O Caçador da Tempestade escrita por Karina A de Souza


Capítulo 2
Cuidado com os Canibais


Notas iniciais do capítulo

Olá :3



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Entrei na TARDIS. Ainda não tinha me acostumado com seu interior surpreendente.

O Doutor estava mexendo no painel, apertando alguns botões e batendo em uns.

—Bom dia!-Saudei.

—Bom dia.

—O que está fazendo?

—Alguns ajustes, uns consertos... Nada demais. Tudo bem?

—Passei a noite toda pensando no que aconteceu. Por um momento, quando acordei, pensei que fosse um sonho. Mas aí corri aqui, e me parece bem real. Também fiquei com umas coisas na cabeça e queria falar disso com você.

—Certo. Estou ouvindo.

—Você disse que a TARDIS viaja pelo tempo. Então... Nós não poderíamos voltar e... Impedir coisas ruins de acontecerem?-Ergueu a cabeça, olhando pra mim atentamente. -Não estou falando de voltar semana passada e impedir que eu perca meu ônibus, ou algo assim. Nós não poderíamos impedir coisas como as Guerras Mundiais? Salvaríamos milhões de vidas...

—É um pensamento bom, Kaliane, mas nós não podemos. Existem pontos fixos no tempo, eventos que não podemos mudar. Como o Descobrimento do Brasil ou o Titanic ou a Primeira, a Segunda e a Terceira Guerra Mundial. É algo que não pode ser alterado.

—Você acabou de dizer Terceira Guerra Mundial? Ai meu Deus... Vamos ter uma Terceira? Aposto que vai ser Estados Unidos contra Rússia. Ou contra a Coreia do Norte.

—Apenas esqueça que eu disse isso. Vou te manter longe dos spoilers.

—Você disse também falou sobre o Descobrimento do Brasil. Realmente não podemos evitar essa tragédia? Quer dizer, nada contra os portugueses, mas vir até aqui, tomar as terras dos índios e nos colonizar foi bem desnecessário.

—É o que vocês humanos mais fazem. Saem por aí, encontram terras e colonizam. E não só na Terra. -Arregalei os olhos.

—Nós vamos colonizar outros planetas?

—Mais spoilers. Apenas esqueça.

—Tudo bem. Você vem muito pra Terra?

—O tempo todo. Você não acreditaria se eu dissesse. Vocês precisam ser salvos o tempo todo.

—Então esse é tipo seu trabalho?

—Mais como um trabalho voluntário. Não há pagamento... Ou agradecimentos... Nem recompensas. E eu não espero por isso.

—Entendi. Bom... Em nome de todo o planeta... Obrigada, Doutor. -Sorriu.

—É um prazer. Certo. Vamos lá, é hora da sua primeira viagem.

—Jura? Agora?

—Nesse exato momento. Alguma data específica? Algum lugar?

—Hum... Você está fazendo isso há um bom tempo. Escolha algo, no Brasil.

—Tudo bem. Então se segure... Allons-y!

***

—Seu nome é mesmo Doutor?-Perguntei, seguindo-o para fora da TARDIS. Estávamos cercados de árvores e mais árvores.

—Sim.

—Jura? Doutor? Ninguém se chama Doutor.

—Eu me chamo. Não é por que você nunca conheceu ninguém com esse nome, que não exista. Por exemplo, eu nunca conheci ninguém chamada Kaliane antes. E aí está você.

—Minha mãe gosta de nomes... Diferentes. Meu pai disse que eu tive sorte. Quase me chamei Izzana. -Ele riu.

—Acho que seu pai tem razão. -Parou de andar, esticando o braço para me impedir de continuar andando.

—O que foi?

—Shh. Ouviu isso?

—Hã... Não. Eu não tenho uma boa audição. Acha que é algum bicho? Se for uma onça, estamos ferrados.

—Por que seria uma onça?

—Por que estamos no meio do mato.

—Faz sentido. Mas acho que...

De repente, fomos cercados por uns dez homens, todos com pinturas pelo corpo e lanças nas mãos. Eles não pareciam muito animados em nos ver.

—Você nos trouxe para o Brasil antes da colonização?-Sussurrei.

—Nós falamos sobre o Descobrimento do Brasil, achei que seria uma boa ideia.

—Sabe que se eles forem de uma tribo canibal, nós estamos ferrados, não sabe?

—Por que eles seriam canibais? Eles podem ser índios pacíficos, e bons anfitriões... -Um dos índios cutucou o Doutor com a lança. -Ei, isso dói.

—Aposto cinco reais que eles vão querer comer a gente.

—Kali, não seja negativa. Eles não são canibais...

***

—Tudo bem, os cinco reais são seus. -O Doutor disse, tentando soltar o nó que prendia seus pulsos.

—Eu avisei. E agora nós vamos ser devorados. Espera... Isso é possível? Se a gente morrer aqui... Nós morremos mesmo?

—Isso não é um sonho, então sim, nós morremos.

—Ah, que ótimo, muito bom. Podia ter avisado antes.

—Isso te faria recusar a minha oferta?-Sorri.

—Definitivamente não.

Nossos captores tinham nos amarrado e arrastado até sua aldeia. Agora o Doutor e eu estávamos presos em pilares de madeira, sentados no chão de terra, esperando até virem nos temperar e assar...

Tudo bem, eu não vou fazer piadas sobre isso.

—Então... Quando foi que aprendeu português?

—Você quer conversar agora?-Perguntou. -Vamos ser devorados a qualquer momento.

—Não posso morrer sem respostas. E a não ser que aconteça um milagre e nos tire daqui, não temos o que fazer.

—Tudo bem. -Tentou se ajeitar. -Eu não estou falando português. A TARDIS traduz o que estou falando para o seu idioma. E vice versa. Os índios também não estão falando a nossa língua.

—Mas não estamos na TARDIS.

—Finja que ela instalou um tradutor na sua cabeça.

—Oh. Entendi. Isso é bem bizarro. Mas legal. Eu não preciso saber outros idiomas pra viajar agora. Adorei. Eu te ouço com sotaque britânico. Você me ouve com algum sotaque?

—Brasileiros tem sotaque?

—Sempre me perguntei isso! Será que temos? Eu nunca percebi. -Olhei em volta. -Tudo bem, a gente não vai fazer nada? Tipo... Tentar convencer os índios a não nos comerem?

—Eles não pareceram impressionados quando tentei.

—Égua, você não tá desistindo, tá? Nenhum truque de ET na manga?

—Truque de ET? O que seria um truque de ET?

—Sei lá. Você não tem nenhum poder especial?

—Eu sou um Senhor do Tempo, não o Super Homem.

—Nós só vamos sentar e esperar pra ser a refeição?

—Não consigo pensar em nenhum plano. Se eu me soltar... Talvez...

—Mesmo que a gente se solte... Eles tem lanças... E flechas... E devem correr muito. Eu sou sedentária, um minuto de corrida e meus pulmões vão pro brejo. A gente não tem armas?

—Não gosto de armas.

—Eu também não, mas admito que ter uma agora seria bem útil...

—Shh. Ouviu isso agora?

—E lá vai ele de novo. -Murmurei. -O que é? Mais índios? Que maravilha... WOU!

Então alguém estava atrás da gente, cortando as cordas e nos puxando para o meio das árvores. Tinha uns cinco homens ali, todos com barbas grandes e roupas demais. Portugueses.

—Não temos ouro nenhum, caso queiram nos roubar. -Avisei.

—Kali. -O Doutor repreendeu. -Isso é um resgate?

—Esteja certo que sim, senhor. -Um dos homens disse. -É melhor irmos antes que percebam a ausência de vocês. Por aqui. -Se virou e começou a andar por uma trilha, junto com seus companheiros. O Doutor deu de ombros e começou a segui-los, me puxando junto.

—Não acredito que estamos sendo resgatados por portugueses. -Resmunguei. -Não me olha desse jeito. Eu não tenho nada contra Portugal. O problema são esses ladrões de terras!-Fiz um gesto para os homens que andavam na nossa frente.

—Eles nos salvaram. -O Doutor lembrou. -Apenas seja grata.

—Sabe quantos índios foram mortos nessa bagunça toda?

—Lembra que pouco antes íamos ser jantar de índios canibais? E lembra quem apareceu pra nos salvar?-Suspirei.

—Você sabe mesmo ganhar uma discussão.

Os portugueses nos levaram até onde tinham montado acampamento com uma tribo indígena que era bem pacífica, ao contrário daqueles que estavam interessados em devorar o Doutor e eu.

Os cinco se apresentaram como irmãos: Pedro, Joaquim, José, Eduardo e Antônio. Os irmãos Silva.

—Talvez você seja descendente de um deles. -O Doutor sussurrou, achando graça. -Kaliane Silva.

—Eu vou te devolver para os canibais. -Sorriu e se voltou para os nossos salvadores.

—Eu sou o Doutor. Essa é Kaliane. Era de uma tribo indígena, mas acabou sendo domesticada.

—Como é?-Cruzei os braços.

—Queremos agradecer por nos salvarem. Agora nós devemos ir andando...

—Insistimos que fiquem um pouco. -Pedro interrompeu. -Podem comer conosco antes de seguirem para...

—Para a nossa... Embarcação. Nós somos... É... Pesquisadores. Só viemos verificar a fauna e a flora. Não queremos atrapalhar.

—Mas vocês não atrapalham. Fiquem. A moça pode até mesmo se sentir em casa, um pouco.

—Acho que prefiro os canibais. -Murmurei.

***

—Acho que o Pedro gostou de você. -O Doutor provocou, sentado ao meu lado. Uma menina índia estava mexendo no meu cabelo. –“Se sentir em casa”...

—Sim, sim, muito engraçado. Se eles tentarem me comprar, eu bato neles. Em cada um deles, e ainda roubo o ouro que eles roubaram dos índios para devolver.

—A Robin Wood Indígena.

—Eu não sou índia.

—Eles acham que você é.

—Muito engraçado. Continua. Eu quero é ver você dizendo pra eles que é do espaço... O que tá rolando ali?-Ficamos de pé. Dois índios jovens surgiram da mata e correram até os irmãos Silva, falando apressadamente. O Doutor e eu nos aproximamos. -Aconteceu alguma coisa?

—As bruxas da água atacaram o amigo deles. -Pedro respondeu. -Não puderam fazer nada para salvá-lo.

—Bruxas da água?-O Doutor repetiu.

—Sereias. Metade mulher, metade peixe. Estão no rio aqui perto. Seduzem os homens para a água e os devoram.

—Sereias canibais. -Murmurei.

—Exatamente.

—Okay, certo. -Me virei para o Doutor, puxando-o para trás. -Sereias? Estamos falando mesmo de sereias? Elas existem? Tipo... Isso não faz sentido. Eu aprendi a lenda da Iara na escola, e ela não come pessoas.

—Acredito que estamos falando de formas alienígenas aqui. -Afirmou.

—ETs se passando por sereias e que comem humanos?

—“Sereias canibais do espaço” soa melhor. -Se virou para os irmãos Silva. -Onde fica esse rio?

—Nós não vamos até lá, vamos?-Olhou pra mim, sorrindo. -É, parece que nós vamos. -Suspirei. -Se formos devorados pelas sereias canibais do espaço, eu vou te matar.

***

—Então... Como você conheceu seu... Hã... Mestre?-Pedro perguntou.

—Meu mestre?

—O Doutor. Ele é seu dono, não é?-cruzei os braços, me encostando numa árvore. O Doutor não tinha deixado que eu me aproximasse do rio. Pedro e eu estávamos afastados. Enquanto José e Eduardo estavam com o Senhor do Tempo na beira do rio.

—Não. Ele é meu amigo.

—Oh. Compreendo.

—Eu quis dizer apenas amigo. -Assentiu rapidamente.

—Claro. Eu entendi.

—Eu o conheci depois que caí numa armadilha feita por ele. -Dei de ombros. -Acredito que seja um encontro normal para os padrões do Doutor.

—Conheci minha primeira esposa depois que ela caiu na minha armadilha também. Eu estava caçando. Nos apaixonamos na hora.

—Que romântico. -Murmurei. -Acho que a gente devia ir até lá...

—De maneira alguma. O Doutor foi firme ao dizer que não deve se aproximar. Seu amigo se importa com você. -Fez uma pausa. -Quem ele perdeu?

—O que?-O encarei.

—O Doutor. Ele perdeu alguém e não faz muito tempo. Mandou que ficasse aqui, segura, por que teme perde-la também.

—Eu... Eu não sei. -Olhei para o Doutor, que estava apontando a chave de fenda sônica para a água.

—Seja quem for... Era importante para ele.

De repente Eduardo se jogou na água e sumiu. José gritou alguma coisa, se aproximando mais da beirada. Comecei a me aproximar, mas o Doutor fez um gesto para Pedro, e o homem me segurou.

—É o seu irmão!-Gritei. -Nós devíamos ajudá-lo!

—Não podemos fazer nada. Todos os que caem na água se vão.

—Então me deixe ir até lá impedir que o Doutor caia também!

Ergui a perna com força e chutei a canela de Pedro. Ele me soltou, gritando um palavrão.

Aproveitei que estava livre para correr até o Doutor. Ele estava agachado agora, a atenção toda na água.

—Eu mandei que ficasse lá. -Disse, sem se virar.

—Se elas só atraem os homens, eu estou segura.

—Isso não impede que elas te ataquem. Afaste-se.

—Doutor...

—Afaste-se!-Recuei, surpresa com o tom de voz, e fui me juntar a Pedro perto das árvores. Ele estava massageando a canela.

—Desculpe pelo chute.

—Eu irei me recuperar. -Se sentou num tronco caído.

—Sinto muito pelo seu irmão. -Assentiu. O Doutor se aproximou, agitado.

—Você pode fazer algo sobre as sereias?

—Posso mandá-las para casa. -Respondeu. -Mas primeiro preciso do que você roubou delas.

—Você roubou as sereias?-Perguntei. -Não bastava ter roubado os índios? Caramba, a corrupção começou cedo aqui.

—Kaliane. -Fingi passar um zíper na boca. -Elas disseram que vão devolver José e irão embora, se você devolver o que roubou.

—Meu irmão está vivo?-Pedro perguntou.

—Por enquanto. Isso só depende de você.

—Seja lá o que tenha roubado, não vale mais que a vida do seu irmão. -Afirmei. -Certo?-Assentiu, ficando de pé.

—A senhorita tem razão. -Afirmou. -Eu vou devolver.

Tirou um cordão que estava escondido pela roupa. Na ponta, uma pequena bolinha dourada, que parecia brilhar um pouco.

—O que é isso?-Perguntei. -Um mini Pomo de Ouro?

—É um ovo de sereia. -O Doutor respondeu, pegando-o com todo o cuidado do mundo.

—Achei que era de ouro. -Pedro confessou. -Por isso o peguei.

—É isso que acontece quando se sai por aí pegando o que não é seu. -Alfinetei. O Doutor me lançou um olhar repreensivo. -É mais forte que eu, desculpa.

Bom, pra resumir o que houve depois: o Doutor falou com as sereias canibais e devolveu o ovo pra elas. Ele disse que era pequeno, mas seu interior era como a TARDIS. Ou seja: maior por dentro do que por fora.

As sereias devolveram o pobre José, molhado e assustado, mas intacto. Depois, elas foram embora, voando pelos céus até sumir. Não pareciam exatamente com as sereias que a gente conhece: elas tinham a pele verde, um pouco mais claras que suas asas (que pareciam muito com asas de morcego). Não consegui vê-las de perto, mas José e Eduardo juraram que elas tinham dentes afiados e os olhos bem grandes. Yeah, as sereias canibais do espaço eram bem assustadoras.

Independente dos problemas, nós tivemos um final feliz.

—Agora entendi por que um dia insano é um dia normal pra você. -Comentei, entrando na TARDIS.

—E são sempre assim. Quanto mais eu tento ficar longe de confusão... Mais confusões aparecem. -Ri.

—Acho que posso me acostumar com isso.

—Mesmo? Você não acha perigoso demais?

—Viver é perigoso. Mas todos continuamos vivendo. Doutor... Pedro me disse uma coisa...

—Que ele está apaixonado por você? Parecia...

—Não. Não. Ele... Que? Ele não está apaixonado por mim.

—Ele perguntou se você não queria morar com ele.

—Não. Ele disse “aqui na aldeia”.

—É a mesma coisa. -Revirei os olhos.

—Não é nada disso. Ele... Disse que você parece ter perdido alguém recentemente. Isso aconteceu? De verdade? Você... Perdeu alguém?-Desviou o olhar, se concentrando nos controles.

—Estou sendo perdendo alguém. Bom, é melhor voltarmos para a boa e velha Joinville do século 21.

Essa mudança brusca de assunto foi bem óbvia. Era melhor não insistir. Talvez com o tempo, o Doutor confiasse em mim para se abrir sobre essa parte do seu passado. E eu estaria pronta para ouvi-lo e apoia-lo. Por que é isso o que amigos fazem.


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Notas finais do capítulo

Sabe esse lance do "Égua"? A gente fala muito isso aqui em Joinville kkkk
Uma coisa que não é dita na história: Kaliane é descendente do Pedro. É. Ele mesmo. Eu não achei um bom momento para contar isso na própria fanfic, mas queria que vocês soubessem.
Bem, no próximo capítulo teremos uma dica levemente discreta sobre a mega confusão que vem por aí.
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Bjs ♥



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