Amem escrita por Liz Setório
Notas iniciais do capítulo
Boa leitura!
— Não, apesar de tudo eu continuo nessa vida. Afinal, foi Deus que me chamou pro lado Dele.
Estabeleceu-se um momento de silêncio entre nós, mas foi rapidamente preenchido por Michele.
— Como é a vida de padre? O que o senhor faz o dia todo? — interrogou com uma curiosidade aparente.
Por que era comum as pessoas pensarem que a vida dos padres era cheia de mistérios? A vida sacerdotal era comum, obviamente, excluía os divertimentos mundanos. Entretanto, não tinha nada de especial.
— É uma vida normal. Faço algumas orações, assisto TV, leio a Bíblia…
— Se eu fosse homem não seria padre — falou com um leve riso no rosto.
— Por quê? — indaguei curioso.
— É uma vida muito calma. Eu gosto é de emoção.
A frase de minha sobrinha rapidamente fez com que houvesse um julgamento mental. Questionei-me se o tipo de emoção apreciada por ela era engravidar de um qualquer. Reprimi rapidamente esse pensamento, eu não estava em condições de julgar ninguém. O estimado padre Paulo era um homossexual que vivia agarrado com outro padre. Meu Deus eu era uma vergonha, uma aberração...
— A minha emoção agora vai ser começar a preparar o almoço.
— Posso ajudar? — indagou voluntariosa.
— Claro.
Cozinhar com Michele foi muito legal. Nós nos demos super bem. Não sei nem de onde tirei tanto assunto com aquela garota, que a princípio parecia ser a rebeldia em pessoa.
Um pouco antes do meio dia, a nossa macarronada ficou pronta e como estávamos morrendo de fome, fomos logo comer.
O almoço foi tranquilo, a atribulação estava guardada para a sobremesa. Enquanto eu lavava os pratos pude ouvir a campainha tocar, pedi a Michele para atender e de dentro da cozinha pude reconhecer a voz da visita, era Miguel. O que aquele homem poderia querer comigo?
Dirigi-me para a sala e fui recebê-lo.
— Boa tarde, padre. Como vai o senhor?
— Vou bem. Hoje fiz um pouco de mousse de maracujá e como sei que gosta tanto, vim trazer um pouco para o senhor.
— Muito obrigado é muito gentil da sua parte.
— De nada.
Miguel deveria pensar que eu era bobo. Aquela visita não tinha apenas o propósito de me levar um pouco de mousse. A presença de Miguel ali também possuía um caráter pecaminoso, provavelmente ele tentaria me fazer cair em tentação. No entanto, felizmente a minha sobrinha estava ali, nenhum pecado ocorreria naquela casa.
— Ah, deixe eu lhe apresentar a Michele, minha sobrinha, ela vai passar uns tempos aqui, veio para estudar.
Michele que estava sentada no sofá, deu um aceno na direção de Miguel e ele o retribuiu.
— Ela pediu a benção e se apresentou ao abrir a porta. Ela e o Lucas poderiam estudar juntos.
— Sim, seria uma boa ideia.
Miguel e eu fomos para o sofá, nos juntando a Michele e enquanto conversávamos sobre o cursinho que o Lucas estava fazendo, nós comíamos o mousse.
— Não tá caro não. Eu vou falar com sua mãe. Pelo menos você já vai ter alguém pra ir junto.
— Sim, tio vai ser bom. Espero decidir logo o que eu quero estudar.
— Tenha fé, tudo acontece no tempo de Deus — aconselhou Miguel.
Depois de um tempo Miguel se despediu, disse estar com pressa e com muitas obrigações para fazer.
Ofereci-me para acompanhá-lo até em casa. Ele não morava muito longe dali.
Já na rua, questionei:
— Você não foi lá em casa só pra levar o mousse, né?
— Não — respondeu rapidamente — Fui para beijar os seus doces lábios também — completou num tom de voz mais baixo.
— Eu sinto saudades do padre Miguel que não era um pecador — rebati num tom de voz julgador.
— E eu espero que um dia o padre Paulo pare de reprimir os seus desejos.
Fiquei em silêncio e o encarei. Miguel tinha um rosto tentadoramente bonito e uma boca carnuda que eu desejava junto a minha.
Por que o pecado me chamava com tanta insistência? Por que era tão difícil permanecer nos caminhos de Deus?
— O gato comeu sua língua, bonitão?
— Não — respondi em tom sério.
Caminhamos calados por alguns instantes, até finalmente chegarmos à casa de Miguel. Ele morava numa rua onde circulavam poucas pessoas e naquele momento só havia nós dois ali.
Quando eu fui me despedir, Miguel aproximou-se de mim e tentou roubar um beijo, porém eu resisti e virei o rosto.
Acariciando a minha face ele perguntou:
— Por que tanta resistência?
— Eu não quero ir pro inferno — respondi num tom de voz baixo.
Aquela fala havia sido mais para mim do que para Miguel. Ele não temia o fogo eterno, mas eu sim. Ah, e como temia. Só de pensar em passar toda a minha eternidade no inferno, uma leve vontade de urinar se apresentava.
Afastei-me um pouco dele, todavia Miguel me puxou pelo braço.
— Nem um selinho? — perguntou segurando o meu braço com uma certa força.
Olhei para ele e um riso espontâneo brotou na minha face. Eu estava em conflito. A cabeça dizia uma coisa e o coração outra. O que fazer? Agir por impulso?
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