Martha Jones e o Doutor que não era o seu escrita por victor hugo, victor hugo


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :D



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MARTHA TRANCA AS PORTAS. E só então se permite relaxar um pouco. Ainda assim, está consciente do suor que cobre a pele entre suas sobrancelhas e os ombros. Também sabe que o colete de malha está em frangalhos e que o revólver deve estar estilhaçado agora, em um daqueles corredores longos e frios daquele prédio que se diz a sede de uma nova escola nos subúrbios de Londres. Estilhaçados por alienígenas que se parecem batatas humanas, ainda por cima. Martha odeia soltarans.

E também odeia o fato de que Jack vai adorar falar sobre como ela deveria seguir as regras dele e não decidir enfrentar aquilo sozinha. Vai dizer aquilo com um sorrisinho no rosto que dizia que ficava feliz em fazer os curativos para ela. Ela recusaria, é claro. Já era médica. Casada, ainda por cima.

Mas não odeia o ruído surdo que lhe invade os tímpanos de repente. Mesmo que não tenha começado mais alto que um sussurro, ele já tinha dominado os sentidos de Martha. Com o coração batendo mais rápido, seus olhos buscam qualquer claridade fora do comum. Não demora muito para ela encontrar o que quer. Não apenas uma caixa azul. Nem mesmo uma cabine de polícia ultrapassada. Definir como uma esperança é melhor.

A TARDIS! Depois de tanto tempo! Aquilo estava mesmo acontecendo? Não era apenas uma ilusão da sua mente e do seu corpo cansado? Martha já está com lágrimas nos olhos quando as portas começam a se abrir. Sozinhas, é claro. Ainda mais claro que isso, é quem sai de lá. O Doutor!

O coração de Martha para de bater. Por um instante, apenas. Mas o instante mais demorado da sua vida (e ela podia dizer aquilo com propriedade, considerando todo o seu histórico com viagens no tempo). Isso acontece porque ela sabe que é o Doutor que está ali. Tem o mesmo sorriso e a mesma pose que gritam que ele está ali para salvar quem quer que seja. Mas não usa terno riscado nem All-Stars Converse. Sequer tem uma chave de fenda. É o Doutor. Mas não o Doutor de Martha. Não o seu Doutor!

Ele sorri para ela. É um sorriso torto, travesso. E ela imagina que aquela seja mesmo a intenção dele. Fazer uma brincadeira com ela. Ah, sim, ele tinha cara de quem fazia aquelas coisas, com seus cabelos desarrumados (ah, céus, eles estavam brancos?) e os óculos escuros.

— Acho que não é uma boa hora para dizer “olá”, é? – ele diz, ainda a porta da sua cabine voadora.

E só então nota o estado de Martha. Martha, com seus olhos arregalados e boca aberta em um perfeito “O” maiúsculo. O sorriso dele diminui um pouco. Ainda está lá, é claro, mas é como se ele esperasse que aquilo passasse logo.

Ela umedece os lábios, mas é ele quem diz algo.

— Não achou que ia ficar livre de mim, achou?

O Doutor está sorrindo. Por isso, Martha sorri de volta.

— Eu não ousaria pensar nisso. Nem por um segundo, Doutor.

Ele se aproxima dela. Ainda anda muito rápido. Mesmo para alguém que parece um velho. E que tem mais de mil anos. Martha ainda está encantada com ele. Com como ele está diferente. Por fora, quero dizer.

— Vamos lá, Martha Jones. Faça. Faça a pergunta que quer fazer.

— Qual regeneração? – as palavras saem rápido demais. O Doutor parece não se importar.

— Treze... – por um segundo, ele para de falar, como se tivesse acabado de se lembrar de algo – Considerando os meus anos de guerra e os de egocentrismo, é claro.

Ela não entende muito bem o que ele está dizendo, mas não faz pergunta o que quis dizer. Não vai dar esse gostinho para ele. Mas pensa no que ele disse. O Doutor que ela conhecia, o seu Doutor, era o décimo. Suspeitava que fosse a ele que o Doutor, o Doutor de agora, se referia quando dizia sobre os anos de egocentrismo. Ele era mesmo uma figura egocêntrica, mesmo sendo tão... altruísta. O anterior a ele, o que encantara Rose com os confins do universo (e agora ela não tinha problema algum com isso), seria aquele dos anos de guerra?

— Você está velho – há uma espécie de divertimento nos olhos dela agora.

— Estou. Muito, muito, muito velho. Muito mais do que você pode imaginar.

Pelo seu tom, Martha imagina que existe algum significado oculto e obscuro naquelas palavras. Mais uma vez, opta por não dizer nada.

— Ah, Martha Jones! Ah, sim, sim, é claro, Martha Jones! Não é incrível como o seu nome soa? Martha Jones, Martha Jones, Martha Jones, poderia repeti-lo por toda a eternidade!

— É Smith-Jones, lembra? – ela corrige, e então acrescenta – E não deve ser tão divertido assim. Nada se compara ao “Allons-y, Alonso”.

O silêncio não dura mais que um segundo, mas, mais uma vez, aquele tempo parece durar muito mais tempo que o normal. Enquanto isso, o Doutor apenas olha para ela, igualmente imóvel. Por fim, dá de ombros.

— Estou desviando, Martha. Desviando! Não estou aqui para falar de mim! Estou aqui para ver como você tem estado nesses últimos anos, que rumo a sua vida teve...

As palavras dele fazem com que ela franza as sobrancelhas. Quando estava perto do Doutor, sentia que estava sempre com as sobrancelhas franzidas.

— Anos? Quando foi a última vez que nós nos falamos?

— Hum... Teve aquela vez, quando você ligou falando sobre Axos... – mais uma vez, ele pousa o olhar nela – Não faz muito tempo para você, faz?

— Uns, sei lá, cinco anos. Foi em 2011. Para você?

— Uma regeneração.

Pela expressão dele, Martha percebe que o Doutor sente que disse algo errado. Não que o conheça tão bem assim, mas porque era fácil identificar aquilo no rosto daquele velho de sobrancelhas grandes demais. Ele olha para baixo, para os próprios pés.

— Desculpa, eu sou horrível fazendo isso.

Por algum motivo, vê-lo dizendo aquilo faz com que Martha sorria.

— Horrível? Você não é horrível – ela sente a necessidade de dizer.

Ele levanta o olhar. Para ele. Está sempre olhando para ela.

— Clara me disse algo parecido uma vez, sabia? Que eu não era tão ruim quanto eu mesmo achava... E me deu aqueles papeizinhos imbecis! – apesar de estar virado para ela, podia muito bem estar falando sozinho, porque não dava muito tempo para que Martha dissesse alguma coisa – Com aquelas mensagenzinhas do tipo “pergunte se ela está bem” e “sorria”! Olha só aonde aquela mania de obedecer aquela menina me levou! A uma situação de silêncios desconfortáveis com uma antiga amiga! Ah, céus!

Não. Martha não queria fazer aquela pergunta. Não queria mesmo. De verdade. Mas fez.

— Clara?

O Doutor umedece os lábios. Sabe o que ela está querendo dizer com isso e quer adiar a resposta, mesmo que não por muito tempo. Martha não sabe se ele acha que ela não está preparada para ouvir isso ou se é ele que não está preparado para dizer.

— Doutor, eu sinto muito... – as palavras saem antes que ela pense muito nisso. O Doutor parece satisfeito, mas não é como se ele fosse gastar o seu tempo agradecendo.

— Ah, está tudo bem. Eu estou bem.

Martha não tinha certeza.

— Doutor... – começa a dizer, mas é interrompida.

— Eu estou falando a verdade, Martha Jones. Eu não estou sozinho.

Sobrancelhas erguidas. Mais uma vez, curiosidade.

— Não está?

— Claro que não! Estou com uma garota dos anos 80 agora.

— Anos 80, sério?

Ele sorri.

— Para falar a verdade, não. Mas quando a gente se viu pela primeira vez, eu achei que era! De verdade. É esse o tipo de roupa que ela usa.

Martha também sorri.

— E como ela é?

— Hum... Uma coisa meio Donna, sabe?

Ela ri. Àquela altura da conversa, já não tenta conter a emoção. Emoção que mesmo a menor lembrança de Donna Noble era capaz de provocar. Ainda assim, não era algo completamente ruim. Como se estivesse se lembrando de quando ainda era uma criança.

— Donna? Sério?

— Ah, sim. Mas com menos choro, mais perguntas e mesmo ar de sabe-tudo.

— Não acho que a Donna fosse gostar de saber que tem alguém por aí falando que ela chora demais...

— Bem... É assim que a Bill é.

Ela ainda está rindo.

— Bill, é esse o nome dela?

— É, eu sei. Eu pensei a mesma coisa. Quer dizer, desde quando meninas nem nomes de meninos?

— E se forem os meninos que tiverem nomes de meninas, Doutor?

— Boa observação, Martha. Boa observação – ele parece mesmo satisfeito com o que ela disse. Aquilo a deixa feliz. Não é como se fizesse calor percorrer por todo o seu corpo, como já fizera um dia, mas, ainda assim, lhe deixava feliz.

— Parece que, até que enfim, você está aprendendo a tratar bem uma amiga, hein?

Ele suspira. Martha não sabe se ele entendeu muito bem o que ela quis dizer. Será que achava que aquilo, de alguma maneira, indicava que ela se sentia mal pelo tempo que passara por ele e por isso tinha ido embora? Aquilo não era verdade. Não ao todo. Não o bastante para ela não gostar, gostar de verdade, mas diferente do jeito que ela gostava de Mickey, do Doutor.

— Mas Bill é legal! Você ia gostar dela, estou falando sério!

Martha não duvida.

— Mas... E você? – ele continua – Como você está?

Ela pensa um pouco no assunto antes de responder.

— Casada.

— É, disso eu sei. Com aquele Mickey. Nunca achei que alguém fosse capaz de gostar dele.

— Doutor!

— Que foi? Estou brincando.

O tom dele não dizia aquilo, mas ela preferiu acreditar nas palavras.

— Feliz também... E meio cansada. Ando trabalhando demais. Você sabe, sozinha, ou em Torchwood...

— Ah, céus! Torchwood! Há quanto tempo não tenho problemas com vocês!

— E na UNIT também, ás vezes – ela continua – Fico meio entre um lado e o outro. Indo para lá e pra cá.

— Então é por isso que a gente quase nunca se vê. Você nunca está parada, Martha Jones.

— Você também não, Doutor.

Os olhos dele pareciam estar se divertindo com tudo aquilo.

— É claro que não.

Aquelas palavras também fazem com que Martha se sinta bem. Era bom saber que o Doutor tinha cumprido a promessa de não esquecê-los, mesmo quando muito tempo se passou desde a última vez que eles se viram. É bom saber que elas, as suas antigas companheiras, eram mais que um punhado de papéis em uma sala qualquer da UNIT (Martha tinha ouvido falar sobre algo como o Arquivo Negro, nunca soubera o porquê de nunca ter ido investigar).

Súbitas batidas na porta os interrompe. Batidas rápidas, irregulares e furiosas. O Doutor não parece surpreso. Claro que não. Ele só se vira para Martha, como se esperasse uma explicação. Ela entende isso.

— São soltarans.

— Soltarans. Isso é ruim.

— Horrível. Já disse que odeio eles?

— Ei! Não generalize! Eu conheci um soltaran bom uma vez!

Martha levanta uma das sobrancelhas.

— O nome dele era Strax. Estou falando sério.

— Não estou duvidando – não era bem verdade, mas o Doutor não precisava saber – Mas esses aqui não parecem ser amigos dele, parecem?

— Ah, claro que não. Não sei se ele tem amigos. Se bem que Jenny e Madame Vastra parece ter tido certo apreço por ele.

“Sem perguntas sobre isso, Martha, sem perguntas”, ela diz para si mesma. Não quer que o Doutor se sinta desconfortável ou qualquer coisa assim. Já parecia nostálgico o suficiente para um dia só. E, quando se tem mais de mil anos de idade, nunca é uma boa ideia ficar nostálgico demais.

— Bem... – ela diz – Alguma ideia do que fazer, Doutor?

Mais uma vez, ele parece pensar no que ela diz. Martha supõe que ele é esse tipo de Doutor agora, o tipo pensativo. Quem sabe?

— Que tal um feitiço? “Expelliarmus”, talvez?

E Martha já está sorrindo mais uma vez.

Juntos, eles empurram a porta. Ele, com o cabelo grisalho e o casaco de forro avermelhado, ela com as trancinhas e a malha de combate.

Tudo está diferente. Claro que está. Mas Martha está feliz. Como nos velhos tempos.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? :3