Ayreon: O Experimento Final escrita por Daisuke


Capítulo 7
Banimento Parte II: Acusação




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/760008/chapter/7

Por algum motivo não havia mais fogo. A geração X diria que é a fé, a geração Y diria sorte, a geração do mundo atual com certeza pensaria em uma máquina capaz de absorver fogo. Mas na idade média isso só poderia significar uma coisa.

— É um bruxo! — exclamou um aldeão.

— Sim, irmãos, era disso que eu falava! — imperou o homem que comandava a morte de Ayreon. — Foi por tal que empreendi esta caça. Este homem canta por nosso fim, não é digno de piedade, não conhecemos o poder de vosso canto!

— Cantai por nós agora, rapaz! Quero ver se tens coragem! - atiçava o outro capanga.

Ayreon não tinha reação, aquilo era tão inexplicável para ele quanto era para os demais. Nem sequer ouvia o que falavam, só conseguia pensar no que ainda o esperava pela frente.

Ainda que antes dividida, agora a população vira com os próprios olhos o ocorrido e agora todos acreditam na suposta feitiçaria de Ayreon, ele estava condenado para sempre perante aqueles. Pelo menos até aquele momento. Surge então uma voz ao longe que parece discordar.

— Soltem o garoto agora!

— Quem pensas que é para gritar com a Guarda Real? — berrou de volta o comandante.

— Aquele não é o homem esquisito da caverna, vovô?

— Sim, ele mesmo, filho! — respondeu o homem. — E eu sou Jonah, o andarilho e grito com quem eu quiser!

— O velho tem garra — caçoou um dos capangas.

— Ah, — continuou — e a única coisa de Real que vocês tem é que são realmente um monte de merda!

— Prendam-no! — ordenou o comandante, furioso.

— Eu sei muito bem quem és, Sir Franklin!  — intimidou o velho — Mas também sei que és um caloteiro se passando por líder da Guarda Real, a verdadeira guarda nunca faria isso com um pobre bardo!

— Ele não é um bardo, é um bruxo, todos viram! E vocês? Que estão esperando para prendê-lo?

Os guerreiros foram em direção ao idoso e o próprio se deixou ser agarrado. Calmamente, seguiu falando enquanto ganhava amarras nas mãos.

— Não colocarás um dedo nele, Frank. Não me importo se é um bardo ou um bruxo! Não tens o direito de condenar um ser humano com tuas podres mãos. E, se realmente for um bruxo, não terás chance contra tal poder.

— Tenho direito do que quiser, e também tenho direito de calar-te! — esbravejou Franklin. — Mas você está certo, não tenho chances contra a magia do demônio, por isso ordeno que levem-no à corte para julgamento!

Num só movimento coordenado, os soldados desamarram as cordas de Ayreon da estaca horizontal que o prendia e o jogaram no chão sobre a fogueira recém-apagada, exausta como uma pessoa ensanguentada e cheia de hematomas, como Ayreon.

Segurando um por cada membro, carregaram o jovem nos ombros e o levaram até a costa, há alguns metros da vila, onde o deixaram sobre um velho e pequeno barco de madeira de carvalho escura, remendado por vinhas próximo à popa. Nenhum aldeão arriscava dizer o destino daquele barco.

—___________________________________________________________

O destino era a Casa de York, comandada pelo Conde Edward, que se autoproclamava rei da Grã-Bretanha por mérito, mesmo que este fosse outro — a não-aceitação de Edward perduraria por gerações, até o fim da Guerra das Rosas, no século XV.

As portas da corte se abrem num estrondo e ao altar se revela um homem baixo, de aproximadamente 1,60m de altura, porém imponente e à sua frente, guardando o corredor, uma série de generais de guerra vestindo uma farda branca-creme, como alusão à Rosa Branca, símbolo da casa.

— Sejam bem-vindos! — saudou Edward. — Eu sou o rei digno Edward de York. Se adentras esta casa, é porque há de ser julgado por teus atos e absolvido se mereceres! Qual teu nome, nobre cidadão?

— Não importa, ele não é merecedor de um nome! — retrucou Frank, jogando Ayreon corte a dentro sobre o tapete branco do corredor real. — É um bruxo e veio apenas buscar a condenação que lhe cabe, meu senhor!

— Cala-te fétido! — gritou, imperativo, o aspirante a rei. — estou falando com o garoto, não me digas o que fazer ou irá de encontro ao exílio imediatamente.

Em um impulso imediato, Frank abaixou rapidamente a cabeça e deu de ombros, mantendo-se de costas para o rei. Os demais soldados permaneciam imóveis no portão, estarrecidos com a atitude de seu governante.

— Olhai para mim, cão! — ordenou Edward, com voz ecoante.

Com bastante hesitação, Franklin se vira em direção ao rei e dá-lhe a palavra, fechando a cara.

— Muito bem, como sempre devia ter sido... — debochou o falso rei. — Agora, meus soldados, convoquem o júri imediatamente para julgarmos o caso.

— Mas meu rei, — interrompeu Frank educadamente, com receio de que algo mais ocorresse. — não pode julgar este ser amaldiçoado, ele deve ser punido imediatamente.

— Calado! Pela última vez, eu sou o único rei e a palavra será sempre minha. E ele terá o direito de responder por seus atos.

— Mas ele não realizou "atos"...

— E porque o trouxe a julgamento?

— Ele realizou magia. É pior aue qualquer ato — explicou Frank.

— E me convocas por conta de algo que não existe?! Seu animal! — berrou Edward, perdendo o controle.

— Sim, e ele tinha razão, você não é rei! — Franklin não se conteve diante da situação, mesmo sabendo que aquilo lhe traria riscos. — Nem mesmo sabes da existência de um mago!

A sala ficou calada por alguns segundos. A tensão crescia entre os presentes e Edward segurava sua fúria, até não aguentar mais. Tudo tem um limite.

— Prendam-no! — ordenou.

Sem expressar uma única palavra, Franklin se entregou à prisão, pois sabia que aquilo era seu único direito.

Mesmo cego, Ayreon não conseguia presenciar aquela cena. Ainda que aquele homem tenha feito tudo aquilo, não deixava de ser um humano como qualquer outro, e Ayreon fora criado pelo mundo da forma mais nobre possível, não podia ver um homem sendo julgado injustamente por alguém que não possui a mínima autoridade.

Para o suposto rei, aquela cena também não era agradável, pois não era o suficiente. Alguém havia ferido seu ego e duvidado de seu posto, e agora ele precisava retomar seu posto eliminando o risco.

— Ótimo, ótimo... Agora matem-no! — ordenou o conde.

Os olhos de Frank se arregalaram, à medida que se debatia entre as dezenas de mãos, numa tentativa falha de escapar. Ao olhar para trás, seus servos não estavam mais lá, certamente fugiram pela covardia. Ao retornar o olhar para os guardas, via sangue em seus olhos e uma vontade enorme de pôr fim a uma vida.

Foi o que fizeram. Dotados de muita força, os soldados abandonaram suas lanças e espancaram a cabeça de Franklin até que caísse no chão.

O som da queda doía em Ayreon e ele precisava fazer algo. O jovem sabia que aquele homem guardava ainda algo bom dentro de si, havia amor por algo, só não se sabia o quê. Mesmo sem noção da origem ou justuficativa de suas alucinações, Ayreon sabia muito bem que fora condenado por elas, e que as pessoas a chamavam de visão. E este foi seu artifício para argumentar.

— Rogo que pare, senhor... — clamou o menestrel. — Pude ver em minha mais recente visão que este homem é puro e merecedir de sua vida!

— Visões? És um charlatão! Estou lhe dando a oportunidade de te livrares da prisão e inventas algo que sequer existe para defender seu inimigo? — questionou Edward, irônico, enquanto seus soldados chutavam Franklin pelo chão até a morte. O aspirante a rei se deliciava com aquela visão.

— Sim, visões! Solte-o e posso provar. E pode me prender se quiseres, revogo minha liberdade em troca do bem soberano! — declarou Ayreon.

— Muito bem, parem! — ordenou Edward. — Já feriram o bastante, não o matem, peguem o cego visionário — o rei expressara um forte cinismo em suas duas últimas palavras.

Ayreon, calmamente, aceitou seu destino e se entregou aos homens  que nada fizeram contra ele por não ter desacatado seu rei.

— Certo, duas criaturas indefesas —riu.

O sentimento de raiva sobre a pouca consciência que restava a Frank era iminente, mas ele precisava manter-se imóvel se não quisesse algo ainda pior.

— Levem todos! — ordenou o governante.

Os soldados carregaram brutamente ambos até a porta de entrada. Como se não fosse suficiente, Edward despediu-se com uma provocação:

— Ao velho Franklin, ofereço a guia de minha filha até a prisão, àquela que sempre será fiel a mim e nunca ninguém terá sua mão ou confiança, portanto será impiedosa. Ao bardo, apenas o exílio eterno!

"Exílio eterno". Aquelas palavras ecoavam na cabeça de Ayreon por todo o caminho. Havia algo de diferente nelas, mas o jovem não conseguia aceitá-las. E assim permaneceu, até chegar em um campo com bastante cheiro de grama molhada, possivelmente uma região costeira, onde os guardas o arremessaram contra o chão, o fazendo bater a cabeça no solo fofo, porém rígido. A última imagem de Ayreon, antes que apagasse novamente, fora uma legião de partículas brancas e luminosas congestionando seus olhos no lugar de sua cegueira. Era mais uma alucinação.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ayreon: O Experimento Final" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.