Darkpath escrita por Lyra Roth, João Pedro


Capítulo 12
♤11 -Nostalgia (sic)♤


Notas iniciais do capítulo

As coisas estão bem estranhas agora... onde será - ue vão parar?



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Matthew D. Coleman

— Precisamos conversar. - A frase terminou ao mesmo tempo, me deixando com muito mais medo do que estava antes. 

— Você primeiro. - Sugeri. 

— Ta brincando? - Ela olhou para dentro da sala, como se estivesse procurando algo. - A polícia estava aqui!

— É, sobre isso...

— Eu também ouvi que você foi pra diretoria por causa de mim... Matt o que tá acontecendo?

Engoli em seco antes de dar a notícia. 

— Alguém morreu, Milla. De verdade...

Não consegui identificar a expressão da Milla, mas meu rosto devia estar mais branco do que uma folha de papel. Eu não conseguia imaginar... Céus, eu joguei um notebook na cara dele aquela manhã e agora ele estava morto! Morto... Não podia estar acontecendo!

— Espera, o quê? - Milla olhava para mim, atônita e ainda parada na porta. 

Convidei-a para sentar-se e fechei a porta, não era uma conversa para se ter de pé. Milla desfilou sala adentro como se a passarela fosse uma pista de corrida. Eu nunca tinha visto-lhe desse jeito, a calmaria excessiva era o aspecto mais memorável de Milla, era o que me acalmava na maior parre das vezes! 

Foi só um susto momentâneo, ela logo se recompôs. 

— Você bate em alguém e esse alguém morreu? - Milla pediu uma confirmação do que eu acabara de contar. Assenti com a cabeça.

— Isso é muito ruim. - Ela jogou-se na minha mesa, deixando bem claro que não queria olhar para mim. Machucou um pouco. 

— Você não acha que fiz isso, né? 

— Eu não...- Ela não terminou a frase e levantou a cabeça. - Por que vocês brigaram? 

Dei alguns passos em direção à cadeira, mas Milla recuou. Ela estava com medo de mim? Eu estava lutando para não deixar as lágrimas saírem.

— Ele queria que, bem... que eu ajudasse-o a... "ficar" com... bem, com você. 

Eu teria rido da expressão de Milla em qualquer outro momento, mas o pretendente tava morto, eu só não conseguia.

— Ele era muito babaca... Eu não queria que você conhecesse um cara desse tipo. - Desviei o olhar. - As coisas que ele falava sobre você e... e...

As lágrimas finalmente caíram. 

— Matt... - Milla disse meu nome, olhando para mim com aqueles olhos verdes inabaláveis. 

— Eu só joguei o note nele, não matei, juro! - Afastei-me e limpei as lágrimas. - Eu juro, não fui eu... eu não...

Milla pediu para que eu sentasse ao seu lado na mesa, que milagrosamente não quebrou. Ela começou a acariciar meus cabelos, igualzinho minha mãe costumava fazer anos atrás, quando eu tinha pesadelos. Ficamos pouco tempo assim, as lágrimas e soluços logo cessaram. Eu não ligaria que houvessem mais, afinal me sentia seguro assim, sentia como se Milla estivesse me protegendo, tão tranquilo, tão... Eu não me sentia assim desde que me expulsaram de casa.

Todavia, ela me soltou. Ficamos em silêncio por um tempo, o que havia acabado de acontecer? Bem... seja o que for, deve ter deixado meu rosto vermelho.

— Eu ouvi um nome hoje. Sentinela. - Milla sussurrou. Esse era novo. 

— Quem? - Perguntei. 

Milla parecia meio perdida, como se não entendesse direito. Ela colocou uma coisa minúscula e peluda em cima da mesa, que não se movia, mas parecia viva. 

— Um coelho? - Encarei a coisinha de olhos vermelhos.

— Ele me entregou isso e disse para não perder se não quisesse me envolver com esse Sentinela de novo.

— O cara da escada? - Milla havia mencionado-o uma vez, mas pra mim era um aluno que ainda não havia superado o jardim de infância. 

— Não... Acho que a pessoa que colocou os bilhetes. - Ela parecia pensativa. Era informação nova, não lembro de Milla mencionando nenhum bilhete. Um arrepio percorreu minha espinha. "SUA CULPA", era o que estava escrito aquela vez em que eu estava segurando pizza e a Nat competindo com a Milla sobre quem fazia o melhor cosplay de Carrie a Estranha. — Matt, foi tudo tão estranho. A gente estava na aula e o projetor queimou, tipo do nada! Tinha um homem de terno lá fora na janela e depois não tinha mais.

Gelei. 

— Era ele! - Exclamei, olhando de relance pra janela. - Nat me disse que as máquinas não gostam muito dele... Você o viu também! 

Finalmente me convenci de que eu não estava ficando louco e aquele "capiroto" era de verdade.

— Nathalie! - Milla exclamou, olhando ao redor. - Ela está aqui?

A menos que tenha se escondido embaixo da mesa, não, não estava.

— Ela saiu depois de gritar com os policiais. - suspirei. - Não pode ter sido ela, estava comigo o tempo todo. 

Milla começou a acariciar o coelho. 

— Ela estava aqui aquela vez, e na biblioteca e no refeitório e no seu quarto! Matt, ela está em todo lugar que a gente está.

Dei de ombros. 

— Vai ver ela é nossa amiga e tá ajudando a gente com isso tudo de... Você sabe, dele!

Milla apertou o coelho. Pensei que ia explodir, mas ele nem chiou. 

— Você não acha isso nenhum pouco estranho?

— Ela usa um tapa-olho. - Murmurei. - Claro que é estranho, falta só o chapéu pra ser o Jack Sparrow.

Um sorriso fino se formou nos lábios rosados de Milla, mas infelizmente não durou muito. 

— Ela não está em todo lugar que a gente tá. - Milla disse, pensativa. - Está em todo lugar que você está.

— Que isso... Ela estava ajudando a refazer meu projeto, Mr. Gajeel queimou meu computador antes de morrer. 

Um lampejo de fúria percorreu minha mente. Aquele desgraçado! Eu... "Se controle Matt, ele morreu." O Matt da minha mente reapareceu, já era hora. "Você já tem um zumbi no estoque, não precisamos de outro."

Era bem questionável, na verdade, já que furaram sua cabeça com um machado depois de matá-lo, segundo os policiais. Seja lá quem o matou, odiava zumbis tanto quanto eu. 

— Vou te mostrar o que a gente fez! - Decidi. Desbloqueei o computador.

— Ela acabou de enviar esse aqui. 

Whatimesit.Avi.

Abri o arquivo. 

Era uma animação já finalizada e incrivelmente bem feita, era como se estivéssemos olhando pra uma pessoa de verdade. 

— Essa menina... - Milla observou. - Ela tá usando minhas roupas?

Sorri. 

— A gente se inspirou em você, caso não se importe, claro. 

Era um flashback da protagonista, tinha filtro de flashback e tudo. A Milla do jogo estava sentada na cama, encarando alguma coisa na janela com uma expressão vazia. Os olhos verdes se aproximavam lentamente conforme a música, tocada em um piano clássico, acelerava. 

Passavam-se flashes de suas memórias por trás de seus olhos. Ela presenciava uma cena de violência entre sua melhor amiga - Que não me lembrava nenhuma conhecida - e seu namorado. Na minha versão, ele era o protagonista, arrependido e tentando se redimir. Nathalie mudou algumas coisas.

Milla do jogo tenta separar a briga, mas acaba sendo derrubada pelo rapaz furioso, que logo em seguida sai, batendo a porta. 

A Milla da cama pisca e agora vemos-lhe discutindo com a amiga, tentando convencê-la de que aquele tipo de pessoa não merecia sua atenção, mas a jovem estava perdidamente apaixonada e não deu atenção para os conselhos da amiga. Ao invés disso, ela corre para fora da casa, molhando sua roupa na fina chuva de novembro. Um close em seus all-star surrados e água espirrando. 

Botinhas apressadas aparecem algum tempo depois.

A protagonista aparece olhando para os lados, procurando pela amiga. Um grito. 

A cena corta para "Milla" encarando a jovem morta no chão, usando um estranho - e caro - vestido vermelho, além de sapatos de festa e tranças no cabelo.

"Milla" pisca novamente e ela aparece na cama, fumando dezenas de cigarros e jogando-os ao lado. Até onde eu sabia, a Milla de verdade não fumava, talvez tenha sido outra liberdade que Nat tomou. Sempre que ela levava um cigarro à boca, o descartava logo em seguida e fazia de novo. A cena corta para a janela. Um gato preto passa por ela. "Milla" tenta se levantar para fechá-la, mas não consegue. A câmera muda para seu pulso, onde vermes  brancos prendiam-na, amarrando-lhe na cama. Vemos os cigarros no chão, multiplicando-se em milhões de mini vermes se espalhando sobre os lençóis. A Milla do jogo começou a se debater, mais e mais, mas os vermes nojentos se enroscavam em seus membros, formando longas correntes de pesadelo pegajoso. Uma risada começa no fundo, que há muito tempo não já não havia música. A risada do ser me causou arrepios. A câmera fica em primeira pessoa e vemos tudo pelos olhos da "Milla". Uma figura sombria de cartola aproximava-se da câmera devagar. "Milla" piscava freneticamente enquanto ele chegava perto e mais perto e mais perto... ele abre a boca e salta na tela, deixando-a toda preta.

A Milla do jogo acorda assustada. Senta-se na cama, fitando alguma coisa na janela com uma expressão vazia. Os olhos verdes se distanciavam conforme a música, tocada em um piano clássico, ia diminuindo.

O último frame era idêntico ao primeiro, nos deixando com aquela terrível sensação de que ia acontecer tudo de novo. Nathalie era um gênio! 

— Wow! - Milla exclamou, com um sorriso nervoso no rosto. Aparentemente tinha tomado alguns sustos. - Isso foi incrível. Você que escreveu?

Desviei o olhar, tentando conter o sorriso de orgulho.

— Bem... foi. - Respondi. Ela havia gostado de verdade e eu estava adorando falar sobre algo em que o vilão não fosse eu. 

Continuamos comentando, Milla fez algumas observações, entre elas a de que o vilão era meio "bobo" e "genérico", um tipo de Freddy Krueger elegante. Prometi que iria surpreendê-la. Ele não era um cara sem rosto endemoniado que podia nos destruir a qualquer momento quando bem entendesse, nem uma zumbi ruiva, mas eu estava bem disposto a escrever um monstro bem mais cruel que os dois.

— Tem mais. - Voltei-me para o computador, procurando mais títulos com duplo sentido. - Nathalie não queria que eu te mostrasse ainda, mas...

Begun.avi.

A animação começava igual à outra, com a Milla do jogo sentada na cama, olhando para baixo. A gente não conseguia ver o que havia lá. A cena muda pra uma menina correndo, uma versão infantil e fofinha da "Milla". Ela estava triste. Close em seu rosto, lágrimas caindo. A câmera muda pra alguém no balanço, gargalhando. As meninas na gangorra também. As que estavam sentadas não olhavam para ela, mas disfarçavam o riso. "Milla" cai e começa a chorar. Agora ela estava longe, bem mais perto da floresta do que todos os outros. Ela olha cima e vemos um homem de terno, pelo menos vemos o torso dele, não dá pra ver a cabeça. Foi claramente inspirado no Slenderman. Ele estende a mão. A expressão dela agora é é estranha, ela estava com um sorriso bobo e parecia estar sonhando. Ela se levanta e começa a andar em direção à floresta, mas uma professora preocupada segura sua mão e a puxa para outro lado. Vemos as duas de costas, voltando para a escola, até que Milla olha para trás, direto pra gente, confusa.

A cena corta pra ela em um carro, contando para os pais o que aconteceu. Não havia áudio ainda, mas dava para ver que não era uma conversa muito agradável. Ela olha para a janela e a tela começa a chiar.

Nesse momento, a Milla de verdade segurou minha mão e apertou com força. Voltei-me para ela. Milla estava com os olhos colados na tela, ansiosa ou assustada... não tinha certeza. Essa nem era a parte assustadora.

Conforme a tela chiava, figuras iam aparecendo rapidamente, não dava para ter certeza do que eram. A tela foi melhorando aos poucos enquanto víamos Milla brincando com o pingente em forma de ursinho que, descobririamos depois, era um presente de sua mãe. Ela disse que o urso a protegeria de qualquer mal, como um anjo da guarda. 

A tela começa a piscar. Uma mão enorme e branca toca o ombro de "Milla". A tela chia até ser completamente tomada pela estática. 

Tudo começa a piscar e retornamos ao quarto. Milla ainda está olhando pra baixo, mas agora um par de mãos estão tocando seus ombros. A câmera começa a gravar de cima e vemos um casal de senhores no chão, mortos. Não mortos de maneira comum, mortos de maneira Nathalie, o que inclui intestinos amarrados nos pulsos e olhos arrancados.

O pingente de urso estava partido na mão da mulher. Tudo fica preto. 

Silêncio por uns segundos e BOOM!

"Salve salve galerinha!" Nat grita animada da tela, quase fazendo a gente ter um infarto. Milla começou a rir, nervosa. 

— Essa foi a parte mais assustadora. - Disse, ofegando enquanto se recuperava do susto. 

"Esse é mais um vídeo do..." Nat parou de falar e olhou pros lados. "Que nome coloco nessa merda? Ah tanto faz, só tem você me assistindo mesmo." Ela levantou um pacote de... bem, de coisa safada. "Eu comprei isso pra você, você sabe pra usar com a..." 

Avancei o vídeo em uns três minutos e sussurrei um "Desculpe-me, por favor." pra Milla, que parecisa não estar não entendendo nada. 

"Então Matt, eu preciso que você guarde essa só pra você, pode ser?" Ela tamborilou os dedos na mesa.  "Não acho que a Milla vai querer ver seus pais mortos tão cedo, não que eu me importe muito, mas... Você sabe, nosso corpo não vale tanto pra pagar um processo internacional." 

Ela cruzou as botinhas em cima da mesa e começou a lixar as unhas com uma faca de caça. Aquilo me causou arrepios. 

"Tic tac tic tac..." A tela fica em preto e branco e ela olha pro teto. "Eu devia criar um canal de maquiagem... as pessoas me amam... Ah é, ta gravando." Corte. "Eu vou modificar algumas coisas antes que você vá correndo mostrar pra ela." Ela fingiu sussurrar: "Nem adianta negar, você ama ser elogiado."

Eu devia ter pulado essa parte também. 

"É muito importante que não mostre pra ela se não quer vê-la traumatizada pra sempre, ainda mais com essas coisas de..." Ela fala umas palavras numa língua estranha, alemão, acho. Ou holandês, tinha letras demais. "E de gente jogando ela da escada...  imagina, e se o assassino do merdinha for o mesmo cara? Pois é então... NÃO MOSTRA PRA ELA! Bye bye pessoinhas." 

O vídeo acaba com ela sorrindo de um jeito que não combinava em nada com ela.

Eu ainda não tinha visto essa parte, se tivesse não mostraria para ela. Meu corpo inteiro se arrepiou. Eu não tinha considerado Milla como um possível alvo desse assassino, mas agora fazia sentido. Ela quem estava sendo perseguida, não eu! Eu só havia alucinado, não tinha nenhum sentido ser sobre mim. Eu só não entendia ainda o porque. Mr. Gajeel incomodava bastante gente, mas Milla... Ela era a pessoa mais doce que já conheci, inimaginável ter inimigos. 

— Matt... - Milla me chamou. Notei que ela ainda estava segurando minha mão, mas soltou assim que me viu olhando.

— Desculpa por ter te mostrado... isso que a Nat falou...

— Nat... - ela repetiu baixinho. - Não tem problema, não é como se não tivesse considerado isso. 

— Você é incrível. - Sorri. - Acho que vou precisar de mais do que mãos e estática pra te deixar com medo. 

— Sobre isso... - Ela olhou diretamente pra mim. - Você que escreveu? Parece bem diferente da outra... 

— Ah não, foi ideia dela. - levantei-me. - Esse vilão é o amigo imaginário dela, queria ajudá-la, mas ela não aceitou sua ajuda e... ele não gostou muito disso. 

— Imagino. - Comentou. 

— Nat achou que ficaria legal porque o antigo protagonista tinha um monstrinho particular que o deixava com muita raiva. Eles não influenciam muito, mas...

Desviei o olhar.

— Desculpa, não deve estar entendendo nada. - Até porque ela estava olhando pra tela desligada do pc. 

— Não é isso. - Ela voltou a olhar pra mim. - Eu só estava...

— Tudo bem. - Afirmei. 

— Eu quero ajudar. - Pediu. - Posso? Isso foi tão incrível... ia adorar trabalhar com vocês.

— Ia ser incrível.  - Eu não conseguia imaginar as conversas delas entre uma cena e outra. Não sei... Milla e Nat eram tão diferentes. - Só que vou ter que começar a pagar hora extra pra Anissa. 

A garçonete estava parada na porta, me encarando como se quisesse me trucidar. 

— É melhor eu ir... - Milla disse, envergonhada. Ela sussurrou um pedido de desculpas para Anissa quando passou por ela, que aceitou com um "tudo bem" que significava mais: "não ta nada bem".

Assim que Milla saiu, ela veio até a mesa. 

— Eu odeio você. - Disse. - Sr. Coleman o que tá acontecendo? A polícia estava aqui...

— Está tudo bem, não se preocupa.

— A gente vai ter que fechar? - Ela aparentava estar apavorada. - Eu não posso perder esse emprego eu...

Anissa tocou a barriga. Ela estava grávida quando a contratei na semana passada, as coisas não andavam muito bem na casa de seus pais e eu sabia muito bem como era isso. Foi o motivo para contratá-la. 

— Não vamos fechar. - Garanti. Fiz um gesto para que ela se sentasse na cadeira ao meu lado. - Quer milk-shake? - Ofereci, Nat não havia terminado o dela e Anissa nem se importou de estar pela metade. Ao sair, ela ainda disse:

— Tá com gosto de cachaça. 

Pouco tempo depois, decidi assistir ao pedacinho do "vlog" que faltava. Pouco antes de eu avançar o vídeo, a tela fica em preto e branco e Nathalie joga o pacote de safadeza pra trás de si. "Eu sabia, ela tá aí." Disse, sorrindo. "Oi Milla, tudo bem? Vou te deixar conversando com o Matt, a gente se fala outra hora, Bye bye." A tela fica preta por quase um minuto, antes dela retornar, passando os dedos por seu cabelo. Eu não conseguia parar de olhar, ela se movia de uma forma tão... tão... estranha? Não sabia dizer se a sensação que passava era boa ou ruim. 

"Agora que a Milla não deve estar aqui, vamos continuar." Ela colocou a ponta do dedo na boca. "Ah, antes que eu me esqueça: preciso que passe no meu quarto mais tarde, fiz algo pra você. Apartamento 33. Onde paramos? Ah, sim. Então Matt, preciso..."

O resto do vídeo a gente assistiu. E rezando para que não fosse o que ela mostrou no vídeo, decidi ir. Ela já havia derramado bebida no meu carro e me chamava pelo meu apelido, acho que já era o suficiente para nos visitarmos às vezes.

— Relaxa. - Ela me disse. - Estava esperando algo diferente?

O quarto de Nathalie era bem menor do que o meu. Havia tantas coisas espalhadas quanto o da Milla, coisas como cadernos, livros, aquela faca do vídeo... mas nada disso era o que me preocupava.

Próximo à tela coberta, uma pintura acho, havia um quadro, tipo quadro de avisos. Eu só conseguia identificar a cor da moldura, porque ele estava repleto de fotos.

Fotos de cadáveres, todas sangrentas e em algumas eu podia identificar os órgãos que estavam fora do corpo. Meu Deus, aquilo era doentio até para ela!

— Você precisa de um psicólogo. - Falei.

Ela riu, se divertindo com minha expressão de nojo.

— Se algum deles me curar, não vai ter nenhum jogo. - Ela segurou minha mão. As delas estavam quentes e macias, a sensação era incrivelmente familiar. - Venha eu quero te mostrar uma coisa.

Deixei a empolgação dela falar mais alto do que meu desconforto crescente.

Ela me guiou por entre caixas e roupas espalhadas até a tela coberta. Eu estava preparando meu psicológico para ver mais uma cena doentia.

— Já está quase terminada. - Ela disse, sorrindo. - Eu fiz para você.

Olhei para o teto branco, depois para os pôsteres na parede e depois para o computador ainda ligado na animação em que ela estava trabalhando. Suspirei e finalmente olhei para aquele maldito quadro.

Queria não ter feito.

— Meu Deus Nathalie! - desviei o olhar. O que ela retratou ali foi a morte do nosso colega em prefeitos detalhes. - Isso é nojento!

Ela se levantou e tocou meu ombro. Encolhi instintivamente, mas ela apertou mais forte e me abraçou pela costas. Eu sentia seu calor bem próximo de mim, sua testa tocando meu pescoço... ela era tão pequena, devia estar nas pontas dos pés.

— Quantas vezes ele te machucou? - Ela disse.

— Isso não importa. - Respondi. - Ele estava vivo e agora...

— Agora ele não pode te machucar mais. - Ela disse. - Ele não pode quebrar suas coisas, nem contar mentiras. Seja lá quem for, esse assassino fez um favor para você.

Quando eu me lembrava de Mr. Gajeel, não vinha nenhuma lembrança positiva. A verdade era que eu o odiava com todas as minhas forças, mas não podia me dar o luxo de ficar feliz com sua morte. Isso era errado, era pecado!

Não era?

Suspirei.

— Talvez eu seja o próximo. - Eu disse. - Talvez seja você. Não podemos comemorar o trabalho de alguém que nem conhecemos!

Nathalie riu baixinho.

— Você não será o próximo. Eu vou te proteger.

Compartilhei de seu riso. Mr. Gajeel era enorme, quem quer que o tenha assassinado, definitivamente era maior e mais forte do que Nathalie. Como ela poderia me proteger? Chegava a ser cômico.

Nathalie foi uma das duas únicas amigas que eu já tive, não queria que se sentisse mal. Mesmo o presente sendo doentio, ela fez pensando em mim.  Eu não era tão cruel a ponto de recusar, mas nunca iria exibir aquilo na parede. Ficaria coberto por alguns anos.

Virei meu corpo para olhá-la. Seus cabelos estavam jogados em seu rosto e ela ria jovialmente. Talvez até me acostumaria com aquele tapa olho algum dia.

Encarei a pintura. A cena era idêntica à de antes.

— Como se lembra de tantos detalhes? - Olhei para o corte enorme em seu rosto. Eu quase ri, mas consegui me conter. Não era certo se divertir com coisas do tipo, nem engraçado! O que...

— Eu que matei. - Ela disse naturalmente.

— O que? - dei um pulo para trás.

Ela começou a rir da minha cara de novo.

— Se acalma. Só to brincando, tirei uma foto depois que saí da sua lojinha.

Só acreditei de verdade quando ela me mostrou a imagem retratando a cena do crime. A pintura era como uma cópia perfeita da foto, até mesmo as cores apresentavam a mesma tonalidade. Nathalie era incrível.

— Você não achou mesmo que eu mataria alguém, né?

Olhei para aquele olhinho verde e retirei os cabelos que insistiam em cobrí-lo.

— Eu não tenho certeza. Você é uma pessoa bizarra.

Então ela ficou séria.

— Eu mataria se fosse alguém como ele. - Disse.

— Nathalie...

— Você também não faria? - Ela não desviou o olhar em nenhum momento.

Sempre me encarava com aquele olho. Parecia errado haver apenas um.

— O que aconteceu com seu olho? - Perguntei, fugindo da pergunta dela.

— Eu o perdi por aí. - Ela deu de ombros.

Nunca mais perguntei nada sobre seu rosto.

Nathalie segurou minha mão e colocou-a na sua bochecha. A pele não era lisinha como aparentava, na verdade eu podia sentir pelotas, cicatrizes, pelos meus dedos. Alguém tinha machucado-a e muito, não admira-me que tenha se tornado o que é hoje.

— Nunca deixe ninguém te machucar, Matt.

Após dizer isso, ela me empurrou e começou a rir.

Levantei-me. Ah não ia ficar assim.

Fui em sua direção e comecei a fazer cócegas em seu corpo. Nat ria como uma criança. Ela me pedia para parar, mas não o fiz, estava adorando vê-la sorrir. Ela também fez cócegas em mim e, como dois idiotas, ficamos rindo por sei lá quanto tempo.

Em um determinado momento, joguei -a na cama bagunçada. Ofegante, ambos. Ela estava tão perto... aquele rostinho machucado estava tão bonito assim pertinho...

— Matt... - Ela sussurrou meu nome.

— O que? - Sussurrei de volta, sorrindo.

Ela se levantou.

— Ta com fome?

Suspirei. Mas logo em seguida, voltei a sorrir. Tinha sido um dia incrível.

— Você vai cozinhar? - Levantei as sobrancelhas (Na verdade era pra ter sido uma só, a outra era invejosa).

— Não vai ter nenhum coração na comida. - Ela sorriu. - Talvez um rim ou dois...

Olhei para a tela e meu estômago embrulhou. Eu não queria comer nada que me lembrasse Mr. Gajeel, definitivamente não queria.

— Quer sair pra comer? - Sugeri. - Eu pago.

Menu da noite: Pizza vegana.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado, diz aí embaixo o que achou ^-^/ te mais.



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