Match escrita por Mandy-Jam


Capítulo 1
Titanic, brioches e gongo


Notas iniciais do capítulo

Seja muito bem-vindo!

Fic novinha em folha, bem caprichada no humor, é o que o povo gosta, não é? Bem, é o que eu gosto, pelo menos.

Espero que você se divirta ao longo dos capítulos, e que tenha uma maravilhosa leitura.



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ATENA

 

Os nós de meus dedos bateram contra a porta de madeira esculpida.

Aguardei pacientemente na entrada, até que o deus das forjas abrisse. Não escancarou a porta, como se já me esperasse, mas abriu-a o suficiente para que eu pudesse ver seu rosto peludo.

Atena. — Disse com um tom de surpresa. Coçou a barba, como se não soubesse se me deixava entrar ou se me mandava embora — Que surpresa.

Eu vim falar com Afrodite. — Contei. Hesitante, ele balançou a cabeça.

Ela não está. — Declarou com a voz um pouco mais alta.

Hefesto, eu estou ouvindo o choro dela daqui. — Suspirei.

Vá embora! — Exclamou a voz da deusa de algum lugar dentro do templo — E leve a sua maldita pena com você!

Hefesto olhou para mim com seus olhos castanhos pedindo silenciosamente por minha ajuda. Ao ver que eu não me movi para ir embora, o deus abriu a porta deixando-me entrar. Gesticulou apressadamente, depois fechou a porta em suas costas.

Graças aos cabelos brancos de Zeus você está aqui. — Disse trêmulo, em um tom de voz baixo — Eu amo minha esposa, Atena. Sempre que ela está com Ares, eu desejo que esteja comigo. Só que quando ela realmente está comigo, eu não sei o que fazer. São muitas emoções, são muitos sentimentos. Eu não sei lidar com isso.

Muito menos eu, pensei de volta.

Eu devia ter previsto que ela ia fazer algo assim quando reuniu todos nós. É claro que não poderia acabar bem. Que tipo de marido eu sou? — Murmurou mais para si mesmo do que para mim, enquanto seguia o caminho pelo corredor.

Afrodite, há algumas horas, tinha reunido todos os olimpianos para contar sua nova e brilhante ideia. A deusa do amor declarara guerra contra o Tinder, aplicativo de namoro usado pelos mortais, pois julgava que aquilo estava sujando o nome do amor.

Corações partidos demais e pouco sucesso, eram esses os argumentos dela, embora estivesse mais do que claro que Afrodite invejava o mortal que criara esse aplicativo, querendo ela mesma ter tido a ideia antes.

Declarou que criara um sistema próprio, uma experiência que reacenderia o amor nos corações das pessoas e traria de volta a esperança em um bom romance. Produziu panfletos, fez um discurso, mas no final, nem mesmo seu sorriso e sua simpatia foi suficiente para convencer os olimpianos a participarem servindo de cobaia para testar sua proposta.

Querida? — Chamou Hefesto abrindo a porta.

Afrodite estava deitada como uma princesa desolada. Na cama, caixas com joias, ouro, pérolas e lenços de papel a cercavam. Obviamente, Hefesto tentara de tudo para fazê-la sentir-se melhor, e de nada adiantou.

Eu mandei você ir embora. — Repetiu ela, a voz trêmula de raiva e choro.

Não me tente muito, Afrodite.

Querida, Atena está aqui para te fazer sentir melhor. — Era nisso que Hefesto queria acreditar, eu podia sentir. O deus tinha minha presença ali como uma esperança de que eu pudesse magicamente cessar o choro interminável de sua esposa.

Afrodite gesticulou debilmente com a mão, como se não tivesse força nem ânimo para mantê-la erguida. Estava deitada e barriga para cima, seus olhos fechados e sua outra mão repousada sobre sua testa.

Apolo adoraria essa cena, pensei. Tão dramática e teatral.

De que Atena pode me ajudar? — Falou em um tom melancólico — O que está feito, está feito.

Eu vou participar. — Declarei sem paciência para prolongar aquela novela. Afrodite congelou, como se não tivesse ouvido muito bem, ou como se não tivesse certeza do que ouvira. Quando entendeu minhas palavras, ergueu seu tronco lentamente, como uma vampira, e ficou sentada.

Virou-se na cama para poder olhar para mim, fazendo as joias caírem pelo colchão.

Como disse?

Eu vim aqui para te dizer que eu vou participar do seu sistema de encontros. — Repeti para que ela entendesse cada palavra. Os olhos de Afrodite se arregalaram para mim, como se nunca tivessem me visto antes — Eu sei que pode estar surpresa-

Eu estou. — Concordou, me cortando — Ártemis foi a primeira a sair da sala quando contei da minha ideia. Disse que eu estava desperdiçando seu tempo, e que eu nunca mais a chamasse novamente. E você, bem, você é uma deusa casta também. Por que está fazendo isso?

Respirei fundo.

Afrodite, eu tento sempre te aconselhar quando você surge com uma ideia nova. — Falei fitando-a com paciência — Eu disse que o Titanic não deveria zarpar.

Mas era um navio lindo! — Exasperou-se — E rendeu um maravilhoso filme!

Quase duas mil pessoas morreram. — Rebati.

Argh. — Desviou o rosto.

Eu te disse que não era para incentivar a elite francesa a gastar tanto com festas e futilidades em uma época economicamente instável. — Continuei.

Como eu ia saber que alguns brioches iam desencadear uma revolução sangrenta? — Replicou chocada. Abri a boca para responder, mas ela ergueu a mão — Pare, Atena! Maria Antonieta era uma grande amiga e esse ainda é um assunto delicado.

Meu ponto é… — Prossegui devagar — Inúmeras vezes eu vim com conselhos razoáveis e lógicos para te ajudar, e você me ignorou para seguir o que o seu coração manda. Dessa vez, eu estou aqui para te ajudar a fazer diferente.

Participando do meu sistema? — Disse erguendo as sobrancelhas para mim — Ainda não entendo.

Eu sei como é ter uma ideia ridicularizada na frente de todos os nossos familiares. Já passei por isso, e não sinto o mínimo de prazer em ver uma amiga passar pelo mesmo. — Falei verdadeiramente comovida — Eu vou participar, e você vai anunciar isso aos quatro ventos. Conte para todos que a deusa virgem da guerra vai estar disponível por uma noite, e unicamente para o seu sistema de encontros.

O queixo de Afrodite despencou.

Os homens vão a loucura. — Entendeu por fim.

Sim. — Confirmei com a cabeça — Mas a parte mais importante, Afrodite, é que eu não vou fazer nada, entendeu? Vou me vestir bem, e estar presente. Só.

Isso já vai ser o suficiente! — Gritou feliz e se jogou no colchão, esticando as pernas para o alto e balançando-as enquanto berrava de alegria como uma adolescente — Vai ser um sucesso! Ah, Atena, vai ser um sucesso!

Pulou da cama e correu até mim. Antes que eu pudesse desviar, envolveu-me em seus braços macios, dando-me um abraço apertado.

Eu estou tão feliz por poder contar com você!

Deuses, espero não me arrepender disso.

 

xxx

 

Afrodite desenvolvera um programa de encontros que consistia em diversas etapas. Não me senti interessada em ouvir sobre todas, apenas a primeira a qual eu participaria.

Na primeira noite, todos os candidatos a encontrar o seu novo amor se reuniriam em um restaurante sofisticado escolhido pela deusa do amor. As mulheres sentariam cada uma em uma mesa fixa, enquanto os homens sentariam a sua frente. De tempos em tempos, todos os homens trocariam de mesa e passariam para a próxima, assim todos se conheceriam.

No final, Afrodite declararia qual seriam as melhores combinações para que então os pares recém-formados seguissem para as próximas etapas.

Sentei-me à mesa então, trajando um vestido preto com elegante corte em V nas costas. Sorri com gentileza para cada homem que sentou a minha frente, ignorando os olhares maliciosos que por vez ou outra eram dirigidos a mim.

Depois de dois homens, uma mulher sentou na minha frente. Sorri para ela, dessa vez com genuína simpatia e conversamos sobre seus interesses. Não deixei que a conversa se focasse em mim, e sim em meus correspondentes. Eram semideuses, ninfas e deuses menores, mas nunca mortais.

Foi um prazer conhecê-la, Lady Atena. — Sorriu a jovem na minha frente.

Digo o mesmo, Elizabeth. — Respondi, cordial.

Espero que ela nos junte para a próxima etapa. — Suspirou encantada, mas eu só lhe respondi com um aceno de cabeça.

Acompanhei-a com os olhos enquanto se afastava, e me perguntei porque uma jovem tão interessante estava fazendo ali correndo atrás de uma companheira. De certo, não devia ser difícil para que ela arrumasse um bom par.

Ah, deuses.

É um prazer te conhe-

A frase padrão que eu usara para todos os homens e mulheres que se sentaram na minha frente não se aplicava a meu novo companheiro. Em pé, segurando a cadeira com seus dedos brutos de marinheiro, estava Poseidon.

Ah, deuses. — Repetiu ele, como se suas palavras fossem suavizar a situação.

Olhei em volta, tentando buscar uma resposta para a presença dele, mas a única que existia era que Poseidon tinha se interessado o suficiente no programa de encontros de Afrodite para se inscrever.

Sente-se. — Disse sem fitá-lo. O deus dos mares se sentou devagar, e tão logo o fez, começou a olhar em volta, inquieto.

O que você está fazendo aqui? — Perguntou ele, nada contente.

Minha presença é uma surpresa para você? — Respondi com uma pergunta, pois sabia que ele odiava isso. Poseidon olhou para mim e estreitou os olhos — Afrodite anunciou que eu estaria aqui. Foi por isso que você veio?

Ele riu seco.

Você acha que eu vim aqui para ver você? — Perguntou incrédulo — Sua autoestima é louvável.

O que está fazendo aqui? — Repeti a pergunta, com seriedade.

Eu perguntei primeiro.

Estou aqui ajudando Afrodite. — Respondi inclinando-me para frente, e diminuindo meu tom de voz para que ninguém mais escutasse — Coisa que você não está fazendo. Se veio aqui para atrapalhar, peço que se retire educadamente.

Atrapalhar? — Repeti e bufou. Inclinou-se para frente e apontou para si mesmo com o dedo — Eu estou aqui ajudando Afrodite.

Não, não está. — Não acreditei em suas palavras — Como se atreve a vir até aqui com falsas intenções, sentar-se a minha frente e fingir se importar com Afrodite?

Ah, claro. Isso é tão você. — Disse assentindo com a cabeça, enquanto analisava meu rosto — Só você para tentar me fazer sentir mal, por fazer uma boa ação.

Boa ação? Não me faça rir.

E desde quando você ri? — Replicou. Mantive-me firme em um olhar penetrante, e Poseidon suspirou pesadamente — Olha, eu não me interesso por toda essa loucura que ela inventou, mas eu não aguento ver uma mulher chorando.

Aquela informação me pegou de surpresa, mas não deixei meu semblante mudar.

Você viu, estava lá também. Ela foi na frente de todos nós, segurando aqueles panfletos e falando sobre reacender a chama nos corpos-

Nos corações.

Nos corações dos mortais e blá blá blá. — Prosseguiu ele — Depois todos saíram e ignoraram-na como se nunca estivesse lá para começo de história, e os olhos dela se encheram de lágrimas. Foi como ver um cãozinho ser abandonado no meio de uma estrada, é de partir o coração.

Ele olhou para mim, descendo os olhos para meus seios e depois para meu rosto.

Mas acho que só dá para entender se você tem um coração.

Como se atreve a dizer isso? Eu fui a única que aceitei vir até aqui e dar apoio para Afrodite. — Respondi ofendida — Não que você seja um juiz para julgar quem tem ou não coração, de qualquer forma. Sua história não me ilude, Poseidon.

Poseidon pegou a taça de vinho na sua frente e tomou um grande gole.

E qual é a sua história? — Perguntou com incomodo — Pode me explicar porque eu estou sentado na sua frente nessa adorável noite?

Eu já te falei, não ouviu? Vim até aqui para ajudar Afrodite. — Repeti com um tom cansado — Se eu viesse e ela anunciasse isso, mais pessoas iriam querer vir também.

Poseidon estava prestes a tomar outro gole, quando se interrompeu prendendo o riso. Recuou a taça para não causar um estrago na toalha de mesa branca, e olhou para mim com divertimento.

Espere, você acha que esse salão está cheio por causa de você? — Perguntou quase rindo sozinho novamente. Tive que contar até dez para não perder o controle e chutá-lo.

Esse era o nosso plano, e funcionou. — Declarei dando um sorriso curto.

Que tipo de delírio é esse? Você acha que todos esses homens e mulheres vieram porque você estaria aqui? — Perguntou ainda sem acreditar. Chegou para frente e me chamou com a mão, convidando-me a me aproximar também — Deixa eu te explicar. Essas mulheres, todas elas Atena, estão aqui por minha causa. Na última mesa em que sentei, a jovem na minha frente quase desmaiou. E esses homens, que você acha que estão aqui por você, eles vieram porque sabiam que esse lugar estaria cheio de mulheres devido a minha presença.

Ergui as sobrancelhas, impressionada.

Eu não fazia ideia do quão grande era seu ego. — Disse maravilhada — Fico feliz de finalmente entender sua imensidão.

Diga o que quiser, mas essa é a verdade. — Falou.

Não vou contrariar você. — Declarei recuando e esticando as costas na cadeira — Não vou nem mesmo falar com você. Vou fingir que você não está aqui, e apreciar meu vinho.

Você chegou a achar que eu vim aqui por causa de você. — Disse rindo sozinho, e tomando mais um gole do vinho.

Se não parar de rir enquanto bebe, vai se engasgar. — Alertei — Não que eu me importe, é claro.

A sua presença é uma piada, e eu ainda tenho senso de humor. Então sim, vou rir. — Insistiu ele e soltou uma gargalhada escandalosa e constrangedor, socando a mesa e fazendo os talheres tilintarem. Segurei minha taça antes que fosse derrubada e olhei para meu rival com impaciência.

Qual é o seu problema?

Meu problema é que esse é o pior encontro que eu tenho desde que posso me lembrar. — Respondeu e bebeu mais vinho — E meu problema também é que esse maldito gongo não toca logo para que me livrar de você. O tempo passou rápido demais quando eu estava com a garota ruiva de seios fartos, mas nessa mesa ele se arrasta.

Você acha que eu queria estar sentada na sua frente? — Repliquei com igual desprezo — Preferiria ter que lidar com qualquer dos outros homens, mesmo os mais atrevidos. Mas concordo com você, esse é o pior encontro que eu já tive.

E que Hades você entende de encontros? — Respondeu com a voz mais alta, por estar sendo ofendido.

O suficiente para saber que não é uma atividade para homens casados. — Respondi amarga.

Para seu governo, meu casamento é tão sério quanto o de Hefesto e Afrodite. — Respondeu com irritação — E até onde eu me lembro, você é virgem!

O que isso tem a ver?

Bem, era para ser virgem. — Insistiu com uma pontada de maldade — Mas agora que vejo quais são seus passatempos, talvez eu estivesse enganado a seu respeito por vários éons.

A discussão não só se prolongou, quanto foi crescendo. Nossas vozes, antes baixas e controladas para não chamar atenção, agora ecoavam pelo restaurante atraindo os olhares espantados de todos os outros casais.

Já chega! — Exclamei furiosa, levantando-me de prontidão. Poseidon preparou-se para se erguer também, apoiando as duas mãos na mesa, mas aguardou para ouvir o que eu diria — Eu não vou passar mais nenhum segundo da minha noite-!

Percebi o silêncio chocante que nos cercava. Corri os olhos pelo lugar e vi nos rostos dos outros casais o quanto nossa briga estava impactando o programa de encontros. Era evidente na expressão deles que a ideia que passava em suas mentes era a de que, se nem mesmo dois olimpianos conseguem encontrar um pingo de amor um no outro, não havia chance para mais ninguém.

Encontrei Afrodite rapidamente, fitando nós dois com uma expressão de choque. Todo seu plano estaria acabado assim que eu concluísse minha frase e fosse embora.

—… longe de você! — Completei voltando meu rosto para o de Poseidon. O deus estranhou a frase de primeira, mas ao olhar em volta percebeu o que eu estava fazendo — Nossas desavenças terminam nessa noite, graças a esse incrível programa. Isso, é claro, se você estiver sentindo o mesmo que eu.

Levantou-se lentamente, pensando se era possível sair correndo sem piorar as coisas. Quando constatou que não — que era o centro das atenções —, ajeitou os ombros da camisa polo e sorriu forçado para mim.

Era tudo que eu mais queria ouvir. — Declarou — Acho que essa foi a noite mais incrível de toda a minha vida, e nós dois vamos ter algo especial, com certeza.

 

 


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Notas finais do capítulo

Espero pelos reviews de estréia!

Vejo vocês na semana que vem.



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