Pandora escrita por Virgo


Capítulo 8
Resposta e Desejo


Notas iniciais do capítulo

Tenho o orgulho de dizer que demorei e passei das três mil palavras, mas entreguei-lhes o poder da imaginação XD
Divirtam-se :3



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Sua vida tinha importância, isso lhe foi mais do que demonstrado depois de sua libertação, mas sua vida não valia uma batalha e muito menos uma guerra - uma coisa a se considerar quando o assunto eram deuses.

 Minha senhora, onde vai? - perguntou o menininho agarrado em sua saia, os olhinhos com lágrimas e um bico infantil nos lábios. - A senhora não costuma sair essa hora! Quero ir junto para cuidar da senhora!

— Cheshire… - se abaixou para ficar na altura do menino e fez um carinho em seus cabelos com um sorriso carinhoso. - Eu vou ter uma conversa importante com alguém importante, você não pode ir porque é assunto de adulto e eu não quero que você se preocupe com essas coisas tão cedo. Está bem?

— Está bem… - respondeu fungando.

— Vamos… Me dê um abraço… - o puxou para junto de si com carinho e beijou os fios prateados. -Volto logo, se comporte.

O menino concordou um pouco mais conformado, principalmente quando ela cobriu ombros e cabeça com um manto que afastaria o frio dos ciclos de renovação do submundo. Mesmo assim, segurou sua saia mais uma vez com um pedido muito mais condizente com sua pouca idade.

— Posso dormir no travesseiro? - pediu antes da moça sair.

— Claro que pode. - sorriu feliz e saiu encostando a porta, só teve tempo de ver a criança sair pulando na direção da cama.

Dentre os vários direitos adquiridos após sua libertação, tinha o direito de ir e vir dentro do palácio dos mortos. Com meia estação de vivência naquele lugar não tinha mais nada e nem ninguém a temer, podia muito bem andar sozinha ou acompanhada, como geralmente preferia. Porém, ultimamente tinha estado sozinha, seu guardião estava mais preocupado em treinar para o grande combate do dia seguinte.

O temido Jugo da Espada tinha sido marcado para o fim do inverno, quando todos os deuses poderiam assistir o combate. Foram três ciclos do submundo em espera, três meses do mundo mortal em que só assistia o treino exaustivo do juiz. Ele sempre cumpria todas as suas funções e o tempo que lhe restava era usada em treinos. Sabia pelas fofocas das ninfas que ele era um homem insanamente poderoso e se equiparava aos deuses em questão de poder, mas seu treino não era de força e sim de resistência, afinal, não existia nada no mundo capaz de suportar o poder destrutivo de uma tempestade de raios, ainda mais raios lançados pelo próprio senhor dos raios.

— Você não vai lutar. - declarou assim que entrou, tirando o capuz apenas para não ser dada como uma ameaça. - Isso é totalmente desnecessário, eu posso fazer uma escolha sem precisar saber de detalhes, acordos ou condições que envolve as intrigas imortais.

Ouviu um riso partindo do homem de costas, ele estava preocupado em tirar sua armadura e cuidar dos eventuais hematomas adquiridos no decorrer do dia; primeiro se livrou do peitoral e toda a composição que pesava as costas, chegou a suspirar de alívio quando se viu livre de suas asas, estava cansado do dia afinal. Nem se incomodava por estar parcialmente despido na frente da moça, ambos já tinham vivido tempo o bastante para não se incomodar com coisas tão triviais assim.

— Você anda bem abusada, está entrando em meus aposentos sem nem mesmo pedir permissão. - disse o homem ainda de costas, agora retirava a armadura que cobria os braços.

Sendo abusada ou não sendo abusada, aquela situação precisava ser discutida, o combate do dia seguinte era um respeito desrespeitoso ao seu livre arbítrio e direito de escolha, pois, se ele estava para acontecer, um dos lados não respeitaria sua decisão. Precisava parar aquela loucura e tomar uma decisão neutra, algo que não agradasse e nem desagradasse os lados.

— Isso não importa agora. - respondeu enquanto o outro largava as braçadeiras no chão e se virava para encarar a moça. - Eu tenho tentado falar com você e nunca consigo, precisei vir até sua alcova para tratar do que é necessário. Acredite, isso é tão desconfortável para mim quanto está sendo para você.

— Certo. E o que seria importante ao ponto de manchar sua honra com fofocas? - questionou cruzando os braços nus sobre o peito. - Ou acha que vão pensar coisas nobres se alguém a vir entrando aqui?

— Não me importo. - rebateu enchendo o peito de coragem. - Eu apenas não quero que essa luta aconteça. É desnecessária. Não vou permitir que você ofenda o orgulho do senhor dos deuses e traga uma guerra ao reino dos mortos. E nem vou permitir que Zeus o machuque apenas para provar que tem mais poder e alcance.

— Ah, é mesmo? - se aproximou mais da moça, a vendo desviar o olhar por breve momento. - E como pretende apaziguar ambos os lados sem ferir o “nosso” orgulho exacerbado? Creio que sabe melhor do que ninguém como deuses podem ser criativos e como os homens mortais podem ser cruéis...

O saber por si só era uma crueldade sem fim. Conhecia bem as histórias dos castigos divinos, tinha dias que o vento montanhês trazia os gritos dolorosos de Prometeu, tardes em que as tempestades marinhas traziam o choro de Scilla e noites odiosas em que ouvia os urros de Medusa e o fiador de Aracna. E ainda tinha a crueldade dos homens, os horrores de Tróia jamais seriam esquecidos e os fantasmas do Labirinto Minoico nunca encontrariam sua merecida paz enquanto seus ossos moídos, ruídos e espalhados continuassem a habitar aquele solo maldito.

O saber tornava tudo mais difícil, não saber tornaria a escolha mais fácil e ainda lhe livraria de qualquer culpa. Daí vem a frase: “Ignorância é uma benção, sabedoria castigo”.

Tinha pensado por todo aquele tempo, não tinha um dia, momento ou segundo que não estivesse pensando na escolha menos dolorosa. Não queria ofender os deuses que já tornaram sua vida um inferno uma vez, também não queria ofender aqueles que a acolheram de braços abertos e também não queria retornar ao reino dos homens, só de imaginar o que poderiam fazer consigo, mesmo que não a reconhecessem, já tinha vontade de chorar. A escolha tinha sido muito mais difícil do que poderia soar ao final de tudo, mas era um mal necessário e suportável

Não pertenceria à ninguém, mas serviria à todos. Ao menos essa era sua nobre e inocente intenção.

— Já tomei minha decisão. - respondeu sem se intimidar. - Nenhum dos lados vai odiar e nenhum dos lados vai gostar, afinal não favorece nenhum deles. Vou voltar ao rein-...!

O homem agarrou seus braços com relativa força, o que a fez gritar de susto, e a empurrou até bater com as costas na porta maciça que guardava o batente do quarto. Ele não avançou de forma maliciosa, mas seu avanço sobre a moça assustada com o ato repentino dizia tudo, aqueles eram seus domínios e em seus domínios ela ficava quieta e ouvia.

A ira naquele momento, sobre aquele assunto, era tão grande que ele estava com seu espírito combativo aflorado ao extremo. Os olhos, antes dourados, pareciam rubis vermelhos e brilhantes, os dentes de repente pareciam mais afiados e o bafo era tão quente que, literalmente, avermelhava o rosto da moça pelo calor e gerava uma pequena fumacinha. Naquelas circunstâncias não seria exagero imaginar que ele podia se transformar com facilidade na fera que o intitulava.

— Vou lhe contar uma pequena verdade sobre Zeus e as escolha que ele lhe deu. - sua voz era sombria e velada, quase ameaçadora. - No Olimpo; você irá servir vinho aos deuses maiores durante o dia e durante a noite terá que abrir as pernas para Zeus e todos para quem ele der permissão, vai ter que suportar o ódio resguardado de Hera e vai ter que esconder qualquer rebento que venha a ter. Isso se ele não morrer por cobras no berço ou uma profecia tola. - a moça o mirava aflita, tinha mais medo do peso das palavras do que dele, ele já teria feito algo se realmente quisesse. - No reino dos homens; Zeus apagará suas memórias e as dos homens, mandará Éris para “abençoar” sua vida com desgraça, tornando-a tão insuportável que quando Zeus vir pedindo que durma em sua cama você vai fazer apenas para que ele a livre ou leve embora desse sofrer. Mas ele não fará, pois você é apenas mais uma mulher bonita que ele levou para cama e, quem sabe, vai dar à ele mais um filho divino para servir de juiz dos mortos ou de peça no jogo dos deuses. - conseguia ver o ódio queimar nos olhos do homem. - No reino dos mortos; ele irá se disfarçar de qualquer criatura ou pessoa, até mesmo do menino que deixa dormir em suas cobertas, e vai obrigá-la a fazer o que ele quer. Ele vai lhe ameaçar para que não fale nada e, mesmo que ao final de tudo, se houver uma criança, esse rebento vai ser ignorado e talvez morto, com sorte terá a paternidade transferida tal como o Zagreus, príncipe primogenito. - ele fechou os olhos e respirou fundo, se afastando logo em seguida para continuar se despindo da armadura, precisava descansar. - Zeus não vai lhe deixar em paz até conseguir o que quer, o único jeito de fazê-lo respeitar sua vontade é o derrubando em combate.

Ele foi até sua cama e sentou, sendo seguido da moça mais cautelosa, ambos estavam sentados lado a lado na borda da cama. A moça o observava com as mãos sobre o colo enquanto o homem tirava as pesadas botas e coxetes da armadura, as únicas peça de seu traje que faltavam. Ela certamente pensava que era muito mais fácil afastar e chamar a armadura com os poderes, mas se ele o fazia manualmente tinha uma razão, fosse cansaço ou capricho.

Mas totalmente independente daqueles sutis caprichos, ela não conseguia entender como aquele homem conseguia se preocupar tanto consigo. Ele era a prefeita figura de um rei, não tinha dúvidas quanto suas ocupações em vida só por observar sua postura, ele tinha plenas capacidades de avaliar a situação e concluir que aquela luta era um suicídio, não valia a pena lutar. Então só queria entender como sua vida podia ser mais valiosa do que qualquer coisa que aquele homem colocasse em uma balança.

— Por que? - perguntou com um suspiro profundo, pelo jeito ela ainda não tinha desistido do assunto. - Zeus vai te matar se achar que deve. Eu posso me sujeitar à certos sacrifícios se for para manter a paz ou manter todos vocês bem, não seria a primeira vez. Vocês salvaram minha vida, me deram a chance que eu nunca tive. Eu não posso permitir qu-...

— Pare com as respostas miseráveis! - o brado a calou na mesma hora; ele largou as botas no chão e moveu a mão para a direita de forma um tanto violenta, fazendo a armadura se montar na figura de uma besta num canto do quarto. - Você é livre para escolher! Não percebe que estou lutando para manter sua liberdade?! Zeus vai roubá-la de você se eu não lutar! Agora mesmo ele já lhe prendeu grilhões invisíveis! Olha como está falando! Você está presa à uma escolha a qual não devia! Você não tem que escolher nada! Você tem que viver! - se virou para moça com o olhar quase desesperado de tão triste, ao menos os olhos tinham voltado ao dourado natural. - Eu te fiz uma pergunta quando chegou e até hoje você não me respondeu! Para onde você iria? De verdade! Para onde você iria pela sua vontade e não a dos outros?! O que você quer para você mesma?!

A primeira vez que aquilo lhe foi perguntado, sentiu como se tivesse levado um soco no estômago e seu rosto tinha perdido toda a cor, pois ela nunca soube uma resposta. Ela nunca parou para pensar nos próprios anseios, ela nunca teve essa liberdade ou direito, ela sempre estava pensando nos outros. Um reflexo muito forte do tempo em que passou a sofrer na mão dos homens para que as filhas e filhos não fossem violados em seus direitos e vidas. Sua escapatória para o momento foi não responder, e para não responder ela precisou exigir uma reunião com o senhor dos mortos, era como dizer que ela não tinha obrigação de responder algo assim para alguém como ele.

Mas e agora? Agora eles estavam em pé de igualdade. Ela podia continuar não respondendo, mas teria que dar uma boa razão.

A pergunta, mais uma vez, lhe atingiu como um soco no estômago e, por alguma razão desconhecida, ela sentiu falta de ar e vontade de chorar. Os olhos negros se encheram de lágrimas conforme os olhos dourados continuavam esperando uma resposta.

— Eu não sei… - respondeu com genuína dor.

— Pandora! Responda! - o homem segurou suas mãos com firmeza, a impedindo de ruir por estar servindo de apoio. - Diga-me que você não vai voltar ao mundo dos homens! Diga-me que não vai viver para o Olimpo! Diga-me! Não quero que fique aqui se for para vê-la miserável assim… - sua voz ia se tornando dolorosa a cada palavra, ele parecia esconder uma aflição tão grande quanto a sua. - Eu quero que viva sua vida, eu quero que você seja feliz… Eu luto por sua liberdade, por sua vida… Eu me deixo destruir se for para manter sua liberdade, eu só não quero que você se curve mais uma vez ao capricho dos deuses e nem à maldade dos homens… Não precisa estar aqui no reino dos mortos… Apenas não se obrigue a fazer o que não quer para agradar alguém… Você é livre…

Os olhos da moça estavam fixos e os lábios tremiam um pouco, as lágrimas corriam pelo rosto sem nenhum impedimento e desapareciam quando caiam no tecido negro das roupas.

Aquela era a primeira vez que ela chorava por uma dor que não fosse física, e seria mentira dizer que não assustava um pouco.

— Não... Não, por favor, não quero ir… - sua voz era um fio magoado de sua verdadeira autoridade quando se pronunciava. - Eu quero ficar... Eu não quero estar em nenhum outro lugar diferente daqui...

— Então dê-me uma chance… - pediu tomando a liberdade de encostar as frontes.

 Por que?... — perguntou fechando os olhos e soltando um soluço. - Por que luta por mim?... Por que se importa tanto comigo?

 Porque… - tinha receio, precisava escolher as palavras com profunda atenção, certas coisas podiam esperar e outras não. - Eu não quero que você vá...

A moça se afastou um pouco, o mirando com surpresa e algumas lágrimas vestigiais. Ela tentava entender algo que nem mesmo sabia o todo; sabia pela boca do próprio homem a sua frente que ele, ainda menino, viu seu sofrimento no tronco do açoite e tomou a injustiça cometida contra si como um exemplo e norte moral. Ele foi um grande homem, escritor de leis e um sábio entre os homens mortais. Seu valor na vida dele era o equivalente à um sussurro inspirador, não existia uma razão definida o bastante para suas afirmações serem compreendidas.

Foi enxergando essa dúvida que ele viu não apenas a necessidade de uma explicação, mas também o perigo de soltar a língua. Um perigo que estava disposto a correr se fosse preciso.

— Eu passei toda minha vida lutando e redigindo leis que pudessem livrá-la de seu suplício… - era difícil explicar, algo quase inimaginável se sua impecável retórica fosse levada em conta. - Eu amo uma mulher inalcançável desde a infância e fiz de tudo para tentar dar-lhe algum alívio… Eu me apaixonei por sua força em aguentar a chibata de pregos… Eu me apaixonei por sua resistência demonstrada na beleza que mesmo em dor não se alterava… Me apaixonei pela voz que nunca rogava maldições ao ser maltratada, apenas suplicava o bem e a consciência… Me apaixonei por uma mulher que suportava um suplício injusto em nome daqueles que já amou… Me apaixonei por um rosto que os séculos apagaram de minha memória, mas que a coragem no olhar foi gravada em minha alma… - como temia, havia falado demais, agora precisava ao menos concluir. - Eu não passava de um menino tolo e inocente para os sofreres da vida… Ao ver uma força tão corajosa em seu orgulho resguardado na beleza pétrea, eu não pude deixar de me encantar, sendo atingido por um sentimento altamente poderoso e assolador, do qual eu não tinha como lidar e nem  controlar por desconhecer sua existência… Alimentar o que se desconhecia até a vida adulta, e até depois dela, foi o natural... Amar mais e mais com os séculos foi um castigo sem respostas ou pontos finais, pois não tinha como guardar um coração cuja dona estava perdida... Eu fui perdendo as esperanças de encontrá-la com os anos… - aproveitou que ainda segurava as mãos finas e as pousou em seu peito, tinha certeza que os batimentos podiam passar a caixa torácica e serem sentidos pelas mãos pequenas. - E agora que eu encontrei você, por mais que eu seja indigno. Você não vai tentar encontrar-me?...

A moça apenas assentiu, cerrando os olhos e deixando as últimas lágrimas caírem. E sorriu, sorriu verdadeiramente. Dando a liberdade do homem tocar seu rosto e beijá-lo, secando uma última lágrima e rompendo o caminho aquoso percorrido por sua tristeza.

Aos poucos foram deitando na espaçosa casa, um puxando o outro, mas sem precisar ao certo de quem partia já que ambos o faziam com espontaneidade. A ponta do nariz causava arrepios instigantes quando acariciava a pele alheia, os olhos cerrados por uma estranha e proveitosa preguiça. Os dedos finos da moça tocavam o queixo másculo com cuidado, sempre o convidando a se aproximar mais, a tomar o que tanto queria. Da mesma forma, as mãos calejadas apoiavam o próprio peso e a nuca delicada, se enroscando nos fios negros, enquanto o polegar acariciava a maçã do rosto com ternura. Provocações sutis, mas que contribuíam enormemente naquele ritual tão primário.

— Jamais farei algo que a machuque ou que a desagrade… - se sentia dormente, preso num feitiço com o qual não queria lutar.

— Mostre-me… — pediu com um suspiro.

Ele segurou as mãos delicadas e as beijou, fazendo o mesmo com a pele macia do pescoço e rosto sereno. A moça suspirante, e um pouco impaciente, segurou o queixo alheio com um pouco mais de firmeza e o puxou até que os lábios foram selados, não queria mais esperar por algo que ele cativou.

Conforme o ósculo quase pagão de tão ardente evoluiu em meio à dança lasciva dos corpos, os tecidos eram descartados e os suspiros indevidos cresciam proporcionalmente ao que era sentido.

Ele entregou-lhe seu amor e ela aceitou prontamente, certeza que nunca tinha experimentado algo assim antes. O que antes tinha sido experienciado de forma tão incômoda, agora era vivido com sensações totalmente díspares ao que dizia respeito o passado. Pela primeira vez se sentia bem com tão impuro ato, se sentia amada de fato.

Quente abraço, arrebatador desejo, poderoso beijo, jubiloso prazer, curioso estremecer, platônico querer, apaixonado contato, sensível entrega, mimosa paixão, culminante satisfação, carinhosa exaustão.

— Meu senhor! - bateu na porta para anunciar sua presença. - Estou entrando!

Encontrou o homem já desperto, porém, ainda sentado em sua cama, abraçado aos joelhos cobertos e com o olhar pensativo em meio a bruta seriedade de seu rosto. Ele chegou a mirar seu visitante, mas demorou um pouco até que o enxergasse de fato.

— Meu senhor. - chamou mais uma vez, certificando-se de que tinha toda a atenção do homem. - Precisa se preparar para o combate, senhor.

— Valentine. - parecia ainda assimilar sua presença. - Estarei pronto em tempo. Mas preciso que me faça um favor antes de tudo, preciso que pegue roupas de Pandora e as traga para cá antes que o movimento no palácio se torne insuportável.

— Roupas… Da senhora… Pandora?... - cada palavra soava absurdamente estranha.

O homem soltou os joelhos, os abaixando e se inclinando até encostar na cabeceira da cama. Dessa forma, o visitante conseguia ver mais um corpo sob as cobertas de cor púrpura e fios negros espalhados sobre os lençóis brancos.

— Ah… - a voz até afinou. - Cheguei em má hora...

— Chegou em boa hora. - respondeu negando. - Preciso que você a tire daqui sem que ninguém veja. Depois de hoje, ter estado em minha cama pode se tornar uma desonra.

— Como vou fazer isso? - era uma pergunta coerente. - Teremos duas mil pessoas, em média, presentes!

— Você é criativo. — respondeu com um sorriso ironicamente feliz.

Ambos os homens continuaram sua discussão enquanto a moça continuava a dormir. Ela só foi se incomodar um pouco quando ficou sozinha na cama, mas suspirou tranquila depois de sentir um beijo no rosto. Por hora as preocupações não existiam e calor do homem que lhe amava ainda podia ser sentido nas cobertas.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo o pau vai torar, então talvez eu demore um pouquinho até descrever tudo bonitinho como imagino sem ser cansativo. Peço paciência :3

Agora, esclarecendo algumas observações mitológicas (quem quiser pode pular):

1. O submundo grego tinha um decorrer de tempo diferente, o que era um mês no mundo humano podia ser dado como um ano no submundo, mas essa "mentira temporal" só funcionava para a alma dos mortos; assim a impressão de descanso antes da reencarnação, ou da tortura para os piores, seria muito maior do que realmente era, logo eles tinha algo como as quatro estações ao longo de um mês mortal. O final do ciclo é o inverno, por isso Pandora se agasalhou ao sair do próprio quarto.

2. Prometeu foi condenado a ter uma águia devorando seu figado todos os dias por ter dado o fogo aos homens. Scilla, antes uma ninfa muito bonita, foi transformada em um monstro porque não quis deitar-se com Oceano, sogro de Poseidon. Medusa foi transformada em gorgona por ter sido estuprada por Poseidon no templo de Athena, quebrando dessa forma seu juramento sacerdotal de permanecer virgem (sim, ela que foi punida e não Poseidon, com quem ela negou veementemente não querer fazer sexo, principalmente por sua devoção à Athena). Aracna foi uma mulher que se vangloriou por ser uma melhor tecelã que Athena (deusa da tecelagem, também, para quem não sabe), ela a desafiou e perdeu, como castigo foi transformada em aranha e se tornou mãe de todas as aranhas do mundo.

3. Labirinto Minoico diz respeito ao Labirinto do Minotauro, sendo o Minotauro "enteado" do Minos (sim, o nosso Minos de Griffon), já que sua esposa fez aquelas coisas com um touro (sim, zoofilia) e deu a luz a essa coisinha linda que come carne humana; mas isso só aconteceu porque Minos não compriu um acordo com Poseidon (sacrificar um touro) e este fez a esposa do monarca se apaixonar pelo touro que deveria ser-lhe ofertado. O problema dessa história é que ao contrario de matar a aberração, ele mantave o Minotauro vivo e deixou ele matar uma porrada de gente. Como esse homem virou juiz do submundo? Não sei, pergunta pro Hades.

4. Zeus costumava manter as amantes e o amante (Ganimêdes de Tróia) por perto, geralmente servindo vinho. Hera não podia falar nada, mas cometia seus atentados, principalmente contra os bastardos do marido. Vide Heracles (Hércules) com cobras no berço e Dinisio, que teve a mãe morta antes de nascer por conta de uma profecia sobre ele ser a desgraça do Olimpo, sua sorte foi que Zeus terminou de gerá-lo na panturrilha (Athena saiu da cabeça dele, panturrilha é nada!).

5. Zeus costumava se disfarçar de muitas coisas para dormir com as mulheres que queria, uma vez ele virou uma chuva de ouro pra ficar com a mãe de Perseu e touro pra ficar com a mãe de Minos e Radamanthys. Inclusive, quando Hera não queria ficar com ele, algum tempo antes de casar com o mesmo, o dito cujo se transformou num passarinho, entrou no quarto de Hera pela janela e a induziu a dormir com ele (no final do diálogo ela aceitou, então não foi um estupro, pelo menos).

6. Zagreus é dado como filho de Hades, mas este apenas o criou. A verdade é que Zeus se disfarçou do próprio Hades para dormir com a própria filha, Pérsefone. A moça caiu na mentira e disso nasceu Zagreus, ela se sentiu absurdamente culpada quando descobriu que aquele não era seu marido e implorou perdão à Hades, pedindo que ele não matasse a criança, pois, apesar de tudo, ainda era um filho seu e ela jamais aguentaria a morte de um filho. Hades (esse homem era o SANTO da mitologia grega) não apenas perdoou a esposa, como culpou o irmão (merecido) e criou o menino como se fosse seu (pai é quem cria, não quem faz). Infelizmente, Zagreus não teve um final feliz e isso eu explico no último capítulo, relaxem, é o 10).

7. Quando Pandora foi presa, os homens disseram-lhe que seus filhos e filhas (que não eram poucos, ela ficou casada muitos anos antes de abrir sua temida caixa) iriam sofrer também, mas Pandora implorou por eles. Ela sofreu principalmente para salvar os filhos, infelizmente, seus atos condenaram suas filhas à eterna desconfiança dos homens.



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