerada em meu ventre. Fui eu quem dei a luz a ela. — Julieta pronunciou as palavras com convicção e com lágrimas nos olhos, assustando ainda mais o homem que estava a sua frente. — Ema é minha filha, Aurélio. E eu posso provar.

O pai da Baronesinha soltou as mãos que segurava firmemente em seu peito, deixando com que Julieta ficasse sem o seu calor, sem a sua compreensão, e apenas com a solidão, com a crueldade do passado. Enquanto Aurélio ficou somente com a dor da verdade e a revelação de um segredo que vinculava a mulher que amou e a mulher que agora ama.


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Notas finais do capítulo

E então, será que Helena é uma boa pessoas? Por que ela fez isso? Por que mentiu para Aurélio? Por que Julieta deu a própria filha? Fica aí os questionamentos!

Parabéns pra Maria que acertou na teoria e também pra um anônimo do curious cat, vocês arrasaram!

OBS: Quem pegou a referencia da música "complicada e perfeitinha" pegou haha

Beijokas.



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