O Protetor escrita por Pedro Haas


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

caá estou eu mais uma vez



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O trovão ressoou através do escritório. Lá, um homem de sobretudo preto com um 'H' azul estampado em seu peito falava ordens para oficiais de menor escalão com calma, enquanto outro, com o mesmo traje, estava sentado apenas observando.

— O Procedimento Padrão deve começar logo – disse o homem de sobretudo que estava em pé. Era loiro e tinha um sorriso suave e generoso — Vocês foram os que viram os eventos de hoje, certo?

Os oficiais apenas assentiram. Estavam suando frio, todos eles, olhavam cautelosamente para o homem que estava sentado.

— Não precisam temê-lo – o homem alto e loiro tentou acalma-los com seu sorriso tênue.

O homem ao seu lado era realmente temível, sua habilidade de cancelar os pensamentos de seu alvo era, realmente, invejável. Mas eu sou pior... Ele pensou, com graça.

— Apenas, limpem sua mente... – o homem que estava sentado falou e todos pararam para ouvir. Cabelos castanhos mal-cortado, com barba espessa e olhos mortos, ele parecia vazio por dentro.

Os oficiais repetiram o "mantra" em sua cabeça, F.A.N., letra por letra, enquanto o Procedimento Padrão começava. O loiro se afastou com as mãos para trás, enquanto o outro se levantava e estendia sua mão para cima levemente. Os oficiais respiraram fundo de ansiedade, seus pensamentos seriam apagados naquele momento. E por um minuto, todos os oficiais esqueceram até como respirar. O Vazio invadia suas mentes, arrombando as portas de sua consciência, revirando suas memórias e inibindo seus pensamentos. O Vazio era o próprio homem de sobretudo, investigando o lugar mais privado do ser humano.

Dentro da mente de cada um, partes da memória se formavam como um quebra-cabeça. A memória de eles perseguindo uma garota, atirando em sua direção como Wesley havia lhes ordenado, até a parte realmente interessante. Em determinado momento, a garota se escondeu de um homem, seus olhos eram prateados, e ele segurou um tiro letal contra ela com apenas uma mão. As próximas memórias formadas em sua mente foram a da perseguição. O homem estava dirigindo enquanto a garota — O Vazio sabia seu nome, Duda — tentava em vão atirar contra eles. Mas, fora isso, as habilidades do motorista eram invejáveis, quase sobrehumanas. 

O Vazio saiu da mente dos Oficiais FAN de uma vez, o que quase os colapsou.

— E então? O que acha? – o homem loiro perguntou ansioso, seu nome era Wesley, ele estava mais no controle do que o Vazio gostaria. Parecia sempre querer impressiona-lo com seus métodos absurdos, mas O Vazio não era alguém que se impressionava com algo.

O Vazio não tinha nenhuma emoção além do sarcasmo, e isso irritava profundamente Wesley.

— Queria saber... Por que você foi tão violento? – A resposta surpreendeu Wesley.

— Ora, do que está falando?

— Se ela morresse, teríamos problemas – ele fez uma pausa – Você teria problemas sérios.

Wesley encarou o homem que se denominava "Vazio". O que ele quer dizer? Será que... A ideia correu por sua mente rapidamente, mas, tempo, era algo que passava estranhamente para Wesley.

— Me desculpe, senhor... – ele disse cautelosamente, estudando as reações de seu superior, o homem impassível. – Ela havia recebido mensagens estranhas, nós suspeitamos que fosse o mensageiro do Lar Arsalein novamente.

O Vazio ignorou suas desculpas categoricamente.

— Não matem ela, preciso dela viva. Apenas isso. – ele se levantou de sua mesa e os oficiais — e até Wesley — deram um passo para trás. – A influenciadora está acompanhada agora, alguém perigoso, deixe que eu lide com ele.

Wesley assentiu. O sorriso de escárnio não abandonou seu rosto nem por um momento, ele sabia o que tinha que fazer.

O Vazio abandonou a sala com passos firmes, deixando o escritório da Força Anti Não-humanos. F.A.N. Para Wesley e seus cuidados.

***

Aquilo tudo ainda não abandonou a mente de Gisele, enquanto ela caminhava com a bolsa a tiracolo, indo para o trabalho. 6 a.m, estava chovendo forte. Ela segurava o guarda-chuva com uma certa dificuldade, enquanto gritava com Carlos por dentro.

Afinal, por que ele havia feito tudo aquilo? Como era possível, pra início de conversa, que ele fosse tão habilidoso com armas, com direção... Essas perguntas não abandonaram a mente dela nem por um segundo. Será que Carlos era um bandido procurado? Alguém que viveu a vida no submundo desde sempre? Ele sempre pareceu muito bonzinho, muito esforçado e determinado, romântico. Era o alívio que Gisele precisava depois de tantos relacionamentos mal sucedidos com pessoas perigosas e ameaçadoras.

Ela teria um imã pra pessoas desse tipo?

Seu rosto ainda estava inchado, mesmo depois de tentar esconder com maquiagens, não tinha como disfarçar que ela havia passado a noite chorando. Irada com Carlos, irada com a garota esquisita que simplesmente apareceu e virou sua vida de cabeça para baixo. Irada consigo mesma por não ter percebido isso antes.

Enquanto andava pela rua, um pequeno calafrio percorreu sua espinha, e seus pensamentos e devaneios irritados começaram, pouco a pouco, a serem silenciados. Ela se sentiu calma, sua raiva havia sido abrandada e estava mais relaxada do que não esteve por meses.

Um homem de sobretudo preto e com um rosto amigável apareceu na frente dela.

Ele estava no meio da chuva, mas parecia nem se importar, parecia que nem ao menos a estava sentindo. Gisele encarou o homem como se tivesse visto um amigo de longa data. Estava, definitivamente, vendo um grande amigo de longa data e estava feliz por isso. Em sua mente, não havia espaço para perguntas, ela o conhecia, mesmo nunca o tendo visto antes.

— Gisele! – o homem acenou, chegou mais perto dela e a abraçou.

Ela aceitou o abraço, confusa, mas feliz. Em dúvidas, mas contente por estar vendo o homem.

— Ah... – ela abriu a boca pra falar, mas não conseguiu pensar em nada – Você...

— Como está a vida? – ele perguntou calmamente, sua voz invadiu cada parte dos seus pensamentos. Ela não conseguia mais pensar em nada, estava encantada pela voz do homem.

— Estou triste, nervosa, muito brava e com vontade de morrer. – ela não sabia muito bem o porquê de ter dito tudo aquilo, mas confiava nesse homem, seu amigo.

— Por que diz isso? – ele chegou perto de seu rosto, com um sorriso gentil e amigável. O coração de Gisele bateu mais rápido, de repente.

— Carlos, meu namorado, é algum tipo de criminoso bem treinado, e está ajudando uma garota a fugir da polícia, isso tá me matando! – subitamente, sentiu seus ombros mais leves. Não havia dito nem para sua irmã sobre o assunto, mas sabia que neste homem ela podia confiar. Ela sabia disso.

— Tudo vai ficar bem, Gi – dessa vez, foi ela que o abraçou. Desatou a chorar, sem se importar em manchar a maquiagem ou qualquer outra coisa – Você tem alguém para ligar, não tem?

Gisele olhou para baixo, direto para o H azul estampado no sobretudo, mas não era suspeito. Este homem era definitivamente seu amigo.

— Eu... – não percebeu que já estava com um número digitado na tela de seu celular. Um número que ela conhecia bem. 

— Você sabe o que fazer... – ele sussurrou em seu ouvido e se afastou, já andando para o outro lado.

— Espera! Qual... Qual o seu nome? – ela perguntou olhando para trás, o homem parou, sendo encharcado pela chuva.

— Eu... Não sei – ele disse calmamente e foi embora.

Gisele se sentiu triste, por um breve momento, mas logo o esqueceu. Correu para frente, estava atrasada. 

Por que eu fiquei parada que nem uma boba no meio do nada?

***

Duda pensou que iria dormir dias, mas o costume falou mais alto. Foram apenas poucas horas de sono, mas já estava descansada. A cama do casal é ótima! Tenho que lembrar de agradecer Carlos depois. Claro que ela não havia dormido com ele, ela o influenciou a dormir no sofá. Duda precisava de um descanso merecido.

Quando saiu do quarto, foi direto à cozinha para beliscar algum doce. Carlos estava na sala, de braços cruzados olhando pela janela. Duda passou por ele despreocupada. Sabia que sua influência durava mesmo enquanto ela dormia, então ele não poderia atacá-la nem machucá-la de qualquer forma, e, quando fosse preciso, a protegeria. Disso ela podia se assegurar.

Ela foi para cozinha e preparou um pequeno café da manhã. Não tinha muito o hábito da higiene matinal, mas, na ocasião, decidiu ir lavar o rosto enquanto esperava seu pequeno sanduíche esquentar no microondas. Logo o buscou e foi para sala, deitou-se no sofá e ligou a televisão.

Ela estava de pijama, uma das raras ocasiões especiais em que se dava o luxo de usar um, mas era confortável. Também não se importava em limpar sua bagunça do café da manhã, mas tinha certeza absoluta que Carlos não reclamaria.

— Poxa vida, Carlos! – ela exclamou enquanto zapeava pelos canais da televisão – Não tem tevê a cabo? Isso é o mínimo, sabia?

Ele olhou para ela com um olhar intenso, mas não era de desaprovação. Duda revirou os olhos, sabia que teria essa conversa mais cedo ou mais tarde.

— Duda, o que eu sou? – ele voltou a olhar pela janela. Sua casa era, na verdade, um pequeno sobrado nos arredores do Capão Redondo.

Nem ele, nem Gisele, eram exatamente ricos, mas era uma boa casa e com uma localização razoavelmente privilegiada. Então a vista era bonita, para seus padrões. A visão da "selva de concreto", o lembrava que não estava mais no interior com sua família, o lembrava que agora ele era um adulto, mesmo que não gostasse de admitir.

— Duda... – ele começou... Ela olhou perplexa para Carlos, desde o início, imaginava que ele já sabia muito bem dos poderes.

Como pode alguém ser tão forte e tão burro assim? Ela pensou, enquanto mordiscava o restante do sanduíche — um hábito que ganhou, enquanto tentava economizar comida, vivendo nas ruas.

— Carlos... Você realmente não sabe?

— Desde a adolescência, quando alguém estava em perigo, esse negócio – ele começou a falar com a voz um pouco carregada. Tentava insistentemente achar uma explicação para tudo – Essa coisa... Eu a chamo de "Explosão". Sinto como se todos os meus sentidos tivessem explodido ao mesmo tempo, por esses momentos, me sinto invencível. Porém sempre achei que fosse coisa da minha cabeça, algum tipo de instinto de luta, achei que todas as pessoas tivessem isso.

— Definitivamente não tem – ela comentou com um risinho.

— Mas, era exatamente isso que eu achava – ele olhou para ela com ainda mais intensidade – Eu sei muito bem que pessoas normais não param uma bala com a mão. No mínimo, a bala atravessaria a minha mão e iria direto em você, porém, em mim, não senti nem cócegas.

Ele saiu da janela e se sentou na poltrona, paralela ao sofá em que Duda estava deitada.

— Eu... Sou algum tipo de super herói? – Duda fez um esforço para não rir da pergunta – Sou um mutante, ou algo assim?

Ele suspirou, Duda não conseguiu distinguir se ele estava feliz ou preocupado.

— Não, meu amigo – Duda falou, dando a última mordida no seu sanduíche – Você é algo bem pior que um X-men super poderoso.

Ele olhou para ela um pouco confuso. Não me olha assim! Nem eu acreditei que falei isso.

— Você, como eu, é um Não-Humano – Carlos se assustou. Duda não mexeu a boca, nem ao menos olhou para ele. Mas ela havia dito isso, como? – Não é óbvio? Estou dentro da sua cabeça, idiota. Pense em mim como... Ahn... Qual o nome do mutante telepático do X-men?

— Jean Grey? – Carlos disse, quase automaticamente. Ele era especialmente fã dela.

— Como você é nerd... – Duda revirou os olhos novamente – Mas é isso. Sou como ela, eu posso ler seus pensamentos quando eu quero, e posso conversar com você por aqui também.

— Isso é maravilhoso! – ele exclamou.

Duda, que estava na mente dele na hora, foi inundada pela sensação de euforia que ele sentiu naquele momento, o que a fez sair de sua consciência rapidamente.

— Mas por que me chamou de Não-Humano? – ele perguntou.

— Foi a denominação que eles nos deram – ela disse com a boca dessa vez.

— Eles? – ele olhou confuso por um momento, mas então tudo se encaixou – Tá dizendo então, que aqueles homens que te perseguiam eram...

— Sim, eles. O Hospital – ela se endireitou no sofá e limpou os farelos do sanduíche da roupa – Um bando de cuzão. Estão me perseguindo a um tempo, mas eu sempre escapei deles. Por algum motivo, ontem eles pegaram pesado. Talvez o superior deles tivessem decidido que eu não poderia mais ficar viva. Eu não sei, mas agora que finalmente encontrei o Lar, não posso ir para lá se ainda estiver na mira desses merdas. Seria uma guerra, e eu não tô nada afim.

— Calma... Calma – Carlos colocou a mão no rosto, e Duda se lembrou de como mexeu em sua cabeça no outro dia – Muita coisa pra eu poder acompanhar.

Tomara que ele fique bem... Espera... Quê? A própria Maria Eduarda estranhou estar carecendo de Carlos.

— O que é esse Lar? – ele perguntou ainda eufórico.

— O Lar Arsalein é um lugar que Não-Humanos como nós somos bem aceitos, blá blá blá – ela repetiu o que Luiz, o homem que conversava com ela por aquelas mensagens estranhas, sempre dizia. – Pra dizer a verdade, eu não ligo muito pra eles – ela olhou pro lado, lembrando-se de quando foi pega pelo FAN. No quanto se sentiu fraca, no quanto odiou isso.

— Então, eles poderiam nos ajudar! – Carlos exclamou – Onde fica? Quero conhecê-los, quero conhecer mais pessoas como eu!

— Calma, cara – Duda suspirou – Eu não sei onde, por algum motivo, eles me são menos receptivos do que tentam parecer. Mas, eu encontrarei alguém de lá em dois dias.

— Eu posso... – ele estava pronto para se convidar a ir – Eu... Bem... – Duda viu que ele estava pensando em Gisele. A garota nojenta, como ela descrevera.

— Se quiser vir, eu não vou ligar... – O que você tá falando, imbecil? Ela mesma não aceitou, mas pedia pela presença de Carlos no encontro com Luiz.

Ela se sentiria mais segura. Era só isso. Era.

— Digo... Faça o que quiser.

Carlos se levantou e foi buscar o café da manhã, seus movimentos lentos indicavam que havia dormido pouco.

— Você deveria dormir mais e... – Duda disse, e se arrependeu logo depois.

— Ainda não entendo uma coisa... – ele voltou, comendo um sanduíche parecido com o de Duda – Agi muito estranho, senti como se tudo a minha volta mandasse proteger você. Por quê? A gente já se conhece? Seria possível isso?

— Como assim? – Duda sentiu uma pitada de ansiedade.

— Eu estou fadado, de alguma forma... A proteger você? – ele perguntou genuinamente curioso.

— Eu... Não sei. Juro.

— Foi uma vontade tão grande! Eu vi você e de alguma forma eu soube que tinha que te proteger acima de tudo! – ele levantou as mãos, acenando enquanto falava – E, ainda agora, eu sinto isso dentro de mim! É doido, muito doido, eu mal sei seu nome e...

— Maria Eduarda, óbvio.

— Eu sei... Mas...

— Esquece isso, Carlos.

— Mas é estranho e...

— Carlos! – Duda gritou, visivelmente alterada. Ele não sabia muito bem o porquê, ela, muito menos. – Eu não sei o porquê, mas, que bom que eu te achei...

Ela sorriu genuinamente, como há muito não fazia.

***

Mais tarde naquele dia, Gisele voltou para sua casa que dividia com Carlos. Entrou lentamente, mesmo que soubesse que Carlos estaria trabalhando no momento. Duda também não estava na casa naquele momento, Gisele não sabia onde ela estava, e não se importava nem um pouco. Só a lembrança da garota já a deixava enfurecida.

Abriu a porta da casa e deixou sua bolsa na mesa, sua casa era pequena, portanto com poucos passos já estava dentro de seu quarto. Logo saiu dele, olhou na sala, olhou no quarto de hóspedes e no banheiro. Depois, voltou à porta de entrada que ficava na cozinha.

— Pode entrar... – ela acenou para o homem entrar.

— Gisele, você tem certeza? – Samuel disse, estava um pouco desconfiado da ligação súbita de Gisele em seu telefone, mas não quis perder a oportunidade.

— Sim, Carlos não está aqui, só vai chegar à noite – ela disse com uma voz contente.

Sua cabeça não lhe deixou espaço para dúvidas, logo antes de entrar no trabalho naquele dia de manhã, depois de ter ficado parada na esquina por um minuto por algum motivo que ela não se lembra, ela sentiu uma vontade louca de chamar Samuel. No processo, disse que o ama e que se arrependia de tê-lo dispensado. Suas memórias de um relacionamento abusivo com Samuel não eram grande coisa comparadas à saudade que sentia de seu ex-namorado.

— Me ajude a empacotar minhas coisas e... – ele entrou, carregando malas vazias. Ele era um homem forte, então não seria problema algum carrega-las cheias até seu carro na volta.

— E o que? – ele se aproximou dela e a puxou pela cintura, lhe dando um beijo. Ela sorriu.

— E... Você sabe... – ela piscou para ele, que respondeu com um sorriso sacana no rosto.

Ele a beijou novamente e se afastou, já preparado para a tarefa de pegar seus itens mais importantes e suas roupas, Gisele disse que depois voltaria e pegaria os móveis que ela havia comprado. Desde o início, quando decidiram morar juntos, eles dividiram tudo. Dividiram as prestações da casa, dividiram móveis e roupas, e, em poucos meses, já tinham uma vida "quase" estável. Gisele ainda agradecia Carlos por isso. Ainda.

Mas agora, isso estava no passado. Voltará a morar com Samuel, e tudo vai voltar ao normal. Carlos pode ficar com seus segredos, porque ela já não se importava mais.

Samuel havia terminado de encher outra mala de roupas quando surgiu na sala com 4 das 5 malas cheias.

— Desculpe fazer você vir aqui e fazer todas essas coisas – Gisele disse, de braços cruzados olhando pela janela.

— Não foi nada... – ele se aproximou dela e a abraçou por trás, beijando seu pescoço. Gisele sentiu falta dessa... Ousadia.

Ele percorreu o corpo dela com a mão, beijando-a a cada passo. Gisele fechou os olhos, mas, por um pequeno instante, se perguntou porque estava fazendo aquilo. Um pequeno instante de dúvidas, que fez sua cabeça doer tanto que não sabia descrever em palavras.

Ela gritou e pôs a mão na cabeça, Samuel ficou preocupado.

— Amor, você tá bem? – seus olhos estavam arregalados, olhando para ela.

Ela respirou fundo e se virou para ele com uma lágrima recém formada em seu olho.

— Desculpa, meu bem, minha cabeça doeu tanto agora a pouco, acho que foi... Estresse... – ela disse lentamente enquanto o beijava, sua dúvida havia sumido tão rápido quanto tinha aparecido. — Te amo.

***

— ... E então, pelo que eu ouvi alguns deles dizendo... – Duda falava cada vez mais livremente com Carlos, fora ele ser alguém a quem ela basicamente deve a vida, também era um Não-Humano, assim como ela. Isso lhe dava alguns pontos. – Há outras pessoas com poderes telepáticos, como os meus – ela evitou dizer "influenciadora".

— Nossa... – Carlos subia as escadas até o sobrado que era sua casa de boca aberta ouvindo as histórias de Duda – Então, será que algum deles se transforma em fera? Tem pele azul e pode se teleportar?

— Eu não faço ideia... Quem sabe!?

Eles haviam passado a tarde juntos, naquele dia, Carlos não trabalharia, então insistiu para que Duda o acompanhasse ao shopping. Gisele, pelo menos, adorava quando ele sugeria isso, então ele esperava que Duda se animasse também. No caminho, ela quase sacou a arma uma porção de vezes, desconfiada de tudo. Carlos ria e bagunçava o cabelo ondulado dela quando isso acontecia.

Duda nunca foi de socialização. Nunca passava mais que um dia na mesma casa, e nunca conversava uma palavra com seus "senhorios", para ela, aquela amizade com Carlos era uma coisa nova. Ela costuma atacar coisas novas. Entretanto, Carlos não era alguém normal. Pelas poucas vezes que percorreu seus pensamentos, não ouviu nenhum indício de hostilidade. Mesmo com sua influência quase mínima sobre ele, o homem parecia querer de verdade ser amigo dela. Duda não sabia como reagir a isso, decidiu apenas deixar para lá, se, por ventura, ele decidisse atacá-la, talvez ela pudesse detê-lo com sua influência.

Se as coisas saíssem do controle, ela ainda teria poder sobre ele, ou, assim esperava.

Carlos colocou a chave na porta de entrada e girou, mas ela já estava aberta.

— Estranho... Eu juro que tranquei a porta... – ele disse, curioso.

Ouvindo isso, Duda já tirou de sua pequena mochila, que nunca a abandonava, sua Imbel roubada. Ela acenou para que Carlos fizesse silêncio e passou por ele, abrindo a porta, séria. Bem, tentando ser séria, não era como se ela fosse uma policial bem treinada, como os FAN, muito menos um agente com super poderes, mas faria o possível. Andou com passos firmes e silenciosos através da cozinha, apontando sempre a arma para frente, destravada, preparada para atirar. Porém, quando chegou à sala, percebeu que não atirar seria melhor.

Gisele estava ali, agarrada a outro homem que ela não conhecia. Quando a mulher viu a garota, arregalou os olhos e saiu dos braços de Samuel, que reclamou irritado.

— É ela! – Gisele apontou a mão para Duda, e Samuel a acompanhou.

Sua reação foi quase instantânea, colocou-se na frente de Gisele, a protegendo da linha de tiro. Só então, Duda percebeu que ainda apontava a arma, mas, ainda estava perplexa.

Virou a cabeça e viu Carlos se aproximando lentamente. Agora fudeu! Ela pensou, começando a ficar ofegante. Não vai terminar bem...

— Gi... – ele a encarou, encostada em Samuel, que tentava permanecer com uma expressão séria no rosto.

Duda investigou sua mente devagar, sem deixar rastros. Samuel estava com medo, tinha medo de Carlos. Medo, mas era corajoso, portanto também estava cheio de hostilidade. Duda sabia que Carlos poderia destruir este homem com uma só pancada, será que ele não sabia? Não, a única razão pra alguém daquele porte ter medo de Carlos era porque ele já vislumbrou o que o outro podia fazer.

— Carlos... – Maria Eduarda e Gisele sussurraram ao mesmo tempo.

— O que está fazendo, Gi? – ele perguntou, incrédulo.

— Ela vem comigo. – Samuel disse, sem rodeios – Deixe ela em paz, mano.

— Mas... Eu...

A qualquer momento, a qualquer momento eu terei que controlá-lo, Duda pensou, esperando a "explosão" de Carlos, a ardência de seus poderes. Suas mãos suavam.

— Adeus, Carlos... – Gisele disse lentamente, e se dirigiu à cozinha, onde estavam as malas reunidas, junto de Samuel.

Ela passou por Carlos que apenas a encarou sair, de mãos dadas, com Samuel. Duda sentiu a faísca de ódio em sua consciência.

Carlos começou a ofegar, com cada vez mais ódio e desespero. Gritou.

— Olha, mano, só deixe as coisas mais fáceis... – Samuel parecia estar suplicando, Duda viu que ele não estava acostumado a ter medo.

Mas, Carlos não o ouviu. Ao contrário, partiu para cima dele com raiva. Gisele soltou um gritinho de susto e surpresa, Duda também.

— Carlos, não! – ambas gritaram, quando Carlos tentou socar o rosto de Samuel.

No entanto, o golpe foi lento, o suficiente para que Samuel desviasse com facilidade. Duda ficou surpresa. Samuel retornou com um golpe na mesma intensidade, mas, desta vez, certeiro. Derrubou Carlos no chão facilmente.

Gisele colocou a mão no ombro de Samuel, impedindo-o de continuar a luta. Não por pena de Carlos, não, Duda observou bem sua consciência naquele momento, ela estava com pressa, queria se livrar de Carlos, e até deixaria que Samuel continuasse a bater nele, mas havia outra parte em sua mente que não ficava muito a vontade vendo sangue.

Ambos foram embora logo depois, deixando Carlos ainda estatelado no chão. Duda sentou-se ao seu lado com um pano para limpar seu rosto machucado, com princípio de inchaço.

Enquanto limpava, percebeu algo que havia deixado passar.

Os olhos dele não haviam ficado prateados em momento algum. 



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Notas finais do capítulo

RIP



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