A Queda escrita por sandsphinx


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Depois de séculos, finalmente uma atualização!
Espero que gostem, meus amores ♥



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Outono, 7887 DC

O dia amanhecera cinzento e uma neblina fria pesava sobre Kuasta. Era estranho, Brom pensava, sentado à mesa com as costas muito retas e as mãos dobradas sobre o colo, que um acontecimento daquela importância não merecesse raios de sol. Nas iluminuras de seus pais, os detalhes dourados eram vitais para quaisquer triunfos, mas aparentemente não na realidade – que o dia talvez não terminasse como ele queria, no entanto, era algo que Brom evitava considerar.

Ele mordeu o lábio, esperando impacientemente enquanto sua mãe fervia o chá e preparava o bacon e os biscoitos. Nelda cantarolava em voz baixa enquanto trabalhava, os cabelos castanhos claros trançados e protegidos por um lenço, e estendeu ao filho um prato com mel e aveia. Brom precisou ficar na ponta dos pés sobre o banquinho para depositar a oferenda na janela, balançando um pouco, e fechou os olhos por um instante em respeito antes de perguntar, “Não vamos nos atrasar?”

Nelda riu. “Não.” Ela pôs os pratos sobre a mesa. “Agora coma seu desjejum e vá se arrumar.”

Brom se sentou mais uma vez, as pernas balançando. “Se não estamos atrasados, podemos esperar pelo pai?”

Sua mãe estava de costas novamente, enchendo canecas de chá. “Sabe que seu pai não pode ir.”

“Mas é importante,” ele insistiu.

“Mais importante que Lorde Hector?” Nelda se virou, a voz afiada. Seus olhos azuis fingiam ser duros ao inspecioná-lo de cima a baixo. “É esse seu melhor eu?”

“Não, mãe.” Brom sacudiu a cabeça, ajeitando mais uma vez a postura. “Me desculpe.”

“Bom.” Nelda sorriu. “Coma, não temos tanto tempo assim.”

Eles chegariam cedo, como em todos os compromissos. Fosse em festas de famílias ou encontros com nobres, Brom aprendera desde cedo que era melhor esperar do que deixar os outros esperando. Terminou seu prato de aveia com calma, mas mais rápido do que o normal, e se esgueirou para seu quarto para se vestir. Sua mãe havia separado suas melhores roupas na noite anterior; uma túnica azul que destacaria seus olhos, calças escuras, botas de couro.

Perdeu alguns instantes pondo o cinto, e alisou o tecido de sua túnica com as mãos. Estaria apresentável, sem dúvidas, e era bom não ter que se preocupar tanto com sua aparência. Se parecia com sua mãe, com olhos azuis e cabelos claros fáceis de domar, e o nariz curvo que herdara de seu pai não chamava tanta atenção quando poderia; ele ficaria mais evidente, todos lhe prometiam, conforme Brom crescesse.

Sua mãe o encontrou alguns minutos mais tarde, sentado no sofá da sala e acariciando sua gata branca enquanto esperava. Nelda estava usando um vestido cinza, simples e elegante, e seu colar de ouro e safiras – sua posse mais valiosa – adornava seu pescoço. Ela acenou para que Brom se levantasse, e perdeu mais alguns instantes ajeitando suas roupas e recolhendo um ou outro pelo de gato que ele já conseguira prender em sua túnica.

“Você não deveria ter sentado,” ela repreendeu.

Brom encolheu os ombros, sem realmente se arrepender. “Eu queria me despedir de Misty,” explicou. “Não iriam me deixar trazer ela para a capital, não é?”

Se você for escolhido,” Nelda frisou a incerteza, “eu acredito que não. Eles não teriam tempo de cuidar de você e de seu gato, afinal.”

“Misty sabe cuidar de si mesma,” Brom protestou. “E acho que existem vários gatos em Ilirea, soltos pelas ruas.”

“E correndo o risco de virarem comida de dragão,” Nelda terminou. “Misty está mais segura aqui, não acha?”

Brom entreabriu os lábios em horror. “Mas dragões não comem gatos!”

“Não? Como você sabe?”

“Se um dragão nascer pra mim,” ele insistiu, “ele não vai ser do tipo que come gatos.”

Sua mãe riu. “Se você diz. Está pronto?”

Brom respirou fundo uma última vez, ajeitou sua postura, e ergueu o queixo. “Sim,” respondeu, decidido. Mas seu coração batia com força contra seu peito quando aceitou que Nelda o puxasse pela mão pelas ruas sinuosas de Kuasta, caminhando rápido em direção ao grande castelo de pedras cinzentas que se impunha a oeste da cidade, se erguendo alto sobre uma colina. Mais atrás, a Espinha protegia a cidade e os campos que a cercavam.

Ele já visitara o castelo antes – seus pais faziam belíssimas iluminuras, e nobres e ricos mercadores eram seus clientes usuais – mas apenas como acompanhante. Aquele dia seria apenas seu, no entanto, e as possibilidades que ele trazia eram imensuráveis. Se ele fosse escolhido, seria levado para a capital para treinar com os Cavaleiros. Se não... Brom preferia não pensar naquilo. Não seria sua falha, exatamente, pois sua mãe lhe explicara que dragões escolhiam seus Cavaleiros apenas por afinidade, mas sabia que estaria desapontando seus pais e a si mesmo.

Sua mãe conseguiu passagem pelos grandes portões de madeira sem maiores dificuldades, já que os guardas já a conheciam. Ela o guiou para um pátio lateral, e Brom arregalou os olhos ao ver o dragão deitado sobre o chão de pedras – ele era tão grade, com escamas que marrons quando mais escuras e de um tom leve de laranja quando claras, e olhos amarelados que seguiam os movimentos de todos que passavam ao seu redor.

Não era o primeiro dragão que Brom via – os Cavaleiros estavam sempre voando entre as cidades, preocupados com milhares de coisas, e havia dragões selvagens nas florestas da Espinha que frequentemente comiam o gado e as ovelhas dos camponeses – mas ele nunca estivera tão perto de um. Quando os olhos dourados e inteligentes o encontraram, Brom se surpreendeu ao não se assustar. Sentia, na verdade, um fascínio indescritível.

O dragão piscou uma vez, lentamente, como se lhe dissesse alguma coisa, mas Nelda não prestava atenção na fera e, apressada, apenas puxou o filho para o corredor aberto mais a frente onde diversas crianças se sentavam em bancos alinhados diante da parede. Brom tomou seu lugar na fila, resignado a esperar sua vez, e desejou ter um livro com que pudesse se distrair. Seu coração batia rápido, e ele se forçou a prestar atenção em sua respiração.

Viu uma garota de sua idade sair chorosa do cômodo ao lado, e os guardas na porta apressaram a próxima criança a entrar, um menino de cabelos escuros e olhos cinzentos. Ele saiu não muito depois, desapontado, assim como todos os outros que tentaram depois dele. Quando Brom finalmente se sentou na cadeira ao lado da porta, tinha dificuldades em manter sua esperança. Se todas as outras crianças não eram boas o suficiente, por que ele seria? Ele não era particularmente esperto, ou forte, ou habilidoso, ou interessante. Brom só tentava o seu melhor, e temia que isso não fosse o bastante.

Se levantou, hesitante, quando o guarda fez um sinal para que ele tomasse o lugar de uma menina ruiva que saía para o corredor secando suas lágrimas. Nelda fechou uma mão sobre seu ombro como se lhe garantisse que tudo daria certo, e os dois entraram juntos na sala escura.

Ou não tão escura, ele se corrigiu, à medida que seus olhos se acostumavam ao ambiente, mas com certeza fria. Tochas alinhavam as paredes de pedra, banhando o cômodo em uma luz quente e instável. No centro da sala, sobre uma mesa baixa, estava um baú fechado, e, diante dele, um homem.

Ele era alto, e Brom precisou erguer o rosto para encará-lo. Tinha cabelos compridos e prateados, tingidos de dourado pelo fogo das tochas, e orelhas pontudas e olhos amendoados. Um elfo, Brom percebeu, maravilhado, e deu um passo para trás, incerto, quando o elfo se aproximou e se ajoelhou diante dele.

“Me chamo Vídair,” ele disse, seus olhos cinzentos fixos nos olhos azuis de Brom. “E sou o Cavaleiro responsável por viajar com os ovos, a procura das pessoas para quem eles vão nascer. Qual o seu nome?”

Ele hesitou apenas um instante, nervoso. “Brom,” respondeu, a voz fraca. “Aquele dragão lá fora é seu?”

“Ele é o companheiro de minha vida, sim,” o elfo respondeu com facilidade. “Brom, preciso que me escute com atenção. O que você está prestes a tentar é algo que não terá como desfazer, caso dê certo. Se um dragão nascer para você, você será levado para Ilirea para ser treinado por um de nossos mestres, e, quando crescer e seu treinamento acabar, terá responsabilidades e deveres como todos em nossa ordem. Uma vez que um dragão nasce para alguém, os dois estarão ligados pelo resto de suas vidas, parceiros de mente e alma.”

Brom assentiu, solene. “Eu entendo.”

“Entenda também que um Cavaleiro vive uma vida muito maior do que a de humanos normais, o que significa que você acabaria por deixar para trás todos que conhece e ama.”

“Eu entendo,” ele disse mais uma vez, embora tivesse menos certeza sobre essa parte.

Vídair olhou fundo em seus olhos por mais alguns instantes, como se para ter certeza de que ele realmente entendia, e se pôs de pé. Voltou a atenção para Nelda. “E você, senhora, como mãe e guardiã dele, entende e concorda com nossos termos?”

“Sim.”

O elfo assentiu, e andou até a mesa baixa e o baú. “Quando estiver pronto,” disse, “se aproxime.”

Brom se voltou para sua mãe, em busca de algum conforto, e Nelda lhe ofereceu um sorriso apertado. “Lembre-se,” disse baixinho, “seja o seu melhor eu.”

“Meu melhor eu,” Brom repetiu. “Vou tentar, mãe. Eu prometo.”

Ele se aproximou do elfo em passos hesitantes, e prendeu a respiração quando ele abriu o baú. Os ovos eram cinco, e brilhavam como pedras preciosas recortadas por veias brancas, e ele nunca vira algo tão bonito em sua vida. Demorou um pouco para conseguir falar.

“O que preciso fazer?” perguntou, a voz fraca.

Vídair sorriu, o tranquilizando. “É só tocar um ovo, e permanecer com ele por um minuto ou dois. Se o dragão escolher você, ele nascerá.”

Brom franziu a testa. “Simples assim?”

“Simples assim.”

Ele levou uma mão ao primeiro, marrom e um tanto opaco, mas não o tocou. “Por que nenhum dos outros foi escolhido?” perguntou, se referindo às crianças que tentaram antes dele. “Não era bons o bastante?”

“Não é sobre valor,” o elfo explicou, muito calmo. “O dragão dentro do ovo precisa se identificar com sua personalidade, sua mente. Ele só nascerá para quem considerar compatível com ele.”

Brom acenou com a cabeça, indicando que entendia. Ou achava que sim, pelo menos. Tocou o ovo, sentindo o coração bater forte, e esperou, e esperou. Nada aconteceu, e o elfo fez um sinal para que ele continuasse para o próximo, de um tom vibrante de roxo. O próximo, preto com veias vermelhas como sangue.

O quarto era azul como as safiras do colar de sua mãe, e muito escuro. As veias que cortavam sua superfície eram de um tom muito claro de dourado e davam ao ovo a aparência de algo surreal, saído talvez de um sonho. Brom o tocou com as pontas dos dedos, e a superfície lisa estava surpreendentemente quente contra sua pele. Meu melhor eu, disse a si mesmo, nem mesmo em uma última esperança de ser escolhido; precisaria ser forte para aguentar a decepção.

Sentiu o ovo estremecer sob sua mão, tão suave que achou ter imaginado. Franziu um pouco as sobrancelhas, e deu um passo assustado para trás quando ele mexeu mais uma vez. Ergueu os olhos para Vídair, mas o elfo só sorria.

Um barulho sufocado encheu a sala, como algo duro batendo contra a casca do ovo. E Brom assistiu, maravilhado e sem acreditar, a primeira rachadura aparecer sobre a superfície azul.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Nos vemos nos comentários.
beijinhos ♥



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