A Marquesa escrita por Lady Westfield


Capítulo 1
De seu caro L.W.


Notas iniciais do capítulo

Olá. Eu estou escrevendo algo do tipo pela primeira vez, espero que seja agradável o suficiente. Não esqueçam de dizer o que acharam do capítulo, me digam se devo continuar. Boa leitura!



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— Isto é algum tipo de brincadeira. – Susan permanecia estática com a carta que lhe fora entregue logo pela manhã. Falava sozinha, na vasta sala de visitas azul, coberta com um papel de parede adamascado e esbanjando enormes tapetes em estilo Aubusson Francês rodeados por poltronas pompeux Luís XVI. Era uma típica casa nobre do início do século, ainda com aspectos vitorianos. A protagonista da cena, Susan Brakenridge, era a recém-viúva do Marquês de Crawbury, George William Brakenridge. Seu desagrado era compreensível: O envelope continha informações que não acreditava.

Naquela manhã de sexta-feira, tinha se enfeitado até um pouco mais do que durante os últimos cinco meses que sucederam a morte do marido até aquele dia de Março de 1860: Aquele era o início do período de meio luto. Poderia usar roxo, e parecer menos carregada de toda a responsabilidade mortuária que o óbito de seu estimado "arranjo matrimonial" a concedeu. Susan era jovem, devia ter pouco menos de vinte e dois anos, e alguns fios castanhos caiam sobre o seu rosto naquele dia, mesmo que horas antes a criada tivesse a arrumado dos pés à cabeça com todo o esmero que podia exigir de si mesma.

Os olhos azuis de Susan não brilhavam a alguns meses, desde que os últimos eventos exigiram dela uma maturidade quase inexistente. As expectativas de uma nova vida foram brutalmente interrompidas pela sequência de eventos traumáticos que o outono havia trago.

Na sala de visitas, uma das menores e mais particulares que a aconchegante casa urbana em St. James Square podia lhe oferecer, o seu vestido drapeado pouco enfeitado, parcialmente coberto por um casaco de musselina preto, parecia sufocá-la. Pedira à criada para que enfeitasse as mangas com rendas em roxo-púrpura, para que não precisasse ficar durante o restante do luto como uma urna de cinzar mortuárias. Não pretendia visitar alguém, mas aquela correspondência a obrigava a fazê-lo.

— Cliveden, por favor, peça para que não sirvam o almoço no salão. Eu irei até a Belgrave Square, mas creio que retornarei em breve. Pode ser que eu traga alguém até aqui, então prepare uma boa recepção, qualquer que seja a circunstância.

Hurley Cliveden era o mordomo da casa. Um homem antiquado, preso ao passado, sujeito aos coevos luxos de sua senhora. Mas, mesmo que não concordasse com as atitudes da dama viúva, devia assentir e manter-se calado. Era seu dever como servo.

— Sim, Milady. – Foi sua resposta. 

Susan seguiu até a saída, o criado em direção paralela. Este avisou ao libré e ao cocheiro, que tiraram a carruagem quase instantaneamente de detrás dos estábulos da mansão. Quando a senhora alcançou as pedras do calçamento externo, já tinha o veículo à sua espera. Alisou as saias duas vezes exatas e apertou as próprias mãos geladas. O mordomo, já de volta ao interno, lhe entregou um par de luvas de couro e um Bonnet. Auxiliada pelo libré, foi-se para dentro da carruagem e seguiram em direção à Praça de Belgravia.

Averfield Hall, Belgravia.

Uma saleta bege adamascada, alta e repleta com estátuas de mármore de Carrara e quadros relativamente atuais do casal anfitrião, além de um tapete redondo rosa com estampa floral que ficava sob uma mesa de carvalho no centro do ambiente, antecedia o inestimável luxo que aguardava os recepcionados em Averfield Hall. A Duquesa de Bricken (Bricken-Upon-Tweed, formalmente), anfitriã da residência, fez questão de interferir em toda a decoração de sua casa em 1827. As salas que tinham sido encomendadas pelo marido não foram o suficiente para a distração da Duquesa. Ela exigia que as flores fossem trocadas diariamente, duas vezes ao dia. Deviam ser perfumadas, todas, e trazidas do cultivo da sede familiar em Yorkshire, a Flicht-Hatton Manor. Os sofás não deviam ter almofadas em hipótese alguma, era uma exigência. “Não se preza por conforto em uma casa grande. Preza-se por luxo”, era o que pregava. No chão, tapetes vindos do oriente séculos antes do seu, comprados para serem pisoteados por Catarina da Rússia ou Luís XVI em seus magníficos palácios. Painéis dourados, quadros de autores franceses do século XVII, vasos de porcelana e dois grandes tapetes persas de décadas atrás decoravam um salão vermelho de altas janelas douradas e cortinas pesadas de veludo escuro com que Susan se deparou ao transpassar o gigantesco arco que dividia o pequeno e o grande Saguão. Ela parecia acostumada com aquele tipo de luxo extremo, mesmo que não prezasse por ele tanto quanto a tia. O mordomo que a atendera anteriormente, agora a olhou de cima a baixo com um olhar quase julgador - Por que todos os mordomos pareciam sempre tão esnobes? – mas o serviçal inútil foi colocado em seu devido lugar quando Susan entregou a aquele homem o seu cartão de visitas prateado. O mordomo engomou-se ao ler, e percebendo de quem se tratava, apressou-se em acomodar a convidada na sala de visitas e comunicar sua senhora. Sem uma palavra, seguiram até o salão. Passaram antes por sete ou oito salas gigantescas decoradas no mais interessante estilo russo, o qual sua tia tanto estimava e adorava incluir nos ambientes que frequentava. Uma daquelas salas tinha um exemplar exato de Ivan, o Terrível, esculpido em platina e bronze – metais de valor e agradáveis aos olhos – que era rodeado por dezenas de anjos, feitos em material inferior ao do soberano imóvel. A estátua ficava em um pedestal, quase que em um templo religioso, e era iluminada por dois grandes castiçais dourados. Ao lado, mais arcos que davam acesso ao restante da casa, só que dessa vez tampados por cortinas pesadas. Talvez mais pesadas que as anteriores.

Alguns minutos foram o suficiente para que uma alta e elegante senhora preenchesse os ares daquele salão. Tinha aproximadamente 55 anos, e vestia um vestido de seda brocada, em um tom quase mortífero de roxo escuro. Por cima, um sobretudo de veludo acinzentado e um colar de pérolas negras. Os ombros, perfeitamente alinhados, eram cobertos por uma estola de lã, simples o bastante para estar em casa. Nas mãos, grandes anéis de rubi. Nos pés, as pesadas botas de couro com botões de cobre - todos exibindo o brasão do título - que produziam um ruído infernal quando tocavam o chão recém-polido. Era Edwiges Averfield, a Duquesa de Bricken-Upon-Tweed. Susan levantou-se do lugar à que fora guiada, fazendo uma breve mesura para a anfitriã, um sinal quase de respeito. Pediu a benção e se afastou. Em contrapartida, Edwiges cumprimentou-a com firmeza, por seu estado de luto do qual também compartilhava. Não pedira chá, já que era cedo demais para tal. Ofereceu água, Susan recusou. Sentaram-se ambas.

— Me diga minha cara. O que lhe trouxe até aqui? Gosto de recebe-la, mas não creio que seja o momento mais apropriado para uma visita.

— Eu recebi uma carta endereçada à Lorde Crawbury, senhora. Tomei a liberdade de lê-la, afinal... Bem, imagino que compreenda.

— Sim, eu compreendo. Mas do que se trata? O que havia no envelope? - Edwiges questionou - o semblante curioso. A marquesa entregou a carta a ela, mas suas mãos estavam trêmulas e isso era perceptível. Na parte inferior do envelope havia uma data, 14 de outubro de 1859, o dia anterior à morte do respeitável e honorável Lorde Crawbury.

— Meu Deus. Isto é...

— Não foi ele quem escreveu se quer saber. Não sei, na verdade. Não assinaram...

Ela leu a carta, e olhou apavorada para a sobrinha. Releu. Susan olhou-a, desolada. Era claro o que havia levado-a até ali. Edwiges sabia disso agora, e sabia mais do que ninguém. Jogou-se para a poltrona atrás dela, e pousou a carta sobre a mesa ao lado. Em um gesto calculado para um dos lacaios parados como parte da mobília, exigiu que trouxessem um pouco d'água, e foi atendida em pouquíssimo tempo, menos do que se pode calcular. Susan desabava em lágrimas, e aquilo parecia tão vulgar diante dos criados... Ainda sem reação, a duquesa estendeu-a a mão com um lenço. Murmurou duas ou três palavras.

— Não compreendo agora.

A outra rebateu.

— Duvido que possamos. Duvido que compreendam tudo isso um dia.

No canto borrado da correspondência, uma anotação:

“Aguarde o próximo bimestre, Lady Crawbury.

Culposamente, seu caro L.W”


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Eu realmente espero que isto seja instigante. Até o próximo capítulo!



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