O Funcionário do Fast-Food escrita por Ellaria M Lamora


Capítulo 20
XX — Um doente não pode cuidar de outro


Notas iniciais do capítulo

temos um booktrailer agora, ficou bem bonitinho e demorou um tempão pra ser finalizado kkkjjjkkjj.
link: https://www.youtube.com/watch?v=OWCK2aS8WfY



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XX

um doente não pode cuidar de outro

 

Acompanhado pelos girassóis e suas pétalas tão amarelas, aquele que carregava o ouro nos finos fios de cabelo suspirou, expressando seu cansaço e melancolia pela morte da mãe. Ele tomou a consciência de que um silêncio triste começava a se bordar na conversa com seu amigo, costurando-se envolta deles, delicado e sensível. Exausto, Naruto apenas arrumou sua roupa, escondendo a tatuagem que havia cravado em sua pele e afundando a cabeça no travesseiro desconfortável. O Sabaku teve a gentileza de cobrir seu corpo mais uma vez com o fino lençol.

Um menear quase inexistente com a cabeça indicou que o Uzumaki o agradecia, quando os olhos azulados rolaram pelo quarto, perguntando-se quanto tempo continuaria internado. Ele não podia continuar deitado como se nada estivesse acontecendo, padecendo de uma anemia qualquer. O funcionário do fast-food sabia que se a alta não viesse em poucas horas, precisaria arrancar os fios que mediam seus sinais vitais, o acesso conectado em sua veia para recebimento dos remédios e a roupa que estava impregnada pelo odor de medicamentos e doenças, para assinar os documentos que o liberariam dali, com os médicos querendo ou não.

Longe das garras do Huntington, a realidade começava a pesar nos ombros do enfermo. Ele precisava ligar para Kakashi urgentemente, pois tinha a certeza que o tio não havia tomado nenhum de seus remédios nas últimas horas. O corpo frágil do homem provavelmente enfrentaria algum tipo de reação pelas emoções tão conturbadas que havia vivido nas últimas horas e Naruto temia que passasse muito mal.

Sua expressão provavelmente denunciou seus anseios e Gaara percebeu isso.

— O Iruka vai ficar bem.

Naruto moveu a cabeça, incapacitado de falar e o amigo, inconsciente, levou a ponta dos dedos novamente ao Kanji de Amor em sua testa. Os olhos claros e duros perderam-se nos girassóis e o Uzumaki perguntou-se quantas vezes, no passado, havia assistido aquela cena, quando o ruivo se recolhia dentro de si e refletia suas próprias questões, não querendo incomodá-lo. Em várias ocasiões, o dono das mechas de fogo ficava sentado, olhando as flores que Naruto adorava, deixando que um cigarro pendesse em seus lábios. Algumas vezes, ele varava noites acordado, sentado quieto e imóvel na cama no pé da cama, de modo que era natural para o Uzumaki pensar que havia se transformado em uma estátua e nunca mais voltaria a se mexer.

O Sabaku era o dono do silêncio mais agonizante que Naruto já pudera sentir. Ele sabia, é claro, que cada pessoa possuía seu próprio silêncio e que cada um tinha sua própria maneira de interpretar a ausência do som. O rapaz dos cabelos de ouro mesmo havia sua própria classificação. No entanto, a taciturnidade que espreitava seu mais velho amigo era assombrosa. Ela criava uma barreira grossa e espessa, difícil de atravessar e aproveitava a oportunidade para incendiar as fagulhas da mente de Gaara, deixando que pensamentos cruéis e nada amigáveis queimassem dentro de seu mundo, condenando a alma tão castigada pela vida.      

Em um passado distante, no qual seus corpos e mentes estavam profundamente conectados, Naruto engatinharia pela cama, deixando que seus braços o envolvessem pela cintura. Ele iria sentir os pelos claros do companheiro se eriçando e a respiração forte daquele rapaz, à medida que colasse seu corpo ao dele, o abraçando por trás e juntando o calor das peles: o âmbar se misturando no branco. Em uma vã tentativa de consolá-lo, o menino perdido e assustado compreenderia que as palavras não o ajudariam e se contentaria em apoiar sua cabeça nas costas largas e duras do ruivo, sentindo o coração dele martelar lá no peito.

As respostas não viriam num primeiro momento, é claro. Sabaku no Gaara não sussurraria seus anseios à luz da lua tão fácil assim. Ele não era alguém romântico e de espírito tão sensível quando a maconha não estava em seu corpo.  O rapaz engoliria as palavras, deixando que as letras, as silabas e os fonemas morressem em sua garganta. O Uzumaki, então, se contentaria em ficar ali, ao seu lado, permitindo que o tempo escorresse lentamente entre eles.

No meio da noite o timbre cansado de Naruto soaria pelo quarto pútrido. As palavras gentis dançariam pelo ar. Seus dedos desenhariam círculos nos ombros do companheiro e ele pediria para que as órbitas claras desaguassem uma na outra. As pedras frias e exaustas de Gaara deixariam de observar o amarelo vívido de girassóis roubados e focariam nos fios tão dourados quanto o sol do Uzumaki, descendo para olhos cor-de-céu e em seguida para lábios rosados, que sussurrariam palavras amistosas e dóceis. Um sorriso poderia estar moldado ali, desenhado com amor e carinho. Uma risada talvez fosse pincelada, quando Naruto contasse uma piada sem graça. O convite para deitarem-se seria feito e o Uzumaki se encarregaria de cobrir o amigo, deixando que o velho cobertor abraçasse o corpo exausto.

Escondido pela escuridão e sentindo as mãos quentes do outro rapaz, a voz falha e trêmula do Sabaku então narraria seus tormentos, com a certeza de que — por mais terríveis que fossem — Uzumaki Naruto continuaria ao seu lado, prestando atenção em cada palavra que sussurrasse. Ele sempre agradecia por isso, principalmente quando estava chapado, bêbado ou sendo assolado por alguma onda de psicóticos, de forma que Naruto enxergava-se como um Messias de Gaara. Ele era seu salvador e não encontraria felicidade se não fizesse seu trabalho.

❈❈❈

— Não se preocupe, o Iruka vai ficar bem. — De volta ao mundo real, o timbre rouco do Sabaku fez-se presente, atraindo a atenção do funcionário do fast-food. Seus olhos azulados moveram-se lentamente na direção do amigo, tentando compreender suas palavras e ele percebeu que Gaara parecia hesitar em dizer algo mais.

As palavras estavam lá, mas algo impedia elas de saírem.

Cansado como estava, o Uzumaki refletiu que deveria estar deixando algo passar. Num primeiro momento, temeu que o outro rapaz estivesse mentindo: talvez algo houvesse acontecido com o tio e, enquanto o ruivo o distraía com conversas do passado, Iruka estivesse enfrentando uma árdua luta de vida e morte. Ou havia sido Kyuubi? O porquinho-da-Índia estava velho e, talvez, acabara por morrer ao não ter seu café da manhã servido. Será que havia a possibilidade dessa morte desencadear algum tipo de surto em Iruka? Afinal todos sabiam o quão grande era o amor dele pelo bichinho, não seria surpreendente se lidasse com sua morte como a morte de um filho.

A confusão assustadora na mente de Naruto aquietou-se quando suas órbitas capturaram o movimento despretensioso de Gaara. Um gesto trivial, que para qualquer outra pessoa não significaria nada, mas que — para o enfermo — revelou muito mais do que deveria. Ele sentiu-se afundando de vez no passado quando as pontas dos dedos do outro tocaram a própria blusa, um palmo abaixo do pescoço. A tristeza foi exposta rapidamente em sua face, quando as sobrancelhas foram arqueadas e ele compreendeu que o Sabaku gostaria de ser mimado como antigamente, para que lhe contasse o que o perturbava.

Ele só não percebia o quão longe o passado estava.

— Gaara. — O funcionário do Fast-Food assustou-se em como sua voz triste e respirou fundo, tentando expressar o quão fatigado estava — O que foi?

— Nada. — A fala veio rápida e embolada, desconfortável.

— Gaa. — Naruto tentou mais uma vez, tentando usar um tom ameno — Você poderia ser sincero comigo, por favor?

Franzindo as sobrancelhas, o ruivo desviou o olhar para os próprios pés e pareceu titubear. Os minutos arrastarem-se preguiçosamente no quarto e Naruto fitou o teto alabastrino, perguntando-se com tristeza como haviam destruído o clima tão sensível de antes. Vasculhando a conversa deles, tentou compreender como haviam saído de um assunto tão delicado, como a morte das mães, apenas para encontrarem-se caminhando algo quebradiço e frágil como gelo. Um medo genuíno brotou em seu coração e ele beliscou-se embaixo dos lençóis.

— O Sai me propôs morar com ele. — A resposta veio seca.

— Isso é ótimo! — Naruto exclamou, confuso pelo drama que o amigo fazia — Ele pode te ajudar a desenvolver esculturas de argilas!

— Não ligo pra isso.

— Não fale assim, Fósforo! Você tem talento e sabe disso. Se me lembro bem, a Shizune uma vez disse que era bom de terapia....

— Estou pouco me fodendo para o falatório da Shizune. — O ruivo grunhiu e o funcionário do fast-food levantou os ombros, procurando não começar uma briga — A questão é que pensei realmente em aceitar, se... — Ele curvou-se na direção do Uzumaki, para mostrar a seriedade de suas palavras — Se, quem sabe, você viesse morar conosco também.

— Ah, Gaara...

— O Sai te aceitaria, pode ter certeza. Nós já conversámos sobre isso.

Naruto o fitou atentamente. O corpo projetava-se em sua direção, expondo o brilho esperançoso que as órbitas turquesas dele haviam ganhado repentinamente. Haviam promessas ali. Centenas de desejos também. Os pedidos acumulavam-se em uma montanha assustadora. Eles exigiam que o loiro aceitasse a oferta, garantindo um mundo de paz, de alegrias e felicidades. Eles imploravam para que o rapaz mudasse imediatamente com o Sabaku.

— Preciso cuidar do Iruka.

Gaara sorriu e o Uzumaki soube que havia caído em sua armadilha      

É claro que ele já aguardava por essa resposta.

— E se ele fosse morar com o Kakashi?

— O Kakashi?

— Já é hora de eles ficarem juntos, Naruto.

— Não estou entendendo aonde você quer chegar.

— O Kakashi está de quatro pelo Iruka há anos. — E percebendo que o amigo o olhava estupefato, acrescentou: — Você sabe disso, Naruto. Quando sua mãe morreu, foi o Kakashi que ajudou seu tio a organizar toda a documentação da sua adoção. Quando a notícia do Huntington veio para o Iruka, o Kakashi tomou a frente, dizendo que cuidaria dele. É ele quem vai atrás dos remédios quando você não pode e cuida de alimentação do Iru quando você fica preso no serviço.

— Mesmos se isso for verdade, não posso largar meu tio. É o meu tio.

Gaara destinou a ele um olhar de compaixão e acariciou o topo de sua cabeça, deixando que os dedos brancos brincassem com os fios dourados e macios.

— Entendo que você se sinta responsável por ele, Naru. Só que o Iruka se sente culpado com você cuidando dele e negligenciando sua própria vida. Acho que, por isso, ele fica com medo e é incapaz de aceitar os sentimentos do Kakashi.

As palavras dóceis do ex-toxicômano não tinham o propósito de chocarem Naruto, mas causaram um efeito devastador dentro do rapaz. Ele desconfiava que o carinho exagerado e silencioso de Kakashi escondiam alguma coisa e sabia que, se o homem quisesse investir em seu tio, seria o primeiro a apoiar. Olhando para o passado agora, era óbvio que a albino tinha um jeito paciente e dedicado a Iruka, sempre mostrando-se disposto a levá-lo ao médico quando algo acontecia, a cozinhar seus doces favoritos e a cuidar de Kyuubi quando Naruto não podia. Ele não se importava de chegar sujo de tinta-guache na casa deles, pois sabia que isso arrancaria risadas sinceras do dono das mechas castanhas, ao qual ouviria com atenção as desventuras do Substituto de Professor do Ensino Fundamental, que narraria com uma cara entediada sobre como era chato largar seu posto de professor conceituado numa boa universidade só para ajudar os amigos vez ou outra e acabar com a cara cheia de glitter e tinta colorida. Não eram raras as vezes que o loiro se perguntava se Kakashi fazia isso de propósito, apenas para causar pequenos momentos felizes ao seu tio.

— E o Sai concorda que seria divertido morarmos juntos. Você poderia voltar a sair, a fazer suas coisas. Nós iríamos te apoiar a entrar em um curso de gastronomia e você poderia seguir seus sonhos. — O Uzumaki percebeu que o amigo continuava discorrendo alegremente sobre seus planos com o artista. Ao contrário de antes, o Sabaku parecia completamente animado, gesticulando sem parar, deixando que sorrisos pequenos e simples iluminassem seu rosto.

Foi inevitável ao funcionário do fast-food não se levar pela alegria do amigo. Uma parte de sua mente começou a processar imagens daquele futuro utópico e ele viu-se em parques com Sai e Gaara, se divertindo como não fazia há anos. De repente, uma sala de aula apareceu em seus pensamentos: ele sentava-se numa carteira bem no meio e nela estava aberto um caderno, rabiscado de informações sobre temperos e cortes de carnes. Seu braço estava estendido no ar e o professor lhe dava atenção, sanando suas dúvidas e elogiando seu conhecimento. Ao sair do curso, amigos o cercariam e ele pegaria o metrô cheio, indo contente e em paz para o restaurante em que estagiaria. Na volta para casa, visitaria Iruka e levaria petiscos para o porquinho-da-Índia.

Ou quem sabe não esbarrasse com um rabugento estudante de direito? Ele com certeza compraria para o Uchiha um café com muito açúcar, só para aborrecê-lo. Eles poderiam conversar sobre técnicas de estudo, Naruto poderia lhe pagar doces de morango sem o medo de não ter dinheiro no fim do mês, acompanhando-o em suas padarias favoritas. Ele também poderia comprar a JUMP semanal*, só para que Sasuke pudesse ler os novos capítulos de Haikyuu, sem tomar spoilers e, em suas folgas, aproveitaria para subir de nível no League Of Legends com os Uchihas e a Akatsuki. Se Itachi aprovasse, Naruto poderia visitá-los nos finais de semana e preparar comidas para eles, divertindo-se em partidas de Mortal Kombat com a Sakura.

Antes que percebesse, o funcionário do fast-food começou a sentir sede daquele tipo de futuro. O Sabaku completava a fantasia, comentando que os almoços de domingo seriam por conta de Shikamaru e que Temari não reclamaria, desde que lavassem a louça e não deixassem bagunça no apartamento deles. Afirmava também que seria bom para Sai ter um apoio sólido nos festivais de arte e que Naruto iria se divertir com as maluquices que se encontrava neles. O próprio Gaara se incluía, dizendo que daria um jeito de levar o amigo para a Austrália, que ele adoraria as praias da Gold Coast, narrando quão lindas eram no entardecer. Ele poderia até ensiná-lo a surfar, se Naruto assim desejasse. Ah, o Uzumaki também precisaria provar os vinhos e cervejas de lá! Ele se surpreenderia com o sabor e o ficaria bêbado antes mesmo de perceber.

Era difícil não desejar aquele mundo de ilusões. Vários anos haviam se passado desde a última vez que o aspirante à chefe havia saído e ele perguntava-se como seria a sensação de sair com seus amigos mais uma vez. Ele desejou as conversas triviais e bobas que uma roda de amigos podia partilhar. Ansiou por jogar UNO e jogos de tabuleiros com seu grupo, pouco se importando com derrotar e vitórias. A graça estava em se divertir, gritar e rir da cara dos outros. Ele ambicionou um futuro em que todos estariam juntos e lhe apoiariam, em que esperaria ansiosamente pelos outros na estação do metrô, acenando freneticamente para que o reconhecessem de longe e chamando por seus amigos, em pulinhos e sorrisos.  O loiro também cobiçou por um futuro em que não era inimigo do tempo: ele não precisaria correr contra, mas sim aproveitá-lo com calma, ao lado de quem amava e apreciava. Iria dispor de tempo e não estaria sempre cansado de longas horas extras, que o privavam de levar uma vida feliz e plena.

— E os pubs praianos sempre estão cheios, Naruto. — O Sabaku discorria, empolgado com suas ideias — O Kankuro conhece uns em que a cerveja é quase de graça, então não vamos gastar muito dinheiro e você vai ficar bêbado antes de perceber!

Ao processar o significado daquelas palavras, o sonho do rapaz desmoronou.

Ele havia fingido surdez à primeira menção de álcool, dizendo a si que não havia entendido as palavras de Gaara com clareza, pois haviam feito um pacto de nunca mais ingerir uma gota de álcool em suas vidas. O ruivo havia ido para Austrália com a promessa de que entraria em uma jornada de redenção e voltaria de lá completamente sóbrio. E, no entanto, lá estava o Sabaku romantizando a embriaguez, tratando-a como se não fosse nada demais, ignorando todos os traumas que o álcool havia trazido para a vida do seu melhor amigo.

O baque contra a realidade foi cruel e Naruto se sentiu deprimido. Os olhos foram atraídos na direção da porta do banheiro e ele perguntou-se se seria indelicado mandar o Sabaku sair, para que pudesse se trancar lá e sofrer sozinho, longe dos olhos das enfermeiras bisbilhoteiras. Sem respostas para suas questões internas, afundou-se no colchão desconfortável de sua cama e fingiu prestar atenção no discurso de Gaara, tentando esconder sua decepção para com o amigo.

Entretanto, a fala dele assumiu um tom mais íntimo e o Uzumaki percebeu que seus planos contavam apenas com ele e o loiro. O nome de Naruto foi repetido dezenas de vezes em um curto espaço de minutos, afirmando que eles morariam juntos, se divertiriam juntos, levariam uma boa vida. Eles conseguiriam fazer isso, Gaara tinha certeza.

E lá estava a mão próxima ao pescoço mais uma vez.

— Não posso fazer isso, Gaara. — A voz daquele que carregava o sol nos cabelos foi pronunciada envolvida por uma tristeza sólida. Os olhos cor-de-mar fitaram o chão e o amigo calou-se no mesmo momento, observando-o estupefato — Não posso abandonar o tio Iruka.

— O que? — Foi tudo o que conseguiu sussurrar.

Sobrou ao rapaz amaldiçoado por seu passado suspirar pesadamente.

— Eu te adoro, Fósforo. — Explicou e um triste sorriso brincou em seus lábios — Eu te adoro de verdade, mas não dá. Não posso deixar o Iruka. E não posso alimentar esperanças suas.

— Do que você está falando?

— Você ainda guarda o colar de ferradura. — As órbitas anis indicaram o pescoço do antigo companheiro de aventuras. Pego em flagra, sobrou ao Sabaku retirar o acessório, arrancando-o por seu pescoço e expondo às paredes brancas do quarto o pequeno presente que havia ganhado daquele rapaz num passado distante — Depois de tantos anos... Jurei que havia jogado no lixo quando foi embora.

— Não pude. Não podia. Foi seu primeiro presente quando começamos a ficar sério.

— Eu sei. — A dor transbordava das írises azuladas e Naruto precisou fechar as pálpebras para lidar com ela — E também te adoro. Vou te adorar para sempre, Gaara. Mas é impossível que nós fiquemos juntos novamente.

— Não é, Naruto. — Discordou, aproximando-se mais dele e buscando suas mãos — Escute, se você não quiser morar com o Sai, não tem problema. Eu mudo para sua casa. Nós alugamos um lugarzinho....

— Não. Não é assim, Gaara.

— Eu te ajudo a cuidar do Iruka, não tem problema.

As lágrimas começaram a brotar nos cantinhos dos olhos do Uzumaki. Ele não queria brigar com a única pessoa que poderia entendê-lo por completo no mundo, mesmo sabendo que um dia precisaria ter aquele tipo de conversa com o Sabaku. O rapaz que possuía uma tonelada de responsabilidades em seus ombros, de repente, descobriu que elas não pesavam tanto quanto o sofrimento que eles dois enfrentariam a seguir. Ele também percebeu que não estava preparado para àquela angústia e que, se não estivesse dopado, com certeza sairia correndo porta afora.

— É impossível, Fósforo.

— Não entendo.

— Eu não quero mais essa vida. — Anunciou, incapaz de encarar o quão doloroso seria para o melhor amigo receber aquela resposta. Ele sabia que se olhasse encontraria a expressão de Gaara atordoada, como se o ruivo tivesse levado um tapa. Foi preciso engolir em seco para continuar — Não aguento passar por isso novamente. — Admitiu.

— Você diz da bebida e das drogas?

Naruto acenou com a cabeça.

— Mas não precisamos mais delas! — Garantiu de punhos cerrados — É coisa do passado, que superamos.

— Não superamos.

— Eu estava brincando sobre as bebidas, porra.

— Não estava e me dói admitir isso. — O timbre trêmulo de sua voz transparecia a mágoa que carregava pela traição do outro — Você não aceita, mas nós somos doentes. O estilo de vida que levamos, as bebidas, as drogas... Eles nos corromperam. Agora somos doentes, de uma doença que não tem cura. Uma doença pior que o Huntington, pior que um câncer, afinal fomos nós que a causamos. Somos nossos próprios inimigos e não há cura para isso.

— Você está err—

— Estou errado? — O Uzumaki o fitou diretamente com raiva, sentando-se na cama afogando-se em sua tristeza — Como posso estar errado quando você continua a cair nesse abismo? Eu queria te salvar. Eu te apoiei quando você disse que ia embora, mesmo sentindo tudo o que senti, pois — acima dos meus sentimentos — vi uma oportunidade de você ficar limpo. De você ser livre por um pequeno momento. Torci por você. Torci para que nunca mais precisasse encontrar a felicidade com álcool ou psicóticos... Como posso estar errado quando você só associa a alegria se a bebida estiver na mesma frase? Como, Gaara?

O dono das mechas cor-de-fogo desviou os olhos para os girassóis, incapaz de encontrar uma resposta ao desabafo daquele rapaz tão doce e amável. Naruto, em contrapartida, debulhava-se em preocupação por ele. Queria abraçá-lo, bater nele, gritar, chorar, vociferar o que guardava dentro de seu coração. Aquele desgraçado já havia sofrido tanto, não era justo que continuasse atirando-se naquela merda por causa de seus demônios interiores. Ele merecia a felicidade, porra.

— Pensei que você me ajudaria... como fez no passado. — Um sussurro quase inaudível foi proferido pelo Sabaku quando seu corpo caiu na poltrona e Naruto o encarou com olhos esbugalhados.

Gaara estava chorando.

Não era um choro desesperador, recheado de gritos e surtos psicóticos. Não. As lágrimas dele caíam silenciosamente e o rapaz tentava secá-las furiosamente com as costas das mãos, esforçando-se para não fungar. De repente, o funcionário do fast-food percebeu que ele estava com medo de cair mais vez naquele vazio assustador que os narcóticos e álcool traziam. Ele só queria ajuda. Só não queria passar por isso sozinho.

— Como te ajudaria? — Murmurou com a voz embargada e rouca, mas calma — Como poderia te ajudar se luto todo dia com isso, Fósforo? São vários os dias que penso que tudo ficaria bem se eu simplesmente fumasse um, que não haveria problema se parasse num barzinho e pedisse uma dose de whisky. Que mal uma cerveja faria após o expediente?

Ele respirou fundo e estapeou o próprio rosto, assustando o amigo.

— É isso que faço para voltar a mim. — Explicou sério — Nós somos como granadas, prestes a explodir. Se começarmos com uma cerveja, acabaremos no LSD novamente. Voltaremos para o pó. Eu não quero isso, Gaara. Eu não quero conseguir levantar e ir trabalhar se precisar parar no banheiro e cheirar antes. Não posso. Preciso cuidar do tio Iruka. Não somos mais adolescentes inconsequentes, temos responsabilidades e pessoas que amamos que ficariam magoadas se voltássemos para esse tipo de vida.

Apesar de não responder, Naruto percebeu que o Sabaku prestava atenção em si.

— A Temari te ama tanto, seu cabeça-de-tomate. — Comentou com amor e carinho, levantando-se com dificuldade da cama — No dia que te deram um tiro, ela chorou tanto, achando que morreria. O Shikamaru quase tomou um banho nas lágrimas dela e, mesmo com tudo que tinha acontecido, a Tema implorava aos deuses para que te salvassem e não parava de repetir que cuidaria de você. Do irmãozinho dela. — Contou, lembrando-se do medo que havia sentido naquele dia quando percebeu que o idiota em sua frente poderia morrer a qualquer momento — E o Shikamaru quando fomos te procurar? Ele estava assustado pra caralho, aquele burguês desgraçado. Só que ele seguiu em frente e até entrou na porradaria por você.

Gaara agora soluçava em seu próprio choro. Naruto, em sua frente, colocou uma mão em seu ombro e o olhou fixamente, expressando seu amor pelo melhor amigo.

— Eu não posso ser seu salvador, Gaara. Um doente não pode cuidar de outro.

O Sabaku fungou e assentiu, deixando que uma mão se fechasse envolta do pulso daquele que tinha iluminado a maioria de seus dias. Uzumaki Naruto então acariciou seus fios rubros e o puxou para um abraço apertado, deixando que as lágrimas do amigo ensopassem a roupa do hospital.

Era hora de pôr um ponto final naquela história.


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Notas finais do capítulo

UMP semanal*: No japão os capítulos de mangás saem semanalmente em uma única revista. No caso, a JUMP é a responsável por lançar a maior parte dos mangás shounen famosos, como Haikyuu e Naruto/Boruto (morte ao Ikemoto).


Sei que devo uma longa explicação pelo meu sumiço aqui no Nyah, mas nesse momento infelizmente estou lidando com o luto, pois meu avô faleceu. ano passado foi meu cachorro. e ainda precisei lidar com pessoas amadas ficando severamente doentes e mais um monte de mudanças drásticas e não esperadas na minha vida. desculpem pela demora, acabei ficando pelo Spirit, pois só conseguia administrar a fanfic por lá. prometo que estarei voltando a ser mais ativa aqui no site e responderei todo mundo.
Obrigada por todo apoio e carinho ♥



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