Nekees: quais são seus pronomes hoje?

alex ♡: bom dia pra você também

Nekees: se eu pergunto, vc se irrita. se não pergunto, se irrita tbm. é difícil de te acompanhar

Nekees: aposto que você é menina agora. e tá na tpm

alex ♡: se você falar mais uma merda machista dessas eu te bloqueio

alex ♡: seu viado

Nekees: eu tô só brincando

Nekees: estressadinha

Nekees: e você acabou de ser homofóbica

alex ♡: eu chamo de licença poética

alex ♡: e meus pronomes são masculinos

Nekees: aposto que fez isso só pra me contrariar

alex ♡: sIM NICOLAS

alex ♡: eu escolhi ser menino hoje só pra te contrariar

alex ♡: "qual seu gênero alex?" "o contrário do que o nicolas estiver pensando"

Nekees: não duvido. achei que pelo menos hoje eu acertaria

alex ♡: um dia vc chega lá

alex ♡: mas e aí

alex ♡: conseguiu????

Nico sorriu, mesmo que estivesse sozinho. Na verdade, sorriu porque estava sozinho.

É claro que eu consegui, eu sempre consigo.

E era verdade.

Conseguiu quando quis saber mais sobre aquele garoto babaca da escola que o perturbava sem motivo nenhum. Octavian acabou com um "vídeo íntimo" publicado no site do Colégio, olhares estranhos e uma conversa com o diretor.

Ah, e ele nunca mais disse uma palavra para Nico.

Ou para metade da escola.

Teve aquela vez em que passou horas nas redes sociais da namorada de seu primo, tentando odiá-la, até que Alex disse que "isso é antiético até para seus níveis. Você precisa esquecer desse garoto. Ele só te vê como primo, no máximo um amigo".

E foi o que Nico fez.

Houveram outras vezes, mas a pior foi quando leu os e-mails nada agradáveis que seu pai trocava — e provavelmente continua trocando — com a própria secretária. Nico salvou uma cópia deles e fez cópias da cópia. Eram sua garantia de segurança.

Porque quando Hades quisesse puni-lo por ser gay — e Nico sabia que esse dia chegaria — Nico precisaria apenas dizer uma palavra. Um nome.

Até imaginava como seria a conversa.

— Perséfone.

— ‎O quê?

— ‎O nome da sua amante. Se tocar em mim, conto pra minha mãe, que por acaso é sua esposa. Você sabe o que ela pensa de traição.

E teve as vezes em não fez nada, apenas observou. Apenas tentou ser próximo de alguém. Sentia falta daquilo, poder confiar e se apoiar em alguém que não estivesse dentro da internet, de conseguir conversar com alguém sem que parecesse que vomitaria todos os órgãos internos de seu corpo.

Meu Deus, ele sequer se lembrava de quando foi a última vez que usou a palavra amigo com alguém que não estivesse há menos de nove horas de distância.

Provavelmente uns cinco anos atrás, mas não tinha muita certeza. Sequer conseguia falar com as pessoas sem gaguejar.

Ele achou que poderia ser amigo de Reyna Ramillez quando leu algumas de suas conversas privadas e descobriu que ela é lésbica. Eles estavam praticamente no mesmo barco, então. Poderiam falar sobre um monte de coisas.

Poderia ter tentado se aproximar, mas apenas ficou observando Reyna nos intervalos torcendo junto com a garota para que o pai dela não descobrisse sobre a namorada da filha.

Pensou o mesmo quando, pelo Twitter de Jason Grace, Nico viu que ele gostava de praticamente dos mesmos filmes que Jason e ambos estavam ansiosos para a estreia do novo filme do Tarantino.

Nico quis conversar com Jason, mas apenas o seguiu com uma conta fake e ativou suas notificações para saber se ele também achou o filme meio ruim quando finalmente o assistiu.

O mesmo aconteceu com a irmã de Jason, Thalia, que gostava basicamente das mesmas bandas que Nico gostava e, além disso, estava cursando a mesma faculdade que o garoto tanto pensava em fazer — história.

Foi por ela que Nico passou a ouvir Rammstein e depois repensou sobre o curso quando soube, pelas conversas de Thalia com suas amigas, que para fazer história precisa ler muito. Nico não se dava muito bem com palavras, mas gostava de saber sobre o passado.

Ele também não se dava nada bem com os números. Ele gostava de coisas relacionadas à informática, mas era só. Coisas precisas e cheias de regras não o agradavam muito.

Talvez por isso se interessou por ele.

Will Solace.

Bem, talvez interesse não fosse a palavra exata.

Will foi legal com Nico vezes demais para o garoto não notar.

Como quando Will não riu quando aquele garoto do último ano empurrou Nico no meio do corredor sem motivo algum. Não apenas não riu como perguntou se Nico estava bem. Ah, não estava, mas disse que sim — sem olhar para Will — de qualquer maneira. Se arrependeu alguns minutos depois, se perguntando porque é que aquele garoto loiro, um ano mais velho que ele, agiu daquela maneira.

É raridade encontrar uma pessoa decente no ensino médio.

Mas havia uma, pelo menos.

Teve certeza disso depois de todas as vezes em que Will sorriu para ele quando eles se viam na escola. Nico nunca entendeu direito. Geralmente as pessoas só o ignoravam e Nico fingia não se importar.

E, claro, Nico ficou totalmente intrigado com Will quando o viu discutir com a professora Dodds. Foi alto o suficiente para todo o colégio ouvir, praticamente. Não conseguiu entender muito bem sobre o que foi aquilo tudo, mas ouviu Will dizer coisas tipo "você não pode simplesmente ignorar toda a história da comunidade LGBT e soltar aqueles comentários durante a aula".

Will não seguia regras, então.

E é por isso que Nico estava com o Twitter e o Facebook de Will Solace logados em seu computador.

Nekees: vou ver agora

alex ♡: me mantenha atualizado

alex ♡: eu queria tanto usar a minha saia de pregas hoje

alex ♡: mas vou sair com meu pai

alex ♡: ele me mata se me ver usando uma saia ROSA

Nekees: não sei se a cor dela é bem o problema

Nekees: e por que saia? achei que você fosse menino hoje

alex ♡: você quer dizer que meninos não podem usar saias?

alex ♡: agora é que eu quero usar ela

Nico revirou os olhos, sorrindo minimamente. Alex era, de longe, seu melhor amigo e a pessoa que mais confiava no mundo. Chegava a doer o fato de que moravam há nove horas e distância e nunca se viram pessoalmente.

Mas, pra falar a verdade, Nico ficava meio feliz com isso. Não sabia porquê, mas não conseguia lidar com nenhuma relação social que não fosse com sua irmã, Bianca. Talvez ele fosse louco.

De qualquer forma, ainda bem que computadores existem. Se não, Nico tinha certeza de que já teria se matado há muito tempo.

Sentado no chão do quarto, ansioso para descobrir mais sobre Will, porém nervoso ao mesmo tempo, Nico ajeitou o óculos no rosto. Com quase sete graus de miopia, não enxergava praticamente nada. Geralmente usava lentes, mas, em casa, estava sempre de óculos.

Estralou os dedos antes de entrar na aba do Twitter. Na conta de Will.

Aquela bio era interessante.

"find what you love and DONT let it kill you. fuck you buk"

O que é que isso significa?

O icon era uma foto de Will de costas, na praia, com o pôr do sol ao fundo e, meu Deus, que costas.

Will seguia noventa pessoas, enquanto era seguido por quase mil. Merda de popularidade.

Nico passou muito tempo lendo os tweets de Will. Sentia vontade de ler as mensagens privadas dele, mal algo em seu estômago não permitia. Parecia errado. Bem, não exatamente errado. Nico sentia uma curiosidade imensa, mas também um medo devastador. Principalmente se descobrisse que Will fazia comentários negativos sobre Nico, porque com toda certeza as pessoas falavam de Nico quando ele não estava presente.

É claro que ele sabia disso, mas preferia fingir que não.

Porém, por algum motivo, apenas a ideia de Will dizer qualquer coisa negativa sobre Nico o deixava mil vezes mais nervoso que o normal.

Estranho, aquilo nunca aconteceu.

Depois de quase uma hora podia fazer uma lista de novas coisas que sabia sobre Will Solace.

Havia vários tweets sobre ele ser vegetariano e querer muito ser vegano. Vários sobre musicais, principalmente Grease. Alguns sobre o pai dele agir como um adolescente amigo dele, não pai. Outros sobre sua mãe ser muito ausente. E...

Havia alguns que davam a entender que Will estava gostando de alguém.

Nico se atentou ao uso das palavras. Era sempre algo como "pessoa" e nunca "ele" ou "ela".

Então eu tenho chances.

Nico parou. Poderia dar um soco na própria cara. Na verdade, desejou ser outra pessoa apenas para socar sua cara.

Quem ele queria enganar? É claro que não havia a mínima chance com Will.

Will Solace era uma montanha de ouro enquanto Nico era um punhadinho de merda. Meu Deus, sequer existe comparação decente para os dois.

Quase que inconscientemente, Nico partiu para as fotos do Facebook do garoto.

Will na praia. Will abraçado com um garoto que Nico não conhecia. Will ao lado de um homem muito parecido com ele. Will com uma camisa escrito go vegan. Will na praia. Will com um óculos de sol na praia. Will sorrindo para a foto, com um gorro de papai noel. Will em preto e branco, com uma legenda de alguma música pop. Will de lado. Will de frente. Will com a mão no cabelo. Will rindo ao lado de uma garota. Will rindo sozinho. Will. Will. Will. Will.

Will Solace, o garoto mais lindo que os olhos de Nico já viram. Meu Deus, ele tem uma pintinha no braço que é tão... Espera, o braço todo dele é cheio de pintinhas. Por que Nico está dando zoom em tantas fotos? Por que ele não quer ler as mensagens privadas de Will? Will. Will. Will. Will. Will.

Will.

Will.

Will.

       Will.

              Will.

                     Will.

                             Will.

                                    Will.

Will.

Nico tirou o óculos e largou o notebook do lado. Estava vestindo apenas uma regata e uma boxer preta, então sentiu o piso frio quando deitou nele.

Sem o óculos, tudo virou um borrão, mas não importava, não realmente. De que adianta enxergar nitidamente se for para ver apenas coisas horríveis?

Ou, pior, ver coisas belas, como Will, e se sentir tão vazio e oco que chega a doer?

Por que eu não posso ser normal, Deus?

Por que eu preciso suar frio toda vez que falo com alguém? Por que minha garganta fica seca quando estou no meio de tanta gente? Por que não consigo sequer pensar em sair de casa e ir para algum lugar que não a escola sem meu estômago todo se revirar e eu vomitar? Por que meu rosto fica vermelho e eu travo todo sempre que falo com alguém que não é da minha família?

Por que meu único amigo vive em uma tela de computador?

Por que eu estou vivo, mesmo?