Sob Novas Estrelas escrita por Melanie Cheshire Hersing


Capítulo 1
Prólogo




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Observo as estrelas, sem reação alguma. Um misto de tristeza e medo se alastra pelo meu corpo, me causando calafrios. Sinto os lábios frios e trêmulos, enquanto meu reflexo está sem cor. Eu abandonei meu planeta. Nesse exato momento, Ehlai está em ruínas, devastado por uma guerra que nos custou tudo. Uma última guerra entre as duas nações que dominavam o planeta, uma última bomba, e tudo se desfez. Meu planeta inteiro morre. Todos os quatro bilhões de habitantes, todas as plantas, todos os animais... Tudo o que conheço está arruinado.

Fomos obrigados a deixar Ehlai para trás, numa nave pequena feita para reconhecimento e exploração. Era a única nave capaz de viajar tão longe, mas também era muito pequena. Doze de nós escaparam. De quatro bilhões de vidas, somente doze vão continuar. Eu não tenho mais lágrimas de tanto que já chorei. De tanto que chorei nos últimos tempos.

Eu e meu pai nunca fomos muito próximos. Controlando metade do nosso planeta, ele era um homem ocupado... Eu acabei sendo, praticamente, criada por minha mãe e alguns criados. No entanto, isso não amenizou a dor de perdê-lo. Pelo contrário, me culpo por não ter me aproximado dele enquanto podia. Me arrependo de tê-lo culpado pela distância, ao invés de buscar tempo para nós. A chance de viver com ele se foi para sempre.

Minha mãe parece notar o que penso e me envolve em seus braços, me aproximando em nosso assento. Não há palavras que possa dizer. Tudo o que pronuncia é uma triste e calma melodia. Uma música sem palavras, capaz de expressar seu luto, meu luto, nossa dor. Me recosto em seu ombro sentindo novas lágrimas brotarem, apreciando a canção. Apesar de triste, a canção em parte me acalma.

Volto a observar as estrelas. Conforme passam, uma ansiedade crescente se forma em meu peito. Para onde ir? Esta nave e sua tripulação já foi a vários planetas, mas nenhum tinha vida como a nossa. Apenas dois usufruíam de formas de vida orgânicas, mas um deles era repleto de toxinas e climas áridos, se tornando mortal. O outro, um planeta verde e azul, estava localizado num sistema solar distante ainda inexplorado. Vai ser uma viagem demorada, para um local desconhecido e novo. Nossa única chance.

Não sei o que esperar. Pode ser um planeta totalmente selvagem, pode ser um planeta habitado, pode ter guerras também... Pode ser muitas coisas, mas a última que se passa pela minha mente é algo semelhante ao lar. Minha curiosidade ainda aparece mesmo num momento tão horrível, mas sei que não posso sair e explorar. Serão meses de estudo escondidos antes de realmente caminharmos por lá.

— Hamália, sabe quanto tempo levará até o planeta verde? — minha mãe pergunta para a mulher que controlava o painel, parte da tripulação.

— Em torno de vinte e sete dias. — ela diz, ajeitando o coque.

        Em dias normais eu teria inveja dela, com cabelos verdes vistosos. Mas não estou em dias normais. Seus cabelos minimamente me lembram dos amigos que perdi.

        Acabo fechando os olhos e adormecendo. Seria uma viagem longa.

        Observo todos com cuidado. Após sete dias de luto, conversando somente com minha mãe, resolvi conhecer o resto. Se somos os últimos, devemos ficar unidos, não? Bem, eu imagino que sim. Por isso, faço questão de começar a decorar os nomes. A capitã da nave é Hamália, uma mulher de cabelos verdes e sorriso gentil. O ajudante dela, que ajuda como copiloto, é Alfey. Ele possui cabelos negros e olhos verdes brilhantes. O irmão de Alfey também veio, um garotinho chamado Jayle. Jayle possui os mesmos cabelos negros, mas olhos azuis. A bióloga que estudará o planeta e suas propriedades quando chegarmos se chama Omah, uma mulher rechonchuda de cabelos dourados e olhos pequenos. Ela usa uma viseira para ajudar na visão debilitada. Graças aos estudos dos três que temos ciência da existência do planeta azul, para onde iremos. Sem os três, eu e Jayle seriamos duas crianças mortas por radiação.

        Outro habitante da pequena nave que também será muito útil é Issacres, que estuda línguas. Conhecia todas as línguas do nosso planeta, além de ser perito em música e linguagem corporal. Ele ajudará caso haja vida inteligente no planeta. Particularmente, não o acho tão corajoso ou incrível quanto os exploradores que descobriram o planeta, mas minha mãe diz que ele é tão inteligente e importante quanto.

        Há também dois guardas conosco, do nosso antigo palácio, mandados nos últimos momentos com meu pai. Eles são uma mulher de cabelos negros chamada Gaile, e um homem de pele mais escura chamado Kai. Os dois tentam ser gentis, mas Gaile não consegue amenizar a carranca. Acho que por trás da cara brava está tão frágil quanto eu...

        Os últimos dois não tem nada de especial. Dois jovens da corte, cujos pais suplicaram pelas vagas na nave. O mais velho, de dezesseis anos, é um garoto chamado Hainu, de pele castanha assim como Kai. Ele possui olhos e cabelos negros, ambos raros para nós – geralmente, temos cores mais claras ou vivas – tem cuidado de Yami, de oito anos, durante a viagem. Parecem até irmãos, e dadas as condições são o mais próximo de família que vão conseguir.

— Ahnia, a gravidade artificial está consumindo energia. Deveríamos deligar ao menos enquanto estão acordados, para poupar as baterias. — Hamália diz para minha mãe, ainda obedecendo a antiga rainha.

— Precisamos poupar energia, se importam de desligarmos a gravidade? — ela olha para os passageiros.

        Eles permitem, e Hamália nos enche de instruções sobre jamais retirar os cintos, não comer sem gravidade, entre outras coisas. Ao desligar a gravidade artificial, vejo mexas do meu cabelo voando a minha frente. É uma sensação engraçada, até me faz esquecer como os últimos dias tem sido.

— Está tudo bem, princesa Mali? — Gaile me observa, com certa preocupação.

— É engraçado. — respondo, observando meu cabelo voar sem gravidade.

        Ouço Yami rir, confirmando que não fui a única a gostar. Voar era algo que muitos sonhavam, uma tentação para a mente de muitas crianças. E aqui estamos, sem gravidade, com cabelos voando. Todos estão mais leves com a pequena brincadeira... Talvez outra também venha a calhar.

— Que tal um jogo? — sugiro — Coisa boba, só para nos conhecermos melhor...

— Se for seu pedido. — Gaile assente, leal a qualquer coisa que eu e minha mãe venhamos a dizer.

— Se um de nós falar algo sobre si, a pergunta vale para todos e todos tem que responder sem mentir. — digo — Por exemplo... Algo que goste, que não goste, uma comida, medo... Sabe, só para não passarmos mais sete dias como desconhecidos. — observo eles.

        Minha mãe aceita calma, entendendo onde quero chegar. Os guardas, Hainu e as crianças aceitam. Já Issacres continua sua conversa com Omah, deixando o jogo para a próxima e, os pilotos, continuam navegando sem participar.

        Eu começo, seguida por Yami e Hainu, que passam a vez para Jayle e os dois guardas. Não vejo a hora passar, tão rápido que o tempo passa durante as perguntas bobas. Do que gosto, do que não gosto, cor favorita... Sempre perguntas bobas, evitando falar sobre família ou amigos.

— Eu gosto de cantar quando... estou pensativa. — digo, sorrindo de leve.

        Cantar para nós é tão natural quanto falar, nossas vozes são fortes e grande parte da antiga população sabia tocas algo... Porém a resposta acaba com meu sorriso fraco.

— Eu gostava de cantar com meus amigos... — Yami diz, com olhos marejados.

        A pequena começou a chorar na hora, acabando com o jogo. Hainu tenta acalmá-la, enquanto Jayle começa a chorar também. As lágrimas voam pelo compartimento, sem gravidade, e Hamália liga a gravidade artificial de volta antes que as lágrimas encontrem algum fio.

— O que houve com as crianças? — Alfey observa o irmão e Yami.

— Estávamos brincando, mas...d-deu errado, desculpa eu... Eu não achei que ia magoar alguém. — baixo o olhar, culpada.

        Kai, no entanto, começa a cantarolar. Uma melodia simples e conhecida, mas que chama a atenção dos pequenos que diminuem o choro. Minha mãe o acompanha, a fim de acalmar as duas crianças e Hainu começa a cantar, acalmando os dois. Fico em silêncio, ouvindo. Foi culpa minha, e não ouso me pronunciar. Ao fim da canção, conseguimos colocá-los para dormir e volto a observar as estrelas pela janela.

— Não foi sua culpa. — minha mãe diz, calma.

— Foi sim. A brincadeira idiota foi ideia minha... — digo culpada — Eu só acho que... Se somos os últimos podíamos nos dar bem, nos conhecer. — suspiro.

— E nós vamos, mas ao nosso tempo. Não faz bem apressar as coisas, minha flor. — ela diz, me chamando do mesmo jeito que o papai.

Ouvir isso dói, mas ao mesmo tempo é reconfortante tê-la comigo. E ela tem razão, vamos nos conhecer com o tempo, só preciso esperar. E, por hora, preciso dormir.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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