Long Live The Prince escrita por Mileh Diamond


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Sério, quem eu preciso pagar pra ter mais Daddy!Victor? Eu amei escrever isso.
Also, eu sou fraca por abraços. Muito fraca.
Aqui vai um sumário com alguns nomes que você pode encontrar aqui, a maioria referente à hierarquia da máfia:
Pakhan: Chefe supremo da bratva.
Sovietnik: Conselheiro de confiança do pakhan.
Avtoryet: Espécie de capitão que coordena um grupo específico de subordinados e seus serviços.
Oyabun/Kumicho: Chefe de um clã yakuza.
Wakagashira: primeiro tenente, o equivalente a um avtoryet.
Chao Poh: máfia tailandesa.
Yaposhka: denominação racista para japoneses.
Ninkyo dantai: outra denominação para yakuza, vinda dos próprios yakuza.
Kabukicho: distrito da luz vermelha em Tóquio. Tudo que é de ruim tá aqui.
Lembrando que eu não sou nenhuma expert em crime organizado, tudo que eu aprendi veio de (surpresa surpresa) outros AUs de máfia. Olha os buracos em que a gente se mete com fanfic. Além disso eu desisto de tentar entender a yakuza. Simples.

Boa leitura!!



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'Cause I remember the rush, when forever was us
Before all of the winds of regret and mistrust
Now we sit in your car and our love is a ghost
Well I guess I should go
Yeah I guess I should go

 

 

Quando Yuri tinha 14 anos, ele quase começou uma guerra.

Não foi um grande plano maléfico, pra falar a verdade. Ele só estava com raiva. Ele brigara com seu pai por conta dos treinamentos e como ele estava muito mais atrasado em relação aos outros recrutas. Yuuri não deu ouvidos e apenas murmurou algo sobre ele não ser um recruta e sim um herdeiro. Yuri não gostava de ser tratado como criança, então ele resolveu fugir.

 

Decisão infantil? Talvez.

A logística de tudo foi mais complicada, mas a Internet ajuda bastante. Quando se procura nos lugares certos, se encontra o que precisa, como documentos falsos, os voos mais discretos, hoteis mais baratos, enfim. E era tudo mais simples quando se tinha dinheiro. Yura tinha uma mesada considerável.

Ele não estava planejando ir pra Rússia. Ele só queria sair do Japão e provar que podia se virar sozinho. Sei lá, talvez uma semana na América antes da yakuza inteira estar no seu pescoço? Parecia bom o suficiente.

Mas não foi isso que aconteceu. Seu voo teve de fazer um pouso de emergência em Vladivostok e ele pensou ter algum tempo antes das autoridades desconfiarem de um garoto de 14 (16 nos documentos. Ele tinha todos, aliás) viajando sozinho pelo mundo. Pensou errado, porque logo o barraram e ameaçaram retorná-lo ao Japão ainda naquele dia. Não ajudou que ele tentou socar um guarda e agora estava algemado em um escritório. Vergonhoso, realmente.

 

Ok, talvez ele tenha ficado com um pouco de medo. Não de voltar pro Japão, mesmo que a ideia de encontrar seu pai com raiva não fosse agradável. Mas de descobrirem quem ele era, o que seu nome significava. Afinal estava na Rússia.

 

De repente, Yuri se sentiu muito burro por não ter pensado na solução óbvia para o problema. Por que o que se faz quando não se pode pedir ajuda ao seu pai?


Exato, peça ajuda ao outro pai.

 

— Eu tenho cidadania russa! - ele gritou para o guarda em russo fluente - Eu sou de São Petersburgo!


— Não é o que diz aqui, Sr. Yuzuru Uno. - o homem leu o documento com uma careta - Mas sabemos que isso é falso, então não tem nada que te ajude. Qual seria seu verdadeiro nome, falso yaposhka?

Yuri fechou a cara para a denominação preconceituosa. Se ele tivesse uma arma, aquele homem aprenderia a falar com respeito sobre os japoneses.

— Eu não preciso e não quero falar o meu nome. Quero fazer uma ligação. - ele disse sério. Haviam tomado suas coisas, incluindo seu celular.

 

O homem riu.

 

— Acha que isso aqui é Hollywood, garoto? Crianças não pedem advogados.

 

— Eu quero falar com o meu pai, mas isso não é da sua conta. - ele resmungou, mas logo teve uma ideia - Quanto você ganha nesse emprego patético? Meu pai poderia te pagar bem se mantivesse a boca fechada e me desse um telefone.

 

Aquilo fez o homem levantar as sobrancelhas e olhar ao redor, confirmando que estavam sozinhos.

 

— Está me subornando, pirralho? - ele disse cruzando os braços - Isso pode colocar seus pais em encrenca.

 

— Mas você quer. - ele disse com um sorriso. Aquele tipo era mais comum do que devia - Dê o seu preço. Três vezes o seu salário? Quatro? Papai certamente não vai se importar.

 

— Quem é o seu pai, moleque? Algum político? Empresário? - o homem parecia interessado a cada minuto - Alguém importante não deixaria a cria viajando por aí.

 

— Problemas de família. - ele disse com falso vitimismo. Só idiotas caíam na sua cara de criança perdida - Eu só quero ir pra casa, ok? Deixe eu falar com o meu pai.

 

O guarda pareceu pensar por um minuto antes de retirar o celular do garoto de uma gaveta do escritório.

 

— Isso vai custar caro. - ele avisou sombrio antes de entregar o aparelho. Mal se importara em soltar as algemas.

 

Yuri sabia o número como quem memoriza o telefone da polícia ou do corpo de bombeiros. E se agora era de madrugada, em São Petersburgo devia ser de dia, não?

 

Ele esperou a chamada completar como se sua vida dependesse disso.

 

 

 

 

Victor Nikiforov não recebia uma ligação do Japão há exatamente 8 anos, 7 meses e 18 dias. Não que ele estivesse contando, claro.

 

Normalmente, era  ele que ligava para lá. Aniversários de Yuri, Natal, Ano Novo... Era só por causa de Yuri. Ele não ouvia a voz de Yuuri Katsuki há muito tempo.

 

Mas ele não podia esquecê-la, nem se tentasse.

 

Seu dia estava como qualquer outro, até Georgi entrar no seu escritório com uma expressão perplexa e o telefone na mão.

 

— É Yuuri Katsuki. Ele quer falar com você.

 

Só aquela frase foi o suficiente para mudar o dia completamente.

Victor engoliu em seco enquanto mil coisas passavam pela sua cabeça. A primeira delas era idiota e dizia que Yuuri queria voltar. Descartou em um milésimo. A segunda alertava que podia ser sobre Yuri e ele se preocupou, finalmente tomando ânimo para pegar o telefone.

 

O aparelho era frio e pesado contra a palma de sua mão. Victor umedeceu os lábios e disse:

 

— Alô?

 

Victor, - era Yuuri e o russo podia ouvir que ele estava chorando - Yuri sumiu.

 

— O quê? - ele disse mais alto do que deveria - Como assim ele sumiu?

 

Ele fugiu de casa. Eu estava viajando e voltei assim que me avisaram. Estamos procurando há quase sete horas. As câmeras de segurança da cidade viram ele pegando o metrô até o aeroporto. Ele saiu do país, Victor. Ele fugiu do Japão, ele fugiu de mim.

 

Já dá pra ver a quem ele puxou, Victor pensou venenosamente, mas não ousaria falar aquilo a essa hora.

 

— Yuuri, calma. Por que ele fugiria de casa? Você tem ideia de onde ele pode estar?

 

— Nós brigamos, ele queria mais trabalhos em campo e eu não escutei. Mas isso foi há semanas, não achei que ele estivesse bravo ainda. Não faço ideia de onde ele pode ter ido. — a voz dele era tão fraca. Era estranho ver Yuuri numa posição que não fosse a de controle. - Victor, e se alguém encontrá-lo antes de nós?

 

Sabia as implicações daquela frase. Havia tantas pessoas sedentas pelo sangue de Victor e Yuuri. Colocar as mãos no filho do casal era um prato cheio.

 

— Não vão, Yuuri. Isso não vai acontecer. Acho que você já buscou informações na China e sudeste da Ásia, vou ver se encontro algo aqui ou na América. Christophe pode checar a Europa. Yura vai ficar bem.

 

Bem. Ele vai ficar bem.— o japonês repetiu do outro lado da linha tentando se convencer - Se algo acontecer com ele, eu nunca vou me perdoar, Victor. Eu juro, se o pior acontecer, eu...

 

— Não é culpa sua. - ele tentou dizer suavemente, como fazia quando ainda estavam juntos - Yura tem uma personalidade forte, é a cara dele fazer algo assim. Não tinha como você prever. Nós vamos encontrá-lo e tudo ficará bem.

...Obrigado, Victor. Obrigado mesmo. — a voz do outro lado da linha falou com uma ternura tão familiar e ao mesmo tempo tão surreal para os ouvidos de Victor. Não parecia a mesma voz que amaldiçoou o russo de nomes bem feios anos atrás.

 

— Eu ligo se tiver notícias. - ele disse finalmente, ansioso para terminar aquela conversa e começar a agir. Ou talvez fosse só medo mesmo - Até logo, Yuuri.

 

— Até, Victor.

O homem desligou o telefone e ficou um segundo em silêncio para organizar os pensamentos. Há muito tempo, logo depois que eles brigaram e Yuuri resolveu que Yuri não devia pôr os pés na Rússia novamente, Victor pensou que estaria fadado a nunca mais ver seu filho. A parte geopolítica de sua mente o lembrou de que ele poderia perder o herdeiro legítimo da bratva e aquilo só piorou tudo. Ele não suportaria viver uma vida sem Yuuri, quem dirá sem Yura também.

Mas Yuuri foi generoso, no máximo nível que seu coração frio de yakuza permitia. Ele ainda podia ver Yuri, falar com ele. Mas ele não sairia do Japão. Yuuri era paranoico, essa era a verdade. E por causa da paranoia dele, a presunção de Victor e a teimosia dos dois, eles se separaram. Yuri cresceu no lado japonês da família, mas sendo um Plisetsky, o poder do grupo russo era seu por direito. Ele era o herdeiro de dois clãs poderosos e seus rivais sabiam disso.

Que melhor maneira de derrubar o inimigo do que destruir o seu futuro?


Victor estava a um passo de chamar Georgi novamente quando o telefone tocou mais uma vez.

Ele franziu o cenho para o número. Não o reconhecia, mas era um telefone celular do Japão pelo prefixo. Yuuri não ligara há menos de cinco minutos?

— Victor Nikiforov falando. - ele disse saindo de sua sala. Onde estava Popovich quando precisava?

— Papa?

Ele parou imediatamente e arregalou os olhos ao reconhecer a voz. Era brincadeira, não é?

— Yuri? - ele perguntou incrédulo - Yurachka, é você? Você está bem?

— Sim, sou eu. E eu estou bem.

Victor mal percebera que estava prendendo o fôlego até o ar sair completamente de seus pulmões e ele passar a mão pelos cabelos. Os fios platinados estavam ficando mais finos a cada ano.

— Yuri, onde você está? - ele disse sério, mas com clara preocupação na voz - Yuuri me ligou e disse que você saiu do país. De onde tirou essa ideia absurda?

É uma longa história. Mas por enquanto, você pode me buscar em Vladivostok? Eu estou preso em um aeroporto.

— Vladivostok? Como você...? Pensando bem, esquece. Mas Primorsky é muito mais próximo do Japão. Eu vou ligar pro seu pai e...

Não! Por favor, não chame o papai. Eu quis fugir de casa por uma razão e não estou disposto a voltar tão cedo. — ele disse determinado e Victor teve que se lembrar de que ele não tinha mais dez anos - Já que eu dei um tiro no pé, ao menos eu posso te ver, não?

Victor já começou a ter dores de cabeça com essa conversa. Era assim que Yakov ficava quando tinha uma ideia idiota?

— Yura, são dez horas de viagem. Seria muito mais prático se Yuuri fosse te buscar. Ele está desesperado. Se eu tentasse te esconder, poderia começar uma guerra entre as famílias. - ele disse tentando colocar um pouco de juízo na cabeça do menor.

Eu não me importo. Se você me entregar, não só eu vou parar de falar com você como também vou fugir desse aeroporto. — ele falava com muita propriedade pra quem tinha apenas 14 anos - Então você e papai voltam à estaca zero sobre o meu paradeiro.

— Você não iria tão longe. - ele disse com um meio-sorriso, mas impressionado com a audácia de seu herdeiro.

Quer pagar pra ver?— o desafio era claro na voz.

Yuri queria provar o seu valor, isso estava bem óbvio. Victor não devia se curvar perante um adolescente. Fosse no seu tempo, Yakov o deixaria quebrar a cara para que voltasse pra casa com o orgulho ferido. Aprendera algumas lições dolorosas com aquele método e Yuri deveria aprendê-las também. Mas era o seu Yurachka. Yuuri e Victor discutiram centenas de vezes quando ainda estavam juntos que sempre estariam ao lado do mais novo, não importa o que acontecesse. Mas talvez ele estivesse mimando o garoto demais agora.

Bom, Yuuri certamente já o mimava bastante. Era a sua vez.

— Muito bem, vamos organizar um plano. - ele disse no seu melhor tom de estratégia - Quem está cuidando de você agora?

Um guarda. Cara de idiota, mas aceita propina.

— Típico. Presta atenção: eu vou arranjar um meio de você entrar no próximo voo para São Petersburgo. Há duas escalas em Novosibirsk e Moscou. No momento em que você chegar em Novosibirsk, eu vou ligar para Yuuri e dizer que acabei de te encontrar. Quando toda essa bagunça acabar, você vai dizer que planejava vir direto pra São Petersburgo e nem vai mencionar Vladivostok. Se de alguma forma Yuuri descobrir a verdade, nós dois seremos desmascarados e não vai ser nada legal. A partir daí você arca com as consequências.

Ok, entendi. - Yuri parecia bem mais calmo agora, muito diferente da bolha de ameaças de segundos atrás.

— E Yura, depois disso tudo, eu espero que você seja o filho exemplar para Yuuri. Chega de brigas, chega de fugas. Ele estava chorando no telefone. Eu estou quebrando um pacto de confiança recíproco ao acobertar você. - ele disse sincero e ficou satisfeito ao ser recebido com o silêncio da culpa.

Tá, tanto faz.— não havia malícia na fala, eram as palavras de quem queria fugir do problema - Anda logo com essa viagem, essas cadeiras são uma bosta.

Victor permitiu uma risada. Bem feito para quem engana os pais.

— Eu te amo, Yurachka. Agora passe para o adulto mais próximo.



 

 

O plano estava dando certo por enquanto. O segurança que assumiu o caso de Yuri se apresentou como Misha e queria 30 mil rublos russos para completar a tarefa. É impressionante como a plebe se sente poderosa com alguns trocados. Victor imaginou divertido o que aconteceria se Misha soubesse que estava falando com o pakhan no telefone.

Logo depois que Yuri ligou de Novosibirsk, Victor ligou para Yuuri. Quem atendeu foi Phichit Chulanont e ele não parecia contente em falar com o russo, mas prometeu dar as notícias assim que Yuuri acordasse de seu sono induzido por pílulas. Mais uma vez, Victor se sentiu culpado por estar tramando com seu filho maquiavélico contra o seu ex.

Então ele se lembrou de Victor Nikiforov com 24 anos e lágrimas no rosto gritando ordens aos imediatos para encontrarem Yuuri e Yuri que haviam desaparecido durante a noite. Ele quis morrer atormentado pela possibilidade de eles estarem em perigo por sua causa e amaldiçoou a si próprio milhões de vezes por não ter ouvido Yuuri. A conspiração era real, seu noivo estava certo. Era real e agora era tarde demais e...

Yuuri ligou magicamente após três semanas avisando que estava com Yuri no Japão e que não voltaria até toda a cúpula do poder ser retirada. Ele não confiava em ninguém ali.

“— Você disse que se eu quisesse controlar alguém, seria melhor voltar pro Japão. - jovem Yuuri havia dito na época pelo telefone - Eu voltei, Vitya. Vai precisar de muito esforço pra me tirar daqui agora.”

Ele sofreu muito naquele tempo. Jovem e apaixonado, a combinação perfeita para o desastre. Mas o bom dos desastres é que deixam um terreno limpo por onde passam. Nesse novo terreno, Victor não admitiu mais ser deixado de lado. Se Yuuri o queria longe, ótimo. Ele não precisava dele.

Tudo que estava acontecendo agora era pagamento pela separação do casal Katsuki-Nikiforov. Victor só se sentia um pouco mal por estar aproveitando aquilo.

Já estava quase anoitecendo quando o voo de Plisetsky chegou a São Petersburgo. Victor foi sozinho, dispensando seu sovietnik uma vez na vida. Talvez Popovich precise de férias, ele trabalha demais.

Ele estava ansioso enquanto olhava para todas as pessoas saindo pelo portão de embarque. Já checara seu relógio quatro vezes e perdera a conta sobre o ajeitar das mangas do terno. Ele era apenas um pobre mafioso com saudade do filho, seria pedir demais que um avião chegasse no horário?

Demorou para reconhecê-lo por causa da altura, mas logo seus olhos caíram sobre um casaco com estampa de tigre combinando com a mochila. O capuz caiu ao mesmo tempo em que Yuri o reconheceu, revelando mechas loiras que nunca mudaram de cor desde que Victor o vira pela primeira vez há doze anos.


Os dois começaram a se mover quase ao mesmo tempo. Começou com passos normais, mas a velocidade aumentava a cada segundo e no final já estavam correndo. Yuri quase derrubou duas pessoas antes de finalmente ser envolvido num abraço esmagador. O abraço de seu pai.

Papa.— Yuri falou com a voz abafada pelo terno Armani - Senti saudade. Muita saudade.

— Eu também, Yurachka. Eu também. - ele disse antes de completar seu ritual de distribuir vários beijos sobre a cabeça do mais novo. Ele sempre teve algo por coisas douradas.


Ele tinha crescido tanto. A última vez que o vira ele tinha dez anos e tinha o corte de cabelo mais redondo. Ele sentia tanta falta de seu Yuri.

Segurando seu rosto, ele não sabia o que dizer. Yuri estava se tornando um rapaz tão bonito, Victor se sentia doente por não ter estado lá pra vê-lo crescer. Tinha tanta coisa pra falar, tanta coisa que queria saber. Mas a lembrança de Yuuri chorando no telefone foi mais rápida e ele ficou sério.

— Seu pai está muito preocupado com você. Precisamos ter uma conversa.

Yuri fechou a cara e se afastou cruzando os braços. Diga adeus ao momento.

— Quatro anos e a primeira coisa que me diz é uma bronca? - ele perguntou de sobrancelhas franzidas.

Ouch. Aquela língua afiada certamente viera de Yuuri.

— Não use esse tom comigo, mocinho. Eu não estaria te dando uma bronca se você não tivesse feito besteira. - ele disse de forma neutra - Vamos pra casa, você começa o seu castigo aqui na Rússia. Ninguém na residência dos Nikiforov está autorizado a te passar a senha do wi-fi.

— O quê?! Mas eu...! Ah, quer saber, foda-se. - ele disse apertando o passo em direção à saída.

— Yuri. - ele falou alto e bom som, com uma autoridade só usada com os subordinados.

Yuri se virou resmungando e parou quando percebeu o humor de Victor. Ele estava muito sério agora, qualquer traço suave substituído por um de frieza. Se ele conseguia mandar esse olhar para o próprio filho, quem dirá para os seus inimigos?

Diminuindo a distância entre os dois, Victor retirou a mochila das costas do mais novo antes de dizer:

— Eu tenho absoluta certeza de que Yuuri não admite esses modos em Tóquio. Ele sempre soube manter a postura não importasse a ocasião. Não é porque você está de volta a sua terra natal que pode falar e fazer o que quiser. Se lá você deve respeito ao oyabun Katsuki, aqui você responde ao pakhan Nikiforov. - ele disse com a calma e objetividade características de um homem que sabe lidar com o poder, tudo isso enquanto estudava as mudanças nas expressões de Yuri. Crianças não-treinadas eram muito fáceis de ler - Estamos entendidos?

— Sim, senhor. - ele disse com o olhar baixo. Sabia respeitar uma autoridade quando via uma. Típica educação japonesa.

— Ótimo. - o mais velho disse com um sorriso, saindo do aeroporto com um braço ao redor dos ombros do mais novo - Agora quero saber das novidades. Ainda está patinando?

— Só por hobby. Escolhi me dedicar a dança. - ele disse sem olhar o pai nos olhos.

Ugh. Claro que Yuuri iria projetar seus interesses no filho dos dois quando ele não está lá para intervir. Com um sorriso mais forçado, Victor continuou:

— Isso é muito bom! Então temos mais um bailarino na família!

— É, mas eu não gosto tanto de balé clássico. Prefiro contemporâneo. - Yuri parecia mais confortável falando de seus interesses. Era quase como nas vezes que Victor ligava para saber como estava.

Os dois entraram no carro e Victor sinalizou para o motorista para dar algumas voltas inúteis pela cidade antes de chegar em casa. Ele queria muito conversar com Yuri e sabia que assim que chegassem na mansão, ele seria engolido pelas perguntas.

— E as namoradas? - Victor perguntou nem disfarçando o sorriso idiota em seus lábios.

— Hein?!

— Namorados, então?

— Pai!

— O quê? Já é tempo! Tem coisa melhor no mundo que namorar? Eu quero netos, Yura! - ele finalizou com um bico.

Yura só ficava mais vermelho a cada palavra.

— Pai, eu vou fazer 15 anos. - ele disse entre dentes.

— Vocês japoneses e suas tradições puritanas. - ele suspirou exasperado - Mas você não tem a quem puxar, Yura. Yuuri beijava bem pra quem só tinha 16.

— Ah, não. - ele disse com uma careta retirando o celular e fones de ouvido do bolso - Eu não me desloquei oito mil quilômetros pra ouvir sobre você e papai se pegando. Adeus.

— Ok, eu paro! - ele disse rindo segurando a mão do loiro - Você não é nada legal.

— Olha quem fala. - ele murmurou, mas havia um resquício de sorriso em seus lábios enquanto ele olhava através do vidro escurecido.

Vitya não queria estragar aquele momento. Queria perguntar sobre todas as coisas constrangedoras que pais perguntam, recuperar os quatro anos que ele não conversou direito com Yura. Mas algumas arestas precisavam ser aparadas o quanto antes. Aquele comportamento do garoto não podia se repetir.

— Acho que é hora da conversa séria, então. - seu sorriso diminuiu - Por que vocês brigaram?

 

Yuri ficou tenso por um segundo, mas logo respondeu:

— Porque ele me trata como um bebê. Eu sei atirar, lutar, sei todos os protocolos, mas ele não me dá nenhuma tarefa. - ele o encarou como se estivesse ofendido - Há garotos de doze anos lá que já fizeram o primeiro serviço!

— Você não precisa fazer o trabalho sujo, Yura. - Victor franziu o cenho - Yuuri só deixaria você trabalhar se estivesse maduro o suficiente para a tarefa.

— Vocês começaram muito antes dos 14 anos. - ele acusou - E aos 19 já eram as maiores forças da Europa.

— Eram circunstâncias diferentes. - o mais velho suspirou - Se Yuuri acha que você não está pronto, eu não vou discordar.

— Que tipo de pakhan ou kumicho eu vou ser se só atirar em alguém aos 18?! - ele disse jogando as mãos para o ar em sinal de exasperação.

— Acredite em mim quando eu digo que você não quer matar ninguém, Yuri. - ele disse devagar, esperando que o garoto entendesse a seriedade da situação - Quando se está no topo, você vê muitas coisas. Eu vejo sangue, Yurachka. Seu pai, também. Talvez seja ingênuo de nossa parte estar atrasando isso, mas é porque te amamos.

— Não vão me proteger assim. - ele disse voltando a olhar para a janela.


Victor desfez o próprio cabelo pela centésima vez naquele dia. Aquele era o tipo de conversa que deveria ter junto com Yuuri.

 

— Vale a tentativa, Yurachka. Fazemos coisas estúpidas quando amamos. - ele disse e soou mais doloroso do que parecia. Ótimo, agora ele precisava de um drinque.

A conversa necessária acabou, então Victor bateu duas vezes na parede que conectava as duas parte do carro, sinalizando para o motorista voltar à rota.

Os dois mantiveram o silêncio por um tempo o até o loiro perguntar em voz baixa:

— Se eu estivesse na Rússia, eu já estaria ajudando a bratva, não?

Victor prendeu o fôlego. Certamente seria um treinamento muito mais rápido que a yakuza, mesmo que ele evitasse as missões mais pesadas. Mas isso não era exatamente o tópico aqui, mas sim que Yura já considerara morar na Rússia novamente.

— Você quer vir morar na Rússia? - ele perguntou cauteloso.

— Eu não poderia deixar o papai sozinho. - ele admitiu - E não é pelo país. São vocês. Queria que ficássemos juntos.

Victor ignorou a parte de seu coração que se quebrou ao perceber que ele não era a razão de Yuri querer vir, apenas para revirar os olhos para a frase.

— Yuri, você não é mais criança. Sabe que isso não vai acontecer. Não depois do que seu pai fez. - ele disse com muito mais mau-humor que antes.

— Ele fala a mesma coisa. - Yuri sorriu de lado - Desculpe a palavra, mas vocês dois são uns idiotas infantis. Querem resolver tudo na bala.

— Primeiro, isso foi rude e nós não te demos esse tipo de educação. - ele disse se virando para o garoto com o indicador levantado - Segundo, você sabe a história, mas só vai entender quando for mais velho. É questão de maturidade.

— Sei. "Victor, amor, eu acho que querem matar o Yuri", "Yuuri, querido, isso é estúpido e você não tem direito de contestar o pakhan", "Nesse caso, vá a merda, amor. Vou fugir com o nosso filho". - Yuri disse tudo com uma imitação exagerada da voz de seus pais e caretas bem expressivas - Viu? Infantis.

— Não foi assim. - Victor disse na defensiva - Quem contou essa história?

— Phichit e Minako. Giacometti também contribuiu na última vez que foi lá. - Yuri deu de ombros, olhando para seu pai como se esperasse uma resposta.

— Isso... Foi muito mais complicado que isso, ok? - Victor disse já cansado daquela conversa. Eram lembranças demais para um passeio só - Podemos mudar de assunto?


— Ok. - ele pensou um pouco antes de dizer - Papai tem um novo namorado. 

 

Certo, não era o tipo de assunto que ele queria discutir, mas Victor já mordeu a isca.

— Sério? - ele soava mais interessado do que queria - Como ele é?

— Um porre. Um pouco mais velho que ele, chinês, correspondente da Tríade. O nome é Cao Bin.

O nome era pouco familiar, mas o russo torceu o nariz para a menção da Tríade. Os negócios estavam complicados com eles esse ano.

— E Yuuri gosta muito dele? - com sorte Victor não soou muito desesperado.

— Que nada, só está carente. Ele nunca teve ninguém sério depois de você. - Yuri parecia dizer a verdade, e continuou com expectativa - Papa, você ainda gosta dele?

— Não. - convencer um cientista de que a Terra era plana parecia mais fácil do que dizer aquilo.

Yuri percebeu a mentira lavada e arqueou uma sobrancelha.

— Sei. - ele disse lentamente.

— Yura, não faz essa cara! - Victor escondeu o rosto atrás das próprias mãos. Não é possível que estava tendo uma conversa sobre seu passado romântico patético com seu filho - É difícil, ok? Eu saí machucado daquela relação, não dá pra simplesmente recomeçar.

— Você não foi o único que sofreu com a separação. Papai nunca se recuperou. E eu também não. - havia rancor na sua voz, um sentimento que não deveria ter em alguém tão jovem. Victor se sentiu culpado.

Nenhum dos dois falou nada até os portões da propriedade Nikiforov. Yuri endireitou-se no banco e baixou o vidro para ver melhor sua antiga casa. O homem ao seu lado sorriu. Yura continuava uma criança.

Já estava de noite, então a mansão era apenas iluminada pelas luzes do jardim e das janelas. Yuri precisou de um pequeno empurrão para sair do carro e começar a andar em direção à porta.

— Parece menor. - ele disse olhando o cenário com uma careta.

— Você que cresceu, Yurachka. - Victor disse bagunçando seu cabelo e arrancando reclamações do mesmo - Seu pai vai ligar e não estará nada feliz. Você vai falar com ele.

O mais novo parecia pronto para se opor, mas Victor foi mais rápido:

— Sem objeções. Aprenda a lidar com as consequências de seus atos. Não vou poder te acobertar sempre. - ele disse suavemente enquanto abria a porta - Bem vindo de volta, solnyshko.

Yuri hesitou antes de entrar, mas quando o fez seus olhos não tardaram em fitar cada pedacinho da sala. Era familiar e ao mesmo tempo diferente. Talvez tenham trocado os móveis? O chão de mármore cinza era o mesmo, a pintura branca das paredes também. O candelabro que parecia gigante quando ele era menor ainda estava lá, não menos opulento. Então havia as escadas de madeira envernizada que ele subia e descia sem parar, a cristaleira cheia de taças e garrafas que era o pesadelo de suas babás, e depois...

— Vitya! - uma voz feminina acompanhada do som de saltos no piso interrompeu seus pensamentos - Katsuki não para de ligar, onde está o... Oh!

Yuri piscou algumas vezes antes de um nome vir a sua mente.

— Mila?

— Yura! - a ruiva não perdeu tempo e logo o abraçou tão forte quanto seu pai fizera mais cedo - Você cresceu!

— Argh! Sai, eu preciso de ar! - ele disse numa tentativa falha de se afastar da mais velha e livrar seu rosto das marcas de batom.

— Awn, continua um gatinho anti-social! - ela disse apertando seu rosto como tias velhas faziam. Não fugia muito de sua natureza - Não vai conseguir uma namorada desse jeito.

— Eu não preciso de uma namorada. - ele disse com seu melhor olhar mortal enquanto se soltava. Victor atrás de si estava segurando a risada.

— Seu outro pai está uma fera. - a mulher disse de repente - Ele provavelmente vai cruzar a Sibéria a pé se você não falar com ele agora.

Plisetsky mordeu o lábio inferior e olhou para Victor como se pedisse socorro. O mais velho não cedeu.

— Vai lá enfrentar o dragão, camarada. Eu fico aqui e preparo o seu funeral. - Nikiforov conseguia ser maléfico quando precisava. Ócios do ofício.

Yuri se conformou com seu destino e seguiu Mila até o telefone, deixando Victor sozinho na sala enorme.

Quando Yuuri e Yuri foram embora, Victor se deu conta de que luxo não era nada quando não se tinha alguém com quem dividir. Ele aos 12 anos, recém-acolhido das ruas por Yakov, via a riqueza como o ápice da felicidade humana. Então Yuuri veio morar na Rússia quando ele tinha 19 e Victor começou a pensar que talvez haja outras coisas que possam te fazer feliz. Aí eles conheceram Yura. Yuuri com 21, Victor com 22. Dois homens especialistas na arte da tortura, da mentira e da manipulação, mas que não faziam ideia de como acalmar uma criança chorando.

 

"Aconteceu tudo naquela sala, há doze anos. Victor se lembrava como fosse ontem. A notícia duma nova gangue espalhando o terror nos subúrbios, o assassinato de Nina Plisetskaya e consequente abandono do neto e herdeiro de Nikolai Plisetsky. Mila havia chegado em casa à noite com um bebê no colo e sangue no vestido. Ela mal olhara para os dois enquanto deixava um Yuri aos prantos no sofá e subia para seu quarto. Ela realmente não era paga o suficiente para aquela palhaçada.

Aquela noite foi um inferno. Nada fazia o bebê parar de chorar. Eles tentaram comida, fraldas, brincadeiras. Vitya chegou a sugerir um sonífero, mas só o que conseguiu foi um olhar muito feio de Yuuri e mais choro. Depois do que pareceu uma hora de desespero e o casal questionando a existência de Deus, Mila desceu do quarto num roupão de seda rosa e uma taça de vinho na mão, parecendo uma vilã de novela que seria presa por crime passional.

Victor pensou em sugerir a demissão dela por inutilidade, mas ele nunca entendeu o que aconteceu dali em diante. Mila ligou o gramofone ancião de Yakov e sentou-se no sofá como se fosse a dona da casa. Só um olhar para o seu rosto mostrava que aquela não era a primeira taça da noite.

Por um minuto, música e choro se misturaram, mas logo Yuri foi se acalmando. Certo, aquilo devia ser bruxaria. Tudo que precisavam esse tempo todo era de música?

— Plisetskys têm um gosto musical muito semelhante ao de Yakov. - Mila disse entre goles.

A música era uma das favoritas de Feltsman: ‘Stammi vicino, non te ne andare.’ Uma peça italiana, mais velha do que todos na sala juntos.



Yuri finalmente pareceu se cansar de chorar e adormeceu ali mesmo, embalado pelas notas do vinil.

 

 

Fique comigo, não vá embora.

Yuuri e Victor nunca gostaram tanto de uma música como fizeram naquele dia."

 

 

Victor esfregou os olhos, numa tentativa de apagar a imagem de sua mente. Nada feito. Agora quando via seu Yuri crescido, imaginava como tudo podia ser diferente. Se ele tivesse ouvido Yuuri, se Yuuri não fosse tão extremo em sua decisão de fugir. Eles poderiam sentar e resolver aquilo como adultos e não "na bala" como Yuri dizia. Eles ainda estariam juntos, vivendo nessa casa, ou no Japão, ou debaixo de qualquer ponte. Qualquer lugar funcionaria se estivessem juntos.

Yuri voltou com Mila, parecendo dois tons mais branco, e Victor foi obrigado a parar de se martirizar.

— Papai disse que virá me buscar amanhã. - o loiro murmurou.

— Isso e mais um milhão de nomes japoneses impróprios para menores. Ele estava falando bem alto. - Babicheva disse com um sorriso afetado - Meu japonês é péssimo, mas acho que captei "ninho de cobras" e "maldito".

— Yuuri é ótimo com xingamentos. - Nikiforov pensou alto, apenas para balançar a cabeça - Está com fome, Yura? Mandarei prepararem o jantar. Algum pedido especial?

O loiro pensou por um momento e respondeu:

Stroganoff. - um pequeno sorriso tomou seus lábios - E pirozhki.

— Não deixe Lilia saber que você é um dançarino saindo da dieta. - Mila alertou - Tem sorte dela estar em Moscou.

— Meu Yura pode comer o que quiser, Mila. Não seja uma estraga prazeres. - Victor disse se distraindo com o cabelo loiro do mais novo. Interessante, é do tamanho certo para uma trança - Um russo forte é aquele que se alimenta bem. Dietas são penitências desnecessárias.

A ruiva sorriu maliciosamente enquanto olhava para as próprias unhas.

— Victor Yakovlevich sempre gostou dos que comem demais, huh?

Victor sentiu seu rosto esquentar com a implicação e desistiu da trança. Se Yuri notou algo, não deixou claro.

— Seu quarto é o quinto do lado esquerdo, lembra? - ele disse com um sorriso forçado - Pode descansar e eu te chamo assim que servirem o jantar.

Yuri assentiu esfregando os olhos. A jetlag finalmente estava atacando.

 

Quando o garoto já estava longe do campo de visão, Victor murmurou:

— Você é uma mulher perversa, Mila Yakovlevna.

A acusada apenas riu e juntou as palmas em sinal de perdão.

— Mas você devia ver sua cara, Vitya! Yura nem percebeu a referência ao próprio pai e você percebeu rápido demais até. - seu sorriso tingiu-se de um pouco de pena - Você sente falta dele, não é? De Katsuki?

— Não. - de novo, ele estava impressionado com a própria capacidade de mentir. Ou de tentar.

— Me poupe, Victor. Você vê Katsuki em Yuri e isso está te deixando louco. - a avtoryet suspirou, mas logo pareceu ter uma ideia - Podemos mostrar umas fotos pro Yura depois do jantar? Do tempo em que vocês estavam juntos?

— Como isso vai me ajudar a esquecer Yuuri? - ele perguntou frustrado e confuso ao mesmo tempo.

— Não vai, mas eu quero exibir a glória de Victor com cabelo longo, Katsuki de meia-calça e Yura com pijama de dinossauro! - ela disse batendo palmas animadamente e indo em direção a cozinha.

É, sua equipe gostava de o torturar.



 

 

O jantar foi incrivelmente normal considerando as circunstâncias. Georgi teve a reação mais contida de todos ao ver Yuri, limitando-se a um sorriso e uma mão no ombro. Yakov tentou esconder sua satisfação ao ver o legítimo herdeiro da bratva de volta ao lar. Leia-se: tentou.

— Yuri Nikolaevich está se tornando um homem. - ele disse entre garfadas do estrogonofe e goles de cerveja - Quando fizer 21, poderá oficialmente vir pra Rússia e treinar ao nosso lado. Quanto mais rápido ele assumir os negócios, melhor. Assim resolvemos essa intriga de anos e calamos a boca dos velhos do Conselho.

Não era a intenção de Yakov, mas o clima certamente ficou mais pesado depois daquela frase. Georgi tentou consertar:

— Talvez Yuri queira concluir a faculdade antes disso, Yakov. Você queria estudar dança, Yura? - o moreno perguntou tentando mudar de assunto.

— Sim. - ele assentiu - Eu pensei em me especializar em balé contemporâneo na...

— Mas Katsuki não pode mais prendê-lo depois dos 21. - Yakov voltou a dizer - E é responsabilidade de Yuri assumir o lugar do avô. Estamos há vinte anos sem um herdeiro legítimo!

Victor engoliu a comida com dificuldade antes de dizer:

— Tecnicamente Yuri não é obrigado a assumir o poder, pai. Nina Nikolaevna abdicou da posição, então os filhos dela não precisam...

— Conversa fiada! - o homem bateu com o punho na mesa, fazendo copos e taças tremerem - Seja por ser neto de Nikolai ou seu filho, Yuri será o próximo pakhan. O dia em que isso acontecer eu poderei morrer satisfeito, pois saberei que fiz o possível para esse grupo permanecer de pé!

A mesa ficou em silêncio. Ninguém se atrevia a fazer nenhum movimento, processando as palavras do antigo pakhan. Era uma geopolítica complicada e Yuri era o pivô de tudo desde criança. Quando Nikolai Plisetsky morreu, o trono ficou vago. Sua filha Nina já havia manifestado anos antes que não queria nada a ver com a Bratva, então nem foi mencionada. Quem assumiu o poder e evitou o banho de sangue foi Yakov Feltsman, sovietnik de Nikolai. Mas muitos consideraram ilegal aquela manobra, numa desculpa esfarrapada para justificarem sua fome de poder. A situação piorou quando Yakov indicou Victor Nikiforov, um garoto qualquer que adotara há menos de uma década, como seu sucessor. Mesmo antes de oficialmente assumir o poder, porém, Victor já apresentava um histórico invejável nas transações que sustentavam o sindicato. Tudo isso ao lado de Yuuri Katsuki, wakagashira em missão diplomática e futuro sucessor da temida Minako Okukawa. Eles retiraram a família da crise, expandiram os laços pela Europa e América, criaram um novo modo de governar. O futuro era claro e sombrio para os inimigos: os príncipes da Rússia e do Japão juntariam seus reinos um dia. E quando isso acontecesse, seria o fim.

Junte à equação um herdeiro perdido de Plisetsky. Para muitos foi como uma brisa de ar fresco naquele sufoco. Era um órfão e órfãos são fáceis de manipular. Eles só não contavam que os Katsuki-Nikiforov acolheriam Yuri Plisetsky. Era a cereja do bolo. O verdadeiro sucessor de Nikolai sendo criado pelo casal que arrumou a casa definitivamente seguiria os passos dos pais. Ele apenas legitimaria o poder.

Foi então que os planos para a destruição da irmandade Nikiforov começaram. Agentes duplos se infiltraram no círculo interno, conquistaram a confiança de Victor, se instalaram ali. Nunca tentaram o mesmo com Yuuri Katsuki. Ele nem deveria estar ali se intrometendo em negócios alheios. Ele só confiava e obedecia a Victor.

Talvez esse tenha sido o erro dos que arquitetaram o golpe: ignorar Yuuri Katsuki. A ansiedade faz coisas interessantes com aqueles em constante perigo. Para começar, você não confia em ninguém. Em seguida, você desconfia de todos. E Yuuri era muito desconfiado. Ele estranhou a chegada daquelas novas faces, ainda mais a mudança de comportamento de algumas antigas. Katsuki começou a investigar, pois Victor estava muito ocupado com outras coisas e não tinha tempo para os caprichos de Yuuri.

Exceto que dessa vez não eram apenas caprichos. Não, havia algo real em andamento e Yuuri descobriria o que era. Primeiro, foi a análise das finanças. Faltavam números ali. Era um feito impressionante desviar dinheiro de uma firma ilegal, mas eles de alguma forma conseguiram. Em seguida, ele conseguiu informações sobre contratos secretos com grupos que definitivamente não estavam na lista de melhores amigos dos Nikiforov. Tudo isso graças à rede de contatos de Phichit Chulanont, seu correspondente na Chao Poh e melhor amigo nas horas vagas. Todo esse movimento era apenas uma preparação para o grande objetivo dos conspiradores: retirar Nikiforov do poder. Mas antes disso acontecer, eles precisavam garantir que ninguém voltaria ao trono no futuro. Então havia uma pequena tarefa a ser completada antes: matar Yuri Plisetsky.

Yuuri descobriu essa parte ao pressionar um recruta infiel que começou a falar até o que não precisava. Crianças realmente não deveriam saber de operações de grande porte. No final, ficou sabendo que o garoto fugiu da situação com uma bala na cabeça. Menos um idiota para causar problemas, mas agora Yuuri perdera uma testemunha para confirmar suas suspeitas.

Bom, não é como se Victor precisasse de provas quando as palavras vinham da boca de seu noivo e pai de seu filho, certo?

Errado. Muito, muito errado.

Victor estava desconfiado também, mas não pelos motivos certos. Os conspiradores conseguiram plantar a semente da dúvida no pakhan. Era fácil quando eles eram jovens. E se o casamento fosse um erro? E se Yuuri Katsuki, um Okukawa de berço, estivesse usando-o para chegar ao topo e em seguida derrubá-lo? Ele era bom com os negócios. Excelente, na verdade. Tinha um problema com inseguranças, é verdade, mas ninguém consegue se manter são toda a vida naquele meio. E se analisasse os gráficos, 40% das compras e vendas da empresa foram orquestradas por Yuuri. Era liberdade demais para um estrangeiro, mesmo que fosse seu noivo.

A gota d'água veio de Christophe Giacometti. Não foi culpa do suíço. Anos depois ele olharia para trás, se daria conta do que dissera e se amaldiçoaria profundamente. Mas não foi culpa sua e nem dos três copos de whiskey no escritório de Nikiforov. Chris dera o empurrão quando Victor já estava disposto a pular.

“— Yuuri tem um dom para a sedução. - o advogado especialista em lavagem de dinheiro disse com um sorriso, uma dose de álcool equilibrada na mão - Ele conquista as pessoas. Mas acho que você já sabe disso, não é, Victor?

— Eu sei. - o russo disse com um sorriso muito mais sóbrio que o de Chris, mais incerto também.

Victor fitou a aliança em sua mão esquerda. Não conseguia imaginar deixar de usá-la. Mas ao mesmo tempo...

— Ele é muito fofo. - Chris continuou em sua euforia bêbada - Eu sei que ele é seu, mon cher, mas você não pode me culpar. Ele pode ter tudo que quiser e ele sabe disso. É esperto, o garoto. - o loiro fez uma pausa - Se Yuuri Katsuki tivesse um pouquinho mais de ganância, ele seria pakhan.

Victor congelou e olhou pelo canto do olho para o seu amigo. Bêbados são sempre sinceros, certo?

— Você acha? - ele disse fazendo pouco caso, mas seus dedos se fecharam com força ao redor do próprio copo.

— É claro, Victor. Yuuri poderia governar esse país sozinho se quisesse. Ele é um Okukawa. Você ficou sabendo de Yuuko Nishigori, não? Ela revolucionou o mercado de esportes. Quem diria que havia tantos interessados num circuito underground de patinação no gelo? - o loiro riu como se fosse a coisa mais engraçada do mundo - Yuuri tem muito potencial. Foi ele que te ajudou a tirar o sindicato da lama, Victor. Se ele desejasse, poderia ser pakhan, e dos bons. Mas pra que ser pakhan quando já tem um aos seus pés, certo? - ele deu uma piscadela e voltou a beber, nem se dando conta do estrago que fizera.


A partir daí, tudo foi pelos ares. Yuuri contou de suas suspeitas para Victor e o último fez o mesmo. Victor achou que aquilo era invenção de Yuuri e Yuuri o acusou de cair como um pato nos absurdos que os outros disseram. Os dois brigaram. Não era a primeira vez que acontecia, mas certamente foi a mais feia delas. E em algum momento, Victor soltou a bomba:

— Se você quer governar mais que alguém, deveria voltar pro Japão!

Os dois se calaram depois disso, nenhum acreditando que aquela frase foi proferida, nem mesmo Victor. Ele não pediria desculpas. Sua mente e coração estavam em conflito, mas havia muito em jogo aqui.

Ele viu várias coisas passarem pelos olhos de Yuuri. Surpresa, medo, raiva, tristeza, raiva novamente. Terminou com desprezo e Victor decidiu que era o pior olhar em Yuuri.

— Muito bem, Victor. Se valoriza mais o seu status do que a segurança de Yuri, vamos terminar isso agora. Estou abdicando da minha posição de sovietnik. Coloque Georgi no meu lugar, ele é muito melhor em seguir ordens do que eu. - Yuuri disse tão friamente que Victor sentiu um arrepio percorrer sua pele - Tenha uma boa noite.

E assim ele saiu do quarto, para nunca mais voltar. Essa discussão aconteceu um dia antes de Victor sair em uma viagem de negócios para Barcelona. Foi tudo uma coincidência eles brigarem para logo depois se separarem. Vitya não sabia das reais consequências daquele embate. Ele achava que só precisavam dar um tempo na relação. Era normal Yuuri ter aqueles ataques e se isolar do mundo. Ficaria tudo bem.

Antes de deixar a residência dos Nikiforov, Victor foi ver Yuri em seu quarto. O sol mal nascera, então seu pequeno príncipe ainda estava dormindo.

Era uma visão para acalmar qualquer coração conflitado. Yura abraçado a Potya, um gato de pelúcia, debaixo de uma pilha de cobertores com estampa de tigres. O abajur não estava ligado, mas seu cabelo loiro ainda brilhava levemente na pouca luz do quarto. Victor sorriu e se inclinou para dar um beijo na testa do mais novo, tomando cuidado para não acordá-lo.

— Bons sonhos, kotenok. Te vejo quando voltar. - ele sussurrou antes de se afastar e sair do quarto, nem pensando que aquela seria a última vez que veria Yura dormindo em sua casa.

 

Yuuri desapareceu com Yuri enquanto ele estava na Espanha. Foi Mila que ligou dando a notícia. Seu mundo parou de girar naquele momento, porque os sóis haviam sumido. De repente tudo que Yuuri disse fez sentido. Queriam eliminar Yuri para abalá-lo e retirá-lo do poder. Como Victor pôde duvidar de seu próprio noivo?

Ele mandou caçar os nomes que Yuuri mencionara, ao mesmo tempo que organizara uma força-tarefa para encontrar os dois. Se houve um momento em que a bratva estava enfraquecida, foi aquele. Victor não pensava em nada que não fosse seu amor e sua vida.

Quando Yuuri entrou em contato, Victor se decepcionou. Não acreditara na capacidade de seu ex-sovietnik, e agora ex-noivo, para retirar a única coisa estável em sua vida. Ele podia terminar o relacionamento com Katsuki, mas Yura era pra sempre. Ele era seu filho, seu herdeiro, seu raio de luz. Aquele foi o golpe mais baixo que alguém podia dar.

Victor reconheceu a cobra que havia chamado de "amor" por seis anos.

Foram meses turbulentos os que se seguiram, com japoneses e russos se enfrentando por um herdeiro russo em solo nipônico. Não podia nem acusar Yuuri de sequestro visto que os papeis constavam seu nome como guardião de Yuri. Victor não tem orgulho de admitir que já cogitou a possibilidade de matar Katsuki se isso significasse ter seu filho de volta.

A guerra só acabou com interferência externa, Christophe do lado russo e Phichit do lado japonês. Yuuri não queria Yuri em solo russo se isso significava uma ameaça a sua segurança. Victor queria apenas seu filho de volta.

Houve um acordo. Yura poderia voltar para assumir a bratva quando fosse adulto, mas até lá, qualquer comunicação entre os dois seria no Japão. Era mais uma das formas do oyabun em treinamento punir o pakhan. E pessoas desesperadas aceitam quaisquer termos para conseguirem o que quer.

Aquela configuração continuaria por nove anos e com certeza não mudaria com um desentendimento entre Yuuri e Yuri. Era apenas um dia atípico.

O assunto da discussão baixou os talheres e se levantou. Ainda havia comida em seu prato.

— Perdi a fome. Obrigado pelo jantar. - Yuri disse mecanicamente antes de se curvar levemente e sair da sala. Muito oriental.

— Yura? - Victor chamou preocupado, mas não houve resposta. Será que ele havia se ofendido com algo?

— Esse garoto está impregnado de modos japoneses. - Yakov disse sombrio - É melhor ele aprender a maneira russa o quanto antes.

Victor olhou para ele de um modo que assustaria qualquer um, mas não um chefe do crime experiente.

— É claro que ele seguirá esses costumes, ele cresceu lá!

— Por sua culpa, Vitya. - o homem rebateu - Se tivesse pulso firme, teria colocado Katsuki em seu devido lugar e Yuri estaria vivendo conosco. Sua família de verdade, seu sangue.

O pakhan cerrou os punhos sobre a mesa.

— Yuri Plisetsky perdeu a família de sangue dele com a execução de Nina Nikolaevna. Sua família verdadeira é composta pelos Nikiforov e pelos Katsuki e não há nada que vá mudar isso. Eu sou pai dele e Yuuri também é.

— Você devia ter parado de brincar de casinha no momento em que Yuuri foi embora dessa casa, Victor. Guarde minhas palavras: seu filho respeitará mais a ninkyo dantai do que a bratva se não tomar as precauções necessárias. - ele se levantou, deixando mais um prato não-finalizado na mesa - Aproveite enquanto ele ainda é uma criança, elas são facilmente convencíveis.

O silêncio voltou a reinar no ambiente. Georgi suspirou e bebeu todo o conteúdo de sua taça de vinho em um gole.

— Mais um jantar arruinado. - ele murmurou - Tínhamos quebrado o recorde de 22 dias.

— Vou falar com Yura. - Victor disse abandonando a mesa também.

— Victor. - Mila o chamou e ele teve que parar - Você tem que considerar um pouco do que o pai falou.

— O que está dizendo, Mila? - ele já estava no modo de batalha novamente - Eu não vou reprimir Yuri por agir da forma que Yuuri o criou. Ele é meu filho, eu vou amá-lo de qualquer jeito. Dane-se a bratva.

 

Aquela era uma frase perigosa para se dizer, principalmente vinda do pakhan, mas Victor não se importava mais. Uma pilha de coisas o separara de Yuri, não deixaria que algo banal como tradições fosse adicionado ao conjunto.

Mila pareceu pensativa por um segundo, mas logo disse gentilmente:

— As fotos estão na biblioteca, se ainda se interessar. Acho que podem distrair Yuri.

O mais velho não esperava aquela resposta, mas assentiu e saiu dali. Ele sabia muito bem onde estavam as fotos. Seus hábitos masoquistas incluíam folhear o álbum e se martirizar pelo que perdeu. Ou melhor, pelo que não lutou para reconquistar.

Victor bateu duas vezes na porta do quarto antes de entrar, um velho álbum de fotografias em uma das mãos. Ele fechou a porta com cuidado atrás de si, mesmo que não fosse necessário fazer silêncio.

Yuri estava deitado na cama mexendo no celular. Considerando que usava as duas mãos, Victor supôs que ele estava jogando, mas sua cara não era das mais felizes.

— Yurachka? - o mais velho chamou se aproximando - Podemos conversar?

— Você já entrou no quarto. - Yuri respondeu, mas logo fez uma careta e soltou o celular - Desculpe.

— Tudo bem. - ele disse se sentando na ponta do colchão - Ainda está com fome? Você mal tocou na comida.

— Eu tô bem. E Mila estava certa, não posso bagunçar a dieta. - ele deu de ombros e apontou para o objeto que Victor segurava - O que é isso?

— Fotos. - ele disse com o maior dos sorrisos enquanto abria o álbum - Eu devia esperar até você arranjar um namorado e te constranger, mas pelo visto isso vai demorar.

Yuri revirou os olhos e começou a foliar as páginas, procurando por algo interessante.

— Esse sou eu? - ele disse apontando a foto de um bebê loiro no colo de uma mulher também loira - Espera, é a minha mãe?

— Sim. - Victor assentiu retirando a foto do suporte e lendo o verso - "Nina Nikolaevna Plisetskaya e Yuri Nikolaevich Plisetsky. Dezembro de 2000." Você tinha uns oito meses, Yura.

— Como conseguiram essa foto? - ele disse pegando o papel - Achei que tinham se livrado de todo o material sobre ela.

— Mila guardou. Elas eram amigas.

Não foi à toa que Babicheva se afundou em álcool depois de resgatar Yuri naquela noite. A imagem de Nina ensanguentada caída no sofá de seu apartamento a abalou de uma forma sem precedentes.

Nina parecia uma cópia de Yuri. O cabelo liso escorrido caído sobre os ombros, os olhos verde-água cheios de energia, as sardas no rosto. Era como se Yura fosse concebido sem um pai.

O mais novo não gastou muito tempo com a foto, resolvendo devolvê-la ao seu lugar. Não valia a pena pensar num passado que não voltaria mais.

Eles continuaram a ver mais algumas imagens. Yuri riu de um espécime com Mila de aparelho dentário, Georgi numa fase emo-gótica e Yakov com cabelo. Ele também quis desaparecer ao ver uma foto de si mesmo com a cara suja de cheetos.

— É o papai? - ele parou em uma foto de Yuuri com uma fantasia do balé - Que roupa é essa?

— Foi quando ele conseguiu o primeiro papel importante no Mariinsky. Ali de "Le Corsaire". - Victor sorriu de lado para a imagem de Yuuri com apenas uma calça estilo gênio da lâmpada e um adereço na cabeça. Aquele papel foi um presente de Natal para Victor, tinha certeza.

— Ele está sem as tatuagens. - o loiro notou confuso.

— Muita maquiagem. Muita mesmo. Yuuri tinha medo de que as marcas da ninkyo dantai assustassem o público. - era a única parte ruim da fantasia, Victor amava as tatuagens de Yuuri.

— Ele era bom? No balé, quero dizer. - ele disse passando para a próxima página - E por que tem fotos dele aqui?

— Essas eram as fotos que deveriam ir pro lixo, mas somos muito apegados a elas para fazê-lo. Yakov não sabe sobre isso. - ele se fez mais confortável na cama - E sobre Yuuri, ele era perfeito. Não falo isso como o cara que passou anos babando por ele, mas como alguém que foi enfeitiçado pelas apresentações. Ele ofuscava o brilho da protagonista. Na verdade, ele ofuscava o brilho de todo mundo. Ele se entregava à história de um jeito que ninguém fazia. Quando Yuuri dança, ele faz...

— Música com o corpo? - Yuri arriscou.

— É. Como sabe? - o mais velho parecia ligeiramente divertido com a advinhação.

— Todos falam isso. Minako e Yuuko, principalmente. - ele parou o olhar em uma foto de Yuuri apoiado na barra de um estúdio - Eu queria dançar como ele. Saber me expressar tão bem que não precisaria nem da música pra isso.

— Lamento que tenha visto poucas das suas apresentações, Yurachka. - ele disse tocando o cabelo do mais novo. Ele definitivamente tinha algo por coisas douradas - Mas tenho certeza de que você dança maravilhosamente. Não precisa ser igual a Yuuri para ser especial.

Um leve rubor cobriu as bochechas do garoto e ele disse em voz baixa:

— Talvez... Talvez eu possa te mostrar a coreografia na qual eu estou trabalhando para o YAGP depois. Não tá pronta, provavelmente é um lixo pra quem não conhece dança, também. Mas se você quiser...

— Claro! - ele respondeu com animação demais pra quem sequer sabia o que era YAGP - Eu adoraria, Yura. Estou certo de que você fica lindo dançando qualquer coisa!

Yuri revirou os olhos e murmurou algo sobre pais dramáticos antes de continuar com as fotos.

Ocorreu então para Victor que Yura se inspirava em Yuuri para a dança e provavelmente para outras coisas também. Será que o russo era alguma espécie de modelo para Yuri também?

Talvez um modelo de como não agir como pai, a parte venenosa de sua mente sussurrou.

— Wow, espera aí. - Yuri parou numa foto tremida que parecia ter sido tirada numa casa noturna - São você e o papai? E você tinha cabelo longo?

Ok, aquela imagem não deveria mais existir. E se Yuuri descobrisse isso, Vitya levaria um tiro. Ele deveria ter feito uma revista no álbum antes de acabar nas mãos de Yuri.

— Hum... É que... Bem... - seu rosto corava a cada vez que ele olhava pra foto e ele desviou o olhar algumas centenas de vezes - Foi quando nos conhecemos, numa viagem a Kabukicho.

Yuri, tendo crescido no Japão e numa família associada ao crime organizado, sabia as implicações daquela frase e não conseguiu esconder seu choque.

— Kabukicho? Quantos anos vocês tinham?

— Eu tinha 17; ele, 16. - ele disse se lembrando do dia. Muita bebida e outros produtos ilegais.

— 16? Em Kabukicho?! - Yuri estava lívido - Então ele... vocês...

Finalmente se dando conta do que o mais novo pensava, Victor consertou rapidamente:

— Eu não dormi com ele, eu juro! E Yuuri nunca se prostituiu! - não que ele soubesse pelo menos, mas isso só pioraria a conversa.

Yuri ficou visivelmente aliviado e a cor foi voltando aos poucos ao seu rosto, mas agora ele fazia aquela cara de nojo dos filhos que ouviam demais da vida íntima dos pais.

— Não sei se quero ouvir essa história. 16 e 17... Muito novos para Kabukicho. Vocês parecem chapados e... papai tava no seu colo?

— Em minha defesa, eu achei que ele tinha 18. - Victor argumentou.

— Com essa cara de criança? - Yuri arqueou uma sobrancelha - Eu diria que ele tem 15. E isso chutando alto.

— Asiáticos, Yuri. Eles sempre parecem mais novos. - ele suspirou - Yakov foi discutir a compra de um carregamento de cocaína com Minako. Todos os homens receberam alguém para distraí-los durante a noite. Mas eu era a única "criança", então prostitutas estavam fora de questão. Foi quando Okukawa me empurrou Yuuri. - ele sorriu com a lembrança - Seu pai era um paradoxo ambulante. Podia sussurrar as coisas mais obscenas no meu ouvido, mas quando eu disse que ele tinha olhos bonitos ele corou em segundos. Fofo. Adorável. A coisa mais linda na boate Eros e nós só trocamos uns beijos. - ele riu balançando a cabeça - Essa foto foi a única lembrança que eu levei dessa viagem ao Japão. Eu achei que nunca mais veria Yuuri, que tinha sido coisa de uma noite. Dois anos depois ele aparece numa missão diplomática e para estudar balé. Eu fiquei feliz, mas muito tempo depois descobri que ele não se lembrava de mim.

Yuri colocou a mão na boca para evitar uma explosão de risadas.

— Oh, papa, você foi esquecido. - Yuri disse com falsa pena, mas se divertindo com a narrativa - E o que aconteceu?

 

— Aconteceu que eu banquei o idiota. Eu mandava todos os sinais de que estava interessado. Todos os tipos de cantadas, até as ruins. Eu até voltei a fazer balé por causa dele! Ele só corava e mudava de assunto, eu achei que ele estava se fazendo de difícil. Aí um dia nós fomos mandados para uma operação de reconhecimento que deu errado e eu fui baleado no braço. Ainda tenho a cicatriz. - ele disse levantando a manga do suéter e apontando uma marca acima do cotovelo.

 

— Eu entrei em pânico. Tinha certeza de que ia morrer e comecei a confessar os meus pecados. Yuuri descobriu coisas naquela hora que eu nunca contei pra ninguém, nem mesmo para Yakov. Eu também perguntei pra ele se o que houve em Kabukicho não significou nada e ele ficou muito confuso. Foi a cena mais bizarra da minha vida, porque eu afirmava o que tinha acontecido, ele afirmava que não se lembrava, o chumbo voava sobre nossas cabeças e meu braço jorrava sangue. Nada legal. - não era à toa que Yuuri queria protegê-lo desse tipo de missão. Se foi traumático aos 16, obviamente seria aos 14 - Depois disso tudo, a história fica mais bonita. Yuuri entende que eu não estava debochando dele com as cantadas e admite que sempre se sentiu atraído por mim. Nós começamos a namorar e foi a melhor fase da minha vida. Anos depois você apareceu e tudo melhorou ainda mais. A partir daí você sabe como continua.

Yuri estava maravilhado. Não era a história mais romântica de todas, era bem feia em alguns aspectos. Mas ainda era como seus pais se conheceram. Não era assim que as outras crianças faziam com seus pais?

— Vocês sempre foram dramáticos, pelo visto. Papai nunca contaria a história assim. Ele se colocaria como o bobo apaixonado que teve sorte de chamar atenção do príncipe encantado.

— Yuuri sempre teve esse problema com a auto-estima. - o mais velho sorriu triste - É difícil pra ele aceitar que é bom em algo, que merece uma recompensa ou que pode conseguir coisas boas sem dar nada em troca. E ele fez tantas coisas impressionantes, solnyshko. A melhor delas, sem dúvida, foi criar um garoto incrível como você.

O sorriso do loiro diminuiu e ele desviou o olhar para o álbum, mas aquilo não estava mais interessante.

— Alguns na bratva não parecem gostar de como eu fui criado.

— É sobre Yakov? - Victor suspirou - Não ligue pra ele, Yurachka. É só um velho apegado a costumes que devem vir antes da União Soviética. Não têm nada a ver com você.

— Eu ouvi a conversa toda. - ele levantou o olhar - Sobre como eu sou muito japonês para a bratva e que preciso entender o modo russo. Pai, eu entendo esse sistema. Sou o único membro da ninkyo dantai que estuda a política russa tanto quanto a japonesa. Papai me dá as aulas. Quando eu perguntei por que eu não estudo um sistema só, ele disse que seria injusto apagar parte da minha identidade por causa de uma briga dos meus pais.

Nikiforov mal podia acreditar no que ouvia. Sabia que Yuri tinha o melhor de dois mundos, mas pensava que era por iniciativa própria. Internet existe pra isso. Mas Yuuri tendo a preocupação de ensinar era novidade.

— Ele... Ele disse isso?

Yuri assentiu e fechou o álbum.

— Eu adoraria me juntar à bratva, eu adoraria ser pakhan, eu simplesmente sonho com o dia em que puder passar mais tempo com você. - ele confessou - Mas eu não quero deixar tudo pra trás. Não posso virar as costas pro meu pai e fingir que nada aconteceu. Seria... a mesma coisa que fizeram com você.

— Awn, Yura. - Victor puxou o garoto para um abraço e ele foi sem hesitar, seus braços conseguindo lugar cativo ao redor do pescoço do pai enquanto este acariciava suas costas - Você não precisa abandonar nada. Eu e seu pai, nós não nos importamos se você é mais russo ou mais japonês. Nós temos nossas diferenças, mas concordamos no fato de que você é o melhor filho que alguém pode ter. Tem que ser um rapaz muito forte para suportar uma família separada, ainda mais nesse meio.

— Se não tivesse eu na história, - ele disse com a voz embargada - quem sabe vocês ainda estivessem juntos. Vocês ainda governariam tudo juntos sem se preocupar com um herdeiro problemático.

— Não, Yura! Como pode dizer isso?! - Victor se afastou para poder olhá-lo nos olhos - Você não é o culpado pela nossa separação. Aconteceu, ok? Você trouxe luz para as nossas vidas. Quando pensávamos que passaríamos o resto de nossos dias fazendo o mal, você apareceu como uma chance de redenção. Uma alma imaculada no meio de mentiras, violência e ódio. Você é um anjo, Yurachka. Um anjo que nos salvou. - ele sorriu limpando algumas lágrimas que escorriam daqueles olhos verdes - Por favor, não chora. Sou péssimo com pessoas chorando.

Yuri riu e esfregou o rosto.

— Foi um cisco, ok? Eu não me comovo com discursos.

Assim Victor se deu conta de que tinha um talento para fazer Yuris chorarem.

— Que tal nós irmos ao rinque de patinação amanhã? Aquele onde você aprendeu a patinar?

O menor arregalou os olhos.

— Aquilo ainda existe?

— Claro. Yakov não fecharia meu rinque favorito. - Duh, eu sou o pakhan — Podemos ir antes do seu pai chegar.

— Ou você pode convidá-lo pra ir com a gente. - ele sugeriu.

Ugh, então ali estão os genes de ideias ruins de Vitya.

— Eu não acho que isso vai dar certo. - ele disse devagar - Se eu o conheço bem, Yuuri vai pousar em solo russo e te enfiar no jato particular dele antes que eu possa dizer "Dasvidaniya". Na melhor das hipóteses, ele vai arrancar um dedo meu.

— Você nem tentou. E eu não vejo vocês no mesmo ambiente há nove anos. - ele pendeu a cabeça levemente para o lado - Tirando aquela vez que eu dancei "O Quebra-Nozes" em Tóquio. Vocês ficaram em cantos opostos do auditório.

— E o clima foi estranho quando fomos ver você nos bastidores. - Victor torceu o nariz.

— Papai quis se esconder atrás do cenário pra não falar com você. - Yuri se controlava pra não rir - Eu que fiz ele aparecer.

— É a cara dele. - ele passou os olhos sobre seu relógio de pulso. Já estava tarde - Façamos o seguinte: eu vou convidar Yuuri para ir conosco, mas não garanto nada. Se ele não aceitar, você perde a chance de patinar com o seu velho pai aqui.

— Eu sei... - ele se interrompeu com um bocejo - ...que ele vai.

— Acho que está na hora de gatinhos dormirem. - Victor disse se levantando e colocando o álbum na mesa de cabeceira - Faz tanto tempo que eu não coloco bebês pra dormir. Isso traz lembranças.

— Pai, eu tenho 14 anos. - Yuri disse com cara de poucos amigos enquanto retirava o cobertor que estava debaixo de si.

— Shh, não estraga. É meu bebê, sim. - ele disse ajeitando os forros por cima do adolescente, como havia visto na última vez em que Yura dormira naquele quarto - É uma pena que eu não tenha Potya aqui também.

 

— 14 anos, pai! - o garoto ralhou constrangido por terem citado seu bicho de pelúcia favorito na infância.

— Continua um bebê. Meu pequeno e lindo Yurachka. - ele disse tocando o rosto do garoto com a ponta dos dedos e se inclinando para beijar sua testa - Boa noite, kotenok. Durma bem.

— Boa noite, papa. - ele respondeu - Obrigado por me salvar hoje.

Foi você que me salvou há 12 anos, Yura, ele pensou rindo.

— Disponha, Yurachka. Nos vemos amanhã. - ele disse forçando-se a sair dali, pois se pudesse ficaria ali vendo Yuri dormir a noite inteira. Ele tinha o medo irracional de que se piscasse, o garoto sumiria por mais oito anos.

Ele finalmente se viu no corredor e se dirigiu para o próprio quarto. Que dia cheio. E amanhã seria também, pois Yuuri chegaria para levar Yuri de volta. Imaginou como seu ex estaria. Será que as rugas já estavam aparecendo? Ou os cabelos brancos? 33 anos não te fazem um ancião, mas o estresse deixa suas marcas. Melhor, será que Yuuri havia engordado?

Victor riu com o pensamento. Duvidava que o trabalho deixasse Yuuri relaxar e ganhar peso. Ele ainda deveria manter a mesma rotina de exercícios de quando se conheceram. Abençoada seja a estamina. Mas ele não conseguia imaginar Yuuri com os músculos definidos da juventude. Ainda estaria magro, mas com mais curvas. Como na vez em que tiraram um mês sabático pela Europa e enlouqueceram Yakov. Yuuri chutou o balde sobre os exercícios e resolveu relaxar. E, deus, Victor era muito fraco por um Yuuri fora de forma. Ele era macio e apertável e tudo de bom. O que o russo não daria para tocar aquelas bochechas cheias, acompanhar o desenho das tatuagens com beijos até o abdômen, prender seus quadris contra a cama até os dedos deixarem marcas e...

— Chega. - Victor falou sozinho fechando a porta atrás de si - Você não é mais um garoto para fantasiar sobre coisas impossíveis, Nikiforov.

Era a verdade, a mais pura delas. Não havia por que Victor sonhar em ter Yuuri de volta depois do que aconteceu. Ele nem sabia dizer se perdoara a atitude do japonês, não podia esperar reciprocidade.

Naquela noite, Victor dormiu com a imagem de olhos castanhos em sua mente, e a certeza de que os veria ao vivo no dia seguinte.



 

 

A manhã na mansão passou rápido demais para o gosto de Victor.

Ele e Yura tomaram café; o loiro atualizou seu Instagram com uma selfie ao lado de Victor e a legenda "Me and Dad 2.0"; eles jogaram Mario Kart (Yuri perdeu); Victor trançou o cabelo de Yuri numa trança embutida; Lilia brotou na porta da frente e exigiu ver os fundamentos do balé de Yuri; Yuri mostrou sua coreografia mal-acabada de uma música chamada "On Love: Agape" e Victor quase chorou enquanto Lilia discorria sobre as falhas.

É, uma manhã comum.

Yuuri chegaria num aeroporto particular mais ou menos ao meio-dia e os dois russos eram os combos adulto e infantil de ansiedade, com um pacote extra de expectativa. Yura torcia para que seus pais fossem patinar com ele e Victor só pedia que Yuuri não atirasse nele. Para fazer aquilo, só era preciso uma arma e um motivo. Katsuki tinha os dois.

Georgi foi com eles, provavelmente para evitar que alguém se machucasse. E para jogar na cara de Victor os seus nervos.

— Já vi condenados menos tensos que isso, Victor. - o moreno de olhos azuis disse do banco da frente - Relaxe, Katsuki não vai te morder.

O platinado umedeceu os lábios e escondeu o sorriso malicioso da visão de Yuri com a mão. Dependendo da intensidade, ele não se importaria com algumas mordidas...

— Não foi você que fugiu do país sem o consentimento dele, papa. - Yuri disse deixando o vento que entrava pela janela bagunçar os poucos fios de cabelo que não estavam trançados - Se tem alguém com quem ele vai ficar puto, vai ser eu.

— E que isso não se repita, Yuri Plisetsky. - ele disse na sua melhor voz de adulto responsável - Senão eu mesmo te levo pra Tóquio da próxima vez.

Yuri revirou os olhos e voltou a observar o trânsito, que era muito mais parado nesse canto da cidade. Era a forma de ele dizer que não haveria próxima vez.

O carro parou próximo ao que parecia um escritório, mas o terreno era grande e cercado, com várias pistas de pouso e um hangar. O homem que gerenciava tudo os cumprimentou e disse que o jet do Japão chegaria em poucos minutos.

De fato, não demorou muito para que um avião de pequeno porte surgisse no céu e fizesse seu caminho até o solo. As mãos de Victor suavam enquanto ele seguia Yuri até a área externa, onde o jet acabara de pousar.

Nem bem uma escada foi colocada na porta, esta se abriu apressadamente e um Yuuri Katsuki muito, mas muito agitado saiu dali, olhando ao redor freneticamente até parar os olhos em Yuri.

Victor pensou que ele tropeçaria nos degraus com a pressa que se movia. Atrás dele, um homem que o russo reconheceu como Phichit Chulanont também saía do avião, a um passo muito mais lento que o de seu amigo. Yuuri não andava, ele corria em direção a Yuri. O mais novo dos três aproximou-se instintivamente. A saudade já se fazia presente mesmo após pouco tempo.

Yuuri quase caiu no chão ao abraçar Yuri e Victor pode finalmente ver o trabalho do tempo. Yuuri Katsuki não mudara muito desde a última vez que se viram. A única diferença que via era o cabelo que agora cobria as orelhas e parte dos olhos e uma nova armação dos óculos. Além disso, parecia que Yuuri não dormira há semanas, mas Victor sabia que só eram dois dias.

— Você ficou louco?! - Yuuri gritou em japonês enquanto segurava o rosto do mais novo - Podia ter sido morto! E se um grupo inimigo te reconhecesse?! Você disse que de São Petersburgo iria para a União Europeia. E se os Crispinos te achassem? Eu te perderia pra sempre, Yuri! Deus sabe o que aconteceria se você caísse nas mãos deles!

 

— Eu estou bem! - ele disse em voz alta, mas baixou o tom imediatamente - Eu não estava em perigo, nunca estive. Acha que eu não sou capaz, mas eu vou fazer 15 anos, pai. Eu sei me virar. Quis provar que eu não sou mais criança.

— Quando iria voltar pra casa? - Yuuri perguntou semi-cerrando os olhos - Quando o mundo inteiro já soubesse de seu desaparecimento? Quando eu e Victor não fôssemos mais os únicos te procurando? A primeira prova de maturidade é se dar conta de que o mundo é perigoso, Yuri. Você falhou no teste mais simples.

Yuri desviou o olhar. Se era arrependimento ou vergonha, Victor não sabia dizer.

Yuuri respirou fundo e o abraçou mais uma vez, segurando-no por um longo tempo.

— Não faça mais isso, solnyshko. Eu morreria se perdesse você. - ele murmurou.

— Desculpe. - Yuri disse tão baixo que Victor mal percebeu que ele falara.

Yuuri finalmente pareceu notar a presença dele e sua fisionomia mudou completamente. Mesmo com grandes bolsas sob os olhos, Katsuki ainda conseguia parecer impassível quando queria.

Era assim que ele se lembrava dele. Indestrutível, imortal, inalcançável Yuuri Katsuki. Sorrisos que podiam começar guerras, olhares que significavam a morte de alguém.

E ele foi seu.

Por seis anos, Yuuri pertenceu a Victor. Ou ele gostava de pensar assim. Ninguém poderia dominar Yuuri completamente, mas o amor deixa até a mais perigosa besta maleável. É uma droga do tipo entorpecente e os dois estavam muito dependentes para aceitar qualquer outra coisa. Se Victor era o rei, Yuuri era a rainha. E eles tiveram um reinado tão forte quando jovens.

Mas a cada três decisões feitas na juventude, uma é estúpida. E foi uma dessas que separou a família real.

— Obrigado por cuidar dele. - ele disse vazio de qualquer emoção. Era a voz profissional dele. Victor estaria mais contente se ao menos tivesse raiva ali - Se não estivesse por perto, quem sabe o que aconteceria.

— É o meu trabalho, olhar por ele. - ele disse antes de um suspiro - É o meu filho, não?

Yuuri assentiu e os três assentaram em um silêncio um tanto constrangedor. Ninguém queria dar o próximo passo adiante. A alguns metros, Phichit Chulanont alternava-se entre checar o celular e olhar para o trio. Parecia ansioso por ir embora. Victor sabia que atrás de si Georgi era uma cena similar.

Yuri olhou para ele pelo canto do olho, esperando o pedido que Victor prometera. O russo respirou fundo e disse antes de perder a coragem completamente:

— Você quer ficar para o almoço? A viagem deve ter sido cansativa. - ele disse tentando soar mais educado que expectante.

— Não é uma boa ideia. - Yuuri disse sincero - Eu tenho coisas a resolver em casa. Quanto antes voltarmos, melhor.

— É um voo de onze horas, Yuuri. Você odeia aviões. - ele arriscou um sorriso modesto. - Vá amanhã, quando não estiver tão estressado. Há muitos quartos vagos em casa.

Yuuri riu sem humor. Seu olhar agora era cheio de desprezo e o que parecia sarcasmo.

— Victor, eu não quero deixar Yuri na Rússia nem mais um segundo e você sabe por quê. Além disso, eu não sou mais bem-vindo em nenhuma residência da Bratva.

Yuri entre eles revirou os olhos e murmurou algo em japonês sobre pais pagando de difíceis.

— Eu sou o pakhan, Yuuri. A minha palavra é lei. Se eu quiser você na minha casa, eles vão ter que aceitar. - ele disse simplesmente, ainda esperançoso por uma resposta positiva - Yura queria visitar o rinque de patinação. O nosso rinque.

— Ah, ele quis? - o japonês disse olhando para o loiro, que apenas assentiu.

— Vocês contam histórias demais. - ele deu de ombros - E deve ser maior que o Castelo de Gelo em Hasetsu.

— Pode apostar que é. - Yuuri murmurou um tanto nostálgico. Após um suspiro derrotado ele olhou para Victor e continuou - Acho que posso ficar aqui mais um tempo, mas terei que dispensar o almoço. Eu realmente preciso me recuperar da viagem. Mas acho que um jantar é possível.

Aquilo iluminou o olhar de Victor e ele fez um trabalho muito ruim em tentar esconder sua animação. Yuri foi bem melhor que ele.

— Isso é ótimo! - ele disse com aquele sorriso em forma de coração que deixava Yuuri louco há alguns anos - Você tem alguma bagagem? Vou mandar meus homens buscarem. Tem certeza que não está com fome? Meu chef é ótimo, posso pedir que faça algo bem leve pra você e...

— Não, Victor, eu vou para o hotel. - Yuuri disse decidido - Eu... Eu não vou me sentir bem na sua casa. Todos me odeiam lá.

— Não é verdade e você sabe disso. - ele disse sério - Há pessoas ali que te respeitam e... Olha, não é hora nem lugar para discutirmos isso.

— É, não vai ser agora que vamos resolver um embate de oito anos. - Yuuri disse em voz baixa olhando para o chão.

— Vocês já pararam com a troca de farpas? - Yuri disse acenando na frente dos dois - Se eu não vou entrar no avião, então eu quero comer.

— Claro, solnyshko. - Yuuri disse com um sorriso passando os dedos pelo cabelo preso do mais novo - Vamos agora, devemos estar atrapalhando o seu pai. A que horas vocês querem se encontrar para ir ao rinque?

— Quem sabe às sete? - Victor sugeriu com um sorriso - Eu converso com Yakov para ele deixar o lugar só para nós. Você calça 39, não é, Yuuri?

Yuuri arregalou os olhos.

— Não! Quer dizer, eu calço, mas eu não vou patinar. É um momento de vocês, eu posso só aparecer para o jantar.

— Pai! - Yuri disse exaltado, segurando seu braço - É claro que você tem que ir. Eu quero vocês dois comigo. - ele parecia decidido em seu pedido.

— Eu adoraria que você fosse. - Victor disse imediatamente, mas tratou de adicionar - Por Yura.

Claro que seria por ele, sem nenhuma segunda intenção. O próprio Yuri pareceu querer matar Victor por aquela frase, mas era tarde demais e Yuuri concluiu:

— Ok, eu vou. Por Yuri. - ele disse voltando ao modo profissional de antes - Nós te ligamos para marcar o local. Até logo, Victor. Vamos, solnyshko.

Os dois caminharam em direção a Phichit, que parecia muito satisfeito pela conversa ter acabado. Yuri ainda olhou para trás uma vez e acenou com um sorriso.

Seu gatinho estava feliz. Era o suficiente para Victor.

O russo suspirou, uma mão sobre o rosto enquanto se virava em direção à saída. Georgi parecia entretido com a visão.

— Temos um passeio em família na agenda? - ele perguntou normalmente.

— Não é uma família quando Yuuri ainda me odeia. - ele disse mal-humorado entrando no carro, Georgi logo atrás dele.

— Não acha estranho dizer isso quando você mesmo não o perdoou? - o moreno perguntou com uma sobrancelha arqueada.

— Hipocrisia não vai piorar a ficha de quem já machucou centenas de pessoas, Popovich. - ele disse enquanto olhava pela janela, vendo o cenário se mover à medida que o carro andava - Por favor, reserve uma mesa para três no Lohengrin para hoje à noite. Yuuri sempre gostou da comida de lá.

Georgi sorriu.

— É claro, pakhan.

 

 

 

 

No dia seguinte, o Instagram de Yuri foi atualizado com mais uma foto. A imagem mostrava ele com um Yuuri e um Victor sorridentes enquanto deslizavam no gelo. A legenda foi “Me and Dads. It’s been a long time.”

 

 

 

 

Hard feelings
These are what they call hard feelings of love
When the sweet words and fevers all leave us right here in the cold, oh oh
Alone with the hard feelings of love
God, I wish I believed you when you told me this was my home


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Notas finais do capítulo

A música é Hard Feelings/Loveless da Lorde.
Gosh, nunca escrevi tanto Victor na minha vida. Até que foi legal.
Bem, o que acharam? Acham que o Yuuri foi o mais culpado? Ou o Victor? Me digam o que vocês acharam!!
Boas festas de fim de ano! Feliz 2018 ♥
XOXO



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