Réquiem escrita por Yue Chan


Capítulo 3
Amaldiçoado


Notas iniciais do capítulo

O capítulo foi feito, refeito e quando me dei conta... putz! Lá iam mais de 9.000 palavras e aí já sabem né, amiguinhos? O capítulo não pode ser muito extenso, então vou dividi-lo, mas prometo trazer o próximo logo.



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Medo.

As vozes reverberavam angustiadas e raivosas a sua procura. Não importava onde se escondesse, eles sempre davam um jeito de lhe alcançar e o ferir com aqueles dedos languidos e retorcidos. O terror que sentia nesses momentos deixava todos os seus instintos em alerta, ampliando seus sentidos, deixando-os aguçados e tornando a experiência ainda mais apavorante e vívida.

Sozinho ele corria, buscando se proteger das pessoas que tentavam lhe ferir, sentindo a respiração descompassada e furiosa tomar-lhe uma grande quantidade de energia. Engoliu em seco ao perceber que os sons estavam cada vez mais próximos. O pulmão ardia, as pernas tremiam, os nervos queimavam.

Estava a beira da exaustão. Se continuasse naquele ritmo tombaria desmaiado, algo que o apavorava, mas trazia um certo alívio macabro: se seu corpo se negasse a prosseguir e desligasse repentinamente, pelo menos ele estaria livre daquele martírio. Não seria obrigado a enfrenta-los.  

Itachi não entendia porque o chamavam de assassino. Nunca teria coragem de cometer aqueles atos horrendos que declaravam ser de sua autoria com as vozes rasgadas e inflamadas de ódio. Já tinha participado de missões e ceifado a vida de pessoas para poder se defender, mas jamais levantaria a mão contra alguém de seu clã sem motivo.

Mas então porque eles continuavam a amaldiçoá-lo? Porque insistiam em lhe machucar? E principalmente, porque seu coração parecia fazer eco as vozes e concordar com elas?

“Monstro!”

“Assassino!”

“Traidor!”

Sua alma quebrantada oscilava entre as idades com uma frequência cada vez mais alarmante. Seu aspecto adulto carregava todo o conhecimento de sua atual situação; então ele se lembrava da chacina, da dor e desespero, do irmão e de Sarada. O manto da Akatsuki o tinha seguido ao pós vida, como uma recordação macabra de seus dias como nukenin. Sua forma infantil, por outro lado, não se recordava de nada disso, e corria aflita por um meio de escapar da tortura ao qual era submetido todos os dias.  

Quando desejava com muito afinco sair daquele lugar sempre se via perto daquela menina chamada Sarada que por algum motivo lhe trazia um pouco de conforto, mesmo que  não compreendesse o motivo de sempre estar ao lado dela. Olhava curioso o emblema do clã Uchiha estampada na parte detrás da camisa da jovem percebendo intrigado que ele ainda guardava as cores brilhantes, diferente dos que estavam estampados nas vestimentas retalhadas dos que lhe perseguiam, tão puídos e desbotados. Manchados por gotas de sangue seco ou talhados.

Sim, a presença dela lhe trazia conforto. Era como um bálsamo que lhe curava a alma sofrida. Não desejava incomodá-la ou lhe trazer problemas, mas o temor de ser arrastado novamente para dentro dos portões do Distrito Uchiha o faziam agir como qualquer criança frente a um pesadelo, ele pedia a ajuda dela sem se importar em ser taxado de tolo ou imaturo. Só queria se ver livre daqueles olhares e palavras. Das bocas que derramavam mentiras que seu cérebro rechaçava, mas que seu coração acolhia como verdades.

Percebeu que estavam cada vez mais próximos. Quase podia sentir a respiração pesada e vacilante que deles emanava.

As vozes viajavam livres, mais rápidas, fazendo os gritos emitidos reverberarem mais altos ao serem impulsionados pelo limite dos muros do clã. O portão estava aberto, escancarado, mas era como se toda Konoha além dele estivesse mergulhada em trevas como o distrito Uchiha, sendo possível vislumbrar apenas a silhueta de vultos que se moviam nas mais diversas direções.

Tudo era escuridão.

A única luminosidade visível eram os olhos carmesins o fitando de maneira delirante. Cada vez mais próximos e selvagens. Sedentos. Ele sentia o desejo assassino que emanava deles.

Correu por mais uma quadra até suas pernas começarem a querer ceder ante a pressão e o cansaço. A respiração descompassada e entrecortada  o fazia arfar. Sorvia grandes quantidades de ar de maneira sôfrega, tal qual um mergulhador que emerge após muito tempo sumerso enquanto chorava desesperado sentindo as pernas cada vez mais fracas e dormentes que diminuiam sua velocidade.

Cada vez mais lento, Itachi prosseguiu até perceber os olhares a sua volta se agigantando. Haviam o encontrado novamente, cercando-o, em poucos segundos estavam arranhando sua pele, ferindo-a enquanto ele sublimava a dor mordendo o lábio inferior com força, fazendo-o sangrar.

Aqueles olhos medonhos e furiosos... as palavras ásperas e gritos angustiados faziam seu espírito se quebrar ainda mais. Cada rosto conhecido transfigurado, retorcido em uma medonha careta colérica que lhe cortava a carne, rasgava também seu corpo espiritual.

Itachi tentou gritar a eles para que parassem, mas a voz parecia não existir nesses momentos.  Ele abria a boca, mas nenhum único silvo escapava, como se suas as cordas vocais tivessem sido alocadas ou removidas.

A violência persistia cada segundo mais intensa e famigerada.

“Por que? Eu não fiz nada para vocês. Porque fazem isso comigo?” questionava em meio a dor, sem conseguir se pronunciar. “ Eu jamais faria isso.”

As vozes se misturavam em uma angustiante cacofonia.

A pele queimava, ardia a cada nova agressão. Itachi sentia o sangue minar das chagas que abriam centímetro a centímetro, rompendo-se ante a pressão dos dedos e unhas maciças, como garras de gárgulas, em investidas violentas e incessantes.

Era como ter o corpo talhado por lâminas cegas, banhadas em um líquido cáustico. Ardia, queimava como se as feridas entrassem em combustão. Parecia não haver um limite para aquele furor incompreensível e exacerbado, como se seu sofrimento e a dor que lhe infligiam não fosse suficiente e precisassem de sempre mais.

 Olhos e vozes que não se aquietavam nem mesmo ante a visão de seu corpo infantil coberto pelo próprio sangue ou as tiras de pele a soltar expondo a carne que pulsava a medida que se rompia. Atordoado e apavorado ele percebia os nacos de sua carne sendo mutilados e arrancados de seu tronco e membros com tamanha violência que se ele pudesse proferir algum som, este seria tão estridente que provavelmente seria ouvido do outro lado a vila. Seus dedos foram esmigalhados, seus dentes trincaram e se partiram após um potente soco lhe atingir. O gosto ferruginoso do sangue se misturou ao das lágrimas que desciam em uma torrente angustiante. Uma dor aguda o atingiu quando um dedo perfurou seu olho direito e ele arfou apavorado ao perceber a substância gelatinosa escorrer pela sua face se misturando ao sangue que corria das fendas.

—NÃO! Argh!— gritou, mas a voz não saiu. Por mais que tentasse se defender eles irrompiam a barreira que fazia com os braços, arrancando-lhe mais pedaços de pele e carne.  

As pessoas continuaram a se amontoar em cima dele, formando uma redoma de olhos mordazes e insaciáveis. Itachi sentia-se cada vez mais sufocado, prestes a se perder naquele mar de ódio e dor, sentindo a consciência se esvair aos poucos, abandonando sua mente e corpo enquanto via pedaços de si espalhados pelo chão...

Então o relógio bateu as dez horas...

Tudo se desfez.

Já não haviam mais garras mutilando sua carne, nem olhares aterrorizantes. Ele estava de pé; seu corpo restaurado, como se nunca houvesse sequer sido arranhado por mínimo que fosse. Já não havia medo ou temor, tampouco a necessidade de clamar por ajuda que há pouco lhe afligira. O horror pelo qual passara instantes antes não fazia parte de suas recordações, como se nunca tivesse vivenciado aquele pesadelo.

 Não.

Agora ele tinha uma missão a executar e obteria êxito, mesmo ante a certeza de eu ela gravaria em sua alma a sina de um assassino desgraçado.

Enquanto colocava o equipamento, calçava as luvas e amarrava o hitaiate, uma estranha sensação de Dejavu o assaltou embrenhando-se em seu interior como se fosse uma cobra, se enroscando e deitando pesada sobre o próprio corpo, dando-lhe a sinistra impressão de que não era a primeira vez que ele reproduziria aquele feito.

Sentiu a garganta queimar e olhou para o distrito silencioso por entre o vão das janelas abertas. Tudo parecia normal, dentro do esperado.

Então porque parecia familiar?

Sentia-se angustiado pela sensação, mas algo o compelia a prosseguir, como se uma força superior o coagisse a ignorar aquela intuição. Como se estivesse agindo em uma espécie de piloto automático.

Saltou pela janela e encontrou o homem mascarado no local marcado. Uma hora depois sua espada gotejava enquanto seus olhos fitavam a carnificina que ele promovera em nome da paz.

Era humilhante e doloroso, mas necessário.

Despediu-se de seu infame parceiro naquele massacre e saiu ao encontro do terceiro Hokage com quem se deparou dentro do próprio distrito, ao lado de Danzou. Enquanto ambos agradeciam quase em uníssono suas ações altruístas, Itachi não conseguia deixar de sentir que alguma coisa estava errada naquele roteiro. Tinha acontecido daquele jeito mesmo? Os dois foram ao Distrito juntos para lhe agradecer pelo feito abominável e imprescindível que tinha dirigido mesmo com o coração em pedaços? Uma parte dele dizia que sim, mas outra gritava em seu interior que aquilo era falso, uma farsa!

A sensação começou a pesar de maneira tão surreal que em dado momento imaginou que a sua cabeça iria ser comprimida até o ponto de sublimação. As vozes de ambos os homens a sua frente gradativamente adquiriram a mesma sonoridade, tornando-se em um chiado insuportável, como o de uma antiga televisão sem sinal cujo volume fosse amplificado por alguma criatura etérea. O som alcançara decibéis inumanos, fazendo Itachi cobrir ambas as orelhas com as mãos, mas o ruído de alguma maneira conseguia atravessar a barreira que ele criara e lhe perfurava o tímpano, fazendo-o vibrar dolorosamente. O sangue escorreu pelos dedos.

Subitamente a certeza de que ele estava morto e aquele era o inferno o atingiu como uma pedrada na cabeça. Arfou apavorado ante aquela possibilidade.

O som das vozes voltou ao volume original. As mãos não estavam sujas de sangue, havia sido imaginação, alguma alucinação causada pelo stress de ter que completar aquela maldita missão em nome da paz?

Se era porque então a sensação de que estava morto parecia tão... real?

Tocou o próprio braço, e para seu alívio pode sentir a textura da pele, e o leve enrijecer os músculos em resposta. Conseguia sentir cheiros e ouvir, assim como o ar continuava a encher os pulmões, aspirando e expirando com tranquilidade e o coração pulsava. Se estivesse morto estaria sentindo isso? A sua frente Danzou e o Sandaime continuavam a pronunciar palavras – que ele não reparou no momento que se repetiam no mesmo monólogo -, suas vozes bem distintas, como se aquela cena nunca tivesse acontecido. Itachi acabou se convencendo de que aquele momento bizarro acontecera devido ao stress da missão que acabara de realizar.  

Despediu-se de ambos e foi em busca de Sasuke. Precisava falar com ele antes de abandonar a vila de vez, e assim completar seu plano.

Fechou os olhos e quando os reabriu estava ao lado do irmão, mas esse já não possuía mais as feições pueris; fato que –de maneira perturbadora- não o alarmou no primeiro instante, como se ele não estivesse atento a esses detalhes ou fosse incapaz de absorvê-los.

Aproximou-se a passos lentos na intenção de lhe tocar o ombro, porém sua mão atravessou-o como se fosse feita de névoa, incapaz de tocar a superfície sólida. Olhou intrigado para a própria mão, analisando-a como se esta fosse um corpo estranho.

Subitamente a certeza que ele tinha negado minutos antes tornou a assalta-lo ainda mais impiedosa e cruel.

Atônito, tocou o rosto com a ponta dos dedos constatando para seu horror que este já não possuía mais o calor de outrora. Ainda em choque moveu a mão até o peito na intenção de captar algum batimento cardíaco, sem encontrar nenhuma resposta. O coração já não palpitava mais.

Observou a expiração quente do irmão criar vapores de ar condensado ao entrar em contato com o ar mais frio da noite -cuja temperatura ele contatou ao ver as nuvens de fumaça que subiam a cada respiração de Sasuke, percebendo que nem mesmo a mudança do clima estava sendo capaz de captar-, confirmando assombrado não ser capaz de não fazer o mesmo, nem mesmo quando, depois de ciente disso, tentou criar aquele fenômeno, embora sentisse como se nunca em sua vida tivesse realizado tal ato.

Como se nunca tivesse respirado, nem mesmo por uma única vez, sentindo o coração quase entrar em colapso ao constatar que não sentia a necessidade de tal recurso.

Se ainda tivesse uma mente sem dúvida ele teria uma síncope com esta constatação, compreendendo afinal porque tudo parecia deslocado e ... errado. Era uma projeção de seus pecados. Uma constatação terrível.

Será que não teria descanso nem mesmo após a morte?

Apesar de não bater o coração doía em resposta a sua angústia.

Surpreendeu-se ao perceber que podia chorar e sentia a dor de estar preso nesse ciclo infinito de repetições, onde era obrigado a experimentar todos os dias a mesma dor. Matar seu povo.

Descobrir que não mais pertencia ao mundo dos vivos.

Constatar que jamais haveria liberdade para a sua alma.

Horas mais tarde ele retomaria a compleição infantil e se questionaria sobre o que estava acontecendo novamente. Era como estar preso a uma maldita gaiola de hamster, correndo dia e noite sem nunca alterar seu percurso. Ansiando pelo dia em que se libertaria daquele ciclo maldito e doloroso.

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Capítulo 3- Purificação: A alma não deve se apegar a remorsos da carne, caso contrário nunca será capaz de alcançar a liberdade almejada.

Aquilo era irreal, inaceitável!

Sakura sentiu os joelhos fraquejarem ao ouvir sua filha contar sobre sua suposta excursão, que - jurava ela- ter lhe rendido uma experiência sobrenatural e única e lhe permitiu conversar com a alma atormentada do tio. Balançava a cabeça descrente a medida que a jovem discorria meio acanhada sobre as experiências que, de acordo com ela, vinha vivenciando. Desesperava-se ao cogitar que sua preciosa herdeira estivesse enlouquecendo, era doloroso e assustador chegar a tal conclusão, todavia o que mais deveria pensar diante de tais revelações insanas? Contato com o mundo sobrenatural, médiuns, purificação... eram assuntos que uma mente sã jamais consideraria.

 Algo que ela como mãe não aceitaria.

Obstante a isso, haviam outros aspectos que deveriam ser considerados, como se aventurar em um encontro com uma desconhecida com agravante de se aventurar em um local ermo, distante e pouco visitado e o pior: sozinha. A autointitulada médium podia ser apenas uma charlatã em busca de dinheiro fácil as custas da ingenuidade infantil. O fato de Sarada ser uma kunoichi reconhecida pelo hokage, não a eximia do perigo de ser capturada em uma armadilha, dada a sua pouca experiência em missões e o fato de ser portadora do Sharingan, um doujutsu raro e cobiçado no mundo ninja, e ela deveria ter levado esses riscos em consideração.

Ademais, por mais que se esforçasse, a rosada não conseguia – nem queria- compreender aquela súbita admiração e interesse em Itachi que a filha desenvolvera. Não tinha muito o que dizer sobre ele, visto que tinham se encontrado poucas vezes ainda como inimigos. Suas experiências com o nukenin nada mais eram que um punhado de informações rasas e inúteis.

Outro aspecto que lhe fazia o coração bater descompassado era o temor de Sarada tentar questionar o pai acerca do que supostamente vinha vivenciando. Devido a sua natureza introspectiva e intolerante era difícil definir o que agradava ou desagradava o marido, mas sem dúvida citar o nome do falecido irmão dele pertencia a segunda opção. Se ele não gostava que sequer pronunciassem o nome de Itachi o que diria se ouvisse aquele apanhado de insanidades? Seria como armar uma bomba relógio e permitir que detonasse na própria cara.

Entretanto Sakura não fazia ideia do que estava por vir. Se ela acreditava que até ali havia escutado leviandades para uma vida inteira, deveria se preparar as últimas e mais chocantes revelações.

Esgotadas as opções viáveis, Sarada reuniu toda a coragem que dispunha e com muito esforço resolveu dar o passo definitivo e contar sobre seus encontros sobrenaturais com o falecido tio, desse jeito ou a mãe acreditaria em sua palavra de uma vez por todas ou a tomaria por louca de uma vez, internando-a em seu instituto para crianças desequilibradas emocional e mentalmente.

Ledo engano. Se sequer imaginasse que seria a mãe a surtar com a sua revelação teria guardado para si a informação.

A mãe apavorou-se ante a tranquilidade com a qual sua filha discorria sobre o assunto, atualizando-a sobre os vários encontros que tivera com o tio falecido. Temerosa, passou a monitorar cada passo, acreditando que ela estava ficando paranoica e suas alucinações eram prova disso.

— Eu não estou louca, mãe. Pare de me tratar como uma paciente ensandecida!- explodiu um dia quando a mãe insistiu que ela realizasse alguns exames psiquiátricos.

Como acha que vou reagir?- Exasperou-se com a postura dela, as vezes muito parecida com a do pai- Minha filha única passa a ter contato com o tio falecido que sequer chegou a conhecer insistido que o vê todo dia e espera que eu não surte?

Disposta a tranquilizar a mãe, Sarada consentiu se submeter a bateria de testes prescritos e realizados pessoalmente pela própria, que não conseguiu mascarar sua apreensão durante todo o processo. Todavia, para a surpresa e incompreensão da ninja médica todos os exames renderam apenas resultados negativos, levando-a a cultivar um medo quase irracional de que a filha estaria sendo acometida por alguma nova patologia desconhecida pela medicina atual.

Sakura reiterava que as “visitas espirituais” e consequente contato visual com o tio falecido que -Sarada insistia em defender serem reais- não passavam de alucinações causadas por algum stress provavelmente associado a vida conturbada que uma kunoichi vivencia devido a sua profissão – evitando relacionar o pouco envolvimento com o pai, algo que ela mesma evitava lembrar, apesar de ter ciência de que a falta de convivência com um dos genitores poderiam ser um fator gerador de distúrbios psicossomáticos- , negando fervorosamente a teoria dela de que estaria lidando com o sobrenatural.

Porém um dia, percebeu suas certezas caírem por terra ao presenciar por si mesma um fenômeno que não poderia ser rotulado como outra coisa que não sobrenatural.

Em um sábado. Ao passar pela sala a caminho do quarto, percebeu a filha atenta em observar o sofá que se dispunha a frente do qual estava sentada. Seus olhos negros fitavam o objeto com um olhar resignado e triste e Sakura avistou o topo de uma cabeça infantil com cabelos castanhos. O corpo pequeno tremia sacudido por espasmos de choro, mas não era possível ouvir o som característico do pranto, como se este não fosse capaz de produzir ruídos. 

—Não chore. – Sarada alentou-o com a voz calma. A versão infantil de Itachi parecia não possuir as memórias da versão adulta e sempre chorava desconsolado por causa do medo que sentia dos olhares dos outros Uchihas que o maltratavam – de acordo com ele- sem nenhum motivo. Apesar de Sarada conhecer os motivos, não se atrevia a revelar, uma vez que a médium a alertara sobre o risco de quebrantar ainda mais a alma fragilizada do tio. Cada vez que voltava haviam mais marcas em seu espectro, como manchas arroxeadas de um ferimento. “ A alma também se machuca” quase podia ouvir a voz da médium a retumbar em sua mente. “Principalmente quando eles não sabem que estão mortos” - Me dê apenas mais tempo, estou quase conseguindo convencê-la.

Curiosa com a cena, Sakura se aproximou de ambos, crente de que se tratava de um dos amigos da filha.

—O que aconteceu, filha? Porque seu amigo está chorando?— para o seu espanto a menina lhe encarou com os olhos estupefatos, deixando-a momentaneamente curiosa com sua reação repentina.

Sensibilizada pelos movimentos chorosos e aflitos do pequeno, ela ergueu a mão na intenção de lhe afagar os cabelos. Sua mão desceu, mas para seu espanto e pavor não encontrou uma base sólida na qual pudesse se apoiar, atravessando parte do topo da cabeça do menino. Arrepios se alastrarem pelo seu corpo como se tivesse mergulhado a mão em um balde de água fria. A criança dedicou-lhe um rápido olhar levantando a cabeça e no instante seguinte desmaterializou-se diante de seus olhos, esvaindo em névoa, deixando-a perplexa e em dúvida da própria capacidade de compreensão.  

Os olhos negros dele, tão intensos, carregados de dor e tristeza... era como um mar de angústia. Como olhar para um abismo e se sentir em queda livre sem sequer deixar o chão.

De repente era como se voltasse a ser uma criança novamente, incapaz de formular uma pergunta ou fala, e mesmo que conseguisse, duvidava ser capaz de encontrar a própria voz para executar tal ação. Observou a própria mão como se buscasse por resquícios da desmaterialização da figura que se dissipou no ar como névoa. Estaria louca?

A muito custo desviou o olhar do local onde o garoto estivera instantes antes até a filha, que ainda tinha a boca aberta e o semblante surpreso, descrente de que a mãe havia presenciado um dos encontros pessoalmente, podendo comprovar por si mesma não serem frutos de alucinações.

—Você o viu, mãe? – a Uchiha perguntou temerosa da resposta. O máximo que Sakura conseguiu foi balançar a cabeça positivamente, ainda que fosse de uma maneira lenta e pouco concentrada.

—Não pode ser, eu ...- calou-se ante o assombro de sua constatação. A força a abandonou seu corpo por alguns instantes e as pernas bambearam, obrigando-a a se escorar no sofá para manter-se em pé.

Seria possível? Não, aquilo não tinha como ser real, espíritos não existiam, a simples ideia de algo assim era absurdo demais. Mas ela tinha visto o olhar pesado e carregado de tristeza, antes que ele esmorecesse em pleno ar, como névoa carregada por uma brisa. As feições infantis ostentavam a inocência, os negros e profundos olhos, e a linha tênue que descia da base do olho e tocava levemente a maçã do rosto. Não havia dúvida de que era Itachi. Abriu a boca várias vezes para falar com a filha, abismada demais enquanto o cérebro assimilava o que acabara de presenciar, mas as palavras não vieram.

Constatou desesperada que aquilo era real! Ele era real e tinha testemunhado com os próprios olhos! Se fosse uma alucinação fruto de uma mente insana então ela não deveria compartilhar de tais ilusões, o que deixava apenas duas conclusões: era verdade, ou ambas estavam loucas.

—Ele precisa de nós, mãe— a voz de Sarada a despertou de seu transe. Havia no olhar da menina uma determinação angustiante.

Sakura não conseguiu fazer nada mais do que simplesmente balançar a cabeça em concordância, mesmo que não compreendesse bem porque fizera isso.


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Notas finais do capítulo

O que acharam da reação da Sakura? Eu teria desfalecido no mesmo momento. No próximo capítulo teremos uma nova excursão ao Distrito Uchiha.



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