Storge escrita por Nat King


Capítulo 3
Bônus - Nina Plisetskaya


Notas iniciais do capítulo

Olá~ Como vão?

Atrasou um pouco, mas dessa vez foi proposital, hehe xD Esse bônus é mais como um brinde pelo aniversário de uma das pessoas mais incríveis e maravilhosas que eu já tive a chance de conhecer. Seu carinho desinteressado, amizade verdadeira e energia contagiante, inspiram em especial um bichinho meio tímido que podemos ter dentro de nós, o provocando à coragem, a continuar tentando. Mileh me mostrou, mesmo sem ter se dado conta disso, exemplos de coragem e perseverança que se mantém independente dos obstáculos encontrados pela frente. Pessoa fantástica e escritora melhor ainda, ela dá para cada uma de suas palavras, sejam elas literárias ou casuais, um significado e sentimento totalmente encantadores, despertando de risadas à lágrimas. O mais presente, com toda certeza, é a doce bravura de uma guerreira que não precisa se armar de espadas para lutar. ♥

Esse bônus nada mais é que situações aleatórias sem necessariamente serem continuidade uma da outra, que eu imaginei para YuuriNina, esse casal hétero com OC que ninguém pediu, mas que Mileh Diamond gostou, então é isso que importa xDD Tentei, em cada situação desconexa e cena cômica inesperada, transmitir um pouquinho do que a escrita dessa autora fabulosa transmite para mim. Não sei se estou fazendo muito sentido skpaoksopaksapks

Foi sincero e de coração ♥ Espero que vocês gostem. E você, Mileh, espero que goste também ♥ Obrigada por ser você. Obrigada por existir ♥

Boa leitura e até a próxima!!



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+BÔNUS+

 

Com o vento gelado contra o rosto jogando os fios loiros para trás, Nina sorriu. Ela gostava do outono, porque era um meio termo entre o calor insuportável da capital russa e o inverno congelante que costumava animar a Praça Vermelha. Até poderia dizer o mesmo sobre a primavera, mas como era alérgica ao pólen predominante, preferia o equilíbrio de temperatura do outono.

Não somente o clima fazia diferença para ela escolher aquela estação em particular; para Plisetskaya, que cumpria com a dupla jornada de ser professora e mãe, não ter os infinitos shortinhos de verão do filho para lavar — culpa de seu pai, sempre o mimando com algum sorvete ou porcaria açucarada do tipo — ou as meias de lã encardidas para esfregar, aliviava um pouco sua rotina, sempre tão cheia.

Olhando para baixo, sem nunca deixar de andar, ela tentou notar na inexpressão do filho se ele precisava de algo. Os cabelinhos finos também voavam com o vento, volta e meia entrando em seus olhos cerrados, logo afastados pela mãozinha rechonchuda.

— Tudo bem, Yura? — Sem encarar a mãe, Yuri afirmou com aceno silencioso. — Não está cansado? — Outra negativa sem palavras e ela sorriu. Seu Yura podia ser a criança menos comunicativa que já se tivera registro, mas ela achava cada falta de palavra e resmungo a coisa mais adorável do mundo. — Não está com frio? — Mais uma resposta em gestos e Nina estava rindo, finalmente chamando atenção do filho. Ele sempre a achava tão curiosamente barulhenta… — O vovô disse que ia fazer piroshki para hoje! — A novidade daquele anúncio animou a criança, que exibiu um brilho diferente nos olhos e um contido sorriso, a máxima demonstração de felicidade que seu menino conseguia expressar. — Se a gente correr, consegue chegar mais rápido! Que tal?

Yuri adorou a ideia.

De mãos firmemente dadas com a mãe, a criança pôs-se a correr o mais rápido que suas perninhas cobertas por grossas camadas de tecido permitiram, sem saber direito para onde estava indo. Yuri sempre permitia-se correr sem direção certa, uma vez que Nina sempre estava ali para guiá-lo de volta. Não importava quão distante corresse do caminho certeiro, ele sabia que nenhuma estrada seria para longe daquela mão. Certezas infantis de uma criança que conhecia na mãe o único refúgio naquele mundo tão grande.

Por sempre confiar nela, foi estranho para Yuri sentir ter sua ligeira corrida impedida de continuar. Por mais que tentasse continuar correndo, forçando o peso para a frente, já não conseguia mais sair em disparada como há poucos segundos estava fazendo. Ranzinza, olhou para trás, para perceber a mãe totalmente parada, parecendo um poste firmemente preso ao chão — mas sem nunca soltá-lo, é claro. Só estando muito doente para Nina não prestar atenção no filho.

Mas então por que ela não olhava para ele?!

— Mamãe… — Yuri resmungou, cansado de ser ignorado. Agora que havia tido sua fome atiçada pela promessa de piroshki, queria ir logo para casa e comer um monte de dois piroshki, como o menino grande que era.

— Ah, desculpa, Yura… — Sem graça, ela sorriu para o filho, abaixando-se na altura dele e o trazendo para seu colo. — Vem aqui com a mamãe, é rapidinho, nós já vamos para casa.

Yuri não havia ficado muito contente com aquela interrupção, mas estava satisfeito por poder descansar as pernas um pouquinho. Ele gostava de ficar no colo da mãe ou do avô e às vezes até fingia estar dormindo, só para ganhar um passeio nas alturas sem precisar pedir, já que isso poderia ferir sua imagem de menino grande. Abraçado ao pescoço da mãe, ele aproveitava o passeio para olhar em volta e observar as pessoas andando, os sons que conversas aleatórias produziam e todos os outros detalhes que ele já conhecia, de tanto passar pela Praça Vermelha, praticamente todos os dias. Era tudo sempre igual, com exceção de uma pessoa que, sozinha, chamava mais atenção do que tudo o que Yuri se lembrava.

— Com licença… — E alheia à curiosidade do filho, Nina se aproximou do jovem rapaz aos prantos. — Aconteceu alguma coisa com ele?

Mais do que triste, o rapaz parecia envergonhado e Plisetskaya não duvidaria que essa fosse a principal razão de suas lágrimas. Trêmulo, amassando entre os dedos úmidos um pedaço de papel, ele chorava e soluçava, sem conter os suspiros e palavras engasgadas que tentavam, em inglês, pedir desculpas. Mas se desculpas pelo quê, se era evidente que ele precisava de ajuda?

— O rapaz aqui não fala russo — esclareceu um dos taxistas que tentava, com sua falta de jeito e voz grossa, orientar o estrangeiro. Nina conseguia ter uma ideia do porquê o outro chorava. — E não dá para entender direito o endereço que ele anotou.

Nina ajeitou melhor o filho no colo, antes de olhar, ainda mais apiedada, para o homem perdido no coração da capital russa. Constrangido, ele notou os olhos azuis de Nina encontrando-se com os seus; com a vergonha aumentada, as pálpebras puxadas voltaram-se para o chão, único lugar para onde ele esperava confidenciar seu medo sem receber nenhuma reprimenda.

Estranhando tanto silêncio da parte da mãe, Yuri olhou para Nina, deixando que seus olhos perguntassem o que estava acontecendo. Ela sabia que se quisesse dar as costas naquele momento, poderia. Não tinha responsabilidade nenhuma para com aquele rapaz, além disso, cedo ou tarde alguém o ajudaria.

Certo?

Tudo bem, não era assim tão fácil, Nina sabia. Russos ainda eram muito desconfiados com estrangeiros e a herança soviética não os deixava muito confortáveis para falar qualquer outro idioma que não fosse o próprio. Ela, por outro lado, negava a língua inglesa há pelo menos dois anos, movida principalmente pelo trauma em ter sido deixada para trás assim que se descobriu grávida. Apenas a lembrança da rejeição a fazia querer chorar.

Yuri sentiu quando Nina o abraçou um pouco mais forte, mas não se incomodou com isso. Ele também não tinha idade o bastante para estranhar a coragem que ela buscava naquele contato, reagindo automaticamente em retribuir o carinho com as mãozinhas alisando desajeitadamente os cabelos loiros da mãe.

— Será que eu posso te ajudar?

O inglês de Nina era carregado e de forte sotaque, desacostumada pelos últimos anos sem ousar pensar um único verbo to be ou ouvir a soundtrack de Dirty Dancing que ela tanto gostava. De repente, ela sentiu aquela simples pergunta resgatar cada parágrafo de The Time of my Life com uma fluência em inglês que faria inveja a Shakespeare! Podia até quase ver Patrick Swayze lhe olhando de esguelha incorporar Johnny, gritando em seguida que “Ninguém deixa Nina no canto!”

— Me desculpe, eu… Eu estou perdido, me desculpe, eu só não sei como chegar nesse lugar, me desculpe, me desculpe…

O inglês do rapaz, curvado em protocolo nitidamente japonês, também não era dos melhores, mas em seus sotaques estranhos, ambos se faziam entender.

— Não precisa se desculpar… — E por mais que ela repetisse aquela frase, ele continuava curvado, estendendo o pedaço amassado de endereço como se segurasse um cadáver. — Hey, olhe para mim… Por favor…

Havia gentileza nas palavras puxadas, que o encorajaram a olhar novamente para a moça. Ela fazia algo extremamente raro à população local, ele já tinha notado; a moça desconhecida sorria, e não o fazia para tirar sarro ou rir às suas custas. Ela estava genuinamente preocupada em ajudá-lo. Ele com certeza se lembraria de agradecê-la apropriadamente, depois.

— Se acalme… Tudo vai ficar bem… — Ele queria tanto acreditar nisso. — Qual é o seu nome?

— Katsuki- Não, não, me desculpe… — Por um momento, ele se esqueceu como as pessoas apresentavam o próprio nome fora do oriente. — Me desculpe, eu me chamo Yuuri Katsuki, me desculpe... É um prazer.

Uma risada divertida chegou aos ouvidos de Yuuri e ele logo pensou que isso se dava pelo insistente curvar asiático em quase tudo o que ele falava naquele país ainda tão estranho para si. O choque cultural estava sendo uma experiência desesperadora.

— Eu também tenho um Yuri, bem aqui! — E foi assim que Yuuri caiu em si e se deu conta de que Nina não ria dele; ela ria da engraçada coincidência de encontrar um xará para seu filho vindo de tão longe. — E não precisa pedir desculpas. Nós vamos te ajudar, prometo! Não vamos, Yura?

O garoto loirinho reagiu ao apelido e olhou para a mãe, um tanto perdido com aquele idioma que ele não entendia. Vendo a carinha confusa da criança, Yuuri sorriu, limpando as lágrimas por trás da armação azul de seus óculos de grau. Pensava se o perfil de crianças com as quais teria de lidar na turma de patinação seriam como ele.

— Eu não consigo entender muito bem o que está escrito… — disse ela com o tom mais compreensível que conseguiu. Envergonhado, Yuuri só conseguiu reagir com as bochechas coradas. — Saberia me descrever o lugar? Assim quem sabe eu conheça, ou possa procurar melhor.

— Claro! — E antes que a empolgação pudesse tomá-lo por completo, Yuuri foi parcialmente retomado por aquele monstrinho ansioso que vivia o cutucando nos momentos mais inoportunos. — Me desculpe, eu não queria incomodar…

— Já disse que não precisa se desculpar. — A garantia naquele sorriso meigo o fez acreditar por um momento que não era mesmo necessário pedir desculpas. — Se não souber me falar para onde vai, sabe pelo menos voltar para casa?

— Sei sim, obrigado. — Novamente, Yuuri se curvou. Para alívio de Nina, ele pelo menos não pediu desculpas. — Eu… Eu vou começar a dar aulas de patinação em uma escola e o único ponto de referência que eu tenho é a Praça Vermelha… Mas não consigo achar pelo endereço e ninguém… — engasgando, ele tentou prosseguir com a frase. — Ninguém entende o que eu escrevi…

— Eu dou aula de balé aqui perto, talvez eu saiba qual é essa escola, só não esteja reconhecendo o nome…

— É isso! — Recordando-se de algo aparentemente essencial, Yuuri olhou ergueu os olhos para Nina, timidamente brilhantes com a calma parcialmente recuperada. No entanto, ela não podia deixar de notar com um aperto no peito, o inchaço em suas pálpebras puxadas. — A escola onde eu darei aula, há pistas de patinação, salas para balé clássico e turmas de música!

Surpresa, ela arregalou os expressivos olhos azuis. Não eram poucas as escolas com foco nesse tipo de educação, uma vez que estavam na terra do Bolshoi e das seletivas do Campeonato Russo de Patinação Artística.

— Será que…? — Olhando novamente o nome escrito no papel, Nina percebeu enfim o responsável por tanta confusão, uma letrinha ingrata do cirílico que já havia prego peças em muitas pessoas, inclusive os nativos da língua. — Ah, eu sabia! Na hora de copiar o nome do lugar, você sem querer substituiu o ж pelo x, vê? Acho que por isso ninguém estava se atentando ao nome!

O tom de vermelho no rosto de Yuuri intensificou e ele quis sair correndo. Certamente teria feito isso se ao menos tivesse condição de voltar para casa, depois.

— Me descul… — Pensando melhor, Katsuki percebeu que de nada adiantaria mais um pedido de desculpas. — Obrigado, por tudo.

— É, assim eu gosto mais — riu, feliz em vê-lo mais devidamente mais calmo. — Por nada, Yuuri — brincou ela, chamando atenção do filho sem querer. — Posso te acompanhar até lá se quiser. Bom, nós podemos. — Alisando o cabelo de Yuri com uma das mãos, ela lembrou-se daquela miniatura sobressalente na conversa. — Se não se importar, é claro.

— Eu não quero ser um incômodo… Não novamente…

Depois Nina descobriria que para dispensar sua ajuda, foi necessária muita coragem por parte de Katsuki. Ele ainda estava se recuperando do desespero anterior para encarar novamente a cidade desconhecida em busca da dita escola. Que experiência… Yuuri não sabia se queria contar isso para a família ou deixar aquela vergonha passar em branco.

— Você não foi, eu juro, em nenhum momento — garantiu Nina e ele foi incapaz de não acreditar naquele sorriso.

— Certo, então… — Acanhado, Yuuri coçou os cabelos desarrumados pelo forte vento, procurando ajeitá-los de modo que não ficasse parecendo ainda mais miserável. — Eu sigo você, senhora…?

Senhorita. — Apresentar-se como solteira era sempre uma roleta russa — quanta ironia naquele nome… —, já que Nina nunca sabia como as pessoas reagiriam com sua maternidade solitária. Como se isso tivesse sido escolha e culpa dela! — Nina, Nina Plisetskaya, sou professora de balé da turma infantil iniciante. — Depois de apresentar-se em um único fôlego, ela esticou a mão para o cumprimento, que Yuuri só notou depois de ter se curvado.

— Oh, me desculpe! Eu não…! — A moça riu alto com a confusão do rapaz e com isso, mesmo sem entender nenhuma palavra entre aqueles dois, Yuri soube que tudo estava bem. Tudo sempre estava bem quando sua mãe era barulhenta.

— Está tudo bem! Deixe eu fazer o mesmo! — E curvando-se com o filho no colo, Nina o imitou, receptiva e bem humorada. Yuri resmungou um pouco ter sido chacoalhado daquela maneira, mas logo estava olhando ao redor, novamente.

— É um prazer conhecê-la, conhecer os dois!

Sorrindo, Nina se voltou para o filho, incentivando-o com palavras que pudesse entender.

— Cumprimente o novo colega da mamãe, Yura!

Analisando o japonês de cima a baixo, Yuri decidiu que não, ele não queria cumprimentar aquele estranho. Ele que se contentasse com seu olhar chateado, se quisesse.

— Yura é um pouco desconfiado, mas não faz por mal — desculpou-se Nina, embalando a criança em seu colo.

— Ele é ajuizado, isso sim — riu Yuuri, achando graça no bico do menino. — Yura, é como te chamam? Quantos anos você tem, Yuri? — Sorrindo para a positiva tentativa de Katsuki em tentar interagir com seu filho, ela sussurrou a pergunta no ouvido do pequeno, que meio contrariado, embora muito orgulhoso de saber contar e mostrar todos os números que compunham sua idade, ergueu os dedinhos para o japonês, que mostrou-se surpreso e maravilhado. É, Yuri sempre soube como ele mesmo era surpreendente. — Uau, dois anos! Você deve ser muito inteligente para saber contar tanto, assim!

Intérprete do rapaz, Nina traduziu as palavras para o filho, que não tardou em concordar efusivamente como a afirmação de sua inteligência. Ele já não estava achando tão ruim assim não ter ido direto para casa comer piroshki. Nina também não.

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Não precisava ser muito esperto para entender o que o olhar das pessoas queria dizer. Mil palavras não teriam o mesmo significado que todas aquelas expressões, parte risonhas, parte indignadas, mas todas com algo em comum; julgamento. E Nina Plisetskaya fazia parte do seleto grupo dos julgados.

A maioria de seus colegas e superiores haviam nascido na União Soviética e tinham seus familiares como a forte base de sua construção como honrado cidadão russo. Quando a União cutucou a barriga de sua gente, muitas foram as famílias desfragmentadas pela dificuldade, pais abandonando esposas, mulheres deixando os filhos para trás, restando a um único parente cuidar da prole rejeitada. Todas essas pessoas tinham muito a dizer de sua orgulhosa criação difícil, da família desfalcada que não desiste, uma mãe solteira, divorciada ou viúva sendo o mais forte alicerce a manter o lar, quase um Atlas segurando o mundo nas costas.

Para todos eles, suas mães eram guerreiras. Para todos eles, Nina era uma moça fácil e irresponsável. Quanta hipocrisia, aqueles falsos filhos da p-

— Ah, bom dia, eu não tinha te visto aí! — Distraída em suas ofensas de baixo calão enquanto encarava de forma nada amigável as pessoas que a mediam a distância, ela não percebeu Yuuri se aproximando. — Plisetskaya, não é?

— Lembrou de mim! — riu Nina, não esperando ter o nome recordado tão facilmente, ainda mais para alguém que não era nativo da língua. — Você pode me chamar apenas de Nina. Está se adaptando bem? Deu tudo certo hoje no caminho para cá?

— Sim! Todos estão me ajudando, muito obrigado. — De acordo, ele se inclinou, naquele cumprimento típico que pelo jeito demoraria para desacostumar. — Não sei se teria conseguido se não fosse sua ajuda. Sinto muito ter incomodado.

— Já disse que não precisa se desculpar comigo — insistiu, resolvendo entregar logo o pacote que era motivo dela estar ali naquele horário. — Aqui, eu trouxe para você! — Como se não tivesse entendido direito o que Nina havia dito, coisa que ela não julgaria dado seu sotaque forte, Yuuri continuou olhando para o pacote de papel escuro, tentando adivinhar o que poderia significar tudo aquilo. — Anda, pode pegar! É de comer!

Aparentemente a palavra “comida” despertou Katsuki da leve hipnose e ele apanhou a sacola com ambas as mãos, voltando a ficar tímido após notar ter transparecido demais a empolgação no que se referia lanche.

— Não sei como agradecer.

— Imagine, é um presente de boas-vindas! — Cuidadoso, ele abriu parte da embalagem e espiou, particularmente muito interessado, o conteúdo. — São piroshki! Especialidade do meu pai, tenho certeza que não encontrará igual em toda Rússia!

Yuuri abriu um sorriso maior com a empolgação de Nina e ela sentiu o coração aquecer ao vê-lo mais relaxado. Depois do susto no dia anterior, Plisetskaya quase não conseguiu dormir, preocupada com o novo colega de trabalho. Devia ser muito difícil lidar com um país tão diferente ao seu…

Sankyuu!

Nina riu mais uma vez com a pronúncia daquele “thank you” com acentuação nipônica.

— Foram feitos ontem, então não estarão tão apetitosos, mas se pedir no refeitório para que aqueçam, terá o almoço perfeito!

— Farei isso.

Nina continuou sorrindo e Yuuri continuou parcialmente escondido atrás dos piroshkis embalados, cada qual sem saber o que fazer a partir dali. Ele apenas não sabia como se comportar, ainda aprendendo como se adequar aquele país que lhe era praticamente um novo mundo; ela não sendo a melhor das pessoas para entender quando uma conversa havia acabado.

O que forçou Nina a despedir-se foi perceber os olhares zombeteiros começando a se acumular, a certeza de meia dúzia de pessoas desagradáveis que podiam apostar seus almoços que Plisetskaya estava rondando o novato para conseguir um pai para o filho. Ela sabia disso, pois em situações parecidas, havia sido o mesmo — ninguém ali disfarçava, nem fazia questão de falar mais baixo.

Nina não estava procurando um pai para Yuri. A questão não era exatamente não querer, ela adoraria que seu filho crescesse com um, mas se o progenitor da criança já tinha voado de volta para sua terra natal, ela não perderia seu tempo tentando se encaixar no molde de família padrão. Foi a essa conclusão que Nina chegou depois de longas horas — dias, para ser mais exata — chorando, dado os hormônios da gravidez. Sim, apenas hormônios.

— Ninotchka, Ninotchka… — sem fazer questão de disfarçar a malícia, a secretária de meia idade já estava armada de piadinhas. — Você é rápida, não, mocinha?

Ugh. Por que as pessoas tinham sempre que fazer isso?

— Não muito, Yelena, do contrário não estaria atrasada para a aula. — Estendendo a mão, ela pedia pela pasta de sua turma. — A lista de presença, por favor.

Yelena era uma das poucas que não via mal nenhum no “plano” de Nina, talvez porque ela achava preferível uma mulher casada com qualquer um à solteirice da qual fazia parte.

— Ele é tão educadinho… Não faz meu tipo, mas é uma graça, não? — Nina tentou não ironizar aquela frase, uma vez que os “tipos” de Yelena já estavam mortos na época da União. — Se curvou até para o reflexo do espelho sem perceber, esses japoneses são curiosos, não?

— Preciso da lista, Yelena… — Nina tentou cortar as piadinhas de mau gosto, mas a secretária tinha o péssimo hábito de deixar de ouvir as pessoas quando desatava a falar.

— E ele falou tão bem da “gentil e educada moça que o ajudou a encontrar a escola”...

As insinuações estavam todas ali. Se Yelena tirasse da gaveta uma certidão de casamento com a assinatura de Yuuri, Nina não ficaria surpresa. Provavelmente explodiria de raiva, mas não surpresa.

Conquistada enfim a lista de presença, ela refez o caminho até a sala espelhada onde suas alunas aguardavam com bolsinhas cor-de-rosa em mãos, ao lado de suas muito maquiadas mães, a hora de irem para casa. Ela esperava que ninguém a olhasse torto pela pequena demora.

A condenação aparente não veio, mas ela teve de lidar com cinco diferentes mães, muito ansiosas por verem suas filhas rodopiando no Bolshoi o quanto antes. Com cinco anos cada uma. Nina pensava se devia contar logo ou deixar a vida cuidar do resto.

Fingindo ouvir todos os bons argumentos de progenitoras entusiasmadas, Nina congelou o sorriso de falsa compreensão e apoio absoluto, até ter a discreta atuação desmanchada ao perceber sem querer, uma sombra tímida margeando a entrada, espiando vez ou outra, chamando atenção ao fazer refletir no rosto de duas mulheres, um feixe de luz ampliado pela lente dos óculos de armação azul; Yuuri Katsuki.

Ser notado não somente por Plisetskaya, mas pelas demais mães, fez Yuuri desejar morrer, mas um punhado de conversa russa logo depois de sua descoberta, dispersou o pequeno grupo, restando apenas Nina na sala espelhada. Seria seguro tentar falar com ela, agora?

— Yuuri? — Tomando a iniciativa antes, Nina o chamou. Tímido e levemente corado, Katsuki surgiu como uma criança prestes a receber uma reprimenda, rindo sem graça, ainda com o pacote de piroshkis em mãos. — Desculpe te fazer esperar, alguns pais são muito insistentes. Vai ver, ainda… Será que eu posso te ajudar em alguma coisa?

— Hm, bem… — Gaguejando, Yuuri parecia estar procurando palavras em seu não totalmente dominado dialeto inglês, ou buscando coragem, quem sabe ambos. — É que eu percebi que tem muito piro… Pirox…? — tentou, mais envergonhado ainda por ter se esquecido do nome daquela iguaria.

— Piroshki?

Nina não se importava em repetir mais uma vez. Ele estava certo quando a definiu pura e simplesmente como gentil.

— Isso, piroshki. Acho que não consigo comer tudo isso sozinho. Gostaria… — hesitante, ele tropeçou nas palavras mais uma vez. Nina percebeu que por mais que tropeçasse, ele ainda conseguia finalizar. Estranhamente inspirador. — Gostaria de almoçar comigo?

Ora, aquilo com toda certeza havia sido inesperado. Plisetskaya não sabia nem o que dizer. Há quanto tempo ela não era convidada para aquele tipo de confraternização sem ser por puramente obrigação do ambiente profissional?

Inesperado, mas não menos bem-vindo, ela aceitou;

— Vou adorar!

Piroshki requentado nunca teve um sabor tão maravilhoso.

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Quem olhasse para o peso mínimo de Nina e sua cintura diminuta, jamais afirmaria que logo comer seria seu hobby preferido. Nina conhecia inúmeros restaurantes, dos mais caros aos mais humanamente possíveis de caber em seu orçamento, geralmente com uma boa dica para poupar rublos em pratos feitos com a especialidade da casa. Conhecer restaurantes onde o negócio era tocado apenas pela família ou que mantinham a tradição de um espaço reduzido para melhor acolhimento dos clientes, contribuía para boas e econômicas experiências gastronômicas. Ela estava adorando levar Yuuri para conhecer cada um de seus espaços preferidos.

Depois de alguns meses instalado em solo russo, o japonês já se mostrava mais confortável e corajoso para explorar a cidade. O curso de idiomas que estava fazendo já o ajudava a andar de metrô e pedir informações sozinho, dispensando — para infelicidade da moça — a companhia de Nina para suas aventuras no supermercado em um dia de folga em comum, quando Yuuri gentilmente recusou seu convite para ir desacompanhado às compras.

É claro que ele teria escolhido ir sozinho, uma tarde assistindo Aristogatas com um bebê de dois anos não é exatamente o que se espera de “aproveitar o dia de folga”.

— Posso ver seu bico daqui… — À provocação do pai, Nina reagiu com um bico maior ainda.

— Eu não estou bicuda!

— Está sim! — riu Nikolai, divertido com a visão. — Está pior que o Yurachka!

Quem ela tentava enganar? Estava sim, muito estranho voltar à solidão de sua vida antes de Yuuri Katsuki, agora que ela havia o conhecido. Fazia tempo que ela não tinha um amigo da sua idade com quem pudesse interagir e contar todas as suas histórias e piadas, que o pai já havia até decorado, como uma novidade — e Yuuri sempre adorava, todas elas!

Não que fosse incomum existirem moças com quem pudesse conversar, as mães de seus alunos tinham, em sua maioria, menos de trinta anos, todas altas, bem vestidas e maquiadas, com suas rotinas perfeitas cuidando de casas mantidas por seus maridos. Essa era a principal diferença entre Nina e as demais mães que conhecia: um pedaço de papel reconhecido em cartório. E a principal diferença entre seu Yuri com as demais crianças, era ter em sua certidão de nascimento, um espaço em branco onde deveria estar o nome do pai.

Nina não era de sair por aí contando os pormenores de sua vida, aliás, nenhum russo era assim, a menos que o consumo alcoólico tivesse interferido. Mas com Yuuri foi diferente… Ele abriu um pouco de si para ela e em respeito a essa confiança, o mesmo fez Plisetskaya. Ambos tinham diferentes histórias e diferentes traumas, experiências que haviam os ensinado a empatia pela dor do outro, sem comparações ou julgamentos que inferiorizassem as mazelas alheias. Ela tinha certeza que a amizade deles havia se consolidado após aquele apoio mútuo.

Amizade. Depois de tanto tempo, Nina tinha um amigo. Se dar conta disso a fazia sorrir.

O reencontro com Yuuri se deu no dia útil seguinte, quando ambos se encontraram para almoçar no refeitório da escola. Nina, que já estava sentada em uma das compridas mesas, acenou efusivamente para Katsuki assim que o viu deixando a fila do buffet, com a bandeja não contendo mais que borsch e uma fatia seca de pão preto, diferente das porções de Plisetskaya que possuíam um pouco de toda a oferta de alimentos. A vida era curta demais para manter dieta.

Feliz por encontrá-la ali, Yuuri tomou uma cadeira ao lado da amiga, que o recepcionou com desejos de bom dia e sorrisos, cheia de histórias para contar que ele atenciosamente ouviu, acompanhando com risos e gestos que incentivavam o discurso da loira, divertindo-se com as resenhas ao vivo de filmes que com a narrativa dela ganhavam uma graça a mais, e que nenhum spoiler do mundo podia afetar a experiência de assisti-lo depois. As aventuras e vergonhas que ela passava com o filho também tinham um encanto todo especial, cada nova situação o divertindo mais que a anterior. Ele gostava muito do pequeno Yuri e quando via Plisetskaya se empolgando tanto — e se envergonhando na mesma proporção — relatando cada novo ocorrido, se imaginava vivendo alguma delas ao lado de Nina.

Esse desejo não muito perceptível para Yuuri, ainda, havia o incentivado a criar uma situação onde pudesse fazer um pouco parte daquilo;

— Você e sua família estão convidados para irem à minha casa esse final de semana — convidou ele, sorrindo ao final da frase. Estava muito orgulhoso de si mesmo por ter conseguido dizer tantas palavras russas sem tropeçar e corar tanto.

Para Nina, que não recebia um convite tão espontâneo como aquele há tempos, a surpresa foi o bastante para fazê-la refletir o rubor das bochechas de Yuuri nas próprias. O que aquele japonês estava aprontando?

— Ah é? E posso saber pra quê?

— É uma surpresa — riu sem jeito, voltando ao inglês e contendo-se por muito pouco para não contar de uma vez o que tinha planejado. — Só posso dizer para virem sem jantar, estou preparando algo.

— Ora, Yuuri! — Encantada com a gentileza do amigo, Nina por pouco não o abraçou. Ou era ela quem nunca havia conhecido pessoa tão amável, ou o mundo estava mesmo em falta de pessoas tão receptivas, que acolhiam não somente seu colega de trabalho, como todo o restante da família. — Não precisa se incomodar, seja lá o que for fazer, é muita comida! Não vai querer ajuda?

— Não precisa se preocupar, na cozinha eu me garanto, costumava ajudar no Onsen da minha família, lembra que te contei? — Nina não estava nada convencida, mas antes que ela pudesse protestar mais uma vez, Yuuri interviu novamente. — É minha especialidade, sou capaz de montar dez pratos em um intervalo de cinco minutos.

Desconfiada, ela cruzou os braços, o olhando de cima a baixo como se pudesse buscar pela mentira escondida em algum lugar.

— Você não come dez pratos.

Você come.

Sem nem protestar quão apurada era aquela afirmação, Nina deu-se por vencida, rindo alto para todos os colegas no refeitório a ouvirem. Yuuri Katsuki havia ganhado daquela vez.

— Vai precisar preparar bem mais que dez pratos depois dessa.

— Confio na minha habilidade. — Ele não confiava tanto assim, mas não podia deixar o pessimismo se manifestar logo agora que tinha sido tão convincente. — Sábado às sete?

— Pode deixar marcado, nós iremos com fome.

Yuuri riu e o mesmo fez Nina. O resto do dia foi repleto de feliz expectativa para aquele jantar.

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Para Yuri, sair de casa consistia em fazer mais uma de todas as coisas que ele já fazia normalmente, como ir à escola ou passear com seu dedushka, quando não com sua mãe. Às vezes sua rotina de ida e volta da escola e brincadeiras no parque incluíam o homem que havia roubado seu nome, mas como ele sempre lhe dava alguma coisa de comer e o empurrava no balanço, Yuri conseguia relevar aquele crime e aproveitar o momento. Sua mãe sempre ficava com o humor melhor que o habitual quando Katsuki estava por perto, então não foi difícil entender que ter aquele Yuuri por perto era sinônimo de coisa boa.

Tão positiva era a presença do japonês em suas vidas, que assim que ele e sua família chegaram ao apartamento desconhecido, ao final de uma caminhada por lugares muito diferentes do qual estava acostumado, Yuri conseguiu deixar a desconfiança de lado, extremamente confortável com o outro adulto que tinha seu apreço, tão a vontade que tão logo deixou os braços da mãe, já estava correndo buscar um lugar no sofá marrom, onde pudesse brincar muito bem, obrigado, com seu gatinho de plástico. Se Nina estava ou não morrendo de vergonha, ele nem reparou.

— Yura, por favor… — Quase se desfazendo ainda na porta, Nina estava prestes a se esconder atrás do pai, que por via das dúvidas, apenas ria. — Me perdoe, Yuuri…

— Tudo bem, fico contente que ele esteja à vontade! Por favor, entrem! — Guiando o pai, que nenhuma palavra em inglês sabia, Nina entrou com Nikolai. — Foi fácil encontrar aqui?

— É quase o caminho que eu faço para o trabalho, foi bem fácil. — Notando a curiosidade do pai na conversa que não podia entender, Nina tentou fazer uma tradução simultânea que com certeza faria seu cérebro dar pane em algum momento, a fazendo falar grego sem nem saber.

— Oh, é mesmo… — Concentrado em pronunciar a frase de maneira correta como estava ensaiando há três dias, Yuuri respirou fundo e soltou, de uma só vez; — Spakóinai nótchi.

Nina sorriu para a boa tentativa de Yuuri em cumprimentar seu pai em russo, e maior ainda foi o sorriso de Nikolai após entender perfeitamente o “boa noite” dito por aquele rapaz japonês. Sorrindo largo, o pai de Nina repetiu a mesma frase, acrescentando tantas outras que Yuuri não entendeu nenhuma, rindo de nervoso por cima do monólogo incansável de Nikolai.

— Já chega, pai, Yuuri ainda não domina totalmente o russo… — pediu Nina, tentando acalmar um pouco os ânimos de Nikolai antes que ele começasse uma de suas longas histórias. Uma com certeza seria sobre as vergonhas que Nina um dia lhe fez passar — a moça não podia correr esse risco.

— Eu pedirei que vocês se acomodem enquanto eu termino de montar os pratos, por favor. — Como ainda era de seu habitual, Yuuri se curvou e Nina o imitou, como também havia se tornado seu habitual.

— Todos os dez? — brincou Nina, buscando um lugar ao lado do filho.

— Pode apostar que sim — riu Yuuri, interrompendo seu caminho à cozinha quando lembrou-se de algo importante. — Ah, eu também desbloqueei um canal de desenhos para o Yuri, se quiser colocar, o canal está anotado ao lado do controle!

— Yuuri, não precisava ter se incomodado!

Ele nem ligou, deixando uma Nina muito indignada e um Nikolai extremamente risonho para trás. No fim, Yuri acabou adorando um canal que passava ininterruptamente muitos de seus desenhos preferidos sem ser de manhã. Ele poderia perdoar Yuuri Katsuki por ter roubado seu nome e agora seria para sempre. Aquela era a melhor casa do mundo!

Não conseguindo evitar a curiosidade e o sentimento de culpa por Yuuri estar fazendo tudo sozinho, vez ou outra Nina espiava o cômodo, da mesa já posta à entrada da cozinha que não revelava muita coisa, tentando descobrir qual seria o cardápio da noite. A especialidade crua da cozinha já tinha sido dispensada por dois motivos, sendo o primeiro a completa falta de habilidade de Yuuri para a montagem dos rolinhos de sushi e os cortes finos de sashimi — palavras do próprio. A segunda se dava pelo cheiro adocicado que vinha da cozinha, algo cozido. O que deveria ser?

Yuri deixou de prestar atenção na televisão quando sentiu o mesmo cheiro provocar seu estômago, não demorando para imitar a mãe e virar a cabecinha em direção à cozinha.

— Quero comer.

Ela tinha sorte que Yuuri ainda não podia entender tudo o que seu menino falava.

Pontual como sempre, Katsuki deixou a cozinha com duas tigelas feitas, voltando rapidamente para pegar mais duas e colocá-las na mesa, demorando-se para ajustá-la da forma que achasse perfeito. A ansiedade era não somente para receber bem os convidados, mas pelos Plisetsky serem seus primeiros convidados de uma vida toda. Ele nunca precisou se preocupar com a organização da mesa quando Hiroko era mais rápida em preparar tudo. Sua especialidade, mesmo, era a do ponto da carne de porco, disso Yuuri podia se orgulhar.

— Vocês podem- Vocês podem vir.

Reproduzindo as palavras do japonês para o próprio idioma, Nina anunciou o jantar e isso levou um muito sorridente Nikolai até a mesa, junto com um muito curioso Yuri, que rapidamente puxou a cadeira ao lado do avô. Aquilo com certeza não era borsch, nem piroshki, mas cheirava tão bom quanto.

— E o que temos hoje para a janta, chef? — perguntou Nina, contornando a mesa para sentar-se ao lado de Yuuri.

— Katsudon! — puxando a cadeira para a moça se sentar, Yuuri exibiu orgulhosamente o prato principal da noite.

Cheira muito bem! — comentou Nikolai em seu russo arrastado.

— Meu pai acha que cheira bem.

— Verdade? Fico feliz! — Só aquele elogio havia garantido parte da noite. A outra parte poderia ser garantida por outra pessoa… — E você, Yuri?

O menino havia entendido seu nome ser chamado, mas estava muito atento àquela carne cortada em tirinhas, que o fazia salivar. Mas ela tinha algo diferente em volta, nada parecido com as outras carnes que já tinha provado, uma espécie de casquinha que o incentivou a agarrar a primeira colher que viu pela frente e bater em cima do empanado; crack. O baixo estalar da casquinha se partindo o deixou maravilhado.

Sem pensar duas vezes, Yuri mergulhou a colher na tirinha empanada e trouxe à boca com uma porção de arroz, muita comida para uma só mordida, mas feita com tanto entusiasmo que ele só parou quando não sobrou uma única migalha na tigela, antes de qualquer outro adulto na mesa. Todos estavam sem palavras.

— Mais! — pediu, quase exigiu, pegando a tigela com as duas mãos e a erguendo para cima, esperando que uma chuva de katsudon pudesse preenchê-la novamente.

— Como se fala, Yura?

Yuri não precisou pensar muito para responder prontamente:

— Katsudon!

Nina apoiou a mão na testa e Yuuri riu, prontamente atendendo ao pedido da criança. Para ele, aquela noite havia sido um sucesso.

.:.

Nina tinha algum lugar importante para ir e dessa vez Yuri não poderia ir junto. Diferente do que temia a mãe da criança, para ele estava tudo bem; Yura gostava de passar tempo com seu dedushka, ele dormia rápido em qualquer lugar que encostasse, roncando de boca tão aberta que Yuri podia contar todos os dentes em sua boca — do um ao nove, que era o que ele sabia contar —, sendo que às vezes seu avô parecia ter menos noves na boca do que se lembrava…

Quando perdia o interesse na arcada aberta, ele ficava assistindo Aristogatas ou Oliver e seus Amigos, qualquer fita cassete que tivessem gatos gravados, acordando o avô apenas quando o filme acabava — Yuri ainda não era um menino grande o bastante para rebobinar sozinho aquelas fitas — ou quando estava com fome. É, era quase como ser independente.

E meninos quase independentes conseguem cuidar do cabelo sozinho.

Dedushka estava dormindo de boca aberta na sala, como normalmente fazia, e sua mãe estava correndo por todos os cômodos enquanto falava sozinha e muito preocupada, de modo que Yuri estava muito convencido de que a melhor decisão seria cuidar daquele problema sozinho. Com uma franja muito comprida, ele não conseguia assistir seus desenhos direito e aquilo estava sendo estressante. Yuri estava cansado de afastar o cabelo da testa e após ter seus resmungos e bufares ignorados, decidiu cuidar do problema sozinho, estava apenas esperando pelos elogios.

Não muito tempo depois, a campainha soou na sala, fazendo Nina errar o traço do delineador e Nikolai acordar na metade de um ronco. Apavorada e com meio olho borrado, ela colocou a cabeça para fora do quarto e fez mil gestos pedindo ao pai para atender a porta. Com Nikolai recepcionando Yuuri, ela correria até o banheiro e tentaria consertar o delineado que mais parecia uma maquiagem conceitual de passarela, mesmo que lavar o olho lhe custasse uma olheira acidental.

Abrir a porta do cubículo e se deparar com Yuri picotando o cabelinho loiro não era bem o que ela esperava naquela noite.

— Yuri Plisetsky, o que você tem na cabeça?! — gritou apavorada, tomando a tesoura sem ponta das mãos do filho. Pensando se tratar de uma pergunta séria, Yuri não precisou de nenhuma palavra para responder o que ele literalmente tinha na cabeça, estendendo à mãe uma mecha de cabelo. — Sério isso, mocinho?

Não somente ela era a mãe apavorada; ao ouvir o grito da moça, Yuuri abandonou Nikolai falando sozinho e correu até a voz de Nina, para flagrar a mesma situação. A reação dele, no entanto, foi totalmente diferente do misto de preocupação e reprovação de Nina — Yuuri riu. E se alguém estava achando graça de algo, mesmo quando outras pessoas não gostavam, Yuri tomava apenas a reação positiva como verdadeira.

— Temos um cabeleireiro aqui.

— Não dê risada, ele vai achar que está certo…— reclamou Nina, abaixando-se na altura do filho. — Yuri, é muito perigoso mexer com tesouras e facas, o que foi que a mamãe disse? — O menino não respondeu e ela suspirou. — Por que fez isso?

— O cabelo chato não me deixa ver desenho!

Yuuri mordeu os lábios para evitar esboçar qualquer coisa parecida com risada e Nina ficou sem reação. Cabeças infantis funcionavam com uma lógica própria que ela jamais entenderia.

— Você deveria ter falado comigo ou com seu avô, mocinho… E se você se machucasse? — Yuri não tinha pensado por aquele lado, já que se achava muito esperto. — Me desculpe, filho, mas vou precisar te deixar de castigo.

A palavra castigo deixou ambos Yuris inconsoláveis. Yuri, que não entendia porque resolver um problema sozinho poderia ser ruim, e Yuuri, que estava de coração partido em ver a criança ser punida sem poder dizer nada. Não estava no direito de tirar a autoridade de Nina.

— Desculpe, Yuuri, mas acho que vou precisar desmarcar nosso passeio… — lamentou com um meio sorriso sem graça. — Tenho que limpar essa bagunça e dar um jeito nessa cabeleira aqui, vai estragar nosso cronograma.

— N-não, não acho que vai atrapalhar — gaguejou, tropeçando nas palavras russas que já não lhe eram tão difíceis. — Eu posso cuidar do cabelo dele, se quiser, é só me arranjar uma tigela.

— Como?

— É… — Arrumando o óculos para disfarçar o nervosismo em estar se oferecendo sem ninguém ter solicitado sua ajuda, Yuuri tentava explicar qual era a ideia. — Digamos que Yura não foi o primeiro a inventar um novo corte de cabelo.

Ele não queria entrar nos por menores que relembravam um Yuuri que um belo dia decidiu imitar o cabelo arrepiado de um dos atores que Mari colecionava pôsteres. Topete e gel ficavam melhores no Johnny Depp dos anos noventa do que nele, Yuuri havia aprendido aquela lição.

— Você não precisa se preocupar com isso, sério… Vai perder o horário do cinema, ainda.

— Tudo bem, Nina… Sabe que eu não estava indo pelo filme.

Plisetskaya fingiu que não entendeu as segundas intenções daquela frase e Yuuri fingiu não ter insinuado nada. Sorte deles Nikolai ter permanecido na segurança da sala de estar.

— De que tamanho é a tigela que vai precisar?

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O novo e arredondado corte de cabelo de Yuri não era o mais bonito do mundo, mas havia consertado o estrago feito pelo pequeno e resolvido o problema da “franja chata”. Sucesso!

A hora seguinte foi o bastante para resolverem o penteado de Yuri e limpar a bagunça que todos os chumaços de cabelo loiro haviam causado no tapete do banheiro, incluindo o delineado de Nina que por pouco não foi esquecido. Teria sido a maior vergonha do mundo sair daquele jeito na rua,

Como ela já sabia, o planejamento da noite foi todo bagunçado pelo pequeno imprevisto e o cinema seguido de jantar acabou substituído por crepe e um passeio pelo shopping. Yuuri parecia se divertir com o singelo passeio, mas Nina ainda estava chateada por ter estrago os planos. Já fazia uma semana que Katsuki tinha feito aquele convite e ela não queria ter frustrado aquela noite.

— É estranho ser o único falando aqui — brincou Yuuri, notando o distanciamento da moça. Sua ansiedade sempre lhe dizia que a culpa era a dele por qualquer situação incômoda existente.

— Me desculpe, acho que não estou sendo a melhor companhia, hoje.

— Está cansada? Quer parar um pouco?

— Acho melhor…

Naturalmente discreto, Yuuri optou por um banco longe do corredor principal do shopping, o que faria Nina agradecê-lo depois por isso. Sem chamar atenção das demais pessoas ali passeando, eles se acomodaram, mergulhados no silêncio. Algo no ar pedia para ser discutido, mas nenhum dos dois sabia por onde começar.

— Gostou do crepe? — perguntou Nina, não sabendo se interromper o silêncio com qualquer assunto seria o ideal.

— Um pouco seco, mas está bom, sim.

Nina estava de acordo que aquele não era o melhor crepe do mundo, mas não achou forças para comentar mais nada. Ela seria eternamente grata de Yuuri fizesse aquilo por eles.

— Pensou na minha proposta?

Ou talvez não.

Ah, a proposta… O que falar? Que já estava com o enxoval escondido embaixo da cama, pronto para colocá-lo em uso a qualquer momento? Não queria soar desesperada, não quando o sentimento era o de desespero. Tanto já tinha passado e ela continuava perdida e com medo.

— Não sei se é o melhor momento para eu começar um namoro, Yuuri.

Doeu precisar dizer aquilo, pois era totalmente o oposto de seu desejo. Depois de tanto pensar e rir sozinha como uma adolescente nas graças do primeiro amor, Nina estava pronta para dizer naquela noite que sim, ela adoraria aceitar o pedido de namoro de Yuuri e sair por aí de mãos dadas com o homem mais doce que já tivera conhecimento, seu melhor amigo. Mas depois de Yuri indiretamente lhe dar um pequeno lembrete de que Nina não era mais uma jovem livre de responsabilidades, aquilo seria impossível.

— Entendo.

— Não, Yuuri, você não entende… — Era de se esperar que a resposta dele fosse aquela, assim como toda a culpa fosse puxada apenas para seus ombros. — Quero dizer, acho que depois de hoje, até que entende um pouco, não é? — Confuso, ele olhava para Nina. Não, nada do que se passava na cabeça dela estava claro. — A noite de hoje estava combinada há uma semana, mas não deu certo. Acho que nada combinado com antecedência dará certo enquanto eu tiver um filho pequeno. Ter um filho é deixar todas as possibilidades sempre em aberto, porque ele é seu pequeno relógio. A gente acaba se adaptando às brechas que ele te dá para poder fazer todo o resto, e é por isso que conciliar trabalho e maternidade é sempre tão difícil… E eu não estou reclamando, eu amo meu filho e sempre farei de tudo por ele, mas não posso esperar que outra pessoa também faça isso, escolha sacrificar sua vida para adaptá-la em torno de um garotinho…

A força feita para não chorar resultava em um bico manhoso muito parecido com o de Yuri e a comparação o teria feito rir em qualquer outra situação que não fosse aquela.

— Sei disso, Nina. Sei desde o começo. — Contendo as lágrimas, ela olhou para Yuuri, deixando que ele falasse. — Eu via você deixando a escola no horário de fechamento, porque estava sempre pagando pelas horas que havia faltado em algum imprevisto. Também sempre te ouvi passando metade do nosso almoço falando de Yuri e nossos encontros pelos corredores citando sobre ele. Eu sei disso tudo e por entender isso também fiz de tudo para incluí-lo em jantares e passeios nossos. Eu não me importo em tê-lo por perto, porque ter Yuri por perto, significa ter você, também. — Nina estava emocionada demais para perceber como as bochechas de Yuuri estavam vermelhas de uma forma que ela jamais havia visto. — Sei que não é fácil para você, por isso também quero ajudar. Yuri é importante para mim também.

Nina limpou as lágrimas e respirou fundo, temendo que no lugar das palavras, um choro muito espalhafatoso saísse.

— Não é sua obrigação, Yuuri…

— Sei que não. Faço isso porque gosto dele e porque eu… — Hesitante, Yuuri se escondeu por trás de seu idioma; — Suki desu.

— O quê?

— B-bom, o que quero dizer é que não me importo em deixar nossos planos em aberto. Não preciso de nenhum encontro certinho para ser feliz com você.

Nina se permitiu rir mais aliviada, embora não totalmente convencida.

— É complicado, sabe, vai ter que trocar todos os lançamentos de Sharknado para rever A Princesa e a Plebeia pela centésima quinta vez.

— Posso viver com isso.

— E vai ter que voltar na parte em que a Erika canta para o gato dela todas as vezes.

— Tudo bem por mim. — Yuuri não sabia quem era Erika, mesmo.

— E segurar na mão de Yuri toda vez que precisar atravessar a rua.

— Posso segurar a mão da mãe dele também?

Tímida pela surpresa daquele pedido, Nina virou o rosto corado para longe. Se Yuuri Katsuki soubesse quão terrível era…

Cuidadoso, foi ele a tomar a iniciativa de pegar uma das mãos de Nina, pálida, gélida e levemente trêmula pelo nervosismo, e entrelaçar os dedos finos nos próprios. Ela queria chorar por aquela sensação de proteção que aquele gesto significava.

— Tem que segurar bem firme, senão corre pra longe.

— Você ou ele?

— Nunca se sabe…

Yuuri riu e se atreveu uma maior aproximação, a oferta de um abraço aceito sem relutância. Se era para evitar que Nina fugisse, era melhor prevenir e prendê-la bem com os dois braços.

No aconchego um do outro, Nina e Yuuri aproveitaram o desfecho daquele encontro improvisado, que programação nenhuma teria tornado tão bom.

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Quando passou pela enfermaria, a caminho da sala dos professores, Nina viu uma criança ser atendida. Nada de novo quando muitos alunos, mesmo os mais experientes da patinação, volta e meia estavam batendo com seus narizes no chão, ou torcendo o tornozelo. Novidade mesmo foi notar seu namorado do lado de fora, aterrorizado.

Sentado em uma das cadeiras disponíveis ao lado do corredor, Yuuri estava encolhido, cabeça enterrada em ambas as mãos e visível tremor tomando-o dos pés à cabeça. Entendendo o que estava acontecendo, Nina prontamente abandonou seu copinho de chá e o trajeto inicial para sentar-se ao lado do namorado.

— Yuuri, está tudo bem, está tudo bem… — Ela não tinha certeza se ele conseguia entender o que aquelas palavras significavam, por isso entrelaçou seus dedos aos dele, sentindo o aperto ser retribuído com força. Era notável como Yuuri tremia.

— Vou perder o meu emprego…

— Não vai, não.

— Ninguém mais vai querer me contratar, minhas economias vão acabar, vou precisar ir embora da Rússia…

— Yuuri, isso não vai acontecer.

— Foi minha culpa, foi totalmente minha culpa…

— Crianças se machucam o tempo todo, Yuuri, não foi sua culpa!

— Eu devia ter sido mais cuidadoso, Nina, eu devia ter sido mais cuidadoso...

Vê-lo daquele jeito a deixava aflita. Antes de conhecer Yuuri, Nina não sabia que ansiedade podia ser algo tão grave, sempre associando o sentimento à expectativa de coisas como uma viagem muito esperada ou um feriado emendado. A primeira crise de Yuuri a deixou extremamente confusa, sem saber o que fazer para acalmá-lo. O passeio com Yuri resultou em um joelho ralado, logo esquecido pela criança e nem reparado para a mãe, mas que para Katsuki ganhou ares aterradores. Até conseguir entender que aquilo não era uma piada, Nina já tinha tirado sarro do exagero do namorado e rido às custos do rapaz. Ela ficou se sentindo péssima pelo resto da semana.

— Yuuri, olha pra mim — pediu, conseguindo com muito custo fazer com que ele a olhasse. — Patinar não é fácil, principalmente para crianças que estão começando. Até adultos podem cair.

— Mas se eu tivesse prestado mais atenção…

— E se ele tivesse caído fora daqui, em um dos rinques públicos? — perguntou, interrompendo a culpa autoimposta. — Isso pode acontecer em qualquer momento e, a menos que você tenha jogado o garoto propositalmente no gelo, não vai ter sido sua culpa.

Tudo o que Nina dizia era lógico e, de certa forma, Yuuri já sabia, escondido sob toda a tensão, perdido em sua mente bagunçada pelo desespero. Às vezes, sentia perder a razão e entregar-se muito facilmente ao desespero, perdendo totalmente o controle das próprias emoções. Nunca foi fácil cuidar de sua ansiedade quando morava no Japão e viver em um país de pessoas tão reservadas, não encorajava a busca por ajuda. Lidar com aquele problema sozinho não poderia ser considerado opção, quando ela era a única alternativa.

— Você vai ficar bem, Yuuri. — A promessa de Nina veio para espantar os receios junto com o calor do chá de canela que ela agora oferecia. — Fico aqui enquanto precisar.

Pensando melhor, lidar com aquele problema sozinho era sim uma opção, principalmente agora que podia escolher ter com quem contar. Ainda era difícil, sua cabeça continuava uma bagunça, mas entre suas crises, era possível agora ouvir uma voz diferente de todas as outras com trágicos discursos. Essa voz era de Nina e, dentro dos próprios limites, Yuuri já conseguia unir seu discurso ao dela. Podia não ser grande coisa, mas ele já podia se ouvir dizendo e acreditando um pouco mais que sim, tudo ficaria bem.

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Adultos tinham a estranha noção de que apenas eles eram espertos e responsáveis com suas meias sem tocar o chão e jantares nos horários apropriados, ou uma desgraça chamada comida fria tomaria o jantar. Yuri achava aquilo tudo um exagero e, para pessoas tão exageradas, eles não se comportavam da mesma forma que exigiam do pequeno.

Lá estava ele, desperto de um preguiçoso cochilo em sábado no apartamento de Katsudon, vestindo um pijama de flanela muito quentinho e maneiro, coberto de estampa de gatinhos, vendo Yuuri cometer um dos crimes que sua mãe sempre condenava tão duramente.

Decidido a colocar um fim naquela vergonha e mostrar à mãe, distraída enquanto lia um livro chato sem gravuras, que ao contrário dela e do namorado bobo, ele sabia das regras anti-resfriado. Se um dos dois aparecesse espirrando, Yuri iria rir na cara deles e ainda falar: eu não avisei?

— Oh Yura, dormiu bem meu amor? — Alheia aos sérios, seríssimos planos da criança, Nina sorriu e o cumprimentou baixo para não despertar Yuuri, que dormia com a cabeça sobre uma almofada posta em suas pernas dobradas, do merecido sono. Após uma semana inteira de horas extras, ele merecia aquele cochilo.

Yuri não se deu o trabalho de responder, muito compenetrado na missão de arrastar sua manta maneiríssima de estampa de tigre até o corpo adormecido de Yuuri sobre o sofá e jogá-lo da melhor forma que suas mãozinhas alcançavam, por cima do adulto.

Pronto. Agora Yuuri não sentiria frio e nem espirraria como consequência daquela irresponsabilidade. Adultos eram tão bobos e imaturos...

— Yura...? — Achando graça daquela cena, Nina riu baixo, tentando entender toda a problematização dentro da cabeça de seu filho.

Com um pop babado, ele tirou a chupeta da boca e levou o indicador nos lábios, chiando muito irritado aquela interferência risonha no meio de seu tão sério plano.

Shhh! Vai acordar o papai!

Nina emudeceu e corou instantaneamente, não ousando falar mais nada depois da reprimenda. Também acordado, mas sem nenhuma coragem para falar, Yuuri continuou de olhos fechados.

Satisfeito em ver tudo em ordem mais uma vez, Yuri deu as costas e voltou para a cama de casal de onde havia saído. Nenhum adulto estava ameaçado pela terrível gripe. Seu trabalho ali estava feito.

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Yuuri não sabia como o ensino infantil na Rússia recebia os pais das crianças, mas para evitar pecar pela falta, optou pelo excesso, calça de alfaiataria, sapato fechado, camisa de botão e gravata. Se precisasse passar por alguma entrevista, estava pronto.

Nina não ousou falar nada do blazer de risca de giz, inclusive depois de ver o namorado todo alinhado, quase voltou para casa colocar um vestido mais arrumadinho. De calça jeans e cardigan de umas três estações passadas, ela estava longe de parecer uma das mães arrumadas que sempre via buscarem seus filhos na escolinha de Yuri ou no balé. Plisetskaya estava precisando urgentemente renovar o guarda-roupa.

— Vou na sala dos alunos ouvir o que a professora tem a dizer sobre esse semestre, pode esperar na sala de brinquedos, lá costuma ter algumas almofadas para os pais — avisou Nina, antes de se separar. Estava ansiosa para aquela reunião acabar e levar namorado e filho ao parque de diversões. Fazia dois meses que Yuri pedia pela oportunidade de se entupir de porcarias. Yuuri também.

— Tudo bem, eu vou ficar esperando.

Vendo-a se afastar corredor a dentro, Yuuri acenou brevemente em resposta ao aceno efusivo da loira, rindo baixo para o jeito enérgico dela que mesmo depois de tanto tempo, ainda o encantava. Yuuri Katsuki ficava ainda mais bobo quando estava apaixonado.

Para achar a tal sala de brinquedos, bastou seguir os gritos infantis e logo estava lá, um grande espaço de paredes amarelas repleto de desenhos colados e brinquedos aos montes. Pelo tapete fino, panelinhas de crianças dividiam baldes de lego e revezavam o cuidado de uma boneca caolha, profundamente concentrados em repetir com seus bonecos inanimados coisas que eles viam em casa. Se todos fossem seguir essa linha de raciocínio, teriam muito medo do que Yuri Plisetsky via no seio de sua família. Descontar sua frustração arremessando para longe alguns blocos plásticos não parecia muito saudável.

— Hey, Yuri, tudo bem? — Ao ver o padrasto, Yuri demonstrou sua recepção positiva entregando os blocos para o adulto. — E o que eu faço com isso?

— Segura!

Oh, bem, era meio óbvio.

— Se divertiu hoje na escolinha?

— Sim!

— E o que você fez de legal?

— Desenhei!

— Ah é? E eu posso ver?

Yuri olhou para os coleguinhas e pareceu reconsiderar um pouco. Não gostava de expor suas criações perto das outras crianças, porque nenhuma delas ligava para seus tigres hiper-realistas. Apenas seus adultos de confiança — que incluíam a mamãe, dedusha e Katsudon — podia ver aquelas obras de arte.

Como a presença de Yuuri era alta o bastante para compensar todas aquelas miniaturinhas de gente, Yurio decidiu que tudo bem, ele podia deixar que o resto visse seus desenhos, desde que eles fossem destinados primeiro ao Katsuki.

— Uau, Yura, seus desenhos estão incríveis!! Eu quase posso ouvir os tigres rugirem! — elogiou, visivelmente espantado pela qualidade artística daqueles rabiscos alaranjados.

Cheio de si, Yuri olhou para as demais crianças de boca aberta o encarando, rindo de lado como quem quer dizer “Viu? Nenhum de vocês entende de arte!”

— Eu fiz um montão deles!

— Ah é? E você quer me mostrar eles ou esperamos pela sua mãe?

Yuri encarou o outro Yuuri, mas sem de fato olhá-lo. Muito séria, a criança estava pensando na melhor das opções disponíveis e Katsuki sempre achava engraçado quão sério o enteado levava suas perguntas.

— Quero guardar para a mamãe e o dedushka, senão estraga a surpresa.

— É justo. — De acordo com o menino, Yuuri ainda viu naquela situação uma ótima oportunidade de fazer o menino se organizar sem parecer que aquela ideia tivesse saído de qualquer outro lugar que não sua cabecinha loira. — Que tal se você dobrasse seus desenhos com cuidado, então, para podermos mostrar mais tarde, depois do nosso passeio?

Animado com o assunto passeio, Yuri pegou o amontoado de papel e saiu correndo para onde escondia seu calhamaço de desenhos das outras crianças. Tinha tantas, mas tantas artes diferentes, que poderia pendurar todas em uma parede, como o museu que tinha visitado com Nina e Katsudon no último passeio dos três. Com toda certeza, eles iriam adorar a nova decoração.

Sentado entre as almofadas coloridas, Yuuri aguardava, sorrindo para a figura miúda de Yuri que cuidadosamente dobrava errado cada uma daquelas folhas. Ele não ousaria criticar as dobraduras daquele Michelangelo infantil.

Se Yuuri olhava para o enteado, outras crianças olhavam para Yuuri. Era meio aterrorizante ser encarado por tantos olhinhos diferentes, principalmente para alguém como ele, que cresceu assistindo infinidades de filmes de horror onde os demônios eram sempre crianças.

— Aquele é o papai do Yuri? — uma garotinha perguntou, achando estar cochichando muito baixo. Constrangido sem saber quanto daquela conversa deveria ouvir, Yuui pegou dois blocos plásticos e começou a montá-los.

— Claro que não, sua burra! — Crianças e a mágica delicadeza infantil. — Lembra o que o papai disse? Yuri não tem pai!

— É, a mamãe dele aprontou! — Outra criança uniu-se à discussão. E Yuuri não gostou nada do que “aprontar” significava. — Ela foi inponsável!

Ele sabia que crianças de quatro anos não poderiam chegar naquele tipo de conclusão sozinhas e que o significado oculto por trás de “aprontar” não era algo maquinado por sua inocência perante o mundo. Crianças daquela idade reproduzem o que têm de exemplo, imitam o que veem e repetem o que ouvem. Os pais daquelas crianças falam demais para seu gosto.

Mal Yuri voltou a se aproximar com a mochilinha nas costas, Yuuri ergueu-se do chão, tirando o blazer e puxando o óculos para longe. “Irresponsável” era como a chamavam? Pois bem…

— Vamos, Yura — chamou, tendo sua mão logo pega pelo enteado. Ele não sabia o que puxar o cabelo para trás significava, mas lembrava muito o personagem Ash quando virava o boné para uma luta.

Uh… Será que Yuuri entraria para alguma batalha pokémon?

Ninguém na salinha colorida estava esperando uma entrada como aquela, passos que desde longe anunciavam a chegada de alguém que impunha a própria presença, quem sabe algum parente muito rico tomado de dores pelo filho?

Quem sabe até Putin?

Mas nada, nenhuma das opções mirabolantes que roubava imaginação e fala de pais e professores, estava preparado para a aparição de Yuuri Katsuki na porta enfeitada. Com o blazer pendurado por cima do ombro, os óculos dependurados entre seus dedos e o cabelo puxado para trás, daddy seria o que qualquer um naquela sala o chamaria. Com uma criança ao lado, então, ele parecia saído direto de um romance Júlia das bancas de revista, o clichê do misterioso e sedutor pai solteiro de riqueza jamais explicada ao longo do romance, que no fim acaba se casando com a babá contratada para cuidar do filho. Nina havia sido expulsa de um clichê próprio para agora desejar entrar naquele.

— Você vem, querida?

Nunca naqueles últimos dois anos Nina tinha visto aquele lado de Yuuri. A pergunta direcionada a ela atingiu mais seis, quase matando todas as mulheres com aquele olhar cerrado que com certeza era pela miopia, mas que nem ela se lembrou na hora.

Certo, não somente as mulheres… Nina podia jurar ter visto pelo menos três pais fraquejarem, também.

— Eu… É que- Sabe, não sei, eu gosto de pão… — gaguejou sem falar nada com nada. Aquele peito meio exposto estava abalando sua inteligência.

Após dar uma olhada superficial e cheia de desprezo nos demais presentes, Yuuri finalizou;

— Yura e eu te esperamos no carro. — Uma piscadela e Plisetskaya sentiu seu interior gritar. — Até depois, koneko-chan.

Ela não fazia ideia do que aquilo significava, mas para ele Nina seria konekos e canecos, ela nem ligava mais, ninguém ali precisava saber. Muito menos saber que eles não tinham um carro, mas eram apenas detalhes… Ninguém ali conseguia pensar direito depois daquela demonstração de Eros.

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A primeira impressão não tinha sido das melhores, mas depois de dois anos em solo russo, Yuuri podia dizer que a Praça Vermelha era sua parte preferida de Moscou. A expansão da calçada e o colorido da catedral acalmava seu coração a pulos e aos poucos ele retomava a calma de um nervosismo antecipado por sua ansiedade. Tudo estava bem. Era o que Nina costumava falar.

E por pensar em Nina, sua constante companhia desde antes de saber murmurar mínimas palavras em cirílico, lá estava ela logo ao lado, fazendo o flash da câmera fotográfica estourar em seu rosto, chamando atenção de outros transeuntes. Ela nunca se importava com os outros.

— Essa foto vai ficar linda quando eu mandar revelar! — comemorou para si mesma, torcendo para que o filme aguentasse intacto até lá. — Vou tirar uma cópia para mim, para o meu pai, para você e para o Yura! — Piscando para o rapaz que trazia seu filho no colo, Nina riu. Não fazia por mal, mas era engraçado ver como Yuri ainda ficava irritado com a ideia de ter mais alguém além dele com aquele nome, mesmo em um país cujo Yuri fosse tão popular.

— Nina… — Por outro lado Yuuri, incapaz de sobrepor sua vergonha ao sorriso da namorada, rendeu-se aos encantos da moça e esboçou um sorriso, sua forma mais discreta de mostrar também estar se divertindo. — Não devia provocá-lo tanto, Yuri nunca vai gostar de mim, desse jeito…

O comentário de Katsuki a pegou mais desprevenida do que imaginou um dia ser — no geral, Nina se achava muito esperta e preparada para todas as pegadinhas que a vida tentava lhe pregar, o que não era bem verdade... Bem, ninguém, além de Yuuri, precisava saber dessa fraqueza.

Substituindo o riso aberto por um bem mais acanhado, ela abaixou o rosto, guardando a câmera na colorida mochila de tecido, uma ótima desculpa para disfarçar as bochechas coradas. Achando ter dito algo inapropriado, Yuuri esperou até que ela desse alguma dica do que teria feito de errado.

— É muito importante para mim que queira se dar bem com ele — murmurou, voltando a encará-lo. O sorriso gentil ainda estava ali, junto com os olhos marejados. Yuuri amava o brilho daqueles olhos.

— É importante para mim, também — garantiu o japonês, ajeitando melhor o menino em seu colo. Profundamente adormecido pelo cansaço daquele dia cheio de brincadeiras, Yuri apertou mais o abraço, firmemente agarrado ao pescoço de Yuuri.

— Ele é assim, um pouco desconfiado, mas gosta de você. Yura até te desenhou outro dia! — Feliz com a novidade e sendo contagiado pela empolgação da namorada, ele quis saber mais detalhes daquela novidade.

— Mesmo? E qual era a situação?

Oh, a situação… “Desenhe a sua família” era uma situação? Bem, não podia culpar a criança; com seus quatro anos de idade, a única compreensão de família que Yuri tinha era a de um grupo de pessoas embaixo de um mesmo teto e Yuuri já era presença constante na casinha de Nikolai há certo tempo para aquele desenho fazer sentido para ele. Mas como explicar tudo aquilo sem parecer uma doida, desesperada para dar um pai ao filho? Nina já não estava mais apaixonada por Yuuri; ela podia dar certeza de que o amava, sendo assim aterrador imaginar que ele poderia deixá-la ao perceber não querer dividir sua vida com uma pessoa que já tinha a sua dividida com uma criança.

Uma criança, doía lembrar, que nada tinha a ver com Yuuri.

— Ah, eu não sei bem, sabe que as coisas só fazem sentido na cabeça dele — desconversou e Yuuri riu. Ele já havia ouvido longos e balbuciados debates de Yuri sobre episódios inteiros de Tom e Jerry, onde não dava para entender nenhum dos argumentos da criança, mas que concordava, apenas por via das dúvidas. — Pelo jeito, Yura não vai acordar tão cedo.

Os dedos pálidos deslizaram pelos cabelos, loiros como os dela, afastando as mechas que caíam sobre os olhos fechados. Perceber o olhar calmo e acolhedor de Yuuri sobre ela, enquanto os três pareciam dividir aquele momento fraternal, a fez interromper o carinho com uma brincadeira, sempre elas, prontas para salvá-la de um derrame de lágrimas. A mão que antes acarinhou a cabeleira do filho, agora bagunçava os cabelos negros do namorado, tratando de desmanchar em risos aquele semblante afável que Nina achou nunca poder encontrar em alguém.

— Nina, não! — Tentando se afastar do ataque infantil, Yuuri equilibrava seu xará adormecido, evitando que a agitação o incomodasse. — Anda, precisamos levar esse mocinho para casa… Está muito frio para deixá-lo no sereno.

— Tem razão — riu, desistindo da brincadeira e buscando ao redor um ponto de táxi mais próximo. Não estava assim tão gelado para ela e Yuuri, acostumados com temperaturas mais baixas àquelas da estação outonal, mas mesmo assim, era bom não arriscar. Crianças eram sempre mais frágeis, ela não queria seu filho doente em hipótese alguma. — Não tem nenhum táxi por perto? Não quero ter que pegar metrô com ele assim… — reclamou, exibindo uma careta infantil.

— Podemos ir andando, não fica assim tão longe — sugeriu Yuuri e Nina precisou rir com sarcasmo.

“Não fica assim tão longe”?! Você quer o quê, que a sua namorada caminhe durante uma hora, isso na melhor das hipóteses, até a casa do pai, carregando vinte quilos de Yuri no colo? Que insensível, Yuuri Katsuki!

Yuuri, até então bem humorado com o drama de Nina, disfarçou o nervosismo repentino com uma risada baixa. Antes que ela tivesse a chance de perguntar se ele estava bem, o rapaz pigarreou, puxando o cabelo para trás logo em seguida; Yuuri sempre fazia aquilo quando tentava se encorajar de alguma forma, e isso tinha até mesmo um apelido — que ele não fazia ideia de que Nina havia dado e era bom continuar daquele jeito — para aquele cacoete, um que ela pensava encaixar muito bem: o modo Eros.

— Mas meu apartamento fica a quinze minutos… — murmurou, desconcertando Nina com o que aquele convite parecia. O modo Eros sempre a abalava. — Vocês podem ficar lá, comigo. Tem um quarto sobrando, sabe? Para o Yuri.

— Aquele seu quarto entulhado de caixas e embalagens vazias do Japão? — brincou, tentando disfarçar o nervosismo que, de Yuuri, havia passado para ela.

— Eu já joguei tudo fora… — Perdendo um pouco do Eros, a voz de Katsuki tornou a oscilar. — Acho que só precisa de uma pintura nova… Com os móveis e brinquedos dele, vai ficar um quarto de criança perfeito.

— O que… — Nervosa, Nina evitava olhar para o namorado, ocupando as mãos nos cabelos, no casaco, na echarpe em volta do pescoço… Ela estava perto de ter um ataque, tinha certeza. — O que quer dizer com isso, Yuuri?

— Nina… — A voz do rapaz era baixa, mas ela o teria ouvido até embaixo d’água. — Vocês… Vocês não precisam voltar para a casa do seu pai, nem hoje, nem nunca mais, se não quiser… O que eu quero dizer é que… Droga, onde…?

Nina olhou para Yuuri, tão apavorada quanto ele, ofegante como se tivesse corrido uma maratona. Com Yuri firmemente apoiado em um braço, Katsuki usava a mão livre para tatear os bolsos do casaco, contorcendo-se o melhor que podia para não atrapalhar o sono do enteado.

— A-aqui! — Sem mais rodeios e sem dar tempo para Nina preparar o coração aos pulos, Yuuri tirou um simples e muito fino anel do bolso, um aro dourado e brilhante, como a promessa daquele pedido. — Não é muito, mas, Niina você- você quer casar comigo? Tudo bem se não quis-

— Você quer ficar com a gente?

Surpreso por aquela pergunta, dita no calor da emoção e à beira de lágrimas, Yuuri permaneceu ali, parado, enteado em um braço, aliança na mão. Nina, sempre tão animada, irradiando alegria em toda sua altura que superava a de Yuuri, estava expondo sua fragilidade em público, uma faceta tão bem escondida no dia-a-dia, preservada apenas no mais íntimo contato e para um número mínimo de pessoas. Ele já entendia — na teoria — a razão por todo aquele medo. Era impossível sentir na pele o que ela havia sentido e tudo o que já havia enfrentado por uma situação a qual não tinha escolhido, condenada como se tivesse cometido o pior dos crimes.

— Eu já estou com vocês.

Nina soluçou alto, para toda Praça Vermelha ouvir, antes de tentar disfarçar. Ela não sabia se usava as mãos para tapar os lábios trêmulos e segurar dentro deles o choro que considerava tão feio, ou se esticava o dedo para Yuuri encaixar a aliança.

— Eu aceito, Yuuri… — chorou finalmente, e para ele, não existiria imagem mais bonita do que Nina emocionada iluminada pelo colorido de Moscou.

Depois de errar o dedo duas vezes e quase derrubar a aliança, Yuuri finalmente conseguiu deslizar o anel pelo dedo pálido, ouvindo ao final, um soluço emocionado.

O soluço era dele mesmo.

— Eu amo você — murmurou de forma engasgada, desatando a chorar como Yuri de vez em quando fazia. Rindo das comparações que fazia com o filho, Nina se deu conta que desde sempre havia sido assim. Desde o começo era para ter sido.

— Eu também amo você, Yuuri. Aishiteru?

Koishiteru.

Aquelas palavras ela já tinha aprendido muito bem.

Abraçados aos prantos no meio da praça, eles derramaram aquelas lágrimas de felicidade, dividindo soluços e promessas. Por sorte, Yuri permaneceu dormindo durante todo aquele tempo, alheio enquanto sonhava com a família formada por sua mãe, dedushka e o Yuuri ladrão de nomes que ele estava sempre desenhando. Tanto na vida real, quando no mundo dos sonhos, tudo havia ficado bem. A promessa de Nina tinha se concretizado.


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Notas finais do capítulo

E agora acabou :'D Aff, amei demais escrever isso aqui, casalzinho mais soft :) Espero que tenham gostado tanto quanto eu! ♥

Um grande abraço!!

(P.S.: "koneko" é um jeito carinhoso de chamar alguém próximo de "gatinho(a)" xD)



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