Sober escrita por Nunah


Capítulo 1
When it's good, then it's good, it's so good 'till it goes bad


Notas iniciais do capítulo

Queria escrever algo com essa música há muito tempo e agora me veio a inspiração.
Essa história é meio que uma comemoração à minha volta no Nyah, pra dizer que sim, eu voltei, é sério.
E o mais importante: é dedicada às meninas do p.a. squad, que me acolheram e em tão pouco tempo já são extremamente importantes para mim! (aliás, entrem no perfil do squad e leiam as fics delas)



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I don’t want to be the girl that laughs the loudest

Or the girl who never wants to be alone

I don’t want to be that call at 4 o’clock in the morning

‘Cause I’m the only one you know in the world that won’t be home

A garota desceu do táxi. O céu escurecia enquanto ela permanecia parada no meio da rua, o vento castigando seu corpo, o moletom surrado não a protegendo muito. A touca vermelha em sua cabeça pinicava seu couro cabeludo, alguns flocos de neve caíam e derretiam em suas bochechas, as mãos estavam dormentes. Mas nada disso parecia lhe importar. Seus olhos fitavam intensa e tristemente a casa com a pintura branca descascando. A estrela solitária pendurada na porta estava meio torta.

A caminhada até a casa demorou menos do que gostaria. Ela suspirou uma vez antes de entrar. A porta ainda rangia do mesmo modo.

Ártemis a aguardava no final do corredor, um guardanapo na mão e um sorriso vacilante no rosto. Era sempre assim. Athena sempre a prometia que viria no próximo ano, mas a mais nova nunca levava a sério. Talvez porque, quando tivesse a chance, ela mesma não voltaria.

O abraço que deram não foi demorado, mas apertado e cheio de significado. Elas estavam sozinhas o ano todo, menos naquele dia. Naquele dia, nunca.

“Vamos para a cozinha, sim?”

Athena virou o rosto quando passou pela sala, um olhar indecifrável no rosto. Não podia se dar ao luxo de demonstrar fraqueza. Ártemis precisava de seu apoio. Mas, ao avistar o pai, engoliu em seco. Estava pior do que no ano anterior. O cabelo mais grisalho e comprido, os olhos fundos e fixos, um copo quase vazio em sua mão.

A Véspera de Natal, para todos os outros, significava um tempo para se reunir com a família e passar a noite comemorando, desejando felicidades, bênçãos, sucessos para o próximo ano. Agradecendo pelos bons momentos vividos naquele ano. Para Athena, significava atravessar o estado e ajudar Ártemis a lidar com a tradição desastrosa que Zeus criara dez anos antes.

Ah, the sun is blinding

Ah, I stayed up again

Oh, I am finding

That's not the way I want my story to end

“Dez anos...”

Athena desviou sua atenção da geladeira para observar a mais nova. Ela parecia mais magra, e não de um jeito bom. Ártemis encarava a foto de uma família sorridente que carregava em mãos. O papel estava velho e com vincos, gasto. Uma memória de uma vida passada.

“Não pense nisso agora. Não é o que ela gostaria.”

A morena assentiu e respirou fundo, logo sorrindo novamente.

“O que importa é que você está aqui.”

Ambas se revezavam entre as tarefas, tentando deixar tudo perfeito. Elas mereciam. Sua mãe merecia.

Ártemis contava sobre sua experiência no último ano do colégio e suas expectativas para a formatura e mais além. Ela ainda vivia sob a sombra da irmã, a melhor aluna que já existira, mas estava tudo bem. Eles não possuíam dinheiro para um vestido de baile, e tudo bem também. Tudo o que a mais nova almejava era conseguir uma vaga em uma faculdade estadual, talvez a mesma de sua irmã, e sair dali o mais rápido possível.

Athena sentia o coração se apertar cada vez que pensava em sua situação, sobrevivendo apenas com o dinheiro que podia lhe enviar no fim do mês, fruto de um bico como garçonete. Mal podia esperar para arranjar um emprego que lhe permitisse estabilidade e tempo livre, para que assim se vissem livre de uma vez daquela vida.

I'm safe up high, nothing can touch me

But why do I feel this party is over?

No pain inside, you're my protection

But how do I feel this good sober?

Os gritos haviam começado lá pelas oito e meia da noite. Nenhuma das duas deu muita bola. Ambas sabiam que só pioraria.

Às nove e meia, as coisas começaram a ser quebradas. A televisão ficou em silêncio.

Um pouco depois das dez, ele invadiu a cozinha. Parte de uma garrafa segurada por uma mão coberta de sangue. Os olhos azuis intensos, loucos, não focavam em lugar algum. Com um berro, Zeus virou a mesa e derrubou tudo o que as garotas haviam acabado de cozinhar.

Ártemis gritou, lágrimas enchendo seus olhos. Em dez anos, era a primeira vez que aquilo acontecia. Em dez impossíveis anos, era a primeira vez que seu porto seguro e de sua irmã estava incontestavelmente arruinado.

Quando o homem avançou em sua direção, a mais nova tropeçou para trás e caiu, abaixando a cabeça e levantando os braços em reflexo, com medo do que lhe aconteceria.

Zeus um dia fora um marido amoroso e um pai dedicado, mas a Véspera de Natal era sua ruína. Dez anos atrás, a Véspera de Natal destruíra a todos.

“Pare!” Athena entrou na frente da mais nova. O vidro quebrado pairava perigosamente perto de seu queixo. “Pare. Agora.”

Os olhos raivosos ficaram marejados e por eles passou um lampejo de mágoa, antes de se voltarem para a face de Athena. O braço já levantado pendeu ao seu lado, sem força. Zeus caminhou para trás até sentir suas costas contra a parede, abaixando a cabeça e saindo do cômodo.

I don't want to be the girl that has to fill the silence

The quiet scares me 'cause it screams the truth

Please don't tell me that we had that conversation

I won't remember, save your breath 'cause what's the use?

Athena embalava Ártemis em seu colo. A morena molhava o moletom da mais velha ao chorar. Elas estavam sentadas na calçada defronte à casa. O frio e a umidade não as podiam perturbar mais do que as memórias vívidas que se passavam no fundo de suas mentes como um filme de mau gosto.

Eles já haviam sido felizes, um dia. Eles já haviam comemorado aquela época como uma família verdadeira, um dia. Quando a casa ainda possuía uma fachada bonita, cheia de luzes coloridas, e um interior repleto de risadas. Athena se lembrava bem até de mais de como a voz de sua mãe era música para seus ouvidos, de como havia corrido para dentro de casa buscar a mesma estrela para pendurar na porta da frente e voltara ainda mais rápido quando ouvira o grito de horror de seu pai.

O corpo de Ártemis havia parado de convulsionar com o choro. Athena não sabia quanto tempo havia passado encarando aquele mesmo ponto fixo no asfalto e, ao levantar o olhar, percebeu um pequeno movimento de cortina e dois vultos conversando por trás dela. A casa de seus vizinhos era maior do que a sua e bem mais preservada.

A loira, pela primeira vez em tempos, pensou em se afogar na bebida. Houve uma época em que não conseguia lembrar o próprio nome, em que passara a existir apenas como uma sombra do que uma vez fora. Ártemis estivera ao seu lado e lhe mostrara o caminho para a esperança. O mesmo não acontecera ao pai. A cada ano, as explosões de Zeus ficavam piores. A cada ano, tornava-se mais difícil impedi-lo de tocar na mais nova. A cada ano, em mais pedaços se partia o seu coração.

Ah, the night is calling

And it whispers to me softly "come and play"

Ah, I am falling

And if I let myself go, I'm the only one to blame

Ártemis suspirou e levantou a cabeça, encarando a irmã. Athena não fazia mais esforço para esconder a dor em seus olhos. Tudo o que ela mais queria era pegar a mais nova pela mão e sair mundo afora, mostrando-lhe todas as coisas belas, todas as coisas pelas quais lutava cada dia para que pudessem aproveitar. Mas a realidade insistia em se infiltrar de fininho em seu coração e acabar com suas ilusões.

Não possuíam dinheiro, não possuíam nome ou prestígio, não possuíam nada a não ser uma à outra.

Em algum ponto de sua mente, vagarosamente, pôde perceber o mundo novamente lhe pregando peças. A cena ainda insistia em se repetir em algum lugar de seus pensamentos, como uma ferida que se recusava a fechar.

Zeus se debruçava no asfalto, gritando. As pessoas começavam a sair de suas casas. Seu carro estava ligado, parado no meio da rua. Fora questão de segundos. Ela apenas queria ver como havia ficado a decoração. O impacto a fez escorregar sobre a camada de gelo. Uma poça de sangue aumentava gradativamente onde sua mãe havia batido a cabeça, grudando em seus cabelos cor de mel, em seu suéter cinza, nos braços do homem que a apertava contra o corpo.

O resto da noite não passava de um borrão. As sirenes se misturavam com as luzes de outras casas. Havia muita conversa, muitas perguntas. Pessoas surgiam de todos os lugares. Quando chegaram em casa, já era a madrugada do dia de Natal. As meninas acordaram horas depois, de olhos inchados e precisando de conforto, e tudo o que encontraram foi um homem que já não era mais seu pai. Olhos azuis elétricos, escuros, enlouquecidos. Roupas desarrumadas, cabelos fora de lugar. O mesmo copo na mão. Quando Athena tentou abraçá-lo, ainda em sua inocência... Aquela fora a primeira vez que sentira o punho firme descer sobre sua bochecha.

I'm safe up high, nothing can touch me

But why do I feel this party is over?

No pain inside, you're like perfection

But how do I feel this good sober?

A porta da casa da frente se abriu. Uma garota de cabelos negros ficou encostada ao batente, de braços cruzados e olhar apreensivo. Ao seu lado, surgiu um garoto. Athena se lembrava claramente da dupla. Ela, a líder de torcida. Ele, o capitão do time de futebol. Primos que possuíam tudo o que a maioria das pessoas apenas deseja. Dinheiro, beleza, fama.

Eles estavam lá na ocasião. Eles estiveram sempre lá. Na época de escola, nas festas do bairro, nas brincadeiras de rua. No momento em que sua mãe morrera. No momento em sua vida desmoronara. Nas incontáveis vezes que Zeus fizera Athena gritar de dor. Todas as vezes, eles estiveram lá.

A dupla nunca fizera um comentário maldoso sequer sobre Athena ou Ártemis. Não importava que elas não fizessem parte de seu grupo de amigos, ou que não usassem roupas de marca, ou até que vivessem em isolamento. Toda Véspera de Natal, eles vigiavam a casa da frente. Ouviam os berros, as brigas, os móveis se arrastando, os objetos sendo arremessados. Percebiam o quanto Ártemis ficava ansiosa quando começava a escurecer, esperando por Athena. Percebiam como as duas às vezes choravam abraçadas na calçada.

“Oi, sou Poseidon.”

O garoto estava parado em sua frente, as mãos no bolso, sorrindo. Seus olhos eram verdes como o mar.

“Sim, eu me lembro de você.”

Ártemis havia enxugado o rosto e se levantado. Athena possuía o braço em sua volta, protetoramente.

“Afrodite e eu gostaríamos que vocês entrassem... Sabe, para...”

Seus olhos ficaram incertos. Ele não precisava terminar a frase, não precisava dizer em voz alta. Todos sabiam. Para que tivessem uma Véspera de Natal digna, verdadeira. Para que vissem o que é ter uma família amorosa, unida, e não perdessem as esperanças.

Athena abriu a boca para lhe responder. Seu primeiro instinto fora negar, fora dar uma desculpa para que pudessem voltar para o seu local isolado. Mas Ártemis lhe encarava de olhos inchados e suplicantes. Seu lábio tremia.

“Claro, por que não?”

Coming down, coming down, coming down

Spinning ‘round, spinning ‘round, spinning ‘round

I’m looking for myself, sober

Coming down, coming down, coming down

Spinning ‘round, spinning ‘round, spinning ‘round

Looking for myself, sober

Afrodite havia sorrido, enlaçado seu braço no dela, e feito os quatro se sentarem em um sofá confortável. A casa era espaçosa e bem iluminada. Todo o local estava decorado com luzes coloridas, sininhos dourados, anjos em miniatura. Havia uma árvore de Natal, com presentes e tudo.

Ártemis estava maravilhada. Dez longos anos sem presenciar o espírito verdadeiro daquela época. Athena sorria sem querer. Havia se conformado com a realidade, mas aquele lugar possuía uma atmosfera tão reconfortante, diferente do que estava acostumada.

Era quase meia-noite. Poseidon as apresentou à família. Grande, sorridente, animada. Ninguém pareceu se incomodar com a presença das irmãs. Elas reconheciam uma pessoa ou outra, de tempos passados. Reconheciam rostos perdidos da multidão que se formara naquela noite.

Estouraram o champagne. Todos se sentaram à mesa. A boca das duas salivavam. Nunca, em dez anos e depois dez mais, conseguiriam cozinhar algo que chegasse aos pés daquele banquete. Chegou a hora da sobremesa. Nada menos do que sete tipos diferentes para se escolher, ou até mesmo provar um pouco de cada, eles não se importavam.

Ao contrário do que Athena pensara, ninguém foi embora. Eram duas horas da manhã quando estavam todos reunidos na sala, sentados no sofá, no colo de alguém, no tapete, perto da lareira. Apenas conversando, dando risada, aproveitando a companhia um dos outros.

Então, ela o ouviu. Primeiro, ao longe. Depois, o grito chegou de muito perto, seguido de murros contra a madeira.

Alguém abriu a porta. Já em quatro ou cinco homens, tentavam conter um Zeus mais bêbado e furioso do que nunca, que lutava para chegar às filhas. As duas ouviam promessas de violência. Ártemis havia começado a chorar novamente e Afrodite a abraçava com força. Poseidon se interpôs entre os dois grupos.

O garoto gritava com o homem. Athena mal podia acreditar no rumo que a noite estava tomando, tudo passava tão rápido à sua frente. Por alguns momentos, haviam se permitido sentir felicidade. E agora viria sua punição.

“Poseidon...”

“Não. NÃO! Eu já estou cansado de todo ano sentarmos aqui e assistirmos calados enquanto esse desgraçado agride as próprias filhas! Não mais!”

When it's good, then it's good, it's so good 'till it goes bad

'Till you're trying to find the you that you once had

I've heard myself cry, never again

Broken down in agony, just trying to find a friend

A polícia havia sido chamada. Todos deveriam prestar depoimento. Zeus foi levado, o olhar baixo e desacreditado, o homem não lutara. Talvez, de algum jeito, naquela sua mente enevoada pelo álcool, já esperasse por aquele momento há algum tempo.

A família se prontificou a cuidar de Ártemis até que a garota fosse para a faculdade. Uma boa faculdade. E ela teria seu vestido de formatura, afinal. Lágrimas vieram aos olhos de Athena. Lágrimas de alívio, felicidade, mas também de tristeza e cansaço. Estava acabado. Finalmente, estava tudo acabado.

O silêncio tomou conta da casa quando foram liberados. Afrodite não saiu do lado da mais nova um segundo sequer. Alguém fez chocolate quente, café e bolinhos de canela.

Athena se encontrava à janela. A casa do outro lado da rua era apenas uma impressão do que um dia já fora. Como foi que chegaram até ali?

“Já vai amanhecer...”

O olhar de Poseidon não possuía pena, apenas admiração. Como aquela garota suportara tudo aquilo pela memória de sua mãe e pelo bem de sua irmã era um mistério para ele.

Athena deu um pequeno sorriso. Algo tão raro, que aqueceu seu coração.

“Você quer ver algo esplêndido?” Ela assentiu.

O frio que sentiam agora parecia grudado no interior de seus ossos. Ele havia pegado mais casacos para que ela pudesse parar de tremer um pouco. Mesmo por cima de milhões de camadas de pano, mesmo tendo consciência que seu corpo estava dormente, ele ainda sentia a carga de eletricidade brincando por sua pele e a sensação gostosa em seu estômago.

A praia estava extremamente deserta. O barulho das ondas era ensurdecedor. O vento zumbia em seus ouvidos. Mas havia parado de nevar. Ao longe, um pontinho de cor começava a crescer.

Os raios amarelo-pálidos eram lançados por sobre a água azul, formando algo em sua superfície que lembrava muito um espelho esverdeado e límpido, ou um vidro fino e frágil, como cristal.

Athena ofegou com a visão. Logo surgiram raios alaranjados, vermelhos e até cor-de-rosa. A água recebia sua luz e a transformava em algo lindo. Algo pelo qual valia a pena quase congelar até a morte. A garota mal se lembrava da última vez que sentira seu coração tão leve.

“Gostou?”, murmurou ele. Poseidon a encarava intensamente. Os raios de sol também brincavam com as cores de seus olhos.

“Gostei.”, sussurrou ela. Athena se permitiu sorrir sem preocupações. As bochechas estranhavam o movimento já esquecido. “Gostei muito.”

Quase que hipnotizado, ele tocou sua face com os dedos cobertos pela luva. Deveriam estar gelados. Ela não se importou. Sua cabeça tombou com o toque. Os olhos cinzentos eram ávidos e inteligentes, e o observavam.

Quando suas testas se tocaram, foi bom. Quando seus olhos se fixaram, foi como se sempre esperaram por aquilo. Quando seus lábios se encaixaram, foi um suspiro em uma tempestade.


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Notas finais do capítulo

Eu tentei escrever algo mais simples, sem muitas descrições como eu estou acostumada rs então gostaria muito que dessem suas opiniões, ok?
Um beijo e boas festas!

OBS: ME SIGAM NO TT NOVO ♥ @itsnunah



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