Eternity escrita por Ckyll


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Olá amores.
Chegamos ao fim da trilogia Time, que deveria ser somente uma fic e acabou se tornando isso, graças a Liudi que me convenceu. Agradeço pela paciência, e espero sinceramente que gostem.
Boa leitura.



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365 200 dias.

O murmúrio das ondas era uma bela canção a qual ela tinha se acostumado, e o calor do sol em sua pele já não incomodava tanto assim. Seus pés deixavam pegada na areia molhada, e a água salgada vinha a seu encontro numa carícia conhecida e bem-vinda.

As caminhadas pela praia eram rotina, desde que ele tinha ido embora, a cada final de tarde a deusa da sabedoria caminhava junto ao mar, olhos no horizonte, observando o sol desaparecer, e a noite começar. Era um pequeno consolo, descoberto num momento de puro desespero, quando na vã esperança de encontrá-lo, seguirá sem rumo, até chegar ao mar. O lar dele.

Os deuses diziam que aquilo diminuiria com o passar do tempo, que a dor iria diminuir, que ela ia se acostumar. Era mentira, não tinha se acostumado nem por um instante, mesmo depois de tantos anos. A falta dele era mais dolorosa do que qualquer ferimento de guerra, e logo ela, a deusa que não perdia qualquer batalha, fora vencida por Zeus e suas leis.

Atena tinha consciência de sua falha, ela tinha jurado castidade, e se entregará a quem sempre declarou inimigo. E se arrependia, de tantas maneiras, que as coisas tivessem tomado tal rumo. Talvez as coisas pudessem ter sido diferentes, mas ela sabia que não. O ódio realmente tinha existido, não era uma paixão escondida como Ares costumava zombar, houve uma época que o som da voz do deus dos mares era o suficiente para deixa-la enfurecida.

Agora aquele som era tudo o que gostaria de ouvir.

Em todos aqueles anos ela tinha se tornado ainda mais fechada, em contrapartida os deuses começaram a se preocupar mais, porém não havia maneiras de se aproximar de verdade. Ela ainda se unia a Ares para lidar com a guerra, ainda seguia junto a Zeus, mantendo o Olimpo em ordem, ainda sentava naquele salão, e fingia que a visão do trono vazio não era capaz de machucar. Talvez se soubesse, Dionísio aplaudiria sua atuação, pois essa era impecável. Mas sob a dama de porte régio e traços que pareciam esculpido em mármore, havia uma deusa vivendo em agonia.  

Parecia exagero quando dito assim, mas ela mesmo não tinha pensado que o amor era um grandioso exagero? Quantas vezes tinha rolado os olhos para Afrodite e seus dramas sentimentais? E como imaginara as parcas rindo de tudo o que sentira até ali? Apenas entendia quem era capaz de sentir, agora ela sabia melhor do que ninguém.

Seus pés afundavam na areia, e a deusa seguia seu caminho. Por vezes tinha encontrado alguém que lembrava ele. Pessoas com olhos verdes, mas sem aquele brilho de provocação; risadas parecidas, mas que não soavam como deveria. E ao mesmo tempo que buscava o que fazia lembrar, fugia das memórias mais vívidas. Aos poucos não haviam mais semideuses de Poseidon no acampamento, seus filhos divinos pouco se aproximavam dos outros imortais, e Tritão tinha se recusado veemente a aceitar o trono do pai no Olimpo.

E os deuses continuavam a fingir, mas nada era igual. Afrodite não tinha o melhor amigo a quem recorrer após suas brigas com Ares, Apolo não tinha o tio favorito para atormentar por horas com suas poesias, e mesmo Zeus não tinha o irmão mais velho para discutir durante as reuniões. Diziam que ele tinha se arrependido, mas Atena duvidava. O ódio que vira nos olhos do senhor dos céus naquela manhã era real, a violência manchara para sempre uma de suas melhores lembranças.

Fechou os olhos enquanto parava, uma onda veio a seu encontro e a água fria despertava seus sentidos, respirou profundamente e se concentrou naquela sensação, como sempre fazia para escapar daquele estado de torpor. Tinha se sentido assim nos primeiros dias, dormente, como se nada fosse capaz de lhe trazer uma sensação real, e somente a dor em seu peito existia, desde o momento em que ele tinha fechado a porta do quarto pela última vez. Fora Apolo a ir consolar a irmã, e ele tinha permanecido com Atena o máximo que podia, em silêncio, porque sabia que palavras não iam adiantar.

Ele entendia bem.

Também tinha sido Apolo que a guiara de volta a seu caminho, junto a Afrodite, a deusa da sabedoria se reergueu e assumiu sua postura de combate. Ela podia lidar com aquilo, os olhares de acusação e pena, os cochichos por todo o escândalo, as perguntas que pareciam nunca acabar. Mas acabaram, pois seu silêncio era muito mais poderoso do que as línguas afiadas que diziam seu nome, e seu desprezo era tão claro quanto suas íris cinzas que encaravam de frente aqueles que fugiam de seu olhar.

Por vezes sonhava com ele, as memórias se desenrolavam e tomavam novos rumos, e era como se Poseidon estivesse ali. Podia ver novamente o deus dos mares entrando em sua biblioteca no meio da noite, suas primeiras conversas, a desconfiança que pouco a pouco desmoronava. Em alguns momentos podia sentir a respiração dele contra sua pele, e imaginava-se acariciando os cabelos escuros, tentando arrumar aquela confusão, enquanto o deus mantinha o rosto em seu colo. E haviam momentos, tão pequenos que podiam ser facilmente esquecidos: seu riso quando ele a levou para dançar, uma breve discussão, seus dedos entrelaçados enquanto caminhavam juntos.

Abriu os olhos cinzentos, encarando o mar revolto e tornou a caminhar. Aquelas memórias nem mesmo Zeus conseguira arrancar.

Mesmo com suas palavras doces o rei dos deuses não a convencia, e Atena sabia que sua desconfiança o machucava, mas daquela vez era um tapa trocado ao qual ele teria de se acostumar. Nas comemorações ela permanecia somente o necessário, por não querer que Afrodite se sentisse mal, por não sentir que tinha o que comemorar. Tinha voltado a tocar, quando a insônia a tinha tomado, afastando do breve consolo que os sonhos eram. Tinha voltado a pintar, tendo Apolo como seu principal modelo, às vezes parecia que tudo ia passar.

E passava, sem noticias dele ou qualquer chance de contato, Atena apegava-se ao que sentia e a promessa que ele fizera antes de partir. Aquela não fora a última noite. Eles iam cumprir aquilo e ter uma chance afinal.

O tempo continuou a passar.

Horas, dias, semanas, meses, anos. E a contagem prosseguia no fundo de sua mente, os números sempre ali, onde estariam até zerar. Até aquele dia. Por isso não quis permanecer no Olimpo, onde a cada vez que ouvia passos pela biblioteca seu coração acelerava, as vozes sussurrantes chamavam sua atenção mais do que deveriam, e sabia que se permanecesse naquele estado de inquietação iria enlouquecer. Por isso buscara o mar.

Viu uma pequena concha colorida parcialmente escondida pela areia, decidiu pegar antes que as ondas a levassem, mas antes que sua mão a alcançasse, uma mão maior e bronzeada interceptou o movimento. Sentiu como se seu coração tivesse perdido o ritmo, enquanto erguia o rosto seu olhar acompanhou o corpo do homem a sua frente, a pele ainda tinha aquele tom que ela adorava, as mãos grandes podiam estraçalhar navios e também segura-la com muita delicadeza, e aqueles olhos verdes que a encaravam eram os mesmos com que tinha sonhado por tanto tempo.

- Poseidon. - o nome dele escapou de seus lábios, não ousara pronunciar tantas vezes desde a última noite - que ele tinha prometido não ser a última.

- Desculpe a demora, é mais fácil entrar no mundo inferior do que sair.

E a voz dele quebrou de vez aquela represa que ela tinha criado dentro de si, tinha imaginado um milhão de vezes como seria aquilo, o reencontro, e em sua mente se via situações mais clichês (e isso não a incomodava). Mas nenhum filme ou livro foi capaz de descrever aquilo, porque era único, íntimo, só deles. Poseidon segurou a mão dela, colocando ali a pequena concha, como se fosse um tesouro, e Atena não sabia dizer se ele a tinha puxado ou se ela tinha se atirado, de repente estava nos braços do deus do mar.

Era uma adorável confusão, seus lábios sobre os dele, suas mãos ansiosas por seu corpo, a mistura entre o riso e o choro que não acabava. Era incapaz de pensar, mas os questionamentos em sua mente continuavam a surgir: Ele estivera ali por muito tempo? Os deuses viam aquilo? De fato isso tudo importava. Poseidon riu baixinho contra a pele dela, a respiração quente na curvatura de seu ombro.

- Eu também senti sua falta, Atena.

“Atena”, a forma como o nome dela soava naquela voz, era um jeito muito certo, como se qualquer outro não soubesse pronunciá-lo direito. Encarou o rosto dele, notando tudo o que tinha mudado, tudo que ainda era o mesmo. Seus dedos percorreram a barba escura, não pela primeira vez percebendo que a aspereza dos fios não a incomodava. Selou seus lábios por mais alguns instantes, e era incapaz de parar de sorrir.

- Nós conseguimos. - afirmar aquilo era a maior constatação de todas, eles tinham passado pelo castigo imposto por Zeus, tinham suportado todo o tempo separados, mergulhados em suas tarefas, e finalmente estavam ali.

- Mil anos passaram tremendamente devagar, mas valeu a pena. - as palavras dele traziam a tona seus pensamentos daquela última noite. - Devo ter deixado Hades maluco, ele parecia quase ansioso pela minha partida, mas não mais do que eu.

A deusa riu, um som verdadeiro, e manteve seu corpo muito próximo do dele enquanto o deus a botava no chão com muito cuidado. Ela queria perguntar coisas, e ao mesmo tempo permanecer quieta naquele abraço. O mundo parecia mais silencioso, com tudo em seu lugar, e mesmo o mar refletia aquela calmaria.

Aquilo era equilíbrio.

Eles caminharam pela areia, dedos entrelaçados, e palavras quase hesitantes. Tinham muita coisa a contar, mas nem mesmo sabiam por onde começar, então ficavam em silêncio. Atena sorriu quando ele contou sobre Perséfone, e Poseidon parecia tentar imaginar a estranha amizade entre a sabedoria, o deus do sol e a deusa do amor. Quando o sol já se escondia no horizonte era hora de voltar para casa, e Atena se perguntou para onde iriam? O Olimpo?

- Meu palácio. - Poseidon respondeu, e por dentro ela se encheu de expectativa, ele passou o braço ao redor de sua cintura e a trouxe para mais perto. Deixou-se levar em direção as ondas, e se existia ali algum frio, isso não a incomodou.

Mil anos tinham se passado, mais do que isso até que ela fosse capaz de aceitar o que sentia e correr o risco, a punição fora uma consequência inevitável, mas enquanto o deus dos mares a envolvia em seus braços, seus lábios sobre sua pele e seu corpo encontrando aquele encaixe perfeito, ela sabia que valera a pena.

Pelo amor sempre valeria.


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Notas finais do capítulo

Review me deixariam muito feliz.
Beijos, Ckyll.



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