Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 29
Cerimônia do despertar (Parte 2.4)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Abamanu observou o Grã-Mestre com desdém absoluto. Pôs as mãos para trás, emanando uma paciência que transparecia uma aura assustadora, ficando a encarar aquele decadente ser humano.

— Ha-ha-ha-ha. - rira ele. - Finalmente! Eu sabia que este momento chegaria e que somente eu, apenas eu e ninguém mais, o testemunharia. Me sinto honrado diante da tua presença, meu senhor!

— É comigo quem está falando, por acaso? - perguntou Abamanu, visivelmente desinteressado.

— E a quem mais eu estaria me referindo, afinal? - os olhos de Michael brilhavam de empolgação. - Estar aqui diante de ti... e além disso com a oportunidade única de matar este traidor que está ao lado desta garota amaldiçoada.

Hector sentiu seu sangue gelar. Rosie virara-se para ele e observou o mesmo empalidecer. "Consigo ver um medo profundo nos olhos dele. É como se soubesse o que acontecerá em seguida...", pensou ela, logo voltando-se para Michael. "Por que me sinto arrependida? Eu deveria ter matado Michael naquele exato momento apenas para proteger o segredo de Hector?!", se perguntou ela, mergulhando em uma excruciante reflexão acerca de sua posição diante do dilema sobre o perdoar o caçador.

Adam se ergueu um pouco mais, olhando para Hector com uma expressão estranha.

— Hector, do que ele está falando? - perguntou ele, o tom forte. - Que história é essa de traidor?

— Você conhece esse cara? - indagou Lester, envolvendo-se.

Uma leve tremedeira de pura tensão acometeu o caçador-detetive como uma rajada de frio. Contínuos calafrios percorriam sua pele ao passo em que sua observância à Michael tornava-se mais ardente. "Devia te-lo matado enquanto tive a chance!", admitiu.

— Responde a pergunta, Hector. - disse Rosie, cabisbaixa.

Vários segundos de silêncio se passaram, o ressoar das correntes de vento levando embora as nuvens de tempestade aos poucos. O caçador se encolhera, cerrando os punhos.

Michael, por outro lado, insistira cada vez mais mantendo a arma em riste.

— Admita Hector! É deveras humilhante para você estar na presença de um ser magnífico como este enquanto é forçado a revelar a grande verdade! - fez uma pausa, relanceando os outros. - Eles precisam saber, Hector! Eu planejei este momento durante aquele interrogatório medíocre a qual fui obrigado a me submeter! Não foi mesmo, sua filha do herege?! - apontara a arma para Rosie desta vez.

A jovem franzira o cenho, incrédula.

— Vai atirar em mim também?

— Na realidade, eu deveria matar a todos vocês! - retrucou ele, o tom ríspido. - No entanto, eu deixo o cumprimento desta tarefa para meu senhor... Abamanu. - olhou para o deus com reverência. Assentiu freneticamente, balançando o revólver. - Sim, meu grande deus! Os dias em que passei louvando a sua imagem tornariam-se sem sentido se eu não assistisse um ato de punição seu. Eu sou o remanescente da fraternidade que o venerou, portanto eu detenho o mérito desse privilégio!

O Cavaleiro da Noite Eterna permaneceu calado, mas o olhar estava austero e frio.

Michael prosseguira, voltando a ameaçar Hector.

— Eu não tenho a noite toda, Hector! Revele! - exigiu, autoritário.

— Você está louco, Michael. Já chega! - redarguiu o caçador, aborrecido.

Êmina sentiu-se motivada a se manifestar, extremamente desconfiada.

— Hector... Se for o que estou pensando... - seu tom era de latente preocupação.

— Não é! - vociferou ele, olhando para ela por cima do ombro. - Posso garantir a vocês que Michael está insano! Tudo o que ele pretende acusar não passam de invencionices.

— Então que a prova apareça! - bradou Adam, decidido a ouvir a verdade. - E quero ouvir isso da boca dele!

— O que é mais estranho é você conhecer esse cara sendo ele um maldito Red Wolf, e ainda por cima Grão-Mestre! - protestou Lester, parecendo não se aguentar de ansiedade.

Alexia tornou a fitar o caçador-detetive por alguns instantes com ar preocupado. Sua voz interior estava gritando algo, um verdadeiro turbilhão de múltiplas palavras persistindo para se materializar e se libertar daquela prisão que a portadora delas havia criado. Agarrou com força o vestido preto-esverdeado na parte das coxas, e seus joelhos estavam doendo. "Isso é estranho. Não havia previsto esse momento. Não... Pra falar a verdade, Hector nunca esteve totalmente nítido nas minhas visões. Não sei o que é mais estranho: Isto ou Abamanu simplesmente me ignorar, sendo que eu sou sua profetisa aqui na Terra! Ele não liga mesmo pra isso? Ah, esqueça, Alexia! Não devo me esquecer do fato de que estou na mira de um deus imprevisível... que agora sente-se no direito de decidir nossos destinos!".

— Vocês desonrou o que construímos... o que nosso pais, avôs, bisavôs e tataravôs construíram durante tantos anos! - esbravejou Michael, sentindo um onda de rancor apertar-lhe o coração. - Você poderia ser o melhor de nós, Hector. Desde o início da nossa amizade eu enxergava um potencial em você muito além de suas já conhecidas habilidades. Mas não! Você preferiu a eles... Pode ter corrido contra a maré mas farei com que morra afogado com o ódio que seus amigos irão sentir de você... por ter tornado seu legado um segredo. Isso é imperdoável. - fez uma pausa, virando-se para Abamanu, mas permanecendo a apontar a arma para o caçador. - Só me sentirei completamente motivado a fazer o que devo... recebendo a tua permissão. - estendera a mão esquerda em um misto de adoração e súplica.

Mais um instante de silêncio no qual todos estavam vitimados por um transe de choque. Lágrimas brotaram dos olhos castanhos de Michael, seu olhar estava triste... denotando uma carência dolorosa.

Abamanu expirou de modo bruto e pesado, sua expressão, outrora calma e paciente, alterando-se para uma de cunho agressivo.

— Que criatura patética você é. - disparou ele, friamente.

Michael, sentindo como se uma lança tivesse transpassado seu corpo, foi baixando a mão lentamente, desnorteando-se.

— Como disse? - gaguejou ele, a expressão contorcendo-se de horror.

Uma longa trovoada fora dada seguida de um relâmpago, reverberando.

— Vocês são criaturas que só irão se entender quando sentirem a mesma dor. - afirmou ele, relanceando os olhos para o grupo e voltando-os novamente para Michael. - Minha primeira vinda a este mundo foi o início da montagem do meu tabuleiro. Você... hum, mero humano, apenas foi uma peça no meio de várias outras.

A frase pegara a todos desprevenidos. Alexia dera um arquejo de surpresa bastante audível.

— O... o que quer dizer, meu senhor? - indagou Michael, recuando alguns passos, sentindo uma estranha onda de medo atravessar seu corpo.

— Eu possuo um inimigo. O qual eu teria um enorme prazer de trucidar até não restar mais nenhum átomo. Assim como vocês, humanos, eu também tinha crenças. Mas há uma diferença óbvia que eu faço questão de salientar. - fez uma pausa, fechando os olhos e logo abrindo-os de novo. - Estas crenças que fiz perdurar... elas só me tornaram mais forte e confiante.

Michael se empertigou, compreendendo parte do argumento.

— Mas nós também somos confiantes... e temos ciência de nossas crenças.

— Vocês fazem parecer ignorância ser confiança. Ao contrário do que pensa, ela, a ignorância, não é garantia de nenhum fortalecimento. Ela é a sua fraqueza.

O Grão-Mestre ficara boquiaberto com o poder de tais palavras. Apertou o gatilho da arma, sem se preocupar em quem estava mirando... mas apenas ouviu-se um click... depois outro, em seguida vários. Seu desespero aumentou consideravelmente. "Droga!"

Largou a arma no chão, expirando um ar de derrota. Hector e Rosie pareciam surpresos com aquilo.

— Embora desconsiderados a partir de agora, você e sua fraternidade tiveram um papel essencial para a construção de meu plano. - Abamanu se aproximava. - Ao contrário de você, estou feliz por Rosie Campbell ter vindo ao mundo. Eu sempre estive feliz por isso.

— Não pode ser... Não pode estar falando sério... - Michael tremia de pavor.

— Você não terá sua vingança. Tampouco eu irei permitir que a faça. - estacou na metade do caminho. - Considere sua missão finalizada. - erguera a mão esquerda, os três primeiros dedos unidos...

O som do estalar de dedos ecoou pelo espaço... todas as atenções voltaram-se para Michael. Após o gesto, em uma fração de segundos, o corpo do Grão-Mestre estourara feito uma bomba, uma verdadeira explosão sanguinolenta. Todos ficaram mudos de temor, estupefatos.

O ponto de onde o homem estava foi coberto por seus restos estraçalhados a nível brutal, junto com uma densa poça de sangue.

Abamanu, por fim, voltara-se novamente para o grupo, esbanjando um certo alívio.

— Honestamente, eu odeio interrupções. Por isso sei como lidar com elas. - fizera uma pausa, olhando para um daqueles rostos horrorizados. - Viram o seu semelhante. Que ele sirva de exemplo. Crenças cegas levam a ruína.

— Exatamente o que ocorreu à você? - provocou Rosie, semi-cerrando os raivosos olhos.

— Minha visão de futuro estava plenamente esclarecida! - respondeu ele, a voz embargada de rispidez. - Sendo assim, jamais irei me enganar da mesma forma que vocês!

Lester já se encontrava totalmente a mercê do pânico completo. "Esse monstro consegue matar apenas estalando os dedos! Será que só eu que sinto que vamos virar carne moída?", pensou rangendo os dentes.

— Não vou agradecer por ter matado Michael. - disse Hector, um tanto abalado. - Ainda não passa de um monstro tentando arranjar uma forma de submeter a humanidade a um controle máximo, uma era de escravidão total!

— Obrigado por resumir o primeiro de meu plano vindouro. - respondeu ele, o indicador erguido. - Eu vou mostrar a vocês... Vou convence-los de como sobrecarregam este planeta com suas multiplicações incessantes, suas invenções constantes e do que realmente governa-o: A natureza.

Adam pouco parecia se importar com o discurso do deus, sem aguentar um segundo a mais de apreensão, apenas olhando Hector... significando que a ficha já havia caído. "Você nos enganou descaradamente. Por que, Hector? Por que?", pensou ele, as palavras engasgadas na garganta.

Êmina só tinha atenção dedicada ao caçador de braços fortes. Segurou em sua mão e agarrou-a... como se quisesse fazer um último contato. Adam virara o rosto para ela e, pela segunda vez naquela noite, a vira chorar.

"Nós não vamos morrer, Êmina." disse ele em pensamentos, compreendendo o gesto. "Não chegamos ao fim.".

E ambos choraram juntos. Entreolhando-se tristemente. Alexia assistia à cena, sem conter as lágrimas. "Se eu tivesse avisado, eles se sentiriam mais preparados?", se questionou. Lester baixara a cabeça, querendo tapar os ouvidos. "Vou enlouquecer se esse monstro continuar falando.".

Abamanu relatava, sem se dar ao trabalho de fazer uma pausa, sobre todos os eventos que lhe ocorreram, desde o acordo de divisão de lucros com Yuga... até o fatídico advento da guerra cujas sementes foram plantadas a partir de um roubo perpetrado por um dos seus soldados, infiltrados no reino da entidade solar. Mas um detalhe adicional - e extremamente relevante - fora levantado. O Cavaleiro da Noite Eterna havia recorrido, dias antes do início do confronto arrebatador, a um certo indivíduo específico com habilidades que o qualificavam como alguém ideal para tranquilizar o tenso clima proporcionado pela crise no reinado. Abamanu temia o futuro como qualquer criatura pensante em desespero. O novo sócio, entretanto, parecia um tanto incerto quanto a sua utilidade, mas mesmo assim havia cedido. O mais novo aliado fora declarado como sendo seu escriba, aquele que transmitiria toda a confiança que o deus necessitava para colocar seu reino nos eixos novamente. A ordem foi dada imediatamente. Um manuscrito de mais de 1.000 parágrafos foi feito por ele, no qual constava todos os eventos que se sucederiam após a guerra vindoura. As habilidades proféticas do escriba eram, de fato, surpreendentes. Todavia, o mesmo ponderou que, para que o plano tivesse êxito, o seu empregador deveria saber apenas o necessário. Em outras palavras, Abamanu deveria ter conhecimento apenas dos eventos futuros que culminariam em seu retorno. Ele se perguntou o porque do tal retorno. Sabendo disso, o escriba lhe indicou o universo ideal onde poderia dar início, cujos habitantes eram facilmente influenciáveis e leigos quanto aos mistérios de seu mundo e da vastidão a que ele pertencia. Ele aceitara a ideia no mesmo instante, sem hesitar. Os parágrafos foram incorporados no compilado de textos, em parte escritos por Abamanu logo após o mesmo ter idealizado torna-lo um livro - onde o próprio também discorrera sobre sua história, de seu nascimento até o dia em que seu reinado entrara em colapso. Além disso, idealizou uma área onde pudesse armazenar o tesouro que havia roubado juntamente ao manuscrito.

Ao visualizar o local - sabendo que seu embate físico com Yuga seria inevitável -, ele pensou como atrairia o calor da batalha para aquele lugar específico. O escriba havia sido bastante vago com relação à sucessão de eventos que sua chegada àquele mundo desencadearia, mas o cliente se manteve satisfeito e jurou a si mesmo que observaria furtivamente o destino prometido, já sabendo da garantia de que seu reinado se reergueria.

Após o confronto com Yuga na Terra, Abamanu retirara o manuscrito transformando em uma espécie de encadernado.. ou como aqueles pequenos mortais chamavam: livro. Ao dar-se a trégua, Abamanu abrira um buraco naquela terra e enfiara todas as riquezas furtadas do deus solar, o exemplar contendo sua história e a profecia, além de uma caixa contendo um perigoso material que lhe oferecia péssimas lembranças, criando-se, assim, sua cripta. Não se aborreceu pelo deus solar ter ido embora após ter dado a última palavra.

A paciência foi a arma imprescindível para acompanhar o lento progresso. Cada evento sucedido era motivo para reaver as esperanças. E de longe ele observou as reações... A retirada do livro por uma equipe de um museu... A criação de uma fraternidade que atravessaria gerações de cinco famílias e que o louvaria... A criação de um grupo de estudiosos da conspiração... A infiltração de alguns membros da tal irmandade neste grupo a fim de adquirir informações a respeito do deus que adoravam... A criação do exemplar traduzido pelos integrantes da fraternidade... As cópias feitas do original e da adaptação direcionadas ao museu... Sabendo-se dos efeitos da presença de um deus naquele mundo aparentemente inteligente, criaturas de outros mundos vieram para ele, além das que já pertenciam à ele e que se fortaleceram dando origem à várias outras... Culminando, séculos depois, na criação de um grupo de elite independente conhecido como Legião dos Caçadores, dotados de coragem e força para lidar com as forças sobrenaturais que desafiavam a lógica humana... O nascimento de um dos membros mais vigorosos daquele grupo, Hector Crannon, filho do Red Wolf John Crannon que havia se comprometido ao ofício contra a vontade do pai... A inclusão de Richard Cambpell na irmandade sombria... O nascimento de Rosie Campbell, sendo o primeiro caso de heresia, já que a sociedade secreta ponderava uma severa regra: os membros só podem possuir filhos homens, caso o contrário será declarado herege e ser caçado como sacrifício ao deus e julgado como indigno de fazer parte da fraternidade... A morte de Richard Campbell em decorrência de um ataque cardíaco... A parceria entre Rosie Campbell e Hector Crannon, a mortal fadada ao destino perigoso e a ser o sacrifício aliada ao renegado jovem Red Wolf que seguira na direção oposta...

Toda a cadeia de acontecimentos funcionou perfeitamente, conspirando a favor de Abamanu.

— Devo tudo a ele. - disse o deus, agradecendo ao escriba. - No entanto, não o recompensarei tão cedo. Não antes de iniciar a expansão de meu reinado.

Hector olhara discretamente seu relógio de pulso para conferir as horas. Arregalou os olhos no mesmo momento, logo em seguida direcionando-os para o horizonte. O céu tempestuoso se desfizera, abrindo passagem para o primeiro clarear, as estrelas sumindo vagarosamente com os iniciais raios da alvorada pontuando ao longe. "A profecia... ela dizia que Abamanu retornaria em uma alvorada.", pensou ele, sem saber como reagir. "E, agora que ele revelou tudo , sem esconder absolutamente nada... pode-se dizer... que ela está definitivamente concretizada.". Virou o rosto para Rosie com um olhar desanimado. "Nós fomos apenas peças de um jogo maléfico. Me sinto fraco... Culpado, desorientado, sem nenhuma razão para continuar vivendo!".

— Como espera conseguir isso? - perguntou Rosie, a voz baixa, denotando certa submissão. - De que forma?

Abamanu suspirara, seus olhos passando por cada um de seus reféns... como se estivesse contando. Franziu o cenho, intrigado com um detalhe.

— A pessoa que deve, obrigatoriamente, me auxiliar para que eu amplie minhas frentes não está aqui.

Todos se sobressaltaram subitamente... partilhando de um único e desesperado pensamento. Rosie esbugalhou os olhos, a aflição novamente corroendo as esperanças.

Alexia sentia seu coração descompassar a cada segundo. "Oh, não!", pensou ela, pondo a mão no peito. "Charlie!".

Abamanu se aproximou um pouco, o ar tornando-se mais autoritário e agressivo.

— Antes de iniciar minha conversa com vocês, eu fingi estar "dormindo". - revelou ele, sorrindo. - Ouvi tudo o que disseram... inclusive uma voz que não passei a ouvir desde que abri os olhos. - fez uma pausa, pousando seu olhar penetrante para a pilha de blocos a alguns metros atrás do grupo. - Onde ele está escondido?

— Nos recusamos! - disparou Adam. - Faça o que quiser conosco, mas deixe-o em paz, onde quer que o encontre!

Êmina olhou para o caçador, espantada. Lester ficou boquiaberto com tamanha coragem. "Ele ainda não sabe com quem a gente tá lidando! Com certeza não sabe!".

O estrategista sussurrara para ele.

— Adam, você ficou maluco?! Quer que ele esmague a gente igual como fez com aquele cara?

— Péssima ideia. - sussurrou Êmina, baixando a cabeça e fechando os olhos desesperançosa.

O exército de soldados marchava em direção ao ponto onde estava seu superior, as lanças cintilando com os primeiros raios solares e suas silhuetas caminhando como sombras fantasmagóricas em meio a claridade nascente, tais como espectros lupinos.

Ao apurar sua audição, Abamanu relanceou com os olhos para a marcha que se avizinhava. Deu um sorriso disfarçado e ergueu a mão esquerda com certa maestria.

— Não gostaria que terminasse assim. - disse ele, concentrando um poderosa energia para aquela mão. - No entanto, vocês não me deixam outra escolha palpável.

O grupo se viu cercado de pequenos pedaços de pedra flutuando no ar. Rosie olhou para ambos os lados, sem conseguir aquietar sua mente.

— O que significa isso? - perguntou, ríspida. - O que pretende fazer conosco?

Indiferente à pergunta, Abamanu mostrara a palma da mão, erguendo-a lentamente... ao passo em que os blocos de mármore, dos médios aos mais grandes, emergiam do chão através de uma força telecinética implacável. O pânico foi compartilhado e os entreolhares tornaram-se cada vez mais angustiados.

Os heróis sentiram seus corpos serem levantados vagarosamente, levitando no ar ainda frio.

— Não! - gritou Hector, sem nenhum controle sobre o próprio corpo.

Juntamente com os pilares e blocos de mármore cinza, aqueles corpos humanos levantavam-se como se a força da gravidade fosse se esvaindo aos poucos. Queriam gritar, mas até os movimentos de suas cordas vocais parecia neutralizado. Alexia, por exemplo, olhava para o chão, sentindo uma sensação nauseante, sua expressão de completo terror. "É como se meu corpo estivesse sendo atraído por um imã ou sei lá o quê! Não suporto... não suporto essa altura!"

As respirações estavam se enfraquecendo. Não por conta da altitude, mas sim do imenso poder de telecinesia aplicado por Abamanu... uma maneira esperta de desfazer o esconderijo de Charlie.

Quando voltou seus olhos para a frente, pôde ver uma figura humana sentada no chão a alguns metros de distância, sua silhueta meio ofuscada pela poeira que subia junto com os minúsculos pedaços de pedra. Sorrira, satisfeito.

Em velocidade arrasadora, chegara perto do mago do tempo em uma fração de segundos. O jovem físico o fitou com um temor nunca antes sentido por ele. Abamanu mantivera o controle sobre os outros com sua mente, não necessitando mais de membros superiores. Saboreou, em silêncio, cada detalhe da expressão horrorizada de Charlie. O monstro estava diante do mago do tempo como uma muralha imbatível pronta para esmagalhar cada pedaço de sua carne.

— Você... - gaguejava Charlie, suando frio. - ... me poupou. Por quê?

— O único mortal deste mundo que detém um saber divino tem muito a oferecer. - afirmou ele, logo sorrindo para o rapaz. - Talvez Chronos não tenha cometido um erro.

Intrigado, Charlie franziu as sobrancelhas, enquanto olhava de vislumbre para seus amigos sofrendo ao flutuarem no ar a uma certa altura.

Abamanu, sem perder mais nenhum segundo, pousara dois dedos na testa de Charlie... fazendo-o perder a consciência e desmaiar até cair de lado no chão.

O pôs sobre seu ombro direito para carrega-lo. Dois soldados se aproximavam do piso de ladrilhos, ficando próximos à tampa da abertura que leva à cripta.

Abamanu caminhara a passos largos até o ponto onde estava, o corpo inerte de Charlie balançando levemente devido à má segurança com a qual o deus o colocava em seu ombro.

Rosie enxergara-o... e para ela o mago do tempo era somente um pequeno ponto sendo levado por um gigante vistos daquela altura. Arregalara os olhos. "Não! Ele está levando Charlie!".

Hector e os outros tiveram a mesma reação de desespero.

O Cavaleiro da Noite Eterna chegara até seus dois subordinados, ambos com as lanças posicionadas na vertical aguardando uma ordem mas ao mesmo tempo para informarem algo.

— Senhor, os locais já estão preparados, vários de nós já se espalharam. Todo o material que o senhor solicitou foi reunido nos pontos especificados. Os outros já estão cuidando de todos os detalhes da primeira fase. - disse um soldado.

Ele assentiu, firme.

— Muito bem. Preciso ir até o ponto central para organizar os próximos passos.

— Por que o mortal? - perguntou o outro.

— Falarei a respeito em breve. Mantenham-me informado.

Virou-se de costas para os subordinados, segurando Charlie com firmeza sobre o ombro. Fechou os olhos imergindo em profunda concentração. Contorceu a expressão calma em leve desconforto... enquanto um objeto circular e prateado saía de seu peitoral. Os detalhes em dourado reluziram sob a luz solar que já penetrava naquele solo. O artefato caíra e Abamanu o pegara com a outra mão.

— Meu valioso amuleto. - disse, ostentando-o por alguns instantes.

Erguera o talismã para o alto e o mesmo irradiara uma luz branca imediatamente.

Um grosso raio de luz rasgou o céu, irrompendo nas nuvens a toda velocidade, logo penetrando no monstro que o evocara através daquele poderoso e inestimável objeto.

Por alguns segundos, o raio fez vibrar o chão ao passo em que ambos eram levados pela luminosidade. Num único milésimo, desapareceram, o raio subindo de volta e afinando-se até alcançar o céu da alvorada novamente.

Os soldados observaram com atenção a formação que se criara no chão. Eles foram os primeiros a testemunhar aquela façanha. Abamanu desejara deixar sua marca por onde quer que pisasse... e conseguiu com um feito espetacular.

O símbolo marcado no chão pertencia ao verso do talismã. Um enorme círculo com algumas labaredas e uma linha curva que denotava uma meia-lua. Uma lua minguante.


Instantaneamente, todos os blocos e pilares de mármore cinza, juntamente com o grupo de heróis caíram violentamente de encontro ao chão. O eco do baque fora ensurdecedor e uma enorme, escura e densa cortina de poeira fina levantou-se como fumaça de um vulcão em um episódio eruptivo.

O silêncio foi ocupando o espaço aos poucos. A nuvem de poeira ia se dissipando.

Seis corpos estavam soterrados em milhares de escombros.

Por uma brecha entre dois blocos quebrados sob vários outros, uma branca mão inerte e ensanguentada se postava para fora.

E um capuz vermelho com uma capa de mesma cor jazia no chão, todo coberto de poeira.


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Notas finais do capítulo

Agradeço a paciência de quem chegou até o final, espero que retorne para a temporada seguinte.



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