Meu Anjo da Guarda escrita por Milady Sara


Capítulo 3
Por favor, não




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Hannah colocou seus sapatos azuis e cuidadosamente fez os laços mais bonitos que conseguia. Satisfeita com seu trabalho, pulou da cama e pôs sua mochila nas costas. Desceu devagar as escadas, como se alguém pudesse surpreendê-la, mesmo sabendo que seus pais já haviam saído, não custava nada ter certeza. Pegando sua lancheira no balcão, a sacudiu levemente para ter certeza de que sua mãe não havia esquecido de fazer seu lanche de novo e logo saiu para a escola.

A manhã estava bonita e hoje ela havia escolhido usar uma tiara ao invés de sua presilha de coelho. Porém, estava um pouco triste, esta noite seu anjo não viria então ela teria que ficar sozinha em casa até sua mãe chegar. Talvez pudesse assistir um pouco de televisão se conseguisse a coragem necessária para isso. Mesmo sabendo que seu pai não estava lá, ela tinha medo de mexer no aparelho e ele subitamente aparecer por trás do sofá e lhe dar uma bronca.

Chegando à escola, a pequena não percebeu, mas foi observada atentamente pelo porteiro, sua professora e qualquer outro funcionário que tivesse sido instruído a ficar de olho nela, em Cameron, Tobias e mais seis crianças que Amanda tinha considerado que tinham uma situação preocupante.

Mais cedo naquela manhã, Amanda havia reunido alguns funcionários e lhes falado dos alunos que precisariam de atenção. Para aqueles que não os conheciam, ela lhes enviou fotos das crianças e os que conheciam fez um breve interrogatório. As crianças deveriam ser observadas atentamente agora que ela havia identificado os lares com problemas, fora isso, sem provas reais de esses lares serem realmente prejudiciais, ela estava juntando dados com as autoridades da cidade, ou mesmo conhecidos dos pais, para tentar fazer um bom relatório do que estava se passando e depois... Bom, o depois era a parte complicada, mas ela não queria se preocupar antecipadamente.

Enquanto ela digitava em seu computador um dos relatórios iniciais, recebeu um e-mail de Todd. Assim como ela, ele nunca havia deixado a pequena cidade a não ser para férias e faculdade. Agora ambos se esforçavam para torná-la um lugar melhor, ela como orientadora, ele como policial. Na verdade ele já era o xerife, o que era impressionante considerando o pouco tempo de serviço.

De qualquer modo, ele lhe enviara tudo o que encontrara referente às crianças em questão e seus pais. E tudo o que ele encontrara eram muitos arquivos em um drive, isso sem ele ter consultado nenhum hospital ou clínica próximo aind. Suspirando, Amanda fez um firme coque com seus cabelos e começou a ler tudo aquilo.

Logo percebeu que acabaria convidando Maria para mais uma garrafa de vinho aquela noite.

~*~

Já de noite, em sua humilde casa, Rachel sondava cada canto em busca de roupas sujas. Ela adoraria dizer que eram roupas de Hannah ou de Ben, mas os dois eram até metódicos sobre onde colocar suas roupas sujas. Sua filha as deixava em seu cesto de roupas sujas em seu quarto e Ben costumava já deixa-las na lavanderia quando não as deixava no sofá. Não, a bagunceira era ela. Peças pequenas eram um problema, especialmente meias.

Pensando ter encontrado tudo o que poderia, colocou suas roupas por cima do ombro e pegou o cesto de roupa suja de Hannah. Descendo a escada, viu que a pequena balançava os pezinhos enquanto fazia seu dever de casa na mesa da cozinha enquanto seu marido, com uma bela coleção de garrafas de destilados dos mais variados que havia conseguido com desconto sabe-se-lá-com-quem, assistia televisão e dava curtas risadas.

Rachel fez um carinho na cabeça da filha quando passou por ela na cozinha e foi até o jardim, onde estavam o tanque e a máquina de lavar. Suspirando, olhou para aquela montanha de roupas. Sua primeira tarefa: separar roupas íntimas, brancas, coloridas e jeans. Dessa vez, talvez ela conseguisse terminar sem ser interrompida, afinal, esta noite Ben estava de bom humor.

~*~

Hannah já estava quase terminando seu dever. Caligrafia era fácil, embora ela não visse utilidade. Podia ouvir sua mãe ligando a máquina de lavar e seu pai dando risadas, tudo inesperadamente tranquilo. Ela até mesmo havia conseguido assistir alguns desenhos antes de sua mãe chegar. Mesmo sem seu anjo, o dia parecia ter ido bem.

Então seu pai deu uma gargalhada, alta, escandalosamente alta, que a assustou. Automaticamente, ela se virou para olhá-lo por cima de seu ombro. Com várias garrafas cheias e vazias ao redor de seus pés no sofá, ele ria com outra na mão, bebeu um gole, mas outra piada logo foi dita e ele cuspiu tudo que havia colocado na boca, gargalhando ruidosamente outra vez.

Ele arfou enquanto parava de rir e seu olhar encontrou com o dela. Foi apenas por um breve segundo, mas foi o suficiente para seus pequeninos olhos se arregalarem e seu coraçãozinho bater muito rápido. Ela desviou o olhar tão logo eles se encontraram e voltou sua atenção para seu dever. Quando antes terminasse de desenhar aquelas infinitas letrinhas, poderia dizer boa noite para sua mãe, escovar seus dentes e ir dormir. Nada de mais aconteceria, estava tudo bem, esse dia era bom, nada de mal tinha...

— Ei garota. – essa não. – Ei. – por favor, por favor, não... – Garota. - a voz perigosamente perto dela, na verdade, bem às suas costas, repetiu. Ele tinha um tom duro e falava levemente arrastado. – Olha pro seu pai quando ele falar com você. – tudo bem, ele estava calmo. Não estava gritando. Tudo bem. Devagar ela se virou na cadeira e olhou para cima, mordendo o lábio inferior. O rosto dele parecia calmo. O cabelo ainda penteado e apenas um pouco de felicidade escorrendo por sua boca, devido o que acabara de cuspir, mas ele tinha um hálito muito forte que ela conseguira sentir até mesmo estando de costas.

— S-sim? – gaguejou.

— Por que é que você tava me olhando? – perguntou devagar. – Achou algo engraçado? – a pequena balançou a cabeça negativamente. – O que foi, não tem mais boca? – ela engoliu em seco. – Achou ou não achou algo engraçado?

— N-n-não, senhor. – balbuciou ela.

— Ah, não? – ele colocou a mão no topo de sua cabeça, um arrepio percorreu seu corpo inteiro. Ele moveu a mão devagar, como quando lhe fazia carinho quando chegava, como se ela fosse um animal de estimação. – Pensa que eu não sei o que você faz pelas minhas costas? – seu pai falou como se não fosse nada de mais e ela pôde sentir seu coração batendo forte. O coração deveria ficar no peito, não era? Não no fundo de sua garganta. – Que fica falando sozinha naquele quarto com seus amiguinhos imaginários... – acrescentou de dentes cerrados. – E quando sai daqui com certeza fala de mim pros outros pirralhos naquela escola de merda... – então aconteceu, antes que ela percebesse, ou tivesse tempo de reagir. Seu pai agarrou seus cabelos com suas grandes e ásperas mãos, e jogou sua cabeça contra a mesa. – PENSA QUE EU NÃO SEI QUE VOCÊ NÃO ME RESPEITA? – lágrimas encheram os seus olhinhos avelãs, não porque a pancada havia doído, mas pelo grito. – AGORA VOCÊ VAI APRENDER A ME RESPEITAR! – então ela sentiu que voou. Ele havia lhe levantado da cadeira pelos cabelos e agora batera com seu rosto na parede mais próxima. Por que ela não conseguia gritar? Por que só conseguia ficar quieta e soltar pequenos gemidos enquanto a dor se espalhava por todo o lado esquerdo de seu rosto.

Rachel ouviu os gritos tão logo começaram.

Não, não, não, por favor, não.

Largando a pilha de meias sem par no tanque que se enchia de água, ela correu para dentro, tropeçando na porta de correr ao ver Ben espremendo o rosto de Hannah contra a parede.

— BEN, PARA! – ela gritou se pondo de pé novamente. Ele a segurava pelos cabelos no topo da cabeça e bateu com o rosto dela novamente na parede, dessa vez em uma altura maior. – NÃO, POR FAVOR! – Rachel tentou alcançar sua filha, mas foi impedida pelo braço livre de Ben. Ela se contorceu e puxou o braço dele como podia, mas ele era mais forte. Estava tão perto de sua menina, mas não conseguia alcançá-la. Ele apertou o pequeno rosto contra a parede. – BEN, NÃO! BATE EM MIM! POR FAVOR, EM MIM, MAS NELA NÃO BEN, POR FAVOR! – sentiu-se começando a chorar.

— NÃO, RACHEL! – ele respondeu tirando o rosto de Hannah da parede. – Hoje essa garota vai aprender a me respeitar. – o braço que a segurava sumiu a deixando de lado para dar um forte soco em Hannah. Ela tentou gritar novamente, mas apenas emitiu uma espécie de grunhido enquanto se jogava nas costas do marido, tentando impedi-lo, mas ela era fraca demais.

Ele jogou a filha contra o chão dessa vez. Uma, duas, três vezes... Não, não, não! Ela tentava puxá-lo, pará-lo, qualquer coisa, mas não conseguia. Pelo que pareceu uma eternidade, ele forçou o rosto da pequena contra o chão, até que se levantou, deixando a filha de bruços no chão e fazendo a esposa cair de costas.

Enquanto Ben voltava para o sofá, Rachel se arrastou rapidamente até Hannah, e a abraçou, a colocou em seu colo e a apertou contra seu peito. As respirações das duas aceleradas, as lágrimas quentes descendo por seus olhos. Não havia muito sangue, isso era bom, era bom.

— A mamãe via cuidar de você, meu amor. – disse para a menina, entre fungadas, sem saber se ela ouvia. – A mamãe vai fazer cuidar desse machucado, não é nada de mais. – ela sentiu a pequena respirar com dificuldade, também chorando. – Está tudo bem, meu amor. Está tudo bem. Tudo bem. Tudo bem. – e sua voz se tornou um murmúrio, mais parecendo que falava para si mesma do que para Hannah.

~*~

Hannah chorou até dormir naquela noite.


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Notas finais do capítulo

Capítulo complicado de escrever, mas gostei do resultado.
Link original da imagem do começo >>> https://i.pinimg.com/originals/7d/c2/35/7dc2353ed5b2a64d6024f299a9fcb341.jpg



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