Across The Frontline escrita por overexposedxx


Capítulo 12
Capítulo 12 - Silêncio




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Naquele mesmo dia, quando o céu acabava de mostrar os primeiros resquícios de seu tom azul escuro, trazendo consigo o clima frio e úmido que alertava os moradores de Seattle para mais uma noite chuvosa - como era típico da cidade -, Emmett retirava a chave da ignição do Jeep em que locomovia-se do trabalho para a casa, após estacionar na garagem da mansão que encontrava-se perceptivelmente silenciosa àquela hora. Ainda um tanto confuso e acostumando-se com os curativos na mão direita, enquanto esvaziava sua mente dos pensamentos que a aura do trabalho traziam-lhe, tratou de entrelaçar um dos dedos da mão esquerda ao chaveiro do carro, utilizando-se da mesma mão para agarrar a maleta de couro que descansava no banco do passageiro, certificando-se de que não esqueceria nada no automóvel, antes de usar o manejo do corpo para fechar a porta do motorista e dirigir-se até a entrada da casa.

Quando os olhos azuis alcançaram a vidraça da porta alta e, de certa forma, imponente, a luz que iluminava o ambiente adentro transpassou-se ligeiramente para sua visão, deixando-o alerta para o fato de que alguém - ou mais de um alguém - ocupava a sala de estar, logo automatizando a mudança leve, porém necessária - em seu ponto de vista - em seu comportamento: de um aparentemente quieto, porém em turbilhões internos acerca de múltiplas questões, para um de onde as aparências, com certo esforço, transpareceriam um interior  minimamente sereno e fora da influência de qualquer estresse recente. Ao mesmo tempo em que processava tais expressões e modos em sua mente, alcançava com certa dificuldade, com a mão enfaixada, o molho de chaves da casa no bolso do paletó, esforçando-se, entre o processo de pegá-la e encaixá-la para enfim girar a maçaneta, para não desfazer ainda mais o curativo sobre seus cortes. 

—Emmett? - ouviu a voz do de olhos esverdeados por detrás da porta, que parecia ter percebido sua quase infantil dificuldade em girar a maçaneta do lado de fora - É ele? - ouviu Edward perguntar, em tom mais baixo, para a irmã que situava-se em um dos sofás, cuja voz parecia ter sussurrado um quase indiferente "acho que sim", sem mover-se do lugar. 

—Sou eu. - confirmou, guardando rapidamente o molho de chaves no bolso do paletó outra vez - Eu não consigo achar as chaves, então vi a luz acesa e achei que a porta poderia estar aberta. - mentiu, procurando minimizar os pensamentos que certamente haviam ocorrido ao outro sobre o curativo em sua mão direita, em relação àquela circunstância. 

—Agora está. - o mais novo brincou, liberando a passagem para o mais alto, que sorriu abertamente, exibindo as covinhas nas bochechas e estreitando involuntariamente os olhos azuis, antes de cumprimentá-lo com um breve meio-abraço.

—Obrigado. - agradeceu, ainda sorrindo, enquanto sentia o fechar da porta atrás de si, para só então atentar-se à presença de Rosalie no sofá, confortavelmente ajeitada com seu livro nas mãos, apoiado em uma das pernas, cruzadas uma sobre a outra e cobertas pela saia rodada de cintura alta e comprimento médio que vestia - Boa noite. - lançou um breve olhar a ela, ainda sorrindo, enquanto afastava-se na direção da escadaria.

—Boa noite. - ela fitou-o rápida e hesitantemente, logo voltando os olhos para as páginas do livro pelas quais, inquietamente, passava um dos dedos pelas laterais, sentindo o toque tênue entre macio e cortante contra sua pele, distraindo-se por um segundo, sem notar devidamente, da leitura que fazia segundos atrás. 

—Você não vai dormir a essa hora, vai? - o caçula tratou de questionar ao moreno, jogando o molho de chaves na mesa de centro da sala de estar, antes de voltar a sentar-se em uma das cadeiras a frente da mesa de xadrez próxima dali.

—Por que? Tem algum convite melhor pra me fazer? - brincou, rindo levemente ao voltar-se para analisar as feições do outro, parando sua subida pela escada longa. 

—Na verdade, tenho. - sorriu, divertido, apontando o tabuleiro de xadrez a sua frente com uma das mãos - Um convite para uma bela partida de xadrez com o melhor competidor da casa, eis o que tenho pra você hoje. - arqueou uma das sobrancelhas, como quem questiona a resposta para sua pergunta, sem dizer uma só palavra para isso. 

—Certo, convite aceito. - concordou, após afastar a hesitação que os pensamentos em sua mente propunham-lhe, e sorrir em resposta à própria decisão - Só preciso de um banho e já estarei de volta. - anunciou, voltando a caminhar lentamente pela escada, levando a maleta de couro para debaixo de um dos braços, facilitando o apoio no corrimão do lado esquerdo - Treine bastante enquanto isso, vai precisar. - provocou, voltando a encarar o irmão, sorrindo travessamente.

—Vamos ver. - riu, antes de voltar a concentrar-se nas peças dispostas à sua frente, e desmanchar o sorriso naturalmente com os pensamentos que voltavam a ocorrer-lhe, à respeito do ex-soldado nos últimos dias e sobretudo, desde o início daquele dia.

Na manhã anterior, depois do pequeno acidente que deixara feridas não só na mão direita de McCarty, mas sobretudo, em sua mente já fragilizada, o mesmo vinha agindo especialmente alegre e conforme era do conhecimento da maioria de sua atual família, circunstancialmente, aquilo só podia dever-se a uma das duas hipotéticas ocasiões: uma aproximação positiva com Rosalie, ou uma experiência particularmente traumática que fizesse-lhe mascarar as sensações e pensamentos ruins com uma falsa alegria. Naquele caso, não que o ex-soldado quisesse que fosse do conhecimento de outros, mas a opção correta para a equação era a segunda. Assim sendo, para que tudo saísse coerente conforme desejava, o mesmo utilizou-se de uma desculpa qualquer para afastar mais especulações da mãe adotiva naquela manhã, bem como fez com os irmãos e Carlisle.

Não que todos estivessem completamente convencidos do que havia sido dito, mas tratava-se, figurativamente, de uma bandagem que parecia não caber aos mesmos descobrir para ter certeza do que tratava-se - isto exceto pela filha mais velha do casal Cullen, que tinha completa distinção do que era real e o que não era naquela situação. Afinal, conforme pensava consigo mesma naquele momento, enquanto ainda corria os olhos pelo livro sem notar a própria falta de atenção para com as palavras no mesmo, ela havia envolvido-se naquela situação, num impulso que sequer havia tido tempo para negar e agora, estava mais imersa naquele quadro do que gostava de admitir em seu íntimo, onde esforçava-se para mentir a si mesma e mascarar a preocupação para com Emmett com qualquer indiferença ou frieza que fosse mais confortável, pessoalmente, de lidar do que aquela provável demonstração de sentimento que negava-se a deixar enraizar em seu peito.

—Esse ferimento na mão dele parece feio. - o de olhos esverdeados sugeriu após alguns minutos de silêncio, ainda com os olhos nas peças de xadrez que movia, embora soubesse que a irmã estava prestes a encará-lo da maneira como esperava - O que ele havia dito que aconteceu? - franziu o cenho momentaneamente, ainda sem fitá-la, procurando reafirmar seu raciocínio a partir do que esperava que ela dissesse, fosse qualquer uma das afirmações que quase podia prevê-la dizendo.

—Algo com uma das facas quando estava na cozinha, de madrugada. - disse, o tom de voz incerto, mas tão sério quanto a feição impassível, o cérebro forçando os olhos a permanecerem no papel escrito à sua frente - Eu não sei. - cedeu, impaciente, diversos piscares consecutivos denunciando tal estado, antes que pudesse explicitá-lo em sua próxima fala - Por que está perguntando isso? Por que eu deveria saber? - disparou irritada, não hesitando em fixar o olhar na figura dele.

—Eu não disse que deveria saber. - devolveu, encarando-a rapidamente e no entanto, com serenidade oposta ao que ela havia demonstrado há pouco, clareando a expressão por alguns instantes - Você deveria? - instigou, lançando-lhe um olhar breve, mas auto explicativo, mantendo os olhos verdes na figura dela até que recebesse neles o olhar que, silenciosamente, dava fim àquela conversa.

Minutos mais tarde, quando as peças de xadrez à frente de Edward já assumiam posições completamente diversas pelo tabuleiro, indicando o passar do tempo como deveria - e exatamente ao contrário do que indicava o livro de Rosalie, estagnado nas mesmas páginas -, o som sutil dos passos de Emmett na escadaria soara nos ouvidos de ambos, anunciando sua chegada no ambiente, e por consequência, chamando a atenção de ambos - apesar da oposta demonstração provinda da última mencionada. Sem demora, o cenho franzido do mais novo, cujos olhos ainda concentravam-se no tabuleiro à frente, desfizera-se enquanto os últimos desviaram-se lentamente para a figura do ex-soldado, o sorriso contrariado e discreto, típico dos lábios finos e corados, precedera a fala do outro, que tinha no rosto uma feição semelhante.

—E então, pronto para perder? - o moreno provocou da forma divertida que lhe era habitual, o sorriso abrangendo-se mais conforme encarava o outro, logo assumindo seu lugar no assento à frente deste. O de olhos esverdeados, por sua vez, arqueara ambas as sobrancelhas, deixando o sorriso divertido estender-se mais pelo instante antecedente à organização das peças no tabuleiro, o que fora brevemente observado pela própria irmã à lateral do seu campo de visão, antes que pudesse mencionar virar mais uma das páginas que havia observado, mas não, de fato, lido.

(...)

Mais tarde, quando no alto do céu as nuvens encobriam a Lua e as estrelas predominavam brilhantemente, a casa dos Cullen estava tão silenciosa quanto estivera na última uma hora, com os únicos sons sendo os das folhas virando-se entre os dedos de Rosalie e as peças de xadrez movendo-se pelas escolhas dos rapazes próximos à janela. Agora as expressões nos rostos desses dois últimos estavam mais suaves devido ao fim próximo daquela partida, o que cedia-lhes espaço para alguns comentários avulsos que, por vezes, faziam a irmã de Edward rolar os olhos consigo mesma noutro canto do ambiente. 

Com o fim do jogo, os irmãos organizaram as peças outra vez e voltaram a zombar um do outro em brincadeira ao passo que levantavam-se, com seus próprios argumentos para a aparente desistência de um e do outro. Com a aproximação das dez horas da noite, o pretexto do de olhos esverdeados para recolher-se tornava-se cada vez mais sólido, uma vez que até mesmo o irmão mais velho, Jasper, já havia retornado à casa e feito o mesmo àquela hora, fazendo com que McCarty não pudesse fazer muito mais do que lançar-lhe uma última provocação e despedir-se com o "boa noite" de sempre, antes de vê-lo subir as escadas e deixar o ambiente que ocupava um tanto mais quieto, e agora, certamente, numa aura minimamente desconfortável para ele e sua única companhia.

Nos breves minutos seguintes que passaram-se, conforme as entrelinhas da circunstância agravavam-se, embora ambos procurassem ocupar-se com algo - ou, ao menos, continuar fingindo fazê-lo - tão bem quanto podiam, houve dado momento em que, ao menos para Emmett, o peso dos pensamentos que vinham-lhe à cabeça, todos intensificados por cada curto fio de atenção que rememorava-o da presença dela no ambiente, fora demais para que sustentasse mais tempo ali. Ela, apesar de não dizer nada, podia ver a forma como as pontas dos dedos dele, tamborilando na madeira escura da cadeira onde sentava-se, condiziam com a inquietude no rosto dele a que assistia de relance, e por isso entendera quando ele levantara-se, também em silêncio, e rumara na direção do jardim. 

Diante da grama verde e sob o céu escuro, limpo e estrelado daquela noite, o ex-soldado, por sua vez, caminhara, aparentemente em passos calmos, até alguma parte ao meio deste. Os olhos azuis vidrados na paisagem ao seu redor continuavam a vagar dessa forma, enquanto os pés levaram-no a estagnar sua caminhada não muito depois de onde havia começado: ao lado de uma das cadeiras do conjunto externo, onde apoiara uma das mãos, e por consequência, parte do peso do corpo, antes de permitir-se continuar com o que quer que houvesse ido fazer ali. 

Inicialmente, o único pretexto para ter movido-se até ali era a estranheza que pairava perante si quando ele e Rosalie dividiam o mesmo ambiente, e ele sabia, de alguma forma, o motivo por trás disso também. Agora que ela sabia de uma de suas maiores fraquezas, uma das que mais perfeitamente explicava por quê ele, um ex-soldado atuante na linha de frente do exército da traumatizante Segunda Grande Guerra, ainda sorria para cada um em que colocava os olhos e a quase cem por cento dos momentos de seu dia a dia, contradizendo todas as probabilidades para a sua suposta situação psicológica. Agora ela sabia, tanto quanto ele, que a sua necessidade de esconder, não só aquele, mas tantos outros traumas massivos - que àquela altura se apossavam não só de sua mente, mas do corpo também - era tão urgente ao ponto de forjar o comportamento alegre que antes lhe era tão natural, como se aquilo fosse afastar a dimensão da catástrofe que habitava-lhe. 

E mesmo que Rosalie dissesse que não tinha nada naquilo que lhe dissesse respeito, algo no âmago de Emmett fazia-o sentir o contrário. Afinal de contas, ela havia ajudado-o naquela manhã e assim como não havia obrigação alguma em fazê-lo, sabia que normalmente ela realmente não teria dedicado-se a qualquer coisa que dissesse respeito a ajuda-lo. E ainda assim, os cortes que agora não podia ver em sua mão só estavam provavelmente cicatrizando-se graças à atenção que ela havia dedicado a eles, contra todas as probabilidades de fazer tal coisa. E agora era mais do que normal sentir como se devesse aquilo a ela, certo? Alguma satisfação sobre a bagunça - física e mental - que ela havia visto ao adentrar seu quarto naquele dia mais cedo, mesmo quando desejava, mais do que nunca antes, não ter um motivo sequer para dever satisfações a ela, por melhor que parecesse a boba tentação de dirigir-lhe a palavra sem tantos quês de frieza quanto usualmente.

Num segundo, todos os fios de pensamento que corriam por sua mente foram interrompidos pelo som dos passos atrás de si. Parte de sua consciência muito alerta estava atenta ao fato de que aqueles passos pertenciam àquela que predominava em tantas das questões rondando por sua mente agora, mas a outra parte dispersa ainda fora responsável pelo leve sobressalto que o fizera virar o rosto na direção da casa, procurando inconscientemente pela figura em que colocara os olhos sem demora. 

Rosalie, que não tinha certeza se queria tê-lo tirado de sua quietude naquele momento, tirava os olhos, agora amendoados pela escuridão à sua volta, do céu limpo e pontuado de estrelas acima de sua cabeça, cedendo ao perceber que ele encarava-a, por mais breve que houvesse sido em tal coisa. Quando permitira-se encara-lo, analisando com discrição o olhar dele, perdido em algum ponto no ambiente externo, e depois os traços que formavam seu semblante, engolira a seco, percebendo que ele provavelmente ainda estaria tão hesitante quanto mais cedo, o que, de fato, dificultaria muito o que havia intencionado fazer ali. 

Não queria impulsioná-lo para ou contra qualquer coisa, mas depois de tanto ocupar a própria cabeça com o que havia presenciado pela manhã, não pudera deixar de sentir como se devesse, no mínimo, orientá-lo sobre a urgência do que estava acometendo-o e isso não como preocupação para a família, mas para ele mesmo. Rosalie sabia o que pareceria, entre milhares de coisas, mas podia assegurar com tudo de si que não estava preocupando-se daquela forma com ele. Era só uma precaução que teria com qualquer pessoa naquela situação. 

 


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