Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 10
Professor Hale




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Ponto de vista de Jasper

Andava pelos corredores com as mangas abaixadas, camisa impecável, sem nenhum ponto amassado. Já estava acostumado com aquela vida, que deixava meus hábitos alimentares vegetarianos muito mais fáceis de serem seguidos. Havia começado aquilo por ela, e somente ela. Era o que Alice ia querer, e era como iria ser. De algum lugar, acreditava que ela estaria me vigiando, e tudo que queria era fazê-la se orgulhar do que deixara para traz.

Desde aquele dia – desde minha maior perda – nunca mais cometi um deslize sequer. Como poderia? Acreditar que meu único amor me observava de cima era a única coisa que me restava, e a última coisa que queria fazer era decepcioná-la. Após alguns anos de prática – de convivência, sozinho, no meio de tantos humanos na universidade – me sentia pronto para começar com as aulas.

E dar aulas naquela universidade foi o que fiz durante uma década de minha existência, até um nome que há tanto tempo não via aparecer um dia na tela do meu celular.

Fui para Manchester no mesmo dia confirmar as palavras de Esme. Era um absurdo, não fazia sentido nenhum, faltava qualquer explicação coerente. Mas eu queria acreditar - precisava acreditar -, e assim que meus olhos a viram, eu acreditaria com todas as minhas forças que aquela humana que estava na minha frente era tudo que minha mãe postiça havia falado.

Alice.

Vê-la naquele sábado tinha sido tão fácil – quanto à minha fome, muito mais fácil do que algum dia poderia imaginar – e tão difícil ao mesmo tempo. Por mais que tenha sido incrivelmente natural ficar ali, apenas sentado ao seu lado, minha sede perfeitamente controlada, era tão difícil sentir suas emoções em relação a minha pessoa. Não era mais o amor que eu tanto precisava que emanava, mas sim receio ao ver minhas cicatrizes – sendo que antes ela conhecia cada uma delas –, o desespero a cada trovão – sendo que minha Alice nunca tivera medo de tempestades. Era ela de um jeito tão diferente, tão estranho.

No entanto, a vendo ao passar no corredor daquela escola, perdida num mundo só seu enquanto fechava o armário, ela era minha Alice outra vez. Apesar do cabelo pouco mais comprido, dos olhos azuis e do cheiro humano, a garota ao meu lado ainda era minha pequena princesa, arrumada com as roupas certas, unhas perfeitas, maquiagem impecável. E aquela risada! As risadas de sábado ainda ecoavam na minha mente. Ela era mais perfeita do que me lembrava.

Me forcei a entrar na sala dos professores - a última coisa que gostaria era que ela me pegasse encarando-a -, guardando minha pasta em um armário que exibia meu nome quando uma nova voz chamou minha atenção.

"Ei Al, você ouviu o que andam falando do professor Smith?" Ouvia a voz do lado de fora tentando controlar meu espanto. Diferente da voz de Alice – o esperado, agora que a encontrávamos humana – a voz de Bella continuava igual a que eu tantas vezes ouvira.

"Que parece que ele precisou viajar para resolver alguns problemas familiares, e agora vai ser substituído por um professor que acabou de sair da Universidade?"

"Ouvi dizer que o substituto é lindo! Isso não te interessa?" A voz foi ficando mais baixa, à medida que as meninas andavam. Quando voltei a sair da sala, podia vê-las no final do corredor, cada uma começando a rumar para um canto diferente.

"Não. E que ótimo, um professor de história recém-formado que não deve saber ensinar, minhas notas não poderiam ficar piores mesmo." Pude vê-la revirar os olhos, entrando na sala contrária de sua agora irmã.

Então eu não sabia ensinar?

"Depois me conte como foi!"

Olhei na agenda qual o primeiro horário do dia. 3B, a sala em que minha antiga vampira acabara de entrar. Segundos depois o sinal tocou, fazendo os últimos alunos entrarem em suas salas, e eu me dirigi até o local de minha primeira aula.

Tinha que rir. Justo eu, não sabia ensinar. Um dia ela também daria risada daquele momento, pensava esperançoso.

Entrei na sala e no mesmo instante todos pareceram acalmar um pouco os ânimos – para mim talvez fosse fácil demais ser um professor. A única coisa que ainda era difícil controlar era a reação da parte feminina da sala, a qual eu já ouvia prender a respiração quando coloquei meu material sobre a mesa.

Meus olhos foram imediatamente para aquele ponto pequenino, sentado num lugar que julguei longe demais pela sua altura. Como ela conseguia enxergar algo lá de trás? Logo após meu pensamento a vi tirar um óculos de armação verde clara de uma caixa e não consegui evitar um sorriso. Sim, Alice conseguia ficar linda de qualquer jeito - e tão humana!

"Olá turma," comecei, tentando focar minha atenção em todos na minha frente e não somente na garota sentada na penúltima fileira. "Meu nome é Jasper Withlock Hale, professor Hale se assim preferirem, e vou substituir até o fim do ano letivo o professor Smith, que precisou se ausentar por motivos pessoais."

Voltei a observar amplamente toda a turma, mas naquele dia não estava sendo exatamente agradável perceber os meninos revirando os olhos e as meninas corando como tomates. Aquela turma estava nervosa, e eu estava nervoso. E não podia me dar ao luxo de ficar nervoso: minha classe se transformaria logo num caos se continuasse assim.

"Certo." Abri um livro qualquer sobre a mesa - como se fosse precisar de algum para o que começaria a explicar - e fingi interesse nas palavras. "Vamos começar abrindo os livros na página duzentos e dois." Ignorei os lamentos, e peguei a caneta para começar a escrever na lousa. Ao menos a aula sobre a Guerra Civil daria conta de me distrair.

O tempo passou tortuosamente devagar – tanto para mim, quanto com certeza para os alunos. Após minutos de explicações que não pareciam estar levando a lugar nenhum, desisti da matéria e passei alguns exercícios como lição de casa, o sinal batendo logo após eu acabar de escrever a última palavra na lousa.

Sentei na cadeira – praticamente me joguei nela –, vampiros podiam ficar exaustos? Me sentia acabado, talvez tentar me aproximar dela como professor não tivesse sido a melhor das ideias: o flerte de sábado havia funcionado, não havia? Apesar de ter saído da cafeteria sem seu maldito telefone. Mas já viera para Manchester com aquela ideia - fora eu quem pedira o favor ao diretor, para realocar o professor Smith, afinal -, quando que iria pensar que não seria perfeito conseguir vê-la numa base diária?

E se não fosse essa ideia, como me aproximaria? A encontrando 'acidentalmente' onde quer que Alice fosse, como sábado?

Não era como se pudéssemos contar o que havia acontecido no passado e faze-las lembrar de algo que provavelmente não havia nem como lembrar. Sempre que parava para racionalizar tudo aquilo via o quão era absurdo ficarmos felizes por encontrarmos duas pessoas que eram iguais, mas não eram as nossas pessoas. Poderia ser apenas uma mórbida coincidência, não?

Ainda assim, tal acaso era o que mais me trazia um mínimo de felicidade em todos aqueles anos.

Estava pronto para pegar o material de cima da mesa e rumar de volta à sala dos professores quando uma mochila foi praticamente arremessada sobre meus cadernos e livros.

"Sim?" Não precisei olhar para cima para saber quem era – já havia memorizado aquele cheiro.

"Alice Thompson." A voz saiu irritada, tão igual ao que estava se tornando meu humor. Olhei para minha pequena, parada na frente da mesa, mas um sorriso não saiu – ela estava brava, eu estava nervoso, e essas duas emoções se misturando não estavam trazendo nenhum bom resultado.

"Sim, Alice?"

"Qual é o seu problema?" Você. Meu problema é você - sempre foi. Mas consegui continuar quieto, apesar de qualquer calma estar muito longe daquela sala. "Eu fiquei praticamente a maldita aula inteira com a mão levantada, e você nem ao menos se deu o trabalho de olhar pra mim!"

Era tão simples, eu apenas precisava ficar calmo. Então por que raios era tão difícil manter a merda da calma naquele momento?

"Poderia pelo menos falar mais baixo?" A voz saiu bem mais alta do que o intencional, e segundos depois consegui sentir o quanto ela estava intimidada com minha presença – eu estando de pé não ajudava em nada a situação.

"Não, não posso! Eu fiquei esperando a aula inteira professor, a droga da aula toda, sendo que todas as meninas dessa estúpida fileira da frente conseguiram fazer todas as malditas perguntas!" Tão pequena, tão irritante. Como ela conseguia? Aquela definitivamente não era a minha Alice - Al nunca me deixava naquele estado.

"Talvez se você acreditasse um pouco mais no potencial de recém-formados-"

"Agora você ainda escuta conversas escondido atrás de algum corredor?"

"Eu nem mesmo precisei tentar escutar, com sua voz histérica ecoando por ele!"

Precisava me acalmar, e precisava agora. Sentei de volta na cadeira, apertando meu nariz com os dedos, não querendo nada além de gritar naquele instante com toda a frustração que ela me fazia sentir.

Irritação. Raiva. Medo. Impaciência.

Decepção?

"Sério que sua mãe não soube te dar um pouco mais de calma e educação?"

E no mesmo segundo, sabia que tinha falado a coisa errada. Alice estava triste – uma coisa que eu podia contar nos dedos quantas vezes acontecera com a antiga Alice. Era uma tristeza tão aguda, tão forte, que chegava a ser angustiante. Como tudo se arruinou tão rápido?

"Ela me deu tudo isso. Só esqueceu de me ensinar que alguém flertando comigo num sábado podia se tornar um total babaca na segunda!"

E passados mais alguns segundos, a porta bateu, forte.

Definitivamente, ser professor não tinha sido a melhor das ideias.

...

Ponto de vista de Isabella

"Al-"

"Completamente irritante! Lembra do rapaz que eu comentei no sábado? O rapaz não existe!"

Suspirei, passando pelas prateleiras de macarrão. Alice irritada era uma Alice perigosa para meus ouvidos e minha sanidade. Nos últimos minutos, ela reclamava do novo professor – o que a população feminina inteira do colégio tinha taxado de professor mais desejável de toda a história – e dissertava o quão babaca ele deveria ser, por ignorá-la durante uma aula inteira - e não pegar seu número de telefone.

"Afinal, eu sou baixa, mas eu não sou tão baixa! Ele deveria ter visto minha mão erguida, já estava quase morrendo com ela para cima!"

"Al, você mesma disse que ele flertou loucamente com você no sábado, e então saiu sem nem ao menos pegar seu contato." Não deveria tê-la lembrado do fato, pensei ao ouvir mais alguns xingamentos numa voz alta demais. Mais um suspiro, e mais uma lata de atum para dentro do carrinho. "Ok, isso pode não fazer dele um-"

"Cretino? Completo idiota?" Ouvi uma voz chamar o nome de minha irmã. Fim do intervalo das cinco e meia, graças a Deus. "Termino de contar quando chegar em casa."

"Espero ansiosamente." Desliguei quase aliviada, mas antes de se guardado, o celular fez questão de tocar novamente. "Sim?" Atendia quase incomodada: mais uma ligação para atrapalhar minhas compras.

"Bella?" Mas aquela voz não me incomodaria naquela segunda. "Você disse que eu poderia ligar quando estivesse na cidade outra vez." Um dos meus salvadores do sábado passado. Não queria nem pensar no que poderia ter acontecido sem um daqueles dois.

"Jamie!" disse um pouco mais empolgada enquanto escolhia alguns tomates, escutando o riso familiar do outro lado da linha. "Você está aqui em Manchester? O que faz por aqui na segunda?"

"Na verdade, estou um pouco adiantado." Ouvi-o dar mais uma risada. "Na sexta vou passar a manhã aí e devo ficar a trabalho até tarde, e comentaram comigo que não muito longe de sua casa estavam montando um parque, com jogos, roda gigante e esse tipo de coisa de parques. Então eu pensei, se Bella não tiver nada planejado na sexta a noite, quem sabe eu poderia enfim pagar pra ela aquele sorvete - que pode se transformar num chocolate quente nesse frio!" Dessa vez o acompanhei no riso.

"Parece uma ótima ideia." respondi, jogando mais um saco no carrinho, tentando lembrar se havia pegado todo o necessário. "Vou levar Alice comigo, tudo bem?" James respondeu positivamente.

"Vou estar de carro, passo na casa de vocês às oito e meia, pode ser? Alice já vai estar em casa?"

"Oito e meia está ótimo!" Confirmei, agradecida pela carona - por mais que fossem apenas alguns quarteirões, as noites já estavam frias demais.

"Quer levar seu namoradinho?" Sabia que não escaparia de uma provocação.

"Até tu, James? Nenhuma palavra do que aconteceu sábado para Alice, ok?"

"Do que? Eu não sei de nada."

Enfim desliguei o celular, me contendo para não coloca-lo no silencioso - Alice paranoica -, e comecei a seguir rumo a fila, que para minha infelicidade não era pequena. Tentando mais uma vez ver se tudo que precisava estava dentro do carrinho de compras, acabei desviando minha atenção do que se passava na minha frente até bater forte no que pelo barulho feito parecia ser outro carrinho. 

Ao menos nada havia caído em cima de mim.

"Sinto muito-"

"Minha culpa, totalmente. Nem olhava pra frente, então não se preocupe." Reconheci a voz antes mesmo de olhar para quem falava. Sorri, sentindo meu meu rosto ficar irritantemente vermelho: Edward. "Precisa de ajuda?" Como os olhos dele conseguiam transmitir tanto sentimento? Seu olhar era tão intenso - percebera desde sábado como aqueles amarelos pareciam transbordar emoção ao meu olharem -, e por um momento me perguntei se ele olhava assim para todos.

"Na verdade, já estava indo para a fila." respondi, posicionando meu carrinho atrás de uma senhora de um pouco mais de idade, vendo que no dele havia apenas uma água sanitária e um pote de sorvete.

Häagen-Dazs de baunilha com cookies, meu favorito.

"E o que vamos ter para o jantar hoje, senhora Masen?" Aquele homem maravilhoso perguntava, enquanto seus braços agarravam minha cintura.

"Sorvete de baunilha." disse sem hesitar, me virando de frente para ele com uma colher de madeira cheia de sorvete.

"Parece delicioso." ele comentou, afundando a cabeça no meu pescoço e inalando profundamente. "Um pouco doce demais, para o jantar." Quando se afastou, seus olhos praticamente queimavam.

Não consegui evitar o rubor nas minhas bochechas. Quando voltei a olhá-lo, vi o sorriso torto que me deixava sem foco.

"Na verdade o jantar é frango com batatas, que Charles tanto me encheu para fazer. O sorvete é para a sobremesa."

Ele me encostou a bancada da cozinha, tirando a colher de minha mão.

"Como eu disse," Senti um dedo contornar meus lábios, espalhando um pouco de sorvete. "Parece delicioso."

E então ele me beijou.

"Como você está?" Uma mão no meu ombro me tirou de meus pensamentos. Senhora Masen? O que foi isso?

Foco, Isabella. O que ele tinha me perguntado mesmo?

"Bella?"

"Sim?"

"Você está bem?" Aqueles olhos amarelos eram tão iguais aos verdes do rapaz que vira em minha mente: tão expressivos quanto, e pareciam me olhar daquele mesmo jeito amoroso.

Sacudi a cabeça, tentando tirar aquelas últimas imagens de minha cabeça. Sonhar acordada, era só o que me faltava! Eu poderia culpar um estresse pós-traumático, se as coisas não tivessem ficado estranhas antes disso com minha cabeça - antes de sábado. Talvez devesse antecipar a consulta que estava para marcar com o Dr. Ronald para ainda este ano.

"Estou." Não consegui evitar o sorriso, por mais que minha mente estivesse pensando em mil coisas diferentes. Por mais que estivesse preocupada com aquelas visões, por mais que soubesse que aquilo não era normal, aqueles olhos me faziam tão bem, aquela maneira de me olhar me fazia tão bem. Edward me olhando assim era tão certo.

"Vai fazer alguma coisa essa sexta?"

"O que?" Foco, Isabella.

"Perguntei se vai fazer algo ser essa sexta." James veio no mesmo segundo para minha memória: eu nunca tinha nada para fazer, mas quando tinha, tudo acabava caindo no mesmo dia.

"Vou sair com um amigo essa sexta." Edward deu os ombros parecendo um pouco desapontado, com um fraco sorriso nos lábios, o que me fez querer mudar minha resposta no mesmo instante. Imaginava que seria melhor levar apenas Alice para o parque, ou seja lá para onde James estava nos convidando – mas convidá-lo, tenho que confessar, era tão incrivelmente tentador que foi difícil não pronunciar minha vontade em voz alta. "É só um parque perto de casa. Vamos eu e minha irmã, e um amigo de infância." emendei, tentando enfatizar que o amigo era apenas um amigo.

"Marcamos outro dia então, Bella. Não vou esquecer da capa do violão, mocinha." Ele me deu um sorriso que praticamente me deixou tonta – senti minhas pernas ficarem da consistência de gelatina no mesmo segundo, e agradeci por ter o carrinho ao lado para me apoiar. Aquele estava se tornando meu sorriso torto favorito.

"Próximo!" A atendente do caixa chamou, e vi que já era minha vez.

"Edward-"

"Eu te ligo." Mais um sorriso. Ele não via o efeito que aqueles sorrisos tinham em mim? Ouvi um pigarro, e empurrei sem vontade o carrinho para frente, me afastando.

"Vou ficar esperando." As palavras saíram antes que eu pudesse controlá-las.

E no instante seguinte ele se virou, ainda com aquele sorriso de tirar o fôlego, enquanto eu me dirigia bem vermelha para o caixa.


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