Vai fazer um ano que nós nos conhecemos, um ano que esse “fora de roteiro” entrou na minha vida.

Se bem que o termo INVADIU é mais adequado.

Puta que pariu! Um ano!

UM ANO!!

Eu quase enlouqueci em um ano! Imagina quantos anos mais isso vai durar!

Melhor não pensar, se não quem tenta se jogar de um viaduto sou eu.

Ha! Mas esse um ano de “amizade” não é minha dor de cabeça no momento. Esse começo é meio trágico pra ser levada em conta.

A verdade é que o aniversário do Afrodite está próximo e eu não tenho ideia do que dar de presente.

Qual o problema?! Não posso ser legal de vez em quando?!

Se fosse o meu aniversário eu gostaria de ganhar alguma coisa!

(Menos festa, eu odeio essa porra)

Sem contar que eu quero dar algo de presente para ele. Apesar dele ser o ponto fora da reta na minha vida, ainda é um pontinho pelo qual tenho algum apreço, alguma empatia e semelhança.  Uma estranha parceria e cumplicidade, quase aquelas viadagem de alma gêmea.

Aliás…

QUE VIADAGEM!! PUTA QUE PARIU!!

ALMA GÊMEA?!!

DEPOIS DESSA É MEIA HORA DE CU PRA VER SE PASSA!! CARALHO, PORQUE NINGUÉM ME CONTOU QUE ESSA PORRETA É TRANSMISSÍVEL?!!

Nossa, melhor eu parar! Melhor ignorar ou vou enlouquecer de vez!

O importante, é!

Pelas minhas contas ele tinha acabado de completar 24 anos quando nos conhecemos. Pouco mais de uma semana depois eu estava impedindo ele de se matar. Então, no estado de espírito que ambos estávamos, foda-se aniversário.

Sem contar que minha intimidade com ele na época era mínima.

Numa escala de zero a cem, chegava no um e meio (esse meio foi dó).

Mas agora, acho que pode dizer que está no sessenta. A gente mudou muito em um ano.

Ele mudou muito em um ano.

Eu mudei muito em um ano.

...

Por mais que eu não diga em voz alta, Afrodite é tão importante para mim quanto sou para ele.

Não existe nada de cunho romântico, mas ainda sim tenho essa sensação de forte zelo perto dele. Quero estar perto, cuidar, ajudar, secar as lágrimas.

Ele é um irmão. Um irmão diferente.

…

Acho que tive uma ideia para o presente.

É a ideia mais viada e tosca que já tive na vida, mas acho que no sentido desejado dá pra perdoar.

Tudo o que precisei fazer foi comprar o presente e aguardar o aniversário.

E que não demorou muito para chegar.

PUTA QUE PARIU!!

QUE FRIO DO CARALHO!!

Sério! Se eu for pro inferno quando morrer, o Diabo vai ter que congelar um pedaço especialmente pra mim! O calor tá longe de me incomodar tanto quanto o frio!

Puta que pariu! Eu não devia ter saído de casa!

“Mask!”

Não demorou muito para meu braço ser enlaçado por mãos enluvadas.

“Se você não tivesse falado eu tinha te batido. Como conseguiu esconder o cabelo nessa touca?”

“Parte tá escondido no cachecol. Tá muito frio! Cancelaram as filmagens hoje, fiquei escondidinho debaixo do toldo da floricultura te esperando”.

Eu apenas neguei, se ele ficasse doente pelo frio… Ah! Eu não sei porquê ainda tento.

“Ah! Pra você!”

Ele tirou uma rosa do bolso lateral do casaco e colocou no meu bolso frontal, e como meu casaco era preto até parecia que eu estava com traje de gala por baixo do cachecol, luvas e toucas.

“Ficou ótimo em você”.

Ele sorria como se fosse uma criança. O aniversário é dele e eu quem ganho flores?!

“Vamos logo pra um café. Você está congelando”.

Ele se agarrou ainda mais ao meu braço e seguimos caminho até achar um lugar aberto, onde eu imediatamente pedi um café bem forte e bem quente.

“Argh! Amargo!”

Afrodite odiava coisas amargas, sempre tomava café com leite e açúcar. Era um pouco engraçado, uma criança no corpo de adulto.

“Afrodite”.

Nunca fui bom com essas coisas, então eu apenas tirei a caixinha prateada do bolso e a empurrei pela mesa até que estivesse ao alcance da mão dele.

“Feliz Aniversário”.

“Pra mim?”

Ele estava surpreso, demorou um pouco até que apanhasse o presente e o abrisse.

“Mask!”

Cobriu os lábios com a mão e os olhos se encheram de lágrimas.

Por favor! Não era pra tanto!

Mas ia piorar se eu não explicasse, ainda mais quando eu mostrei o anel gêmeo na minha mão. Estava no dedo indicador, mas para aquela cabeça oca confundir o indicar com o anelar era de uma facilidade assombrosa!

“Na minha casa, na Itália, os mafiosos trocam anéis. Trocam com o ‘irmão’ de maior proximidade, alguém em quem confiam a vida. Um acordo, uma aliança eterna, duas pessoas que devem cuidar uma da outra sempre. Um anel trás os dizeres ‘Por ti até o fim’ e o outro traz ‘Do fim lhe tirarei’. Quer dizer que irei até às últimas consequências de tudo por você, mas quando isso acontecer você tem que me resgatar porque ainda precisa de alguém para lhe guardar as costas. E vice-versa… Ao meu ver, é um bom presente para alguém que considero tanto”.

Pra resumir, ele abraçou a caixinha, abriu o berreiro, quase apanhei no meio do café por “ter feito uma moça chorar”, fui expulso, ele veio atrás e agora estamos olhando o mar nesse frio do caralho.

Desisto.

Tá frio demais pra xingar, pra achar ruim, pra reclamar e bradar. Energia demais numa coisa que não vai me trazer benefícios.

“Eu amei! É lindo! Como descobriu o tamanho do meu dedo?”

“O MIB é gente boa quando quer”.

Eu quero ir prum lugar quente! Por que a gente veio pro mar?! O mar é ainda mais frio!

“Hey. Vamos pra casa? Tá muito frio aqui”.

“Obrigado! Eu não tinha forças pra me manifestar sozinho!”

Ele deu risada e voltou a se agarrar no meu braço, me segurando ainda mais forte, todo feliz com o anel de prata.

Agora sim me sinto um viado autêntico.

E não me orgulho disso.

“Quero morar com você”.

“Te dei um anel, cedi à viadagem da convivência. Você já tá pedindo muito”.

Às vezes, olhando para trás, sou obrigado a concordar com minha mãe.

A vida regrada que ocorre como desejado é uma benção, mas são os acontecimentos fora de roteiro que lhe conferem graça.