Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 25
Carma




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Ponto de vista de Isabella

"Bom dia, garota do vampiro." Foram as primeiras palavras que escutei ao entrar na cozinha, iluminada por raios de sol que entravam pela janela em frente a pia.

Fazia tanto sentido, agora era tão óbvio, que me sentia quase idiota por não ter percebido algo de muito errado antes. A namorada de Edward, a garota do vampiro. Edward poderia sim ser considerado um praticamente vegano em seu mundo, pelo que Jacob me explicara ontem à noite. Ele e toda sua família se alimentavam exclusivamente de animais, nunca tocando nenhum ser humano para seus fins alimentares. Alice fez parte daquela família, era como eles - por isso era tão diferente nas visões que minha mente insistia em mostrar. E o meu antigo amigo, que me explicava alguns detalhes daquela espécie, fazia questão de frisar o quanto sua raça odiava cada um deles.

"Bom dia, garota do lobo." respondi, indo em direção a ela.

"Mais para mulher do lobo." Leah tinha os traços fortes, a pele morena, e parecia muito mais nova: difícil acreditar que a mulher sentada frente à mesa tinha um ano mais do que trinta. "Dormiu bem?" assenti com a cabeça, ainda de pé. "Jacob precisou resolver alguns assuntos essa manhã, então somos apenas nós duas na casa. Sirva-se, tem café fresco na cafeteira."

Não demorei mais para ir pegar uma xícara e enche-la com o líquido preto.

"Obrigada."

Sentei em uma das cadeiras, a caneca nunca deixando minhas mãos, a cabeça nunca vazia. Era um pouco desconfortável - não sabia ao certo o porquê - ficar a sós com aquela mulher. Sentia que aqueles olhos negros me observavam de um jeito curioso, mas havia algo além da curiosidade que eu não conseguia identificar. Era incômodo, definitivamente. Será que era igual para ela?

"Então." Não houve continuação.

"Então." Forcei um sorriso e desviei o olhar para a janela, que mostrava árvores iluminadas pelo sol das nove. Era estranho porque ela falava com uma garota praticamente morta, ou era estranho porque havia na sua frente uma garota já morta? Fiquei feliz por ter as mãos ocupadas, e tomei mais um gole de café enquanto observava as folhas verdes se mexendo com o vento, a luz do sol quente na parte direita do meu rosto.

Sol - eu não poderia mais me dar esse luxo no futuro, não na frente de todos. Fechei os olhos e sorri amargamente: se é que eu chegaria a ser uma vampira. As memórias voltaram com força naquela última noite. Deitada no sofá, esperando o sono vir, se passavam na minha cabeça todas aquelas vezes que meu pedido tinha sido negado, que aquela conversa nem mesmo era cogitada, que ele preferia me deixar a me transformar no que era. Que ele realmente havia me deixado.

"Charlie teria ficado feliz em ver que você está bem." Foi a voz de Leah que me fez voltar à realidade. "Digo-" Era quase um conforto vê-la tão sem jeito quanto eu.

"Eu também não sei bem o que falar." confessei, um sorriso tímido, porém verdadeiro, se formando nos meus lábios e nos dela. "Mas sim, ele teria, eu imagino. Eu teria ficado feliz em ter conhecido mais um pai, também."

"O que você pensa em fazer agora?"

"Bem, eu preciso voltar para casa." Eu realmente precisava voltar para Manchester, e eu realmente precisava de um banho - não tive coragem de pedir aquilo para o casal de lobisomens - e de roupas limpas. Deveria ter lembrado de colocar na mochila alguma camiseta extra, mas geralmente quem pensava em malas quando viajava não era eu, e sim Alice. "E eu realmente preciso de um lugar com um sinal melhor para ligar para minha irmã," Não sabia mais quantas vezes ela havia me ligado naquela noite - o sinal resolvera desaparecer por completo e não voltara até o momento. "Ela já deve estar louca atrás de mim. Mas não é isso que você está perguntando, certo?" afirmei, terminando o café e deixando a xícara vazia em cima da mesa.

Na teoria era muito mais fácil do que na prática. Na teoria, eu chegaria em Manchester, encontraria Alice, contaria tudo que estava acontecendo e tudo que havia acontecido, ela entenderia como sempre entende tudo, encontraria Edward, falaria que ele não havia escolha - e pro inferno com eu perder minha alma, eles tinham alma, Alice era prova viva daquilo - e que se ele continuasse hesitante, não haveria mais eu por muito tempo, ele me transformaria e todos nós viveríamos felizes para sempre. Fácil, não?

Na prática não era tão fácil. Na prática eu chegaria em Manchester depois de atender mais dezenas de ligações preocupadas e depois de mais algumas crises de labirintite, e com sorte minha casa seria o meu primeiro local de parada. Eu provavelmente veria Edward primeiro, caso estivesse nublado ou chovendo - o que sempre estava - porque chegaria no horário de trabalho de Alice. Eu falaria para ele que me lembro de tudo, e contaria sobre minha doença. Ele talvez surtaria. Talvez sumiria. E talvez então, meu destino fosse igual as outras duas vezes: morte.

"Eu não sei o que fazer."

É, na prática era muito mais complicado.

"Você está com medo?" De morrer? De sentir dor?

"Dele?" Nunca. Nunca teria medo dele. Mas Leah não falava exatamente de Edward.

"Do que você pode se tornar." Ela falava da vampira sangue suga sem controle sobre seus desejos alimentares que eu poderia me tornar. Do ser que seria obrigado a abdicar de todos os seus amigos, dos parentes que lhe restavam, de sua própria irmã, caso esta escolhesse outro caminho, outra vida. Um adeus perpétuo ao Jamie e meus avós. Uma eternidade sem poder mais abraçar Alice. Sem tomar café enquanto conversamos sobre amenidades dividindo um brownie.

Quantos anos ela já teria quando eu aprendesse a me controlar perto de seu sangue?

"Sim." Quanto a isso, quanto aos meus novos hábitos, novos desejos - quanto a viver sem a minha baixinha -, eu estava aterrorizada.

"Você quer essa vida pra você, Isabella?" Mas havia outro jeito?

"É isso ou a morte, não é mesmo?" Havia outra maneira de conseguir ficar com ele?

"Você é livre para escolher." Quantas vezes mais eu voltaria para repetir essa mesma história? Quantas vezes mais eu teria que morrer?

Seres humanos morrem, Isabella. Seres humanos, pessoas normais, a morte fazia parte do curso normal de uma vida. Mas quantas malditas vezes, fora as que consigo me lembrar, havia acontecido aquilo comigo? E se aquilo ficasse se repetindo toda a vez? Se toda maldita vez eu não passasse dos dezessete anos, quantas vezes Edward me acharia? Era aquilo um castigo por ter ido embora naquela época, há tantos anos atrás?

Era sábio nascer novamente sem memórias antigas, muito sábio. Eu me lembrava de duas vidas além da minha e já estava à beira da loucura. Era por isso que Edward parecia não ter nenhuma memória de mim? Em sua nova vida, ele acabara esquecendo de tudo e todos? Mas ele lembrava de Elizabeth, lembrava de seu pai - eu sabia pelos comentários da vida anterior. No entanto, relacionado a Belle, não havia memória alguma.

Edward sequer lembrava o quanto eu amava seus olhos verdes.

"Talvez eu devesse ter me tornado uma vampira já na primeira vez. Talvez eu pudesse ter me tornado, se não tivesse fugido." Me diverti com o olhar de total confusão que recebi da morena. "Esse tumor pode realmente estar bagunçando o meu cérebro, mas eu juro que conheci Edward antes dele se tornar imortal." Enfim confessei o fato em voz alta pela primeira vez.

Eu sonhava com aquilo mais do que tinha lembranças a luz do dia. Mil e novecentos era uma época tão distante, tudo era tão diferente de agora, e de dois mil e cinco.

"Edward tinha os olhos mais lindos que já vi. Era amoroso, gentil, e conseguia ver o lado bom de todas as pessoas, independente da beleza ou status social. Não era certo para nenhuma das família a nossa união, ele era rico, muito mais rico do que eu. A mãe dele nunca me aceitou, e deveria temer mais o filho ao meu lado do que o filho indo para a guerra. Nós decidimos fugir quando ele fez dezoito anos, fugiríamos dos familiares e do alistamento obrigatório." contava, notando somente naquele momento o quanto a Elizabeth dele se parecia com a minha Elizabeth - minha mãe.

Me desculpe, minha filha. Me perdoe antes de eu morrer, por favor.

O tumor estava indo longe demais - dando sentido as palavras tão confusas de minha mãe nos seus últimos dias, antes do acidente.

"Como você deve imaginar, a fuga nunca aconteceu. Meu pai começou a tossir, e então eu comecei a tossir. Provavelmente fui a responsável pela doença passar para Edward, fui eu quem o matou," Não. "Quem quase o matou." Que o tornou no que eu logo deveria me transformar. "E então o deixei. Tinha certeza que indo embora, estaria protegendo-o de mim. Afinal, eu era pobre, estava doente, não chegava aos pés do que Edward merecia. Como um jovem da alta sociedade poderia estar apaixonado pela filha de um peixeiro?" Sacudi a cabeça e dei um sorriso triste ao reviver aqueles dias. Era um pensamento tão parecido que eu tinha como Isabella Swan. "Ou assim eu pensava." Como Isabella Thompson. Eu não era merecedora daquele homem, eu não chegava aos pés do que Edward deveria ter, do que deveria amar. Eu que o transformei no que era hoje. "E ele me deixou, provavelmente achando a mesma coisa, da última vez. Que não me merecia. Que era um monstro."

Era eu o monstro. Fora eu o motivo de Carlisle ter se aproximado, eu que roubara o verde daqueles olhos. Eu que fugira, que o quebrara em milhares de pedaços nos últimos dias. Eu acabei com aquela família, toda doente. O que havia acontecido com Isabella Swan, ele ter partido, ela ter sido estraçalhada emocionalmente, parecia quase justo naquele momento. As células que cresciam no meu cérebro eram quase justas naquele segundo.

Suspirei, voltando a olhar para a floresta do lado de fora.

"Carma é uma coisa engraçada."

—__

Novamente toda aquela paisagem verde me consumia. As árvores, os troncos grossos cobertos de musgo, as folhas vivas que de tão altas cobriam parte do céu. Aquele meu antigo planeta alienígena, que meu já não era mais. Passaram as árvores, passaram os antigos rostos conhecidos, passou a antiga casa, talvez para sempre fechada. Notei chegar no meu destino quando senti o carro parando, o motorista virando a chave na ignição.

"Obrigada pela carona, Jake." agradeci, pegando minha mochila no banco de trás. "Você me ajudou mais do que eu poderia alguma vez pedir, de verdade."

"Gostaria de poder fazer mais, Bells." ele disse, os olhos escuros me mostrando uma mistura de emoções. "É a última vez que vou te ver na vida, não é mesmo?"

"Provavelmente."

Retribuí o abraço com o mesmo carinho que o ganhava. Respirei fundo o cheiro da floresta que vinha daquele lugar, de Jacob - um dia aquele cheiro havia me consolado tanto.

"Estou feliz por poder finalmente me despedir." Ele ainda fazia maravilhas com meu ânimo, mas numa intensidade muito menor do que lembrava. Talvez por eu não estar dividida, por não ter algo dentro de nós que nos puxasse um para o outro, como parecia haver antigamente.

"Você a ama, não é mesmo?" Não doía perguntar aquilo, como talvez tivesse doído no passado. "Você está feliz com ela, certo?"

"Eu amo Leah por tudo que ela é e por tudo que suportou ao meu lado. Ela é uma mulher incrível, como você pode ver, Izzy." Jacob respondeu, usando meu apelido novo enquanto me dava um sorriso, quebrando o abraço.

"Mas?" perguntei, erguendo as sobrancelhas e esperando pela continuação que viria.

"Acho que nós dois temos medo desse amor." o homem lobo confessou, voltando a encostar-se no banco. "Nós nunca tivemos um imprinting - aquela coisa que eu te expliquei sobre os lobisomens." Vi um sorriso divertido nos lábios do moreno logo depois da frase, parecendo se controlar para não rir. "Leah quase teve uma síncope quando contei que você estava na nossa casa."

Se eu precisava de mais alguma prova d eque havia algo entre nós dois no passado, ali estava ela.

"Eu te amei, Bells." Mais uma vez aqueles olhos negros brilhavam com emoção. "Eu amei Isabella Swan. Quando eu olhava para ela," Você sentia o mesmo que eu sabia que sentia quando antigamente olhava para você. "Era como se houvesse algo ali que eu precisasse, mas não soubesse ao certo explicar. Eu não sinto mais isso agora." Do mesmo jeito que eu não sinto mais. "Então vá em paz. Eu estou feliz, seus pais com certeza estão feliz, seja lá de onde estiverem te vendo. Aqui não é mais o seu lugar. Eu nunca achei que fosse falar isso na vida," Jacob pausou, parecendo criar coragem para as próximas palavras. "Mas volta para o seu vampiro, Isabella. Depois de toda essa história, agora eu sei que é isso que você precisa, que ele é realmente o seu para sempre."

Não consegui evitar uma lágrima, enxugada de meu rosto pela mão de meu antigo amigo. Aquilo era tudo que eu precisava ouvir.

"Eu nem sei como te agradecer, Jake." disse, dando um último abraço antes de finalmente abrir a porta, o ônibus faltando poucos minutos para a partida.

Saí do carro, a mochila já nas costa, quando ouvi a resposta.

"O prazer é sempre meu, Bells."

—__

Naquela terça, Alice simplesmente não atendia o celular. Todas as minhas ligações caíam na caixa postal, todas as minhas mensagens não chegavam nem mesmo a ser recebidas, quanto mais visualizadas. Passei a maior parte da tarde e mais alguns minutos da noite - até eu finalmente apagar no ônibus - tentando, sem secesso algum. Cogitei telefonar para nossos avós por um momento, mas o medo de deixa-los tão preocupados quanto eu falou mais forte, e descartei a possibilidade.

Edward, no entanto, apresentava-se o inverso de minha irmã: era a pessoa mais fácil de ser localizada, respondendo qualquer mensagem em segundos. Claro que era, ele provavelmente deveria estar dirigindo até Forks naquele momento, ou já dera um jeito de rastrear minha localização e estava em algum dos carros ao lado do ônibus - e por minutos procurei um volvo preto.

Parei quando recordei que naquele momento não havia rastreador nenhum disponível para ele. Não tinha como Alice dar a minha localização.

E meu pensamento voltava para Al.

Acordei sentido o corpo dolorido, o relógio digital do ônibus mostrando 7:30AM. Não demoraria mais muito tempo para chegar ao destino final, para finalmente descer dali e pegar um táxi até minha casa. Ou até a escola, onde Alice estaria - ainda não havia notícias dela por ela.

O quão verídica parecia a história contada pelo meu vampiro? O celular de Alice molhou na tempestade que caíra ontem na cidade, e só compraria um novo hoje, após a escola. Eu conhecia minha irmã e seu vício eletrônico: havia um celular reserva em casa, e mesmo se esse antigo não funcionasse, Alice estaria na frente de uma loja na primeira hora da manhã. Por um momento, pensei que algo realmente poderia ter acontecido com nossos avós, mas não faria sentido a mentira de Edward.

Ela está com Jasper, Bella. Eu não estou em casa agora, mas ele pediu para te avisar que sua irmã está bem. Havia sido uma mensagem de texto, após mais uma chamada que eu ignorava, usando a desculpa do sinal na estrada de Providence não ser um dos melhores. Não conseguiria atender Edward e continuar com a mentira de que tudo estava bem, precisava vê-lo, precisava encontra-lo e falar tudo o que estava escondendo por já tanto tempo e que agora sabia ser verdade. A minha voz não era forte o suficiente para sustentar a farsa como a de Alice.

E mais uma vez, meu pensamento voltava para minha irmã.

"Alice, eu estou oficialmente preocupada." Deixava a mensagem de voz após chamar um Uber. "Estou quase chegando em casa, então por favor, por favor, por favor," Respirei fundo, fechando os olhos ao sentir novamente uma tontura. "Me liga."

O sol estava brilhando naquela manhã, tão atípico para um dia em Manchester. Terminei com meu baguel antes de entrar no carro, que parava na minha frente com a janela aberta.

"Isabella?" assenti, confirmando o endereço e mandando mais uma mensagem. Eu nunca, nunca mais vou deixa-la preocupada, prometi a todos os deuses que me eram conhecidos. Nunca mais vou sumir, como tantas vezes fazia, ficando horas sem dar notícias.

O carro de Edward estava parado na frente de casa, foi a primeira coisa que percebi quando cheguei. Vazio, sem dúvida, mas confirmei minha quase certeza antes de ir para a porta de entrada, que eu achei que estaria aberta - ou até arrombada. Eu havia dado uma cópia dessa chave para ele?

Talvez Jasper tivesse uma, e houvesse emprestado. Talvez fosse a de Alice. Talvez fosse apenas um carro qualquer - nem mesmo havia confirmado pela placa -, talvez não houvesse ninguém dentro de minha casa, por Deus Isabella, pare de pensar tanto e abra a porta!

Destranquei a porta, virei a fechadura e entrei.


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Notas finais do capítulo

Gente, muito muito obrigada a todos os comentários! O Jacob foi meio difícil de escrever, e queria algo que não deixasse muito romance entre eles - espero ter conseguido, rs sorry se não agradou a todos guys.

Espero que tenham gostado do chap! Haha espero que não queiram me matar por sempre terminar no momento tenso xD

Um beijão,

Ania.



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