Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 9
Mollock vs. Mollock (Parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 2x06.

Deveria ser o poder agarrado com unhas e dentes e controle... ou encarado como uma infeliz e pérfida ilusão?



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O pupilo do "Cavaleiro da Noite Eterna" rumou, visivelmente entorpecido de tédio, por um largo corredor em um dos pontos mais prestigiados do Museu de História de Londres. A Galeria Principal. Com mais de 100 obras de grandes pintores de várias épocas expostas, o local arrastava multidões de ávidos adoradores da arte. As paredes pintadas compostas de mármore cor de creme proporcionavam certa tranquilidade aos visitantes e o piso em cerâmica, quadriculado, uma confortabilidade sem igual.

Era bem verdade que Mollock preferiria passar horas a fio sentando em seu trono, ostentando o conteúdo de uma enorme pilha de livros posta diante dele, uma ordem prioritária que boa parte dos soldados não atrevia-se a recusar em cumprir. Todavia, naquela noite, o Rei decidira "sair da rotina" e movimentar-se um pouco mais. Até porque, fizera pouco tempo que tomara posse daquela imensa fortaleza.

O olhar baixo denotava uma sonolência decorrente do ócio. Suas passadas ecoavam pelos outros corredores enquanto passava, ao mesmo tempo que sua cauda chicotava o ar de leve. De súbito, uma presença inesperada aparecera bem diante dele, vinda de outro corredor.

Parara abruptamente, os olhos levantando-se por completo, esbugalhando-se na hora.

"Um espelho?", pensou ele, franzindo o cenho. O ser que surgira do nada era como um reflexo dele, uma espécie de clone, mas com uma expressão diferente. Exalava uma aparente calma, mas mascarava uma arrogância perceptível. Uma soberba que só o próprio Mollock reconheceria.

— O que está havendo? Quem é você, afinal? - indagara ele, perplexo.

O imitador sorrira largamente, exibindo as brancas presas.

— Eu? - perguntou. - Eu sou você.

— Não... - deu alguns passos para trás, a expressão assustada. - Isso é um pesadelo! Será que estou... enlouquecendo? - pôs a mão na cabeça, querendo, mais do que tudo, acreditar que tal experiência era apenas uma ilusão provinda de seu sono. Até acreditou estar em seu trono, dormindo e completamente preso em um sonho, desejando despertar logo.

— Sim, você está louco, Mollock. - disse o igual, inclinando o rosto para um lado.

Com uma velocidade quase sobrenatural, o imitador se aproximou do original em milésimos, estando face à face com o autêntico. Sobressaltado, Mollock não percebera o rápido movimento, se afastando ainda mais.

— Eu vejo o medo nos seus olhos. Torturando você internamente, e quando externa-lo por definitivo seu império todo irá ruir sobre sua cabeça. - e prosseguiu com o tom desafiador, a mesma voz macabra do genuíno. - Que tipo de Rei é este que apenas gasta a maior parte de seu tempo lendo? O seu poder é só uma ilusão que o conduz para sua própria cova, Mollock. Não há poder, apenas medo.

Os olhos do clone brilharam uma luz vermelha viva, descomunal. As íris amarelas dos olhos do rei adotaram um escuro tom de vermelho.

Naquele instante, Mollock, pela primeira vez, sentira a pior sensação humana. Olhava, hipnotizado de temor e sem ação, para aquela cópia barata que, aparentemente, surgira do nada. O limiar da loucura latejava em sua mente.

Pela primeira vez, Mollock se sentiu fraco diante de si mesmo.

                                                        ***

30 minutos antes.

O trio aventureiro, destinado a destronar os planos do hospedeiro de Abamanu, já se encontrava na ala de esculturas históricas, monumentos vigorosos e colossais erguiam-se em ordenadas fileiras à medida que caminhavam pelo recinto. As luzes de cima estavam fracas, fornecendo um clima tenebroso. Apenas umas cinco lâmpadas fluorescentes mantinham-se funcionadas, presas ao teto abobadado. Os vigilantes que eram responsáveis pela segurança do local questionavam o uso das luzes, especulando que fosse para economizar energia. Isto fortalecido pelo argumento de que o filho do dono do Museu - que assumiu o controle dos negócios - herdara a avareza do pai.

A luz de uma lanterna, portada por Hector, relampejava por entre vários cantos opacos da ala. Eleonor estava ao lado do caçador-detetive, alerta e preparada, seu vestido azul-marinho de cetim - o único que possuía - ondulando a cada lento passo. Josh era o que menos andava em silêncio. Também com um lanterna, estando em outro lado, vasculhava por entre as estátuas que se sucediam, uma mais atraente que a outra.

Um grito abafado e veloz rompeu o silêncio.

Era Eleonor, que deparara-se com um objeto ensanguentado, de tamanho médio.

Hector pousou a luz da lanterna na coisa. Tratava-se de, nada mais e nada menos, um braço decepado em pleno estado de decomposição. Vermes alimentando-se do tecido morto esgueiravam-se por entre os orifícios. Os dedos da mão putrificados eram de um preto aterrorizante.

A moça punha sua mão na boca, fitando, horrorizada, o membro. Hector chegou perto dela para apoia-la, bem como orienta-la.

— Procure não fazer muito barulho. - disse, aos sussurros. - Isto certamente pertence a uma das vítimas do ataque conduzido por Mollock aqui, antes de firmar seu reinado. - e movimentou a luz da lanterna, seguindo o que parecia ser uma trilha de sangue.

Josh veio correndo, as passadas praticamente audíveis.

— Josh! Silêncio! - exclamou Hector, em tom baixo. - São licantropos, podem nos ouvir a longa distância. - salientou, aborrecido.

— Desculpem, é que eu... - fez uma pausa para engolir a saliva. - Eu descobri uma passagem secreta ou coisa do tipo, bem ali. - apontou para uma parede atrás de uma réplica da estátua de Abraham Lincoln sentado em um trono.

— Onde? Não estou vendo. - disse Eleonor, forçando a visão.

Josh lembrou que teria de apontar a luz da lanterna para facilitar a identificação do ponto. O fez, meio constrangido com o pequeno deslize.

— Ali - indicou. - O pessoal desse museu devia investir mais nessa iluminação pobre. - reclamou, olhando para as fracas luzes no teto.

— Então vamos. - apressou-se Hector, caminhando na direção.

Forçaram uma pequena abertura a tornar-se mais espaçosa. A parede não produzira quase nenhum som comprometedor. Empurraram com força, Josh e Hector, mas não fora o bastante, deixando visível apenas uma estreita passagem.

Impaciente e temerosa, Eleonor dera suspiro pesado.

— Ratza hau! — sussurrou ela, proferindo um feitiço.

De imediato, para o espanto dos rapazes, a parte da parede abriu-se velozmente, porém, produzindo um ronco pelo concreto estar velho em relação às outras partes. Uma bela sala em tom de sépia se revelou para eles.

Hector olhou para Eleonor, impressionado. Dera um sorriso fraco, mas grato.

— O que é que foi isso? - indagou Josh, sem entender nada.

— Ela é uma bruxa. - respondeu Hector, lacônico, adentrando de uma vez na sala.

O caçador de aluguel fitou os dois entrando, estupefato e boquiaberto.

— Agora eu vi vantagem. - disse ele para si mesmo.

— Ué, você não vem? - perguntou Eleonor.

Antes que Josh pudesse responder algo, um ínfimo som de passos incomuns atravessou seus ouvidos re-alertando sua percepção invejável. Virou o rosto rapidamente para a direita, encarando uma passagem escura.

— Ahn... acho que não vou me juntar a vocês agora.

— Por que não? Josh, o que está vendo? - perguntou Hector, intrigado.

— Silêncio. - disse, em baixíssimo tom. - Vem vindo alguém... alguém não, vários.

— Então entre logo. - pediu Eleonor. - O que está esperando?

— Olha, se quisermos agilizar isso... - disse Josh, categórico. - Vou ter que me separar de vocês. Hector, você quer encontrar esse tal de Loub, não é mesmo? Então talvez nos encontremos em algum ponto desse lugar, talvez eu o encontre e o traga para você. Tudo vai depender de como as coisas vão se desdobrar. E espero que da melhor forma possível.

— Tudo bem... - concordou Hector, convencido da decisão do companheiro. - Se acha que é o melhor método, não custa nada arriscarmos. Mas, por favor, procure tomar cuidado.

— Ótimo. Vou indo nessa. Boa sorte para vocês. - disse, logo correndo para a direção de onde vieram, desaparecendo na escuridão da abertura da ala.

Os olhares preocupados de Hector e Eleonor colidiram-se. O caçador a repreendera minutos antes, enquanto direcionavam-se para o museu, sobre a ciência da inexperiência de Josh para uma missão como aquela, algo que, para ele, faltava nela.

                                                                              ***

— Não devia tê-lo chamado. - disse Hector, aos cochichos. 

— Acha que só nós dois daríamos conta disso? E não adianta me dizer que minha magia serve como último recurso. Não sou uma arma. - replicou Eleonor, intensificando seus passos, à medida que a tensão aumentava. 

— Não foi bem isso que eu quis dizer. - ponderou o caçador, mantendo o olhar reto. - Me preocupo com a insegurança que isso causará nele. Tenho certeza que Josh jamais experimentou algo assim em todos os anos em que esteve no acampamento. 

— E o que esperava que eu fizesse? - indagou ela, virando seu rosto para Hector, desconfiada. 

— Que mantivesse a calma. É um caçador de aluguel. E você selecionou o mais teimoso da nova ingressão. Sei que não compartilha do mesmo otimismo que o meu, mas poderia ter pensado duas vezes antes de contactar alguém ligado à mim sem antes me pedir permissão. - afirmou ele, rígido como uma rocha. 

Eleonor dera uma pequena risada de deboche, não acreditando no ego inflado que o caçador exibia sem nenhuma hesitação. 

— Permissão? Como eu ia saber? É do feitio de alguém da Legião tratar caçadores de aluguel como inferiores e inexperientes? 

— Inexperientes, sim. Inferiores, nunca. - disse ele, voltando seu olhar absurdamente sério para Eleonor, claramente no limite da paciência. - E antes que pense que me sinto superior em relação à eles, saiba que me preocupo com a segurança daqueles que um dia podem fazer parte da Legião. 

— Tarde demais. Foi exatamente o que pensei. - salientou Eleonor, fechando a cara. - Olha... eu realmente não sabia. Achava que a Legião era um imenso grupo, que se revezava em caçadas mundo afora. Josh foi escolhido a dedo por mim. Mas se tivesse escrito uma pequena ficha dos membros, com informações básicas sobre eles, talvez eu teria feito uma escolha melhor... algo que agradasse você. 

— Então esta foi a sua intenção? Está totalmente enganada. - erguera a coluna para adquirir mais segurança ante aquela pequena divergência, obviamente prevista por ambos. - Na minha lista de contatos, constam apenas nomes de caçadores de aluguel e alguns estudiosos da conspiração. A ideia de trazer um caçador em nível básico para cá está me assombrando desde que Josh mostrou sua face. Nós vamos enfrentar Mollock, não um licantropo qualquer. Não, creio que Josh ainda nem tenha se deparado com criaturas assim ainda. 

— O resultado só veremos quando ele mostrar sua performance. Se algo terrível acontecer, pode me culpar à vontade. - falou ela, amarrando ainda mais o semblante. - Aí sim será justo dizer que cometi um erro. 

Diante daquele argumento aparentemente irrefutável, Hector calara-se até o fim do caminho. Baixara a cabeça, imaginando quantas possibilidades horrendas consideraria-se para atribuir o fracasso da missão à inexperiência de Josh. Continuou andando, ao lado de Eleonor. 

Há vários metros, quase próximo à entrada dos fundos do museu, Josh virara-se para eles gesticulando com o braço para virem mais rápido. 

                                                                           ***

A parede falsa da passagem secreta fechara-se com uma palavra mágica proferida por Eleonor. O estrondo do lado de fora foi suficiente para atrair as figuras espectrais que aproximavam-se da ala, em passos adquirindo rigorosidade. Dentro da sala secreta, ambos se viam envolvidos em um mundo tingido de sépia pura. Quatro paredes ornamentadas com criativos espirais que se interligavam horizontalmente através de linhas onduladas. O piso era de cerâmica vermelha, quadriculado. Duas tímidas luminárias, localizadas nas paredes laterais, banhavam o aposento com uma luz amarela.

— Não consigo ver nenhuma brecha ou abertura. - disse Hector, passando seus olhos por todos os cantos. - Odeio admitir... mas acho que minha visão não está tão boa quanto antes.

— Se há uma outra passagem secreta... - disse Eleonor, andando e avaliando. - Talvez somente o diretor ou algum outro funcionário do museu saiba onde fique. Talvez nem seja nesta sala.

— Não devemos sair daqui agora. Josh havia ouvido passos... com certeza são as quimeras, elas mantém guarda em todas as alas. Tivemos sorte de quando nós entramos por estar vazia. Presumo que deixam propositalmente as alas desertas para, estrategicamente, pegarem de surpresa possíveis invasores. - especulou o caçador, focado.

— E novamente tivemos sorte por chegarem atrasados. - disse Eleonor, sem tirar os olhos das paredes. - Já chega de procurar buracos, hora de fazermos um. - e esfregou as mãos, em uma preparação um tanto quanto animada para uma bruxa altamente perigosa.

Hector franzira as sobrancelhas, voltando-se para ela.

— O que quer dizer?

— Já vou explicar. Me dê uma faca. - estendeu a mão para Hector.

— O quê? - confundiu-se ele, fazendo uma careta. - O que pretende fazer?

Insistindo, a bruxa manteve a mão estendida, movimentando os dedos ao pedir a lâmina. Obviamente, não preferia discutir suas ideias para perder mais tempo. Para a natureza das bruxas, a revelação de um plano sempre deveria ser realizada com a intenção de surpreender tanto inimigos quanto aliados. Com Hector não seria nem um pouco diferente.

Rendido à insistência da moça, o caçador tirara de um dos bolsos de seu sobretudo de couro marrom uma pequena faca, especial para romper amarras em casos de sequestro nos quais a vítima era sempre submetida à torturas físicas e psicológicas. Inseparável para um detetive como Hector.

— Obrigada. - agradeceu, virando-se rapidamente para a parede à sua frente.

Curiosamente, o espiral à frente era bem maior. Só então Hector percebera algo intrigante.

— E se estas linhas em espiral forem passagens escondidas?- semi-cerrou os olhos. - Sinto que pode haver um círculo invisível em torno delas que sirva para abri-las apenas com um pequeno empurrão...

— Já é tarde para considerarmos isso. - afirmou Eleonor, enquanto cortava a palma da própria mão direita com a faca. O sangue fresco escorria, gotejando em excesso no chão.

A visão detalhista de Hector finamente alcançara o piso de cerâmica, não tardando a enxergar pequenas e médias manchas circulares de sangue caindo à medida que Eleonor andava lentamente.

— O que...Que tipo de loucura está fazendo? - os olhos dele esbugalharam-se.

Eleonor agachara-se, sem dizer uma palavra. Estava desenhando, despreocupadamente, um grande círculo, até ficar de joelhos. Em seguida, desenhara linhas que se interceptavam dentro da figura. Formara-se, para o espanto repentino de Hector, um pentagrama.

— Pode me dizer o que está planejando? - o caçador ficava mais impaciente quanto mais ela mantinha segredo.

Enfim, ela se levantara, confiante demais para parecer tão temerosa quanto Hector. Era uma expressão reconhecível para qualquer bruxa que fosse realizar uma façanha incomum.

Colocou-se de costas para ele, mantendo os olhos fixos no espiral. O pentagrama de sangue cintilava à luz da lamparina amarela. Estendeu as mãos, as palmas abaixo do símbolo.

— Tartarus hebraviru's ik macabru's ul ic ref Alfa lonelis ra demonium reviran't... 

Aquelas incompreensíveis palavras soavam como uma música invertida entoada aos sussurros para Hector, que assistia confuso e desconfiado ao início da cerimônia sombria. Recuou alguns passos, temendo que Eleonor pudesse estar perdendo as estribeiras e, desesperadamente, estar conduzindo um plano à risca, sem qualquer visão de consequências.

Um pequeno tremor o fez parar. As palavras tornaram-se mais fortes, o tom evoluindo para uma gutural ópera de uma libertação imprevisível. A boca de Eleonor movia-se em sincronia com o tremor contínuo, embora estável.

Estagnado e boquiaberto, o caçador se viu sem reação. Detestava, mais que qualquer coisa, estar sem entender o significado de um plano. "Mas o que está havendo aqui?", se perguntou.

Eleonor, abruptamente, erguera os braços, passando a intensificar suas cordas vocais emitindo palavras cada vez mais esquisitas. Hector sentia-se em um culto ao demônio, conivente à um cartel satanista. Jamais podia esperar presenciar algo daquela natureza. Sentia a sala inteira vibrar.

Um facho de luz tremeluzente surgira em uma rachadura no espiral da parede. A falha era vertical e emanava uma luz alaranjada. Logo se tornou um enorme buraco quando mãos esmagadoras e selvagens se puseram para fora, rapidamente alcançando o chão. Um vento abafado ressoou para ambos enquanto a luz se fortalecia, fazendo ondular o vestido azul de Eleonor. A visão definitiva de um ser infernal nascia para Hector, cada vez mais estupefato.

Como um animal saindo do ventre de sua mãe, a criatura caiu no chão sebenta após se libertar. Seu aspecto era macabramente negro, com grossos espinhos que denotavam sua coluna vertebral. A cauda parecia uma serpente, deslizando no piso. Estranhamente, estava domada, quase adestrada. Os olhos da besta fitavam Eleonor, brilhando uma luz vermelha trêmula, mal dando para ver suas pupilas. Como se demarcasse território, a fera rodeava o pentagrama, dando-se conta de sua condição.

— Caiu bem na armadilha. - disse Eleonor, sorrindo, comemorando consigo mesma.

Hector nem pensava em ousar chegar mais perto. Os únicos músculos que conseguira mover foram os de sua boca para coletar respostas.

— O que significa isso, Eleonor? - seu tom era trêmulo. - Me responda desta vez.

— Por que está tão assustado? É só um demônio Alfa. - disse, calmamente. - Está bem, você e a Legião jamais viram um desses, creio eu.

— E nunca vimos. - confirmou, fazendo que não com a cabeça. - Na verdade, eu era bem cético com relação à estas coisas. Rituais, demônios, Tártaro... Agora que presenciei, consigo perceber o que Dwayne Nevill sentiu ao libertar a parte demoníaca de Mollock.

— Eu usei um feitiço goético para invoca-lo. Unifiquei-o com mais um com antecedência para que aprisionasse-o no círculo. - explicou ela, os olhos fixos na besta. - Ele não pode sair sem minha permissão. Além disso, o sangue de uma bruxa nível Ômega, como eu, aumenta as chances de controle sobre o demônio. - disse ela, sentindo-se poderosa ao domar a fera tão facilmente.

— Goético... Já ouvi esta palavra antes... - disse Hector, aproximando-se lentamente. - Refere-se à Goethia, o livro no qual listam-se 72 demônios com 80 selos de invocação.

— Na verdade, são 76. - corrigiu. - O mito dos 80... que piada. - soltou uma risada baixa e debochante.

— Agora me fale porque libertou esse monstro. - o caçador recuperara sua postura firme.

— Mollock é ávido por poder, certo? - fez a pergunta retórica como um belo início de explicação do plano. - Vamos usar uma briga de cães raivosos como uma distração.

— Seja mais específica, por favor. - disse Hector, exigente, sem olhar para a enojante besta. - Distração para quê exatamente?

A mulher sentiu-se obrigada a virar-se para ele.

— Loub é o seu principal alvo. Sabendo disso, nada melhor que distrairmos Mollock, mas eu ainda darei o toque final para que o plano se complete. Enquanto Mollock o enfrenta, nós vamos até a sala do diretor, pegamos um mapa de todo o museu e vemos se há alguma outra sala secreta ou passagem subterrânea. - explicou, a fala rápida.

— Não gostei de como você falou sobre "toque final". - fez um gesto com os dedos denotando aspas. - Além disso, não há como irmos até a sala do diretor, pode estar trancada, quimeras podem estar no corredor. O arsenal que tenho pode não ser suficiente para matar todas. A não ser que, por pura sorte, encontremos Josh ainda vivo para que nos ajude.

— Hector Crannon, você aprendeu tudo nesta vida, menos a confiar nas pessoas que, embora perigosas, podem ajudar de mil e uma formas. - disse ela, assentindo negativamente de leve. - Olhe e perceberá minha intenção.

Virou de costas para Hector, fechando os olhos por um breve momento, suspirando tranquilamente. A criatura continuava rodeando dentro do círculo, expelindo pela boca um líquido viscoso e corrosivo por entre as presas, os olhos ainda mais fumegantes e brilhantes.

— Mollock verá o que o poder é capaz de fazer para sua mente. Uma doce ilusão. - disse Eleonor, seus castanhos cabelos lisos reverberando à luz do teto.

Hector contraíra os músculos e cofiou o cavanhaque, silenciando qualquer dúvida em sua mente apenas para observar o que a bruxa estava prestes a concretizar. O rosnado incômodo da criatura o fazia conter os arrepios. Jamais estivera diante de uma genuína besta infernal, sua ferocidade incomparavelmente sibilante à de um Lycan - vulgo Puro-Sangue.

Eleonor, novamente, vomitava palavras estranhas, desta vez mais suaves em seu tom. Um breve feitiço. A moça mostrava a palma direita com o corte profundo ensanguentado, direcionando-a à criatura. Curiosa e inesperadamente, a ferida cicatrizara em um abrir e fechar de olhos. Porém, a cicatriz tomava a forma de um símbolo, ainda mais gritante que o pentagrama. Um pequeno círculo, tendo dois triângulos cruzando, um em cima e outro embaixo.

De súbito, a criatura erguera-se em postura quase humana, semi-reta. As presas ainda mantinham-se á mostra, mas os gemidos e rosnados haviam cessado, para a surpresa de Hector. A besta de pele lisa e negra postava-se de pé, obedientemente calma, o brilho vermelho dos olhos diminuído drasticamente.

— E aí está. - disse Eleonor, dando um suspiro de alívio em seguida. - Percebe o que pretendo, não é Hector? - perguntou, virando-se para trás.

Para seu rápido assombro, a visão que tivera lhe rendeu um misto de sensações, que iam desde vergonha à fracasso. Encarou com um olhar penoso e tristonho, desesperada.

— Essa não, droga! - praguejou, raivosa.

Virou-se para a criatura e mentalizou um feitiço de "invasão de mentes" e deu a ordem. A besta, em um impulso avassalador, avançou com selvageria para a passagem, correndo apenas com as patas traseiras, tal como um ser humano. A parede quebrara-se em um estridente impacto, pedaços voaram nas proximidades das estátuas. O "animal de estimação" da bruxa deparara-se com um vasto cardápio ao seu dispor. Uma serventia gratuita em um banquete proveitoso.

As quimeras que chegavam para fazer a guarda da ala pularam por entre as estátuas para atacar a criatura, suas garras fazendo trincar o mármore das obras. A besta reagira, lançando suas garras diretamente naqueles corpos que nada mais lhe eram do que bolas de pelo acinzentadas e frágeis para seus padrões. Trucidara uma por uma, sem lhes dar chance de defesa, lhes arrancando braços, caudas e até rasgando-lhes a pele. Pouco ou quase nenhum dano sofria, enquanto andava pela ala e enfrentava as feras que a impediam, sua pele negra e lisa reluzindo às luzes enfraquecidas da ala.

Assistindo ao confronto brutal e aos banhos de sangue que o chão e as estátuas recebiam a cada golpe, aturdida, Eleonor deixava os ombros caírem, sentindo-se totalmente só.

Voltou seu olhar para Hector, tornando-se mais horrorizado. Em relance, percebeu uma quimera invadir a pequena sala misteriosa. Antes que a mesma desse um pulo, Eleonor a parou com apenas uma mão, mantendo-a afastada enquanto proferia velozmente um feitiço mortal. A quimera coçava todo o seu corpo chegando a arranha-lo por inteiro, enlouquecida. Protuberâncias em seu corpo formavam-se e amontoavam-se, como bolhas prestes a estourar, de onde saíram, logo em seguida, besouros escaravelhos. Os insetos alastraram-se pelo corpo da criatura, comendo sua carne, de dentro para fora e vice-versa.

A bruxa voltou sua atenção novamente para Hector, ao mesmo tempo em que seu "demônio magicamente adestrado" já desparecera na escuridão rastreando sua principal presa, deixando inúmeros rastros de sangue e corpos de quimeras estraçalhados pelo caminho, até mesmo nos braços das estátuas jaziam.

— Hector! Por favor, me ouça! - disse Eleonor pegando o rosto do caçador, em um pedido aflito.

Hector desmoronara e mergulhara no pior pesadelo que temia naquele período. Encolhido em um canto da parede, com os braços juntos, fitava, assustado e chorando, imagens perturbadoras que intercalavam com aparições intermitentes de Adam, Lester e Êmina agindo como fantasmas zombeteiros. Via o trio o olhar com um desprezo fulminante, armados com facões, além de memórias da morte de seu pai, nas quais via nitidamente a monstruosidade abater o corpo de seu progenitor violentamente com suas garras.

A voz de Eleonor não o alcançava. Apenas escutava, enquanto assistia ao filme de horror, a palavra mais temida por ele, com os três afirmando em uníssono: "Traidor!".


                                                                          ***

Um dor lancinante acometeu Robert Loub, encostado nas grades dianteiras de sua jaula. A agulha pungente de uma seringa perfurava o braço direito do cientista em uma longa aplicação.

Após os segundos que pareceram minutos, Loub removera o objeto pontiagudo, logo em seguida ajeitando a manga de sua camisa branca listrada.

Fitou, em êxtase, a seringa vazia, o olhar desesperançoso.

— A última dose... - disse a si mesmo, começando a arquejar.

Acomodou-se para tentar dar uma dormida rápida, antes que, inesperadamente, seu "filho" rejeitado entrasse naquela mal iluminada sala para lhe infernizar novamente. Guardou a seringa em um bolso de sua calça.

Para seu alívio a lâmpada finalmente queimara, após inúmeras piscadas.

A sala mergulhou em uma profunda escuridão que certamente favoreceria o sono de Loub.

CONTINUA...


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