Filhos de Marttino - Doce do Amor(DEGUSTAÇÂO) escrita por moni


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bem-vindos a mais um romance dos Filhos De Martino
Dessa vez com uma brasileira
Espero que gostem.



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Maria Clara

   O cheiro do peixe sendo cozido na panela de barro se espalha pela casa. Mesmo com todas as janelas abertas para receber a brisa e aplacar um pouco o calor ainda é o cheiro do tempero de minha mãe que predomina.

   Cresci com esse perfume de peixe fresco assando ou sendo cozido. O tucupi regando os pratos que mamãe vende aos trabalhadores no modesto restaurante que serve almoço apenas nos fundos de casa.

   Meu pai trabalha na fazenda de búfalos, sempre trabalhou como peão a lidar com os búfalos todos os dias desde os doze anos. Não sei direito se um dia ele vai conseguir se aposentar, meu pai e minha mãe amam a vida simples que escolheram viver aqui na ilha.

   Marajó é tudo que conheço do mundo, Não por muito tempo. Atravesso o piso encerado a mão por mim que brilha reluzente e encontro minha mãe remexendo as panelas na cozinha.

   ─ Dá uma olhada na caldeira, vê se já pode colocar os tomates. – Mamãe me pede e destampo a panela. O perfume se espalha ainda mais.

   ─ Sim. Vou colocar. Acha que vou encontrar esses nossos temperos por lá? – Os olhos dela marejam no mesmo instante, mamãe usa o pane de prato para secar as lágrimas e sorrio. Vou morrer de saudade disso.

   ─ Pode por favor não me lembrar que é seu último dia em casa?

   ─ Dona Sara Santos, eu não vou morrer, vou apenas passar uns meses fora.

   ─ Do outro lado do rio Amazonas é passar um tempo fora. Em Belém, deixar Marajó e atravessar o oceano Atlântico é me deixar.

   ─ Mãe! – Eu a envolvo pelo pescoço e a encho de beijos. – Vou ter muita saudade. Muita saudade mesmo. Vou telefonar, escrever. Vamos estar mais perto do que pensa, mãezinha.

   ─ Seus tios estão vindo se despedir, os primos, todo mundo. – Sorrio. Vai ser aquela festa de primos que não conheço, parentes que nunca vi, todos achando que fiquei rica por que estou indo para a Itália.

   Minha família sempre foi simples, vivemos nesse lugar escondido e esquecido, não por Deus, por que ele caprichou. Pará é só beleza, só alegria e gente do bem, mas não posso me enganar sobre os problemas e a desigualdade gritante.

   Talvez por isso e pelo meu desejo de conhecer mais, saber mais, eu esteja indo embora em busca de sonhos que para alguém criado nesse pequeno mundo de pesca e búfalos não pareça possível.

   Eu amo cozinhar. Amo tanto quanto minha mãe, sua comida é famosa na região, turistas vem aqui conhecer seus pratos. Artistas, estrangeiros, todo tipo de gente se mistura aos trabalhadores nas mesinhas velhas e descascadas para saborear a comida honesta e barata.

   Aprendi com ela a cozinhar, ela não vai além da comida típica da nossa região, mas eu não, eu quis conhecer mais e aprendi sobre tudo que nós brasileiros gostamos e quero ir além, quero saber mais. Quero aprender mais.

   Itália não foi uma escolha especial. Eu escolhi muito mais por conta da língua, aprendi italiano no projeto solidário que a senhora Greta Giardini fundou na cidade há cinquenta anos. O projeto leva seu nome, apoia crianças carentes da região, ensina, arte, culinária e italiano. Foi lá que aprendi.

   Depois do básico estudei um pouco mais em casa, com filmes e livros, conversando com os turistas. Agora quero aproveitar isso e tentar a sorte.

   Não foi fácil convencer meus pais. Tenho me esforçado tem anos, passado algum aperto financeiro, mas vai valer a pena, ao menos é como me imagino.

   ─ Coloca a mesa, Maria. – Mamãe me pede e suspiro. Ajeito pratos e copos sobre as mesinhas do restaurante que hoje está fechado para o almoço de despedida.

   ─ Mãe, o papai não vem?

   ─ Claro que vem, pedi a ele para trazer queijo, sua tia adora queijo. Ela vem com os filhos, vem de São Paulo. Vai ficar a semana toda.

   Não me lembro dela e muito menos dos primos de São Paulo, mas se mamãe diz que são parentes eu acredito.

   ─ A Tijuca está gelando?

   ─ Duas caixas, acho que deve dar. Me ajuda com o pato. – Mamãe pede e lá vou eu largar o trabalho de ajeitar as mesas para ajuda-la.

   Sempre fomos apenas nós três, eu, minha mãe e meu pai. Mamãe teve um filho, irmão mais velho que morreu com um ano, ela levou tempo para querer outro filho e então eu nasci.

   Até cinco anos de idade eu ficava atrás dela pela cozinha, assistindo ela remexer panelas e só aos seis, quando comecei a frequentar a escola e o projeto é que passei a ter uma vida além do fogão da mamãe.

   Não demora e meu pai chega com duas sacolas cheias de queijo. Os primos de São Paulo vão adorar, todo mundo ama.

   ─ Paizinho, você vai conseguir me levar até Belém?

   ─ “Égua”, isso não é só amanhã? – Ele se aproxima das panelas.

   ─ “Arreda”! – Minha mãe ralha, sorrio de longe assistindo aos dois, ela ganha um cheiro no cangote e se esquiva. – Homem, vá buscar o padre e a dona Lininha, já vamos servir.

   ─” Mas quando”! O padre já tá vindo aí.

   Não demora e a casa começa a encher de gente, a comida da minha mãe convida mesmo estranhos e logo é tudo uma festa sem fim.

   Eu fico em torno de todos, falando com os parentes que vieram de São Paulo e vão ficar umas semanas, vai ser bom, meus pais vão se sentir menos sozinhos.

   A bebida anima a todos e a música cada vez mais alta impede longas conversas. Luiz surge na varanda, meu pai acena da rede, ele se mantem no portão. Me chama com um sinal e só me resta ir a seu encontro.

   ─ Não vai entrar? – Ele nega, aponta a praia e decido acompanha-lo, vai ser bom pisar a areia branca mais uma vez antes de partir. Amanhã saímos cedo e sigo com Luiz em direção ao banco de areia.

   Namorados oito meses, não sabia que ele seria tão possessivo e tacanha, esperava que tendo estudado em Belém por cinco anos, sua cabeça fosse diferente, mas não. Luiz vive como meus pais e claro que não daria certo.

   ─ Vai mesmo? Ainda dá tempo de vender a passagem e ficar. – Ele diz quando nos sentamos lado a lado. Encaro o oceano e fecho os olhos um momento aproveitando a brisa quente. Que falta vou sentir disso.

   ─ Nunca menti. Sempre disse que iria embora, quando começamos a namorar eu já estava há meses juntando dinheiro.

   ─ Achei que era bobagem, deixei você ir sonhando. Pensei que podia usar o dinheiro para o seu enxoval.

   ─ Luiz! – Eu fico surpresa. – Por que acha que eu juntaria tanto tempo dinheiro para deixar o pais e simplesmente...

   ─ Casar comigo e ficar. Tenho a farmácia, dá um bom dinheiro, tem o restaurante da sua mãe que um dia vai ser seu.

   ─ Aquilo mal paga as despesas dela. Meu pai é que sustenta tudo.

   ─E você junta todo esse dinheiro e vai embora?

   ─ Não devia me explicar, não preciso. Você não é mais meu namorado, se lembra?

   ─ Acha que sou besta? Vai para o estrangeiro e fico aqui? “Muito palha”!

   ─Não, você não é besta. Luiz, nem combinamos, vamos ser sinceros, você se quer me entende.

   ─ Como que vai entender isso? “Égua”, tá indo embora, só pensa em dinheiro.

   ─Você é bem ridículo. Eu vou em busca de sonho, você que não sabe o que é sonho. Você não sabe de coisa alguma além dessa sua visão tola da vida. Não estou indo buscar dinheiro. Estou indo buscar aventura, conhecimento, sabores, sonhos, Luiz, só sonhos.

   ─Essa gente aí vai te fazer de boba. Só por que aprendeu a língua.

   ─ Sim, quero aproveitar isso. Meus pais acham que estou fazendo certo. Eles são tudo que me importa.

   ─ Não vai me encontrar a sua espera, Dália quer namorar comigo. É sua última chance, Maria Clara.

   Minha gargalhada ecoa pelas areias e se espalha por Marajó. É muito para minha cabeça.

   ─ Obrigada pela chance, eu fico bem grata, nem sei como posso ser tão burra de deixar um homem tão especial escapar.

   ─ “Tu alopras”! – Ele fica de pé. – Vou embora, seja feliz, não sei como que vai ser isso, mas sorte no estrangeiro.

   ─ Obrigada. – Fico controlando o riso enquanto ele caminha pela areia em direção a praça. Luiz é dono da farmácia, foi para Belém estudar farmacologia, voltou se achando o homem mais importante de toda Ilha de Marajó.

   Não sei direito o que aconteceu comigo para achar que nós dois daríamos certo. Ele é um rapaz bonito, no começo achei ele legal, não levou nem dois meses de namoro para eu entender que era uma paixonite boba.

   Foi com ele que tive minha primeira vez e nem foi de tocar sininhos, mas foi bom, talvez isso tenha segurado o namoro mais um tempo, até que nem isso era o bastante e então acabou.

   Me levanto, passo as mãos pela saia para tirar a areia e volto para casa, a música chega aos meus ouvidos muito antes.

   O dia chega ao fim, os parentes se espalham pela sala em colchões, as janelas ficam abertas para a brisa noturna refrescar e pulo colchões até meu pequeno quarto.

   A mala está no chão ao lado da cama, minha roupa de viagem passada e pendurada num cabide apoiada no puxador da porta do guarda-roupa.

   Pego meu passaporte e encaro a foto. Foi há dois anos que o sonho começou a tomar forma, com a vinda de um grupo de turistas italianos, eles se apaixonaram pela culinária, convenceram meus pais que eu devia ir a Itália estudar e quem sabe montar um restaurante com nossos sabores.

   Eu não conseguia mais pensar em outra coisa. Sempre quis ganhar asas e essa era minha chance. Comecei a juntar dinheiro, tirei passaporte, visto e sonhei, sonhei até essa noite. Quando a vida acabou de me presentear com essa oportunidade.

   Seis meses, consegui visto para estudar com direito a trabalhar para custear os estudos, todas as dicas dos italianos que estiveram aqui por trinta dias.

   Eles são de Nápoles e não acho que vá ter chance de revê-los já que vou estar em Florença. Mesmo assim, se tudo der errado eu não estou completamente sozinha. São pessoas bem gentis e alegres, tenho certeza que podem me receber se tiver problemas.

   Custo a pegar no sono, entre ansiosa e um tantinho assustada. Relembrando todos os planos. Sonhando que tudo vai dar certo e quem sabe, um dia, eu e meus pais possamos começar uma vida juntos por lá?

   Meu pai não sabe escrever mais que o próprio nome. Eu ensinei, sua vida sempre foi o trato com os búfalos, até a pouco leitura foi a custa de muito esforço meu para ensina-lo. Mamãe tem mais estudo. Fez o ensino fundamental.

   Eu terminei o colégio, não tinha condições de estudar em Belém, não passei no vestibular de uma universidade federal e mesmo trabalhando não poderia custear minha vida e ainda pagar uma faculdade.

   Acabei desistindo, mas não desisti de ir a Itália, mamãe diz que é por que quero mais do que quis fazer faculdade. Pode ser.

   Eu me despeço das visitas, de alguns vizinhos que param na porta para ver a primeira pessoa que vai deixar o bairro para o estrangeiro.

   Minha mãe e meu pai me acompanham na embarcação até Belém. Mamãe com olhos marejados todo tempo. Papai mais tranquilo. Ele acredita na minha capacidade de viver sozinha. Sempre foi confiante.

   É a primeira vez que entram em um aeroporto e quando anunciam meu voo meu coração se aperta.

   ─ Mãezinha, eu vou ficar bem. Te amo muito.

   ─ Também minha filha. Seja forte por lá, vai em busca dos seus sonhos, mas se não der certo, não se preocupa não. Volta para casa correndo.

   ─ Sim senhora.

   ─ Você é forte, não vai voltar, mas um dia tomo coragem e subo nesse negócio e vou ver você. – Meu pai me abraça. – sempre soube que essa ilha era pouco para essa cabecinha sonhadora. Amo você minha filha. Juízo!

   Minhas lágrimas correm e meu coração se aperta quando tenho que dar adeus aos dois e seguir para o embarque. Mais um longo abraço em cada um.

   Aperto o cinto, encaro a cidade pela janela e faço uma oração, o avião levanta voo e o dia vai passando. Assisto televisão, escuto música, faço planos.

   Quando chego finalmente a Florença depois de duas escalas e horas sem fim de voo já é noite. A noite em Florença está quente, estrelada e faço questão de pisar com o pé direito quando as portas de vidro de abrem e chego ao local onde a fila de taxi aguarda passageiros.

   O hotel que consegui é bem simples, uma refeição e o resto vou me virar. Estico o endereço para o motorista e ele me sorri. Abre a porta e me ajuda com minha única mala.

   Me acomodo encantada com a paisagem. Não quero perder nada. Quero cada segundo de tudo isso.

   O hotel é uma graça. Exercito meu italiano me apresentando e pegando a chave do quarto. A cama é limpa e macia, um pequeno armário e um banheiro minúsculo. Está perfeito. Amanhã começar a busca por um emprego e semana que vem minha primeira aula no curso de oito semanas de culinária básica.

   Nem consigo tomar banho, meu corpo todo dói quando caio na cama e apago no mesmo instante. Acordo tão cedo e confusa que não sei direito se é dia ou noite.

   Dois dias eu caminho pelas ruas de Florença, dividida em me encantar com suas belezas e cheiros e procurar trabalho.

   São restaurantes, bistrôs, comida de rua e o gelatto que só não é melhor que nosso Cairu. Faltava um sorvete de cupuaçu para esses italianos entenderem o que é sabor.

  ─ Kiara doces! – Digo em voz alta em frente a uma loja de doces finos muito elegante e aconchegante. Uma plaquinha de precisa-se está pendurada na porta e fico pensando se quem sabe eu consigo uma vaga.

   Quando passo pela porta um sininho toca e me sinto num filme de natal. Um casal ocupa uma mesinha perto da janela, dois garotinhos tem os narizes colados a vitrine enquanto uma mulher sorri para eles do outro lado do balcão.

   ─ Vamos meninos, todo dia isso. – Uma senhora incentiva a escolha. Os garotos se entreolham, depois apontam um tipo de bomba de chocolate e com um sorriso paciente a mulher atrás do balcão os serve.

   Com os doces nas mãos, os garotos correm para a mãe. Juntos deixam a loja de doces e finalmente ganho a atenção da senhora atrás do balcão.

   ─ Boa tarde. Já escolheu?

   ─ Senhora, meu nome é Maria Clara, vi a placa, pensei em perguntar sobre a vaga.

   ─ Maria Clara, nome bonito. Kiara. – Ela me estende a mão e aperto. – Não é italiana.

   ─ Não, eu sou brasileira.

   ─ Uau! Brasil, dizem que tem uma culinária muito rica. Você é cozinheira? Tem algum diploma? – Que tolice, claro que um lugar como esse exigiria só o melhor.

   ─ Não, vim estudar, é um curso básico, mas eu... eu trabalho desde menina com minha mãe, aprendi com ela a cozinhar.

   ─ Como eu. – Ela diz num sorriso saudoso, depois da a volta no balcão e vem até mim. – Fecho em meia hora, pode se sentar e esperar? Depois conversamos.

   ─ Claro. – Eu procuro uma mesa, me sento olhando o menu, doces incríveis, bolos, e gelattos, eu não sei direito que diferença existe entre sorvete e gelatto, mas ainda descubro. O casal que ocupa a mesa deixa o lugar cinco minutos depois, restamos eu e ela. Kiara me sorri, vejo quando limpa a mesa, desliga alguns aparelhos e luzes e vem se sentar ao meu lado com dois cafés.

   ─ Maria Clara. Me conta, o que te trouxe a Itália?

   ─ Vontade de aprender. Conhecer novas culturas.

   ─ Tem talento para doces? – Ela questiona e afirmo, são bons, são também muito típicos do meu pais, mas ela não precisa saber de tudo.

   ─ Gosto muito. Cozinho muito bem. Aprendi com minha mãe, mas sou muito curiosa.

   ─ Mora no Rio de Janeiro?

   ─ Não. – Sorrio, acho que todo mundo pensa sempre no Rio quando se fala em Brasil. – Pará. Uma ilha, Ilha de Marajó.

   ─ Deve ser bem bonito. Tem visto? Veio para ficar? Pode trabalhar? Desculpe todas essas perguntas, mas é bem sério meu trabalho, não posso...

   ─ Tenho visto para estudar e trabalhar por seis meses. Seria incrível aprender um pouco sobre os doces italianos.

   ─ Também amaria aprender sobre a culinária brasileira. – Ela se recosta na cadeira, toma um gole do café e fica me observando. – Quantos anos tem?

   ─ Vinte e um anos, é a primeira vez que deixo meu país.

   ─ Que aventura. Maria Clara, gosto de gente com coragem. Tem parentes, amigos, aqui?

   ─ Não senhora, sou apenas eu.

   ─ Tira o senhora, para começar. Só Kiara. Vamos lá, a ideia de aprender um pouco sobre a sua cultura e culinária me seduz, eu realmente adoraria alguém com mais certeza de ficar e não ser apenas uma temporada, mas que acha de um teste?

   ─ Seria perfeito.

   ─ Já começou o curso?

   ─ Começo na próxima segunda-feira, duas vezes por semana, pela manhã.

   ─ Ótimo, podemos arranjar isso, não abro antes das dez, meu foco é o almoço e o fim da tarde, nos dias do curso você trabalha apenas no período da tarde. Tem as manhãs livres, não funciona aos domingos, fecho as seis, no máximo, é bem exclusivo, nunca quis expandir, meus doces são artesanais, produzidos por mim e uma ajudante, aqui mesmo, todos os dias.

   ─ Está me contratando, Kiara? – Ela abre um sorriso bonito, afirma. – Não sei o que dizer.

   ─ Um, obrigada, está ótimo. – Kiara brinca.

   ─ “Égua” Obrigada! – Ela ri, junta as sobrancelhas com minha expressão e levo a mão a boca. – Desculpe.

   ─ Aprender umas palavrinhas em sua língua vai bem. Recebo muitos turistas aqui. Portugueses e brasileiros. Vai ser interessante.

   ─ Quando começo?

   ─Agora. Vai me ajudar a fechar, assim se familiariza com tudo, quero que aprenda e seja capaz de ficar sozinha aqui às vezes, por que viajo muito e preciso de alguém de confiança e talento.

   ─ Obrigada, Kiara, isso é incrível.

   ─ Minha cunhada vai cuidar da documentação, ela liga aqui amanhã e combina tudo com você, não entendo nada dessa parte, mas venha com toda documentação. Dez horas.

   ─ Vou estar aqui. Meu hotel é bem pertinho. Estava voltando para ele. Puxa, isso foi mesmo muita sorte.

   Recolhemos tudo, ajeitamos os doces, ela prepara uma bandeja para viagem e me oferece.

   ─ Leve, estão frescos, mas não sirvo nada que não tenha acabado de ficar pronto. Prove, amanhã me diz o que achou.

   ─ Obrigada. Kiara você é incrível.

   A sineta toca anunciando a chegada de alguém, nos voltamos ao mesmo tempo.

   ─ Baby, Minha nova assistente, Brasileira, acredita? Maria Clara, esse é meu marido, Filippo.

   Ele me aperta a mão sorrindo. É um casal muito jovem. Os dois se beijam, acho lindo, o jeito que ele olha para ela.

   ─ Bem-vinda, Maria Clara, tomara que cozinhe mesmo bem, estou querendo mais tempo com a minha esposa. Manoela veio aqui? – Ele questiona a esposa.

   ─ Não, está com a Giulia arrumando as malas. – Kiara me olha. – Minha filha está indo para faculdade. Jornalismo.

   ─ Tem uma filha indo a faculdade? – Fico surpresa. Ela sorri.

   ─ E um bebê lindo. Rocco, puxou ao pai. – Filippo sorri. – E temos o mais velho que é casado.

    Não dá nem para acreditar, eles devem ter começado bem cedo.

   ─ Vai conhecer todos. Agora temos que ir, deixei meu bebê com minha sogra, ela adora, mas não me acostumei ainda. Agora que ele está falando e andando e cheio de gracinhas eu morro de saudade.

   ─ Posso imaginar.

   ─ Mas traze-lo não é mais possível, ele precisa de supervisão o tempo todo. Temos facas, fogo, forno, não posso arriscar.

   ─ Carona, Maria Clara?

   ─ Não, obrigada. Vou andando. Estou ainda me encantando com as ruas. Florença é muito bonita.

   ─ Até amanhã.

   Eles me apertam a mão, depois de fecharem a porta entram num carro e eu caminho para o hotel, na verdade, flutuo.

   Os doces são obras de arte, nem me imagino produzindo algo assim, são delicados, suaves, bem preparados e a decorados com delicadeza e requinte. Coisa de televisão.

   Mal consigo dormir de tanta ansiedade. Kiara mãe de três filhos, um já casado. Isso é muito bonito, principalmente quando vi o jeito que o marido olha para ela.

   Nove e meia da manhã estou na porta do Kiara Doces, o coração pulando de felicidade. Estou conseguindo realizar meu sonho. Quem sabe da certo? Quem sabe fico mais tempo, junto dinheiro, monto meu próprio espaço. Sonhar não arranca pedaços. Só impulsiona.

   Nunca vi mulher mais simpática e gentil. Kiara De Martino Sansone é seu nome, ela me conta ao longo da semana sobre sua família, os vinhos, me ensina de modo paciente, pergunta sobre meus costumes e por cinco dias eu me vejo querendo ficar mais tempo a cada vez que fechamos.

   Sobra tempo para caminhadas noturnas, vitrines, paisagens, monumentos. Um tanto solitária eu diria, mas apaixonada e feliz.

   ─ Meu filho está na cidade com a esposa. Ele vem apanhar os doces que deixei separado. Vai levar para meu irmão. Vittorio adora meus doces, então quando alguém vem a Florença eu faço questão de enviar uma remessa, quando vou também levo.

   ─ Essa caixa aqui. – Mostro a caixa com o logotipo que ela me mostra pela quinta vez. – Pode deixar, entrego a ele e depois fecho.

   ─ Vai dar tudo certo. O Rocco está febril, não quero fechar e acho que está pronta para ficar duas horas sozinha e fechar, vai ser um bom teste.

   Ela se despede. Me sorri acenando ansiosa. A porta fecha e encaro os quatro clientes já servidos que saboreiam seus doces. Duas horas cruciais. Tem que dar tudo certo.

   Volto a montar a caixinha de doces para a senhora Levy, a francesa passa todo fim de tarde e leva quatro doces para ela e o marido, sempre os mesmos e já deixamos a caixinha pronta. Uns minutos depois a sineta toca, ergo meus olhos e um jovem entra sozinho.

   Faz tempo que não vejo homem mais bonito. Ele me olha curioso. Seus olhos correm por mim de cima a baixo e o ar de admiração me dá calor, mas também intimida. Descarado mesmo. Fico corada.

   ─ Boa tarde. Você é a nova funcionária? – Afirmo. Nem tenho fala. – Brasileira, não é?

   ─ Sim.

   ─ Dizem que a comida é excelente. – Ele comenta mais uma vez me olhando de modo ostensivo. – Vim buscar os doces do Tio Vittorio. – Então esse é o filho casado dela? Me dá pena da esposa. Ele podia ao menos respeita-la.

   Não gosto nada disso. Meu tom de interesse se perde. Bonito, mas isso não importa quando falta caráter. Pego a caixa com os doces e estendo a ele.

   ─ Obrigado. Vou só comer alguma coisa. Não consigo resistir. – Sem esperar ser servido ele dá a volta no balcão e abre o vidro, pega um dos doces. – Quando vai cozinhar um desses pratos típicos do seu pais? Feijoada, não é assim que chama? Adoraria provar.

   ─ Aqui só se serve doces. – Digo fria.

   ─ Pode ser em casa? Já conhece bem Florença?

   ─ O bastante. – Sou o mais seca que posso. Ele lambe os dedos depois de devorar o doce.

   ─ Quem sabe não saímos para beber qualquer coisa? Te apresento uns amigos? Meus primos....

   ─ Não, obrigada, eu tenho que atender as mesas, se me da licença. – Passo por ele de cabeça erguida. Não é por que estou longe de casa e precisando da oportunidade que vou deixar um cara que não é capaz de respeitar a esposa me assediar.

   O celular dele toca, enquanto atende ele pega a caixa. Acena risonho, não dá mesmo a mínima a esposa. Talvez seja ela ao telefone.

   ─ Estou indo, mãe, vim pegar os doces do tio Vittorio. – Ele ri. Para na porta com uma mão ocupada com os doces e a outra com o telefone. Escuta a voz do outro lado da linha. É kiara. Tomara que ele não reclame de mim. Fui grossa propositadamente, mas como mãe, ela vai defende-lo. – Mãe, eu posso pegar a Giulia. O papai está na agencia. É caminho. Não vou comer os doces do tio, devia, ele ficaria muito grato, todos nós sabemos disso. Juro! Posso ir? Também te amo. – Ele enfia o celular no bolso e me encara. – Como é seu nome?

   ─ Maria Clara.

   ─ Bonito, como você! – Ele simplesmente abre a porta e vai embora. Tão bonito e tão canalha. Uma pena.

                                 


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Notas finais do capítulo

Obrigadaaaaaaaaaaaaaa
Beijossssss



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