Across The Frontline escrita por overexposedxx


Capítulo 26
Capítulo 26 - Consciente




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O céu lá fora começava a ser tomado por pinceladas de azul bem escuro quando Emmett decidiu que era hora de entrar.

Ele e Rosalie haviam passado algum tempo conversando superficialmente sobre o que acontecera depois que o ex-soldado se acalmara um pouco: a conversa envolveu a filha dos Cullen esclarecendo que até minutos atrás não fazia ideia de nada daquilo - assim como seu irmão caçula - e, logo em seguida, Emmett tentando refletir sobre Carlisle e Esme, por outro lado, saberem de tudo - até que pareceu evidente que essa última parte faria mais sentido com os dois presentes.

Assim, Rosalie segurou sua mão intacta enquanto cruzavam a porta da sala de jantar e, à altura em que chegaram à sala de estar, todos já estavam com os olhos voltados para sua direção. Havia uma atmosfera delicada ali e uma expectativa ambígua nos olhares que os receberam - uma coisa que se repetiu na forma como Emmett olhou-os de volta.

É claro, todos os sentimentos bons que cultivara sobre cada um ainda estavam lá - a gratidão, o amor, a admiração e tantos outros que não poderiam ser diferentes, se tratando das pessoas que eram como sua família. Mas, agora havia um gosto amargo pairando sobre todos eles, movido por sua parte vulnerável e exposta demais, que o fazia sentir apenas indignado e irritado por achar-se deixado para trás em alguma parte do caminho, quando parecia ser um dos poucos a não saber de uma parte de sua própria história.

—Bem, acho que temos muita coisa pra conversar. - Emmett foi quem disse em meio ao silêncio da sala, enquanto os três outros Cullen se levantavam subitamente de seus lugares nos sofás. Esme assentiu, revelando sua expressão obviamente angustiada, e Carlisle fez o mesmo lançando um olhar para a mão machucada do veterano ao lado do corpo.

—Talvez eu possa dar um jeito nisso enquanto conversamos. - ele sugeriu, num tom que pedia certa permissão em meio à preocupação, e Emmett então recobrou a dor na mão direita, dando-lhe um olhar breve.

—É, eu acho que vou precisar. - foi a última coisa que o veterano disse antes que Esme sugerisse que fossem à sala de jantar para aquilo e Carlisle fosse rapidamente ao andar de cima pegar seus materiais médicos.

À altura em que ele voltara, Rosalie estava recostada a uma das paredes, inquieta demais para sentar-se; Emmett estava sentado, analisando desatentamente sua mão ferida sobre a mesa; Esme estava sentada também, à frente do ex-soldado, parecendo esforçar-se enormemente para não olhá-lo demais ou dizer alguma coisa; e Edward, por fim, estava debruçado sobre a cadeira na cabeceira da mesa, parecendo pensativo.

Carlisle olhou-os um a um, mas rapidamente, e descansou sua maleta sobre a mesa - que foi quando todos voltaram a atenção para sua figura. Ele, no entanto, apenas continuou a abrir seu compartimento, de onde tirou uma toalha cirúrgica azul, que estendeu sobre a mesa antes de pousar instrumentos sobre ela e vestir luvas estéreis descartáveis.

Emmett acompanhou os movimentos dele com um olhar atento, mas vago, que denunciava o seu estado reflexivo e, ao mesmo tempo, o esforço automático que fazia para conter todas as perguntas que lhe ocupavam a cabeça - e foi dessa mesma forma que assentiu quando o mais velho sugeriu tocar sua mão, estendida sobre a mesa.

—Você pode perguntar, Emmett, quando quiser. - Carlisle incentivou, e o veterano piscou algumas vezes antes de refazer seu olhar de resposta, que foi breve enquanto engolia a seco. - Só mantenha a mão parada pra mim e me diga como está a dor, antes disso.

Emmett considerou por um momento, sentindo os toques cuidadosos das mãos do médico na sua de aspecto inchado e arroxeado.

—Está... - ele engasgou sob uma pequena pressão mais ao meio no dorso da mão ferida, na direção de seus dedos mindinho e anelar. O mais velho olhou-o com desculpas. - Está bem aí, aonde acabou de encostar. - e ponderou, querendo dar de ombros, mas se mantendo imóvel. - Algo como um seis, de zero a dez.

—Certo, tudo bem. - Carlisle assentiu, analisando o local a olhos e toques, atenciosamente. - Certamente é uma fratura deslocada do colo do metacarpo. - disse sério e se corrigiu, levantando o olhar. - No caso, do quarto e quinto metacarpo, que é aonde a dor fica maior pra você, e o inchaço também.

Ele refletiu em silêncio por mais alguns instantes, os olhos de todos os outros em sua figura, e logo chamou a atenção de Emmett outra vez.

—E já que não há angulação nem deformidade de rotação visíveis, apenas colocando uma tala e tomando alguns analgésicos pelos próximos dias isso deve melhorar. - ele informou, por fim, e deu um pequeno sorriso inevitável antes de começar a mexer nos materiais que havia disposto ao lado.

Esme suspirou o mais discretamente que pôde em alívio, embora todos os outros tivessem notado, e o veterano assentiu gradativamente.

—Ah, certo, isso é bom. - ele refletiu rapidamente, e disse mais baixo, deixando sua mão ferida pousar na nova toalha cirúrgica que o médico estendera à sua frente. - Obrigado, Carlisle.

Carlisle, por sua vez, apenas assentiu, com o mesmo sorriso breve de antes, e deixou que o silêncio, intercalado pelos ruídos mínimos de seu trabalho na mão ferida de Emmett, indicassem ao mesmo que, agora sim, ele poderia começar a dizer as tantas coisas que formariam aquela, de alguma forma, esperada, conversa.

Alguns segundos passaram antes que isso, de fato, acontecesse.

—Jared, as coisas que ele disse... - Emmett começou então, observando o mais velho higienizar sua mão com uma gaze embebida em alguma solução antisséptica. - Ele disse coisas de que eu não me lembrava. Como se eu nunca as tivesse vivido, eu não... - ele negou com a cabeça, incrédulo: aquela ideia ainda era inacreditável. - Eu achei que ele estava mentindo, me provocando, como sempre. Mas, não. - e negou com a cabeça, sem tirar o foco da própria mão, e por isso desapercebido do marejar nos olhos de Esme, bem à sua frente, que parecia antecipar o que ele diria.

—E agora eu não sei se queria que ele estivesse ou não, porque só me lembro das partes ruins, e não sei por quê. Não sei por que me esqueci, mas principalmente, não sei por que vocês não me contaram. - e então olhou de Carlisle para Esme, o cenho franzido em uma confusão genuína e aflita quando, sob o silêncio de ambos, continuou. - Se nunca foi uma coincidência naquele Natal e agora eu estar aqui há um ano e tanto, por que não me disseram desde o começo? Eu acho que merecia saber, merecia ter tido a chance de me lembrar de tudo antes. - ele expressou, frustrado.

—E você merecia, Emmett, é claro que sim. - Esme interrompeu antes que ele acrescentasse outra coisa, apoiando-se sobre a mesa e esboçando sentir tanto em seu semblante. - Mas, nós achamos, na época, que você merecia um pouco de descanso das coisas ruins e não foi difícil para Carlisle presumir que, se havia esquecido daquela parte da sua vida, devia ter mais alguma coisa ruim nela impedindo que se lembrasse de tudo. - ela explicou tão rápido quanto pôde e lançou um olhar ao marido, ao mesmo tempo em que Emmett olhou de um para o outro, indagando em silêncio.

—Bem, - Carlisle começou, olhando o veterano por um instante antes de pousar sua mão de volta na toalha e virar-se para escolher uma tala apropriada. - é mais uma coisa da Psicologia do que da Medicina realmente, por isso existem muitas variáveis que eu não poderia explicar adequadamente. Mas, basicamente, existe uma hipótese que diz que certos eventos traumáticos podem ter tamanho impacto sobre uma pessoa que podem ser suprimidos para o seu inconsciente, já que sua estrutura mental não suportaria lidar com a consciência de ter passado por coisas que o machucaram tanto.

—E nesse caminho, - ele prosseguiu, posicionando meticulosamente o material sobre uma parte específica da mão ferida, apoiada na sua, como se testasse. - as chances de que memórias boas que estavam no meio desses períodos de trauma acabem sendo suprimidas juntas é realmente alta. Afinal, - e disse como se fosse óbvio, dando de ombros - é como um pequeno preço a se pagar, na perspectiva do seu mundo mental, para mantê-lo seguro de todo o resto ruim que precisa ser "escondido".

Enquanto o pai falava, Rosalie erguera a cabeça e havia passado a olhá-lo diretamente, de uma forma curiosa e interessada, assim como Edward - que, no entanto, parecia mais reflexivo e subitamente ter entendido coisas demais -, enquanto Emmett ainda estava processando aquele emaranhado de informações que, na verdade, fazia realmente muito sentido - de uma maneira mais perturbadora do que havia previsto que qualquer explicação fosse capaz de fazer -, quando Carlisle continuou.

—Geralmente isso ocorre em crianças ou em veteranos de guerra, e quando em crianças a probabilidade de que essas memórias voltem naturalmente em pouco tempo é boa. Mas, você sofreu diversos traumas sucessivos, - ele disse com tom cauteloso, e pontuou oportunamente enquanto trabalhava com as mãos. - principalmente indo para a guerra, então não houve uma "brecha", entende? - e fitou Emmett por um momento, que inclinou a cabeça numa espécie de meia-concessão. - E chegar a isso, para nós, pareceu pista o suficiente de que você não estava pronto para se lembrar, de que não tínhamos o direito de antecipar uma coisa que sua mente não fizera ainda por algum bom motivo.

—Nós pensamos que seria o melhor pra você, querido. - Esme emendou assim que o marido terminara, esticando uma mão sobre a mesa para tocar cuidadosamente a intacta dele, ao passo que a outra era cada vez melhor imobilizada. - Só queríamos que você pudesse passar um bom fim de ano, sem perturbações, e decidimos que se à altura em que você fosse embora ainda não tivesse se lembrado, nós diríamos. - ela disse sinceramente, com seu tom terno e emotivo de sempre, que fez Emmett esforçar-se para olhá-la. - Mas, então, você acabou ficando e nós percebemos que estava tendo problemas com o Estresse Pós-Traumático, o que se estendeu bastante, você sabe... - e encolheu os ombros, com uma expressão de pesar. - Então, acabamos adiando demais.

—E sentimos muito por isso. - Carlisle acrescentou, olhando-o honestamente depois de certificar-se da firmeza da tala em sua mão, segura por bandagens e ataduras, e antes de mover seu foco para os dedos anelar e mínimo do veterano, quando murmurou com tom de lamento. - Talvez se eu tivesse me lembrado desde o começo eu teria dito ali mesmo, quando encontrei você.

Com isso, houve um silêncio delicado e todos os olhos - exceto os de Esme, que se desviaram - descaradamente se voltaram para Carlisle, com expressões parecidas de confusão no rosto. Rosalie estava se precipitando para a frente, quase interrompendo o momento que parecera congelado, quando Emmett o fez primeiro.

—Mas, vocês acabaram de dizer que... - ele começou, confuso, olhando de Esme para Carlisle mais de uma vez, e então parou no loiro. - Você não sabia?

Carlisle balançou a cabeça em negativa, enquanto enfaixava os dedos do veterano.

—Não realmente, à princípio. - e buscou ar antes de prosseguir. - Quando o vi naquela esquina e li o seu sobrenome na farda, algo na minha cabeça estalou, uma familiaridade estranha, mas isso não me disse nada abertamente. Eu sabia que já havia ouvido aquele nome antes e, conforme me aproximei e troquei aquelas poucas palavras com você, o sentimento familiar cresceu, e eu lembrei do garotinho que, afinal, era você, e de Francine... - ele então encolheu os ombros, e pausou por um instante. - Mas, evidentemente, não havia como ter certeza porque faziam tantos anos, nós havíamos perdido o contato com você e sua mãe quando ainda era pequeno e... Bem, eu só soube realmente mais tarde naquele dia, quando Esme me disse.

Então, a matriarca quem recebeu quase todos os olhares na sala, o que a fez recostar-se na cadeira sob um suspiro lento antes de explicar.

—Quando Carlisle o trouxe para casa, - ela começou, olhando para Emmett. - eu senti algo muito parecido com o que ele disse que havia sentido ao encontrar com você. Então, enquanto acomodávamos você aqui e todo o resto, eu fiquei tentando saber coisas sobre você que me fizessem lembrar de algo. Alguma coisa, qualquer coisa realmente por causa de como estava me sentindo, que me dissesse que eu o conhecia de algum lugar. Até que houve um momento.

Quando Esme dissera as últimas palavras, foi como se tivesse havido uma ordem instantânea à mente de Emmett, que começou a vasculhar suas memórias daquele dia inesquecível: o Natal de 1946, quando chegou à casa dos Cullen.

A necessidade de tentar antecipar o momento de que ela falaria o fez passar pelas lembranças muito rapidamente e, limitando cada instante com urgência, Emmett viu: a primeira vista que tivera da casa grande demais e Carlisle tendo que incentivá-lo a entrar; a primeira visão que tivera do rosto de Rosalie; Alice se voluntariando para levá-lo ao andar de cima e o burburinho de vozes conforme ele desaparecera para lá.

Depois, com alguma névoa no caminho, Jasper e Esme lhe trazendo roupas novas; a sensação esquecida de um banho e a água inacreditavelmente quente da banheira; sua primeira conversa com Edward; a ansiedade pela comida na mesa, mas também por uma noite de sono na cama do quarto; o agradecimento aos céus e de joelhos à beira da cama, interrompido pelo "boa noite" de Carlisle e Esme que tornou-se um novo agradecimento, dessa vez àqueles dois; e enfim, a primeira noite de sono bem dormida em anos.

E, mesmo assim, ele não fazia ideia de em qual momento havia sido o que Esme estava falando.

—Eu não tenho certeza se lembra-se, mas levei algumas roupas ainda por passar para você vestir, junto com Jasper, roupas novas para você usar. - ela recomeçou, tirando Emmett de seu transe. Ele não teve certeza se deveria assentir, porque parecia ter perdido o detalhe das roupas "por passar", o que lhe parecia certeza de que teria perdido outros também. - De toda forma, - Esme continuou - eu iria passá-las naquela hora, mas você não deixou. Me disse que podia fazer isso porque havia aprendido com sua mãe, que costumava trabalhar com isso quando você era pequeno.

Aqui, houve uma pausa que deixou todos os outros em expectativa.

—Foi bem aí que eu me lembrei de tudo. - e então ela quase sorriu, parecendo em dúvida, seus olhos marejados fitando as mãos e voltando a Emmett com dificuldade. - Dela, de quando trabalhava conosco, e de você, que vinha com ela e era um garotinho tão doce! - ela exclamou com emoção, e quando o encarou com tanto afeto, os olhos do veterano também se inundaram em lágrimas, os lábios resistindo ao tremor. - Você e Jasper... Vocês brincavam a tarde toda e, claro, quase sempre queriam mais tempo. - então ela deixou escapar um riso nostálgico ao mesmo tempo que as lágrimas, que se apressou em secar. - Mas, você obedecia assim que sua mãe dizia que era hora de ir embora.

E Carlisle emendou inesperadamente, com um tom de riso emotivo também, embora levemente mais discreto, enquanto, afinal, guardava os próprios materiais e dispensava os descartáveis logo ao lado.

— Apesar de tentar convencê-la quando oferecíamos pra que passassem a noite aqui.

Esme e ele trocaram um olhar cúmplice e as expressões de emoções parecidas ganharam força por um breve momento, quando Emmett interviu, preso a um ponto que lhe chamara a atenção mais que os outros, ao passo que desistia de encontrar a si mesmo entre a carga emocional de todas aquelas revelações e a sensação, ao mesmo tempo engraçada e pavorosa, de recuperar memórias que, até então, não sabia que haviam existido em sua própria consciência.

—Jasper? - Emmett quis perguntar, confuso, e olhou de Esme para Carlisle sem perceber que uma lágrima acabava de escapar-lhe de um dos olhos. - Jasper e eu éramos amigos?

—Eram, e bastante. - Carlisle foi quem respondeu, sorrindo saudosamente outra vez. - Vocês não passavam tanto tempo juntos sempre, às vezes porque sua mãe terminava mais cedo, às vezes porque não havia trabalho todos os dias da semana. Mas, se deram bem desde o começo porque, além de terem a mesma idade, já nas primeiras conversas e brincadeiras por aqui, você falava bastante. - ele riu levemente, e cerrou os lábios rapidamente outra vez, para continuar. - E Jasper, como sempre, realmente preferia ouvir, com que você não se importava. 

—E também, - Esme acrescentou de repente, sorrindo de um modo parecido com o do marido. - você o tirava um pouco de seu conforto e timidez, do que ele surpreendentemente gostava. Acho que porque você o compensou de alguma forma, com todas as brincadeiras que ele não conhecia e o jeito divertido. - e então deixou escapar um riso leve também. - Ele o achava muito engraçado.

—O que você era realmente. - ela continuou rapidamente, dando um olhar breve ao marido, agora apoiado no encosto da cadeira ao lado de Emmett, que, por sua vez, alternava seu olhar entre os dois, atônito. - Divertido e cheio de energia, mas também tão gentil e educado conosco, a toda hora. - e, numa pausa necessária, como se aquilo pudesse amenizar e assegurar alguma coisa ao mesmo tempo, alcançou a mão dele com a sua, outra vez, sobre a mesa. - Sua mãe se orgulhava muito.

De toda forma, no instante em que a matriarca terminara sua frase, o veterano desapercebidamente deixou mais lágrimas saltarem de seus olhos avermelhados, que se perderam noutro ponto da sala de jantar, instantaneamente vidrados. O azul se tornara mais azul em suas íris conforme a esclera se avermelhava mais intensamente, banhada em lágrimas.

Por longos segundos não houve foco que o mantivesse naquela conversa: seu cérebro precisava de uma pausa - ou, ao menos, da sensação de uma -, porque um mundo novo inteiro parecia estar acontecendo, e vivendo e se conectando ao restante em sua cabeça, que agora parecia ter estado sempre obviamente desfalcada, desbotada ou fora de foco em algum nível. 

Ao passo que isso se desenrolava e processava na cabeça do de olhos azuis, seus lábios se entreabriram, recebendo a atenção e expectativa de todos, mas som nenhum saiu por entre eles em um longo minuto: foi nesse intervalo que o silêncio foi quebrado.

—Ele se lembra disso? - Rosalie foi quem perguntou, se aproximando da mesa e olhando do veterano para os pais, que a olharam de volta, e ela logo enfatizou. - Jasper. Ele se lembra? 

—Até onde sabemos, - Carlisle foi quem respondeu, num tom cauteloso. - ele se lembra do garotinho com quem brincava, mas não o relacionou com Emmett.

Então, levou muito pouco tempo para que a loira conectasse mentalmente aquela resposta às suas outras perguntas, supondo com precisão:

—Como eu. - ela disse, enfim, balançando a cabeça positivamente para si mesma antes de olhar para os outros com certa ansiedade. - Eu me lembro do garotinho amigo de Jasper que era o único a elogiar meus "recitais", das coisas que ele falava sobre sua mãe e dela muito vagamente. Mas, nada o suficiente para tê-las associado a Emmett. - então, pausou oportunamente sob o olhar, finalmente mais atento, do próprio. - Comecei a estranhar quando conversamos no casamento de Jasper, se lembra? 

Emmett acenou breve e quietamente, erguendo a mão livre para secar a umidade do rosto. Os Cullen se entreolharam rapidamente, testemunhando o entendimento súbito que Rosalie incitara em cada um, e depois novos minutos de silêncio os seguiram.

—E eu não me lembro de nada, naturalmente, porque era muito pequeno, não é? - Edward foi quem perguntou dessa vez, num tom parecido com o que Rosalie havia utilizado: de certeza antecipada, mesmo com a dúvida em voz alta.

—Sim, exatamente. - Carlisle afirmou, acenando com a cabeça e olhando do filho para a filha. - Todos vocês eram pequenos, o que muito provavelmente ajudou no processo de esquecimento. E você então, - ele voltou a Edward. - tinha só dois anos.

Compreensivamente, como acabara de antecipar, Edward acenou com a cabeça e, como os outros fizeram quase ao mesmo tempo, cedeu um olhar breve a Emmett, que parecia prestes a finalmente falar alguma coisa. 

Em sua cabeça, partes de sua vida de que, por anos, ele estivera tão inconsciente, despertavam e corriam lá e cá, fazendo um atrito enorme com todas as dúvidas que surgiam delas e também, de uma forma mais agressiva, com toda a sua certeza, de quando garoto, de que ninguém poderia sentir tantas coisas ao mesmo tempo sem entrar em parafusos.

Porque agora, ironicamente ou não, estava tão perto dessas memórias quanto, ele achava, da combustão iminente.

—Certo, bem, mas... - ele começou mesmo assim, pigarreando um pouco e piscando várias vezes. - Vocês estavam dizendo algo sobre eu tentar convencê-la de passar a noite aqui...? - e franziu o cenho, novamente preso a um ponto passado da conversa. - Por que?

Rosalie e Edward, que não haviam atentado-se realmente - ou, ao menos, não com tanto afinco - àquela parte da história, olharam para os pais ao mesmo tempo que o veterano. E enfim, sob um suspiro discreto, mas pesaroso, Esme foi quem respondeu. 

—Nós sabíamos como Jared era. Francine quase nunca queria nos contar, mas não havia realmente como esconder, então às vezes eu e ela conversávamos sobre isso e, especialmente em dias que vocês saíam daqui tarde, eu e Carlisle tentávamos usar o horário para convencê-la de ficar aqui. - ela explicou com simplicidade, gesticulando um pouco, com as mãos de volta para si mesma. - Na verdade, pensávamos que talvez com um dia ela cedesse a outro e poderia ser tempo suficiente para convencê-la de deixá-lo.

Com essa parte, as memórias que vieram à cabeça de Emmett estavam mais claras do que as recém-despertas pelas explicações dos Cullen - talvez pela forma como Jared as havia incitado, e já há horas atrás. Isso deixou-o sentir com certeza o que havia para aquele momento e, com a raiva à superfície, segurou as lágrimas a tempo, de maxilar enrijecido.

—Ela se preocupava com o sustento de vocês, que vinha dele em grande parte e, de alguma forma, não queria que você crescesse sem um pai. Afinal, ele não havia sido mau para você, ela dizia, até que, bem... - Esme pigarreou e levou os olhos às próprias mãos unidas sobre as pernas. Quando ergueu-os de volta, estavam marejados e na direção de Emmett. - Ele agrediu você, como fazia com ela, e você era só uma criança.

E imediatamente, o cenho do veterano se franziu de volta e, dessa vez, ele não pôde controlar tão bem o avermelhado dos olhos e a ardência no topo do nariz que antecederam novas lágrimas, e nem a necessidade de reunir fôlego para voltar à tentativa de segurá-las em seguida. 

Aquela era a lembrança mais nítida dentre as que havia ganho há pouco, e ainda assim havia conseguido interrompê-la em algum ponto por todo aquele tempo, até ali.

—Eu sinto muito, querido, tanto. - a matriarca continuou, e inclinou a cabeça na mesma hora em que estendeu a mão para amparar a dele.

Houve silêncio por alguns segundos, até que o Cullen mais velho completou.

—Isso, é claro, foi o suficiente e vocês foram embora para outro canto da cidade. Para longe dele e, consequentemente, de nós também. - ele encolheu os ombros, com o tom desagradável, mas inevitável, da comparação. - Por alguns meses conseguimos manter contato discretamente, mandando cartas e algumas doações anônimas quando ainda estavam se estabelecendo por lá, já que não podíamos chamar atenção demais fazendo visitas e coisas do gênero, porque colocaria em risco o paradeiro de vocês para Jared. Mesmo então ele poderia ser esperto o bastante para encontrá-los com qualquer pista.  - e fez uma pausa, olhando para algum lugar na mesa antes de virar-se para Emmett, que o olhou de relance. 

—Assim, em questão de meses, acabamos perdendo o contato. Foi por isso que, quando encontramos você em 1946, não podíamos ter certeza de que era você, Emmett. - ele explicou, sem dúvidas e nada além de sinceridade em seu tom, que chamou a atenção do veterano de volta. - Achávamos que Francine estaria viva e imaginamos que você teria ido para o exército, como Jasper também foi. Mas, como ele, imaginamos que não teria chegado a ser convocado para a frente de guerra, de fato. Achávamos que esse tipo de coisa era realmente raro de se acontecer por aqui e, bem, todo o resto da incerteza você deve entender, com tudo o que ouviu.

—Eu acho que isso é tudo... - Carlisle prosseguiu após uma pausa, refletindo por um instante. - Tudo o que podemos esclarecer pra você. Se quiser nos perguntar qualquer coisa, fique à vontade. - e se adiantou, com toda a honestidade e nenhuma amargura, além da chateação por ver Emmett passando por tantas coisas. - E caso se sinta chateado por não termos contado antes, pelo jeito como adiamos tantas vezes também, nós entenderemos. É um direito seu, e de toda forma, isso tudo é realmente coisa demais para digerir.

—É claro. - Esme assentiu quase imediatamente, e afagou o dorso da mão de Emmett com a sua. - Se você puder apenas tentar entender que fizemos o que achamos ser melhor... - ela continuou, engolindo para esconder a voz embargada, à menção do que Carlisle a olhou com amparo, e então ela sorriu como pôde para o ex-soldado. - Já significará muito para nós. E vamos continuar ao seu lado e ajudá-lo com tudo o que pudermos.

Afinal, alguns olhares se perderam no ambiente e outros na direção do chão, como se todas as coisas contadas, embora carregadas de algum alívio, tivessem deixado efeitos que pesavam sobre seus ombros de maneiras diferentes - mas também, como uma família, pesavam na mesma medida quando se tratava de testemunhar o sofrimento de um dos seus.

—Eu entendo. - Emmett finalmente disse, a voz rouca e ainda muito breve, quando se esforçou. - Eu... - e franziu o cenho, secando o rosto rapidamente e assentindo. - Acho que entendo, sim. Só preciso realmente digerir todas essas coisas. - então, olhou a todos brevemente, e mais demoradamente a Esme e Carlisle, para quem tornou a falar.

— Obrigado por me contarem, por me ajudarem nisso. E por terem feito isso desde sempre, aparentemente, e com minha mãe também. - ele tentou sorrir e então afastou o corpo da mesa, sob olhares atentos, mas não se levantou até completar. - E obrigado pela mão, Carlisle. Eu vou tirar alguns minutos, se não se importam.

Assim, todos os Cullen assentiram no mesmo momento e, como horas antes, com olhares cúmplices, mas levemente renovados por todas as coisas não mais enevoadas sob aquele teto, assistiram Emmett retirar-se para a sala de estar, sem dizer coisa alguma.


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