Crianças da Noite escrita por Danilo Alex


Capítulo 1
Inocência Mortal (Único)


Notas iniciais do capítulo

Vocês lerão essa história do mesmo jeito que eu escrevi: de um fôlego só.

Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759200/chapter/1

Emílio era taxista havia mais de duas décadas e, em todo esse tempo jamais vivenciara situação semelhante. Tudo transcorrera muito rápido, repentinamente. Geralmente é assim que acontecem as tragédias. Em frações de segundo.
O relógio marcava quase vinte e três horas de uma noite sem estrelas. Quinta-feira. O céu escuro se mostrava repleto de nuvens bojudas, carregadas, atrás das quais brilhava timidamente uma opaca lua crescente. O tempo sisudo prometia chuva pela madrugada, algo perfeitamente normal durante o fim de março.
Emílio acabara de deixar um passageiro no aeroporto e retornava para a Central sem muita pressa. Ainda assim, decidiu tomar o caminho mais curto, que passava pela rua do cemitério Bom Pastor. Divertiu-se ao lembrar-se dos colegas taxistas que costumavam evitar aquele trajeto ao cair da noite, haja visto que histórias de assombração sobre aquele local pipocavam de todos os cantos da cidade.
— Que bobagem! – ria Emílio – A gente deve é temer os vivos, porque os mortos não fazem nada a ninguém.
E agora ele estava ali, guiando seu táxi pela rua mal iluminada, inquietantemente silenciosa e deserta que margeava o campo santo. Não se via uma alma viva sequer. A luz parca e amarelada dos postes fornecia um tom sépia à rua o que, somado à fria névoa a se levantar do asfalto, proporcionava ao lugar grande semelhança com os cenários dos antigos filmes B de horror.
Um instante mais tarde, tudo mudou bruscamente.
Emílio se inclinou rapidamente para trocar a estação do rádio, desviando os olhos da pista por um brevíssimo momento. Quando se concentrou novamente na direção, percebeu que uma figura pequena atravessava a rua correndo, cruzando perigosamente o caminho do motorista desavisado. Perto demais para que se pudesse evitar completamente uma catástrofe.
Reagindo rapidamente, Emílio girou o volante para a esquerda, ao mesmo tempo em que afundava o pedal do freio. Seu táxi rabeou. O chiado dos pneus encheu a noite.
O som do impacto contra o para-choque dianteiro alarmou o taxista, soando alto o bastante para fazer o suor empapar suas têmporas e axilas instantaneamente.
— Ai, meu Deus! – gemeu o homem levando as mãos à cabeça.
Saltou velozmente do veículo, que ficou atravessado na via, com os faróis altos apontados para o muro do cemitério.
Primeiro, fitou o para-choque amassado. Em seguida, viu que o capô do seu Cobalt branco-gelo se achava respingado de algo vermelho. Desesperou-se.
Então seus olhos divisaram a pequena silhueta imóvel, estendida no chão gelado.
A princípio, julgou que pudesse ser um cão. Só quando se aproximou mais é que se deu conta de que atropelara uma criança. Uma menininha da idade de sua caçula.
— Que foi que eu fiz? – balbuciou o homem, chocado.
Abaixando-se, inclinou-se sobre sua vítima, sem lhe ocorrer estranheza por uma criança daquela idade circular sozinha pela rua em horário tão avançado.
A menina usava um vestido branco simples, tinha os cabelos negros e lisos. Sua testa estava ensanguentada. O rosto apresentava a palidez da morte. O corpo estava inerte.
Emílio trafegava em baixa velocidade, não sabia se a pancada fora suficiente para matar. Checando os sinais vitais, constatou o que temia: a garotinha estava sem pulso e não respirava. Com mãos trêmulas, procurou o celular no bolso para solicitar ajuda ao SAMU. Antes que fizesse a ligação, a menina mexeu uma pálpebra, suspirando.
Emílio arregalou os olhos. Como podia ser? Ela parecia morta há apenas um minuto!
A garotinha abriu os olhos e sorriu. Ah, era um sorriso tão bonito... O coração do taxista transbordou de alívio. Quando a criança estendeu os bracinhos, Emílio não teve como recusar: abraçou-a ternamente de encontro ao peito. Talvez por isso não viu quando os olhos dela se tornaram negros como piche.
O homem sentiu uma fisgada no pescoço e suas forças lhe abandonaram. Ainda tentou se desvencilhar, mas os braços da menina pareciam agora tentáculos de aço. Ao longe, o carrilhão da catedral começou a soar.
Meio anestesiado, Emílio sentiu seu coração passar a bater mais devagar. Através de uma névoa, viu outras sombras se destacarem da escuridão para se precipitarem ao seu encontro. Rostos brancos como cera. Olhos completamente negros nas órbitas. Dentes alvos e afiados.
Novas fisgadas, embora dessa vez na altura da barriga e dos pulsos. Notou que estava sendo carregado para o cemitério, onde foi depositado sobre uma sepultura, cuja superfície profanaram com o tom escarlate do rito maldito do sangue. O túmulo transformou-se em altar macabro da morte.
Enquanto o corpo de Emílio se tornava banquete das feras, sua alma inocente voou contra o céu escuro, coberto de nuvens negras que prenunciavam chuva.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?

Deixe seu comentário para ajudar a melhorar a história.


Obrigado e até a próxima!!!