Boneca de Trapos escrita por Zatanna


Capítulo 1
Capítulo Único — Trapos de Cetim


Notas iniciais do capítulo

Escrita há muito tempo. Para Fhery-chan. ♥



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And will we ever end up together?

 

 

Era uma vez, uma história que podia ser minha...

Mas também poderia ser sua. Poderia ser nossa, poderia ser de qualquer um que quisesse prestar o mínimo de atenção. Nunca foi fácil dizer qualquer coisa, nem mesmo admitir a verdade para mim mesma.

Eu estava fadada a ser uma mera boneca de trapos.

For I am not the one.

 

 

Caro leitor, não continue com essa história. Ela não lhe servirá para nada, apenas, talvez, para sentir pena de mim como eu própria sinto. Eu não tenho conserto, a maior prova disso são meus remendos incansáveis que se descosturam. 

Eu não tenho conserto, a maior prova disso é a minha mente insana que vaga para tudo que eu não posso, eu não consigo e, às vezes, nem sequer de fato quero. Sou um fracasso brilhante

 

Ao contrário, meu mestre, Orochimaru, sempre pensou em mim como sua boneca predileta, aquela capaz de sentir qualquer desavença e adiantá-lo das péssimas marés que poderiam vir. No fundo, eu queria que ele se afogasse quatro vezes e ainda perdesse a cabeça no processo, mas o respeitava o suficiente para não deixá-lo engolir pesares.

Metaforicamente, eu fugi.

Fugi a minha vida inteira do que poderia ser e do que nunca tinha sido, fugi de ser poetisa como fugi de ser gente. Fugi de respirar, porque trapos não o fazem e deixei de lado qualquer sonho, porque meu intento era ser de cetim, mas nenhum remendo foi feito com o tecido.

Embora de trapos eu fosse feita, meu desejo era ser de cristal, porém me reconheço como tal já que sou absolutamente quebrável. Um cristal mais frágil do que já sou, um remendado com cola ao invés de linhas.

Aparências não fogem do que me empenho, porque eu queria ser o que não serei jamais, ter a luz que não carregarei. Ser brilhante em um trapo de cristal, remendado pela luz do cetim.

Orochimaru, cientista louco e apaixonado por si mesmo, continuava a me questionar sobre a maré e o vento que proviria dela, minhas respostas cada vez mais vagas e sem solução.

 Até um dia que a cidade nefasta que me encontrava tornou-se enfadonha o suficiente para fazer-me encolerizada. A culpa não recaía nas luzes apagadas, nos tetos com teias de aranha e nem no castelo em espiral e assombrado por criaturas pegajosas que eu residia.

Nada daquilo me incomodava tanto quanto ele. Com seus passos mundanos, sotaque confuso da região superior do mundo e olhar atrevido, pela primeira vez, eu me encontrei além de mim mesma: o tédio tornava-se cólera, a mágoa expandia-se para o orgulho.

Ele me irritava. Não havia luz em seu entorno, somente um desconforto vazio que também o preenchia, porém ainda tinha forças para sorrir, debochar, ser o que era em sua essência.

Eu odiava. Odiei mais quando tomou posse da atenção de meu mestre como novo experimento, nova sensação de trajes elegantes e boca descosturada! A boneca preferida não ficou de lado tão pouco, mas se tornou mais ranzinza.

— Karin, algum problema hoje?

A questão tornou-se um mero clichê naquele mundo onde tudo continuava a mesma coisa, seu olhar só movia-se à direção do meu corpo quando via algum pequeno rasgo, alguma falta de retalho.

— Nada.

Não menti, o olhar do meu incômodo parecia debochado. Seus dentes, que se perdiam nas costuras maleáveis da boca, apareceram para azucrinar-me e mostrar-me a sua presença.

— Nunca é nada, tsc — ele comentou como se a verdade o pertencesse, fazendo-me revirar meus globos oculares e humanos. — Karin, você deveria ser um pouco mais divertida, não acha?

Olhei-o como quem nada vê, seus passos se aproximaram de mim e seu toque frio não me atingia, decerto, nem se fosse quente ou escaldante: eu sou uma boneca de trapos que só sente fúria. 

 

Nunca pensei o quanto esse sentimento era um passo importante para o desespero, para a própria existência fadada aos fracassos. Para perceber que eu era isolada e a luz era o que me faltava: você, antes de todos, deveria sentir pena de mim, pena dos meus restos e das minhas mágoas, porque, meu caro leitor, você é como eu, um mísero pedaço de escuridão que deseja ler a minha desgraça e persiste nisso como se fosse lhe salvar da sua sombra.

Nego-te como eu me nego, nega-me como se nega. 

 

Os dedos ossudos continuavam cercando a ponta de alguns dos meus fios de cabelo, sutilmente subindo e tentando alcançar-me com o toque, mas não me alcançava ainda. Meu medo de ser e viver gritava tal como meu ódio, minha aversão pela existência do distinto.

Ele era uma tentativa de boneco de trapos formado por ossos malfeitos, mas não alcançava a minha predileção; era o que eu queria dizer para mim, é o que eu desejava negar para qualquer um, principalmente, ao trapo humano de boca descosturada que me perseguia até no mundo que os olhos se cerram.      

A boca dele se entreabriu, olhando-me como se houvesse alguma resposta a se dar, mas não havia e nem sequer eu a queria, não. Afastou-se como se não tivesse encontrado o que desejava e, tal como ele, não consegui encontrar o que me faltava, o que me preencheria.

Eu queria luz, você estava afundando nas trevas e nas teias de aranha que preenchiam a nossa existência. Você estava se esgueirando em busca do novo enquanto só encontrava a poeira e os restos de uma boneca que só tinha o nada.   

Meu mestre nem sequer nos notou, experimentando a vida de quem ama a si mesmo e a mais nada. Eu desejava ser como um cientista, achar a lógica onde não há motivação, buscar a verdade onde ninguém a questiona.

Não pensar nas possibilidades, mas no que há agora. No entanto, minha mente não foi feita para pensar no exato e configurei-me para pensar nas possibilidades e sonhar com as minhas futilidades.

Meu sonho, de alguma forma, configurou-se em destruição e eu, perdida na minha insignificância, peguei-me sonhando com o arco-íris, ainda que eu me cercasse de sombras.

Na correnteza do tempo, o mundo tornou-se diferente. Os cravos negros estavam mais encantadores e as teias não pareciam tão monótonas enquanto aranhas comiam suas presas e arrancavam-lhe as cabeças.

Cheguei a imaginar aquilo para meu mestre. Ah, seria relaxante não afogá-lo!

Seria bom. Seria sentimental como um sorriso pequeno e brilhante que presentificava-se em minha mente conturbada; os dentes não apareciam, mas era o suficiente para me pegar no enlaço da emoção. Uma emoção que me trazia luz.

 

O novo era maligno, cruel e sádico, trazia esperança a vã ideia de uma pobre alma moribunda que se perde em suas dores e travas. A novidade era uma experiência que poderia trazer tormento e lamento aos desesperados, não que eu desgostasse da sensação, seria desagradável o suficiente...

O desagradável tornou-se aprazível e a percepção de poder tê-lo era constante, tão quanto eu nunca iria tê-lo. Caro leitor, sinta-se como o recusado que é, um ignóbil que persiste no atraso, no raso e...

No fracasso. Você já notou que sou isso, desmorone ao meu lado e reconheça-se como um ingrato. Ou eu sou a ingrata e você, o sensato? 

 

Aquela criatura tornou-se muito para mim, ao mesmo tempo, em que eu não era absolutamente nada para ele. Nós éramos do mesmo mundo, cercados de uma escuridão lúgubre e afetada.

Eu estava longe de ser a flor que ele desejava, porque de flor não tinha nada, só um mero receptáculo para algodão podre. Com o passar do tempo, o encanto da flor também foi capaz de alcançar-me e as minhas esperanças foram se tornando vãs, cada vez mais...

— Eu o amo...

As palavras renderam-me dor porque eu pude entender o que não era o amor; eu não sentia, não sabia o significado daquilo. A aventura dela era maior que a minha, a jornada dela repleta de alegrias, eu não tinha isso. Nada. Disso.

Eu, uma boneca de trapos que só desejava ser mais. 

 

 

Você, caro e ínfimo leitor, tal como eu, não sabe da intensidade desse sentimento. Não sabe a força, não entende a circunstância que ele se coloca, somos meros ignorantes. Nós, eu e você, nessa concordância mútua de falência de senso, poderíamos nos entender, no entanto, o que eu ganharia fazendo isso?

Talvez, um consolo. Talvez, a maldição que se chama Esperança. 

 

Vi-o escapar dos meus dedos descosturados de tanto que os mordi de ansiedade e sofrimento, presa em minhas próprias pernas que se fixaram de joelhos no chão. Perdida na minha própria utopia de tristeza e felicidade enquanto dilacerava entranhas de pequenos monstros.

Eu quis chorar.

Chorar por ignorância. Chorar por não saber achar a luz. Chorar por simplesmente fazê-lo enquanto eu me desencontrava de minha ilusão de ser, finalmente, completa, afastada daquele vazio que me preenchia.

— Quanto tempo pretende ficar aí?

A voz nada agradável e debochada invadiu os orifícios que eu chamava de ouvidos, fazendo-me assimilar a informação que me passava. Não que eu quisesse, mas o fiz por mero capricho.

Ou vontade de agarrar-me a alguma realidade.

— Não te importa.

A minha resposta havia lhe feito sorrir, os dentes afiados se alastraram pela face de marfim e me proporcionaram desprazer, como sempre faziam quando pareciam vitoriosos. Entretanto, a possibilidade da insatisfação mirava-me de seus olhos e sustentava a ideia de que a vitória lhe escapava como um pássaro, em meio a sua liberdade, morto.

Dobrando os joelhos que estalaram, agachou-se ao meu lado e mirou-me pelo período em que a eternidade passou a existir. Não trocamos nossas farpas e nem trapos, não trocamos nada e nem som de palavra.

Trocamos olhares de bonecos fatigados, amarrados ao tempo e ao espaço. Trocamos simplórios gestos de não-defuntos enquanto aconchegávamo-nos a sorrisos apáticos.

 

Porque eu não sou a pessoa certa.

 

 A partir desse simplório alento, peço-te para que me conceda a desgraça de partilhar suas experiências comigo. Caro leitor, não continue com essa história! Essa história de quem se mostra sorridente quando deseja chorar, não me mostre essa careta nefasta de quem sabe o que faz, pois você é ignorante assim como eu...

Ensina-me. Ensina-me a entender que eu farei o mesmo por você.

Só pare de cortar as minhas desgraças em pedaços, dando-me a esperança de sorrir além da fatalidade. Eu odeio ter que adorar lhe sentir como meu encontro mais fiel, Suigetsu. Seu nome ainda reverbera em minhas vísceras de pano, implorando para ser de cristal e cintilar a seu mero olhar.

Eu sei que sou seu cetim, ainda que eu seja uma boneca de trapos.       

 

E será que vamos terminar juntos?


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Notas finais do capítulo

Saudades SuiKa. ♥



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