Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 84
Desculpas adequadas e uma saída de gênia


Notas iniciais do capítulo

Hi!!

Siiim! Essa semana eu estou postando um dia mais cedo. SURPRESAAA!!!

"O Doutor está fora de controle, e como tal, seus sentimentos também estão a flor da pele"



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—Uh! Bonito e prata...—Melissa mordeu o lábio, observando o relógio de bolso contra a luz. Alguma coisa nele parecia atraente. Enquanto o mantinha seguro por entre os dedos, ele parecia formigar levemente e sussurrar algo que só ela conseguia ouvir. Melissa não percebeu, mas uma chama de outro mundo brilhou dentro de seus olhos. Daquele momento em diante, outros estavam no controle.

—Você disse alguma coisa, Méli? –Luisa voltou-se para ela.

Até então, as palavras sussurradas pelo relógio soavam difíceis de se compreender, mas depois de serem traduzidas telepaticamente para a linguagem que Melissa conhecia, se tornaram completamente inteligíveis. Era isso que aquela chama fazia: traduzia a freqüência de comunicação para um sussurro audível pela capacidade humana.

—É tão bonito... –ela blefou, hipnotizada pela tampa prata do relógio de bolso.

—Melissa, o que você está fazendo? –o Doutor desconfiou, voltando-se para ela, cismado.

—Nada. –ela estava de costas para os três. –Só estou segurando ele. Ele quer ser segurado. –ela disse, com satisfação.

Ele?—o Doutor fez uma careta de incompreensão. –Não estou gostando disso... Melissa, me mostre o que você tem aí.

Melissa não respondeu, nem se virou para eles. Preocupada com a amiga, Luisa franziu a testa.

—Qual o problema? -indagou a garota da bolsinha rosa, voltando-se para a TARDIS.

—Tem alguma coisa estranha ocorrendo. –explicou a mulher. -Não consigo entrar na mente de Melissa. Alguma coisa está bloqueando seus pensamentos, aqui e agora, e isso nunca é um bom sinal.

Luisa olhou para a melhor amiga, e depois de volta para a TARDIS, intrigada.

Os sussurros do relógio estavam mais claros agora. Pareciam mais próximos também. Melissa já conseguia ouvi-lo perfeitamente, sem ecos ou dissonância.

—Melissa –o Doutor clamou com a voz rouca. –Vire-se pra mim, agora.

O objeto prateado suplicava com todas as forças, no ouvido de Melissa:

ABRA-ME.

—Melissa... Não seja teimosa. Vire-se pra mim! –insistiu o Doutor, trincando o maxilar.

ABRA-ME! O TEMPO ESTÁ SE ESGOTANDO... ABRA-ME!—apreçou o relógio.

Devagar, ela foi se virando para os três companheiros, e o desespero do Doutor ao vê-la com o relógio nas mãos, foi evidente.

Não, não! Largue isso agora mesmo!—gritou, exasperado, debatendo-se nos braços de Luisa e da TARDIS. –Alguém tem que pará-la! Impedi-la! Por tudo que é mais sagrado; Segurem ela!!

Calma, Doutor! Assim você vai piorar!—alertou Luisa, tentando controlá-lo. Naquele momento, uma ventania forte e inesperada começou a sacolejar suas roupas e cabelos, como se estivessem em céu aberto, assistindo à formação de um tornado não muito longe dali. –Caramba! Esse corredor tem uma corrente de ar forte mesmo!

Enquanto Luisa observava a mudança de tempo interna do shopping, um brilho de compreensão acendeu-se nos olhos azuis da TARDIS.

Eu posso ver! É! Eu consigo!—a TARDIS brandiu, em meio à confusão. –Esse relógio desperta o retrocesso das regenerações do Doutor. É ele quem está controlando o intervalo das mudanças!

—Então precisamos detê-lo urgentemente! –gritou Luisa, lutando para ser ouvida por entre o zumbido ensurdecedor da ventania constante.

—Melissa não pode abrir a tampa! Isso vai ser como puxar o gatilho da minha próxima desregeneração! –arfou o Doutor, respirando com intervalos mais curtos, e emanando luz dourada cada vez mais forte.

Quê?—com determinação, Melissa libertou-se do transe hipnótico do relógio e tomou consciência do que estava prestes a fazer. Infelizmente, era informação demais para ela processar (lembrando que Melissa não sabia direito sobre as regenerações do Doutor, diferente de Luisa, que já abordara o tema com ele, anteriormente). –Desregeneração? Que negocio é esse? O que vai acontecer com você?

Melissa saiu do transe hipnótico... E foi aí que tudo desandou.

De repente, a garota sentiu o impulso de abrir a tampa do relógio se tornar muito mais forte; quase autoritário. Ele queria ser aberto de qualquer jeito.

ABRA-ME! NÃO HESITE! ABRA-ME! EU PRECISO SER ABERTO! ABRA-ME AGORA!

Logo, a satisfação por contemplar o objeto prateado tornou-se desespero. Melissa temeu hesitar, recuar, teve medo de negar ao pedido. Por outro lado, também temia o que poderia vir pela frente. Era a primeira vez, nas viagens com o Doutor, que sua lealdade estava realmente sendo colocada à prova, e surpreendentemente, ela estava perplexa e confusa demais para conseguir reagir com o ímpeto e a coragem de sempre.

ABRA-ME! ABRA-ME HUMANA INÚTIL! VOCÊ SABE QUE NÃO É PÁREO PARA MIM... BEM LÁ NO FUNDO, VOCÊ SABE QUE NÃO PASSA DE UMA GAROTINHA ASSUSTADA. FAÇA A COISA CERTA. NÃO LUTE CONTRA. APENAS, OBEDEÇA.

—Não vou fazer isso!—Melissa sentiu a cabeça latejar mais forte e entrou em pânico.

ABRA-ME!—ecoou a voz do relógio, impiedosa.

—MELISSA, NÃO ABRA A TAMPA! –contra-instruiu, Luisa. –NÃO ABRA!

Melissa sentiu uma dor muito forte dentro do crânio, como se alguma coisa cogitasse fritar seu cérebro.

Eu... Não agüento! Isso... É forte demais!—gritou Melissa em retorno. –Ele está no controle, não eu! Não consigo impedir! Não posso! –desabafava, mas sua determinação indestrutível não permitia que perdesse a esperança ou chegasse à desistência. Ao mesmo tempo que jogava palavras ao vento, concentrava-se em resistir e lutar contra aquela força maligna, que tentava dominar seus atos. Com sua resistência e a pressão aumentando a cada segundo, lágrimas começaram a brotar dos cantos de seus olhos, sem que ela tivesse o mínimo controle. Eram os autênticos sentimentos da garota, aproveitando uma brecha para se manifestarem.   

Resista Melissa! Nós acreditamos em você!—incentivou a TARDIS, apertando as mãos de tenção.

ABRA-ME! ABRA-ME OU SEUS AMIGOS IRÃO SOFRER!—ameaçou o relógio.

NÃO!—Melissa resistiu mais ainda. O Relógio começou a emanar uma quentura sem igual, e o suor tomou conta de sua pele, tornando ainda mais difícil o ato de impedir os dedos de escorregarem próximos à tampa prateada. –Espere! Isso é golpe baixo... Não pode fazer isso!

Não posso?—o relógio cogitou, debochado. –Então prove pra mim! Experimente “fingir” que seus dedos não estão escorregando. Resista ao meu controle! Relaxe menina, é super fácil... —disse, ironicamente.

—Arrr! –ela grunhiu, afobada, tentando manter o relógio prensado contra o punho fechado. –Odeio o sarcasmo do tempo!

Não vai funcionar—o Doutor averiguou, percebendo o cansaço excessivo que aquele esforço todo estava causando nela. –Ela não vai conseguir resistir por muito mais tempo. E, mesmo que consiga, não sabemos que tipo de danos o relógio poderá causar à ela, se Melissa continuar a ficar exposta aos seus efeitos... Por via das dúvidas, é melhor deixá-la abrir o relógio.

—NÃO, DOUTOR! EU ME RECUSO! –Melissa berrou. Ela escutara seu argumento e era completamente contra. –Não sei bem o que vai acontecer com você, mas eu me recuso a seguir em frente com essa loucura!

O Doutor resolveu reunir todas as suas últimas forças, somente para convencê-la.

Menina irritante—o rapaz conseguiu prender-lhe a atenção, apesar de ser por pouco tempo. Em meio a respirações ofegantes e olhares exaustos, ele suplicou: –Ao menos uma vez na vida, faça a coisa certa.

ABRA-ME! ABRA-ME! ABRA-ME! —rugia o relógio, impaciente.

Melissa fitou o amigo com desespero. Sim. Aquele homem estranho, de vestimentas surradas e aparência envelhecida, definitivamente era de fato seu amigo. Ela nunca entendera isso com tanta clareza, quanto agora. Apesar de todas as revelações espantosas sobre seus próprios sentimentos, manifestados nos últimos instantes, até então, uma decisão ainda predominava em meio ao caos: Melissa ainda precisava tomar uma atitude. Desprezava completamente a idéia de abrir o relógio. Não queria fazer aquilo, apesar dos olhos profundos do Doutor suplicarem para que ela o fizesse. “Faça a coisa certa” a voz do Senhor do Tempo ressoou dentro de sua cabeça, e a garota sentiu que ele estava realmente falando sério.

Partindo desse ponto, Melissa –confusa e assustada, entregando sua sorte nas mãos do destino —finalmente cedeu à pressão, agarrando a tampa do relógio e puxando-a com tudo na direção dos três amigos, à sua frente. Ao ser aberto, o objeto dispersou uma quantidade inacreditável de energia acumulada. A ventania intensificou-se, servindo de “carona” para fragmentos de luz dourada atingirem o peito do Doutor com tremenda fúria e impacto, impulsionando-o para longe e dando início à sua próxima desregeneração.

Doutor!—Luisa esticou o braço na direção dele, perplexa, como se pudesse puxá-lo de volta sem sair do lugar. A TARDIS cobriu os lábios com a mão muito pálida. Atrás delas, Melissa caiu de joelhos, fraca, com o relógio aberto e vazio, seguro dentro do punho.

O som da queda de Melissa despertou novamente os sentidos das outras duas.

—Méli! –Luisa virou-se e correu para junto da amiga. -Você está bem?

—Estou sim. –Melissa afirmou, com o olhar arregalado, fixado em algo acima dos ombros de Luisa. –Meus Deus... Olha. Só. Aquilo.

Luisa virou-se devagar, deparando-se com o Doutor em pé, de braços abertos, como se esperasse um enorme abraço grupal, e emanando uma quantidade inacreditável de luz.

—Cuidado!—a TARDIS gritou, correndo para junto delas, fazendo sinal para que as duas mantivessem distância. Consternada, Luisa ergue-se em pé, mas permaneceu no mesmo lugar, fixando o olhar no amigo, aflita. Ela queria muito poder ajudá-lo. A TARDIS passou correndo por ela; Tentou agarrar seu braço, mas Luisa não permitiu. A ex-máquina do tempo, então, dirigiu-se para Melissa e concentrou-se em ajudá-la a se levantar.  Após completar sua tarefa, ressaltou incrédula, ao observar a irrelevância das meninas: –Mas o que estão esperando, vocês duas? Temos que nos proteger! Querem ser atingidas por estilhaços?

Não podemos deixá-lo!—Luisa bateu o pé. A TARDIS pareceu querer esganá-la à distância. –Não podemos simplesmente ir embora! Ele não pode ficar sozinho em uma hora dessas! –suplicou, sentida pelo amigo.

A TARDIS suspirou.

—Acredite, meu bem, isso é o que ele mais precisa agora.

—Mas é ridículo! Não podemos abandoná-lo no momento em que ele mais precisa de nós! Isso é horrível! É completamente desumano!

A TARDIS pôs as mãos nos quadris, indignada.

—Luisa! Isso não é hora para teimosia! Lembre-se: o Doutor está se regenerando, e não indo ao dentista! –intensificou. –E, acima de tudo, decore isso: Se uma pessoa aparecer e te der uma dica dessas, de bom grado, afirmando que você deve tomar muito cuidado com os resíduos evasivos do processo de regeneração... Você definitivamente deve escutá-la!

Melissa olhou feito boba, da TARDIS para Luisa.

—Eu não entendo... O que vai acontecer com ele? –perguntou, confusa.

Ele vai se regenerar. –a TARDIS disse, agitada. –É um jeito de evitar a morte. Todos os Senhores do Tempo tinham esse mecanismo. É um tipo de “plano B”. Quando ele está prestes a morrer, suas células se auto-regeneram, tornando-o uma pessoa diferente e dando-lhe uma nova oportunidade. Novo corpo; novo rosto; novas regras; A mesma mente genial e as mesmas lembranças... –a TARDIS explicou, rapidamente. -O fato é que isso não devia acontecer de maneira desenfreada e sem motivo. Veja bem, ele só devia poder se regenerar em situação de risco de vida, e não simplesmente “porque martelou o dedo”. Entende? Não é assim que funciona...!

—Exatamente –Luisa murmurou. –É justamente por isso que não podemos deixá-lo sozinho. É uma coisa completamente nova e é obvio que ele vai precisar de apoio emocional para enfrentá-la.

A TARDIS suspirou.

—Talvez, mas não do jeito que você está pensando. Não podemos nos aproximar. É muito arriscado. 

Melissa ergueu a mão, pedindo permissão para falar.

—Mas... Então quer dizer que ele sempre pôde fazer isso? –indagou, desconfiada. –Que Danado! E eu que pensei que ele não passasse de um pobre lunático que não tinha onde cair morto!

A TARDIS se permitiu sorrir um pouco.

—Não. O Doutor é cheio de truques, –afirmou, fitando-o de longe, com um aperto enorme no peito. –Nunca podemos subestimá-lo, e jamais conseguimos desistir dele.

O final daquela frase ecoou dentro da cabeça de Luisa, e ela não pensou duas vezes em sair correndo na direção do amigo, quando o Senhor do Tempo começou a irradiar energia por todas as extremidades do copo, para todas as proximidades do corredor.

—Desculpe TARDIS, mas eu não posso deixá-lo!

Perante ao novo quadro crítico, a TARDIS imediatamente se empertigou.

—LUISA, NÃO! –suplicou a mulher, acenando histericamente para a menina voltar. Ao contrário dela, a TARDIS já vira aquilo acontecer um monte de vezes, e com a experiência que adquiriu com o passar do tempo, concluiu que os estragos causados pelo descontrole do processo regenerativo eram sempre preocupantes, e que, se você fosse um observador curioso, passando por ali ao acaso, o melhor mesmo era correr para o mais longe possível e se proteger.

Ao invés disso, a garota correu até ele e o abraçou, chorando. O Doutor não se moveu. Não conseguiu fechar os braços ao redor dela ou ao menos dizer uma palavra significativa.

 -Calma Doutor, vai ficar tudo bem... Eu estou aqui com você. –Luisa sussurrou para tranqüilizá-lo. Ficou satisfeita consigo mesma; Ela fizera a coisa certa. Era o que seu coração dizia. 

Ao redor, as paredes do corredor começavam a ferver e algumas fachadas de lojas pareciam querer derreter. Melissa ficou horrorizada com aquela visão avassaladora.

—Deus do céu! –exclamou, pasma ao constatar o tamanho do estrago que uma regeneração podia causar. –O corredor todo está cozinhando... E a Luisa está muito perto do Doutor! –seus olhos estavam recomeçando a lacrimejar. –Isso não vai acabar bem...

—Eu disse para ela se afastar! –a TARDIS gemeu, exasperada, levando as duas mãos à cabeça.

Luisa não ousou se afastar do Doutor, mas notou que a ventania vinha crescendo gradativamente ao seu redor, e que a temperatura pareceu aumentar, assim do nada. Entretanto, não cogitou abandonar o amigo um minuto sequer; diferente da TARDIS. Sinceramente, não conseguia entender o motivo de tanto drama vindo da parte dela, afinal, Luisa estava bem ali, agarrada ao peito do rapaz, e nada havia lhe acontecido até então. Só que, o que ela não desconfiava, é que nesse tipo de processo a instabilidade é a marca registrada.

O Doutor tinha o rosto voltado para cima. Automaticamente, abriu a boca, liberando um jato de energia regenerativa, que voou pelos ares. Rapidamente, as partículas de luz se espalharam e começaram a rodopiar em volta do casal. Luisa piscou, impressionada com o show que as luzes davam ao redor dos dois. Sabia que não devia, mas acabou por admirar o processo com outros olhos.

—Ai... Não quero nem ver! –Melissa cobriu os olhos. A TARDIS, por outro lado, nem piscava de tão atônita que estava.

Inesperadamente, o Doutor retomou a consciência e acabou por respirar ruidosamente, como se tivesse acabado de ser reanimado de um afogamento, ou algo do tipo. Apesar de agora ter a devida noção do que de fato acontecia ao ser redor, o processo regenerativo não desacelerou. Perante as circunstancias atuais, ficou extremamente aturdido ao encontrar a melhor amiga junto de si, ao invés de protegida, a uma distância segura. Consciente da gravidade do problema, esforçou-se ao máximo para tentar colocar um pouco de juízo na cabeça da moça:

Luisa... Por favor... Vá embora. -arfou, com a voz embargada. –Eu não quero te machucar. Eu jamais me perdoaria...

Luisa sorriu de modo taciturno, para ele.

—Você jamais faria uma coisa dessas. –disse, calorosamente. –Eu confio minha vida à você. –e segurou sua mão.

No entanto, tudo que o processo precisava para se concluir era de um “empurrãozinho”. As fagulhas estavam por toda parte... Só precisavam que alguém puxasse o gatilho e “incendiasse”o elixir da vida. Pois, no exato momento em que a garota segurou sua mão, sem ao menos desconfiar do poder de seus atos, Luisa tornou-se o “gatilho”.

Surpreendentemente, o processo acelerou muitíssimo. O rosto do Senhor do Tempo já não estava mais visível. Tornou-se apenas um borrão dourado, enquanto explodia em energia regenerativa. A força gerada foi tão grande que proporcionou uma onda de choque que arremessou Luisa pelos ares, fazendo-a bater de encontro com um pilar, e escorregar até o chão, desacordada.

—LUISA!!! –Melissa correu até a amiga, exasperada. –Não, isso não pode estar acontecendo... Luisa! Pelo amor de Deus, responda!

A TARDIS ficou paralisada, observando a cena por uns instantes, até que ouviu um novo baque vindo da outra direção; voltou-se rapidamente para trás e deparou-se com o Doutor também caído no chão, desmaiado.  

—Essa não! –consternada, correu até ele. No lugar do homem velho, agora havia um rapaz com aparência de trinta anos, pálido, de cabelos castanhos, compridos e cacheados (alguns poucos fios caiam-lhe pelas têmporas). Tratava-se do 8º Doutor; antecessor à Guerra do Tempo. Na época em que habitou aquele rosto, não passava de um filho de Gallifrey, exilado, procurando refúgio nos braços do acolhedor planeta Terra. Aturdida, a TARDIS correu até ele e apoiou a cabeça do Senhor do Tempo em seu colo. –Doutor? Pode me ouvir? Ora Doutor, por favor, de um sinal de vida! Doutooor?—ela o chacoalhou, inutilmente. Então teve uma idéia melhor: inclinou-se sobre ele e conferiu se seus dois corações continuavam batendo. Sim, ele estava vivo. –Vamos! Acorde seu bobo... Não é hora para tirar uma soneca!

Liguem para os bombeiros!—inesperadamente, ele sobressaltou-se (dando um enorme susto na TARDIS), abriu os olhos azuis neutros, bem arregalados, e agarrou-se aos braços dela, com a expressão de quem acabou de acordar após ter tido um pesadelo infeliz. –Ah. É você? Pensei que fosse o castiçal ambulante que queria queimar minhas calças. Ele vivia cantando e sapateado o tempo todo. Eu o odiava.

A TARDIS recuperou o fôlego.

—Você está bem?

—Sim. –ele massageou a testa, onde havia um esfolado bem feio. –Digo, mais ou menos. Acho que isso pingando da minha testa não é ketchup... Você anotou a placa do castiçal maluco que me atropelou?

—Não havia castiçal algum por aqui. –A TARDIS retorquiu. –Doutor... Você estava sonhando.

—Talvez, mas como você explica as queimaduras? Na certa aquele diabinho passou por aqui...

—Não são queimaduras. São machucados que, a propósito, você adquiriu quando caiu.

O Doutor franziu o cenho.

—Eu caí?

—Ai, minhas irmãs TARDISes, me dêem paciência! —a TARDIS rogou, suspirando e ajudando a colocá-lo de pé.

—Onde está a Grace? –o Doutor indagou, enquanto usava a TARDIS de “muleta” para se locomover. –Você a viu? Sabe onde ela possa estar? Eu preciso protegê-la...

—A Luisa, você quer dizer. –corrigiu a ex-nave.

—Não. –ele freou os pés, encarando a mulher com profunda discórdia. -Não é isso não.

A TARDIS parou de frente para ele, fitando-o com estranheza.

—Como assim não é isso? As meninas são suas companheiras...

O Doutor levantou uma sobrancelha.

As meninas? —ele olhou por cima dos ombros da mulher e observou as outras duas garotas, receoso, como se elas fossem meras estranhas... Ou, muito provavelmente, dois bichos papões disfarçados. –Mas e a Grace? Eu me lembro dela... Me lembro do hospital e tudo mais. A cirurgia! A anestesia quase impossibilitou minhas células de conseguirem se regenerar... Eu quase morri!

—Ah! Está falando da Grace Holloway? Ora Doutor! Grace ficou em sua cidade natal, não se lembra? Ela era médica cirurgiã... Era extremamente comprometida com sua profissão! Por mais que um convite para viajar pelo espaço e tempo soasse atrativo, jamais conseguiria ficar longe de seus pacientes por muito tempo. –a mulher refrescou-lhe a memória. O rapaz coçou a nuca, confuso. A TARDIS tirou um lencinho de uma cavidade do vestido e secou-lhe a testa suada, e de quebra, o machucado também. –Fique calmo. Acredito que você tenha acabado de passar por uma crise de personalidade. Você tinha um nome em mente, mas devido estar vestindo o 8º rosto, sua memória acabou por resgatar as lembranças correspondentes a ele e, sucessivamente, torná-las mais recentes do que realmente são. Algo completamente compreensível no estágio atual do seu ciclo regenerativo.

Indiscretamente, o Doutor franziu o cenho para a TARDIS.

—Desculpe. Eu não entendi nadinha desse seu raciocínio. Quer por favor, ser mais clara?

A TARDIS manteve o sorriso otimista no rosto.

—Estou tentando dizer que os tempos mudaram; Atualmente, a Grace não é mais sua companheira e você não é o oitavo Doutor. Bom, não realmente. O que significa, que estamos um pouco confusos por aqui. –ela se enrolou.

O Doutor crispou o nariz.

Um pouco? Você tem uma percepção bem peculiar sobre as coisas, não acha? —ele enfatizou, arregalando os olhos para ela. –Decerto, nada mais fez sentido desde que os castiçais sapateadores ganharam sua liberdade de expressão...—blefou. -E... Falando em coisas que não fazem sentido –ele segurou o pulso dela e ficou encarando o lencinho manchado de sangue, momentaneamente. –Quem é você?

A mulher-máquina do tempo suspirou, cruzando os braços.

—Sou a TARDIS. Sua garota sexy, se é que já se esqueceu.

—O quê? Isso é bobagem! –julgou, estudando-a da cabeça aos pés. –Eu sei que a minha TARDIS não pode mudar de forma. Culpa do Circuito Camaleão que eu fiquei de arrumar séculos atrás –refletiu por um instante. –Que eu desisti de arrumar, séculos atrás. —ponderou. –Não me leve a mal, mas tem algo muito estranho nisso tudo. 700 anos de viagem no tempo e espaço e não me recordo de você estar tão pálida. Não sei... Parece faltar uma certa pitada de azul no seu ânimo. Coitada... Mal iniciamos o dia e você já começou a desbotar; Deus! Preciso providenciar uma pintura com urgência! –ele alegou, espalhafatoso. -E tem mais: a minha TARDIS jamais se vestiria assim! Ela é muito angulosa. Tem muitas curvas. E, não me leve a mal, mas você é muito... Estreita. Vá por mim, não ficaria com o papel representativo da minha nave espacial, na peça da vida, nem se fosse a única atriz presente na sala de testes.

A TARDIS bufou, ofendida.

ESTREITA? Como assim “estreita”? Você bateu a cabeça muito forte ou o quê? —brandiu a TARDIS, apontando para a própria forma humana. –Eu não compreendo! Agora que eu tenho peitos e comissão traseira, você me despreza, mas quando eu era só um pedaço de tábua reta, você se amarrava nos meus motores e ficava flertando comigo!!! Desculpe Doutor, mas devo discordar e dizer que isso não faz o menor sentido! –ela disse, completamente descrente do que acabara de presenciar.

O Doutor fitou-a, cínico.

—Eu não estou te julgando... –disse, tentando acalmar os ânimos. –Mas isso está parecendo um episódio de “além da imaginação”. É loucura pura! Difícil de crer, não concorda? Quero dizer, você não é azul. Não é uma cabine telefônica e, acima de tudo, você fala. Como posso acreditar que você é a minha TARDIS, se você não tem absolutamente nada a ver com ela?

—Lá vamos nós de novo... –ela resmungou. –É tudo uma longa história... Mas vamos tentar explicar desse jeito: Eu assumi uma forma humana, sei lá como, e fiquei assim. Pronto. Feliz agora?

O Doutor prensou o punho fechado contra a bochecha, cético. 

—E... Você tem provas?

Sentindo-se desafiada, a TARDIS estipulou mentalmente outras cem maneiras diferentes de se provar ao Doutor. Mas, perante a rivalidade jovial de ambos, avaliou as probabilidades de não se deixarem levar pelo orgulho, permitindo que a conversa se transformasse em discussão, e ficou realmente desapontada com o resultado. Desta forma, considerando os números, acabou apenas por contentar-se em revirar os olhos para seu ladrão obcecado, e se divertir com a expressão abismada em seu rosto.

—Ah... Esqueça. –ela tornou a ajudá-lo a caminhar, sorrindo pretensiosa. –Venha comigo. As garotas estão logo ali... Vamos ver se estão todos bem, O.k?

—Está bem. –ele repetiu, feito um papagaio. E assim, a TARDIS conseguiu arrastá-lo até o restante do grupo.

—Está tudo bem por aqui? –perguntou ela, amigavelmente.

—Acho que não muito. –Melissa anunciou, aflita. –Luisa acordou, mas parece que está sentindo muita dor. Ela não quer falar sobre isso.

O Doutor observou o rosto da menina abatida, encolhida no chão contra o pilar, e reconheceu-a, felizmente.

—Luisa? Ah, sim! Eu me lembro agora!—o rapaz sorriu imensamente. –E porque ela não estaria bem? –cochichou para a TARDIS, ficando sério de repente.

—Porque você arremessou a garota pelos ares. Sem querer, é claro.—a TARDIS esclareceu, tentando fazer o argumento não soar muito chocante.

 Não funcionou.

Eu fiz o quê?—o Doutor guinchou, horrorizado. O susto que levou o fez estremecer. Voltou-se com espanto para a menina a seus pés, mas ela desviou o rosto, evitando que seus olhares se cruzassem.

—Puxa... Você mudou mesmo! –Melissa observou o Doutor com assombro. Levantou-se curiosa, e encostou a pontinha do dedo em um ponto onde a pele dele estava descoberta, só para sentir se ele era real mesmo. –Deus... Que aflição!

Enquanto Melissa se entretinha cutucando o Doutor, a TARDIS se ocupou com Luisa.

—Deixe-me ver isso. –aproximou-se da menina, para examiná-la. –Dói aqui? É... Parece que deslocou o ombro.

—E há como consertar? –Melissa questionou, roendo uma unha. –Ela vai ficar bem, não vai?

—Provavelmente. –A TARDIS sorriu para ela de uma forma tranqüilizadora, pousando a mão delicadamente sob o ombro da garota. –Sabe? Eu acho que vi um posto de primeiros socorros em um desses corredores... Venha comigo, Melissa. Vamos buscar umas ataduras e pomadas para aliviar as dores desses dois.

Isso se ainda houver algum comércio com as portas abertas!—Melissa comentou, acompanhando-a. –Depois de todo esse alvoroço, me admira que ninguém tenha chamado a polícia...

O Doutor viu-as se afastarem e olhou para Luisa, numa mistura de ansiedade e embaraço.

Como se tivesse lido seus pensamentos, a TARDIS parou de caminhar e voltou-se para o casal, uma última vez.

—Comportem-se vocês dois. Não se esforcem. Já fizeram muito por um dia. Deslocamento de membros, e regenerações não são coisas fáceis para o organismo comportar. Portanto, descansem. –instruiu a TARDIS. –E, caso me desobedeçam, eu já vou avisando que terei muito prazer em puxar a orelha de vocês dois, um por um, quando voltarmos. –fez-se uma pausa sugestiva, em que ela olhou de um para o outro, com imponência. –Recado dado? Ótimo! Vamos Melissa. Temos muito que fazer...

Melissa caminhou de queixo caído, ao lado da mulher-máquina do tempo.

—O que foi? –a TARDIS perguntou, notando a empolgação pouco comum, da parte da outra. 

—O jeito como você falou com eles... Tão mandona e autoritária... Puxa, foi tão massa! Você é minha heroína! —Melissa disse, com os olhos brilhando. –Sorveteira uma ova! Quando crescer, quero ser como você!

A TARDIS sorriu satisfeita, e ecoou seu gemido rouco (tão característico) em aprovação ao “bom gosto” da menina. Na outra extremidade do corredor, o Senhor do Tempo piscou na direção das duas, intrigado.

Agora eu sei que ela é mesmo a TARDIS.—comentou. Ao seu lado, Luisa bufou, amargurada.

Durante o intervalo de alguns instantes, ambos distraíram-se apenas em observá-las se afastando, até ficarem completamente sozinhos. Isso só para ficarem se evitando, e continuarem em silêncio. Nenhum dos dois teve coragem de falar primeiro. Nenhum dos dois estava contente com seus atos.

Mesmo assim, o Doutor, ainda de pé, concluiu brilhantemente que seria melhor se sentar enquanto esperavam o retorno das amigas, afinal, aquelas duas iam demorar a voltar, e as pernas dele ainda não estavam cem por cento.

—Ai! –gemeu, ao cair desajeitado de frente para a adolescente. O movimento brusco chamou a atenção de Luisa. Durante um longo tempo, os dois se observaram, sem proferirem uma só palavra.

Os olhos do Doutor perderam-se na silhueta do relógio de bolso, próximo ao pé da moça de cabelos escuros, com o rosto levemente descorado por causa do susto, e da dor que ainda sentia. Mas ele logo encontrou um novo alvo para observar, pois Luisa acabou atraindo-lhe a atenção, quando simplesmente foi tentar mudar de posição e gemeu dolorosamente com o movimento.

—Está doendo? –ele perguntou bestamente, só para puxar assunto.

—O que você acha? –ela resmungou, aborrecida.

Chateado consigo mesmo, Doutor percebeu seus olhos se umedecerem.

—Me desculpe. Eu não quis machucar você... –disse, com a voz embargada.

Luisa não respondeu. O rapaz baixou os ombros.

—Luisa... Não fique com raiva. Quando a explosão aconteceu, eu perdi completamente o controle. Não consegui impedir. Mas eu me lembro... Me lembro de ter tentado avisá-la. Eu tentei alertá-la para se afastar... –ele pareceu refletir por um momento. -Só que você não me ouviu.

Luisa assentiu, mordendo o lábio, cínica.

—Certo, então agora a culpa é minha!—rebateu, com o pouco de fôlego que ainda lhe restava.

—Não foi isso que eu quis dizer... –ele negou rapidamente. -Apenas acredite em mim. Eu jamais te faria mal. Você sabe disso, Luisa! Nós dois sabemos!

—Eu não sei mais no que acreditar. –ela disse, magoada. –Só sei que não acredito mais em você. –aquela afirmação deixou o Doutor extasiado. -Poxa! Eu corri risco, mas foi para te proteger! Eu queria te dar uma força! Queria estar ao seu lado, te apoiando naquele momento tão difícil, e aí você simplesmente retribui a minha boa ação, me atirando pra longe! Que belo amigo você é!

Aquilo mexeu com ele.

Não faz assim...—o rapaz pousou a mão sob a dela. –Você sabe que foi um acidente. Você sabe quem eu sou e a estima que sinto por você... Como pode pensar que foi de propósito?—ele se aproximou ainda mais dela, determinado em convencê-la.

A proximidade dos dois só serviu para tornar a tirá-la do sério.

—Não! Você está fazendo aquilo de novo... Está tentando virar o jogo! Está querendo me fazer sentir culpa por não ter me afastado, para que você não se sinta culpado...Você é um verdadeiro hipócrita! Fique longe de mim!—Luisa tentou recuar, mas suas costas bateram no pilar e ela gemeu, angustiada.

O Doutor prendeu a respiração, aflito.  

—Cuidado! Assim você vai se machucar ainda mais! –o Senhor do Tempo segurou-a pela cintura, delicadamente, protegendo-a de um novo atrito. Luisa encarou aquelas mãos bobas ao redor de seus quadris, criticamente. O rapaz prendeu a respiração, e rezou para que ela não protestasse. Entretanto, Luisa não o fez. Ela se entretinha agora, contemplando-o com mais afeto que antes. O gesto era recíproco; Por um só momento, os olhos de ambos trocaram sentimentos múltiplos e intensos, até que o Doutor finalmente gaguejasse: –M-me desculpe. Eu devia respeitar seu espaço...  

—É tarde pra isso. -Luisa piscou muito rápido e várias vezes, para o rapaz. Ela nunca cansava de observá-lo. Almejava capturar todas as partes de seu rosto, ao mesmo tempo, (e, julgando pelo fato de que ele estava em pleno processo regenerativo, ainda havia muitas coisas para descobrir naquela nova face). Não queria perder um só detalhe. Mais uma vez, a proximidade entre eles era sua ruína. A delicadeza de um toque, seus olhares compondo poesias um para o outro, a intensidade com que se contemplavam era única e atemporal. Quanto mais ficavam juntinhos assim, mais sentiam seus corpos escapando das leis universais. Em situações como esta, ficava difícil para ambos prosseguirem com o assunto antes comentado: tinham motivos de sobra para se entreterem. Mas, Luisa ainda tinha algo a dizer, por isso, desta vez coube a ela o desafio de retomar a conversa:

—Você disse que eu o estava acusando de ter feito tudo isso de propósito. –ela balançou a cabeça, como se estivesse frustrada ou decepcionada. –Nunca, jamais, ponha palavras na minha boca. Porque eu sei o que, de fato, aconteceu... —ela fungou, secando as lágrimas que escorriam pelo rosto. –E, bem... Talvez eu tenha exagerado um pouquinho. –admitiu. O Doutor levantou as mãos para os céus, aliviado, mas depois tentou disfarçar, fingindo estar se espreguiçando. Não queria comprometer sua pele de novo. Luisa suspirou. –Mas fazer o quê? Eu fiquei nervosa, ora! Será que não tenho direito de extravasar?

O rapaz voltou à posição anterior (sentando de frente para ela), acertando a coluna, para poder fitá-la com mais comodidade.

—Na verdade, você tem todo o direito. –disse, brincando distraidamente com a abotoadura da jaqueta surrada. –Eu só queria ter certeza de que você não distorceria o que acabou de nos acontecer. Porque eu realmente não quis machucá-la. Não pretendia, de modo algum, fazer isso. Acredite em mim, Luisa. Desde o principio, eu só quis acertar as coisas entre nós. –terminou, em tom convincente.

A menina já não estava mais amargurada. Com os sentimentos controlados, Luisa conseguiu reconhecer mais facilmente que o rapaz, de fato, não tinha culpa daquilo ter acontecido.

—Me desculpe por descarregar tudo em cima de você. –ela pediu, arrependida.

O Doutor sorriu, taciturno.

—Às vezes, quando estamos de cabeça quente, falamos coisas que não queremos dizer –o Doutor prosseguiu, com a voz arrastada. –Mas aí depois nos damos conta do que fizemos, e nos arrependemos. Porém, dependendo do caso, se desculpar pode não ser o bastante para recuperarmos a confiança da pessoa que amamos... Você merece mais do que um pedido de desculpas meu. —ele prosseguiu, inclinando-se novamente para ela. No meio do ato, Luisa reparou que ele tinha a mão dentro da camisa desabotoada. Parecia estar sentindo dor também. Porém, isso não o impediu de se aproximar mais, e mais, e mais.

Não Doutor—ela virou o rosto quando o rosto dele já estava muito próximo do dela, e seus lábios deixaram de se roçar por questão de milímetros. Porém, o rapaz não ficou chateado, pois percebeu que ela só se retraíra por causa da dor no ombro, que parecia estar incomodando-a profundamente. Contudo, seus narizes, sim, se chocaram, e os dois acabaram rindo um do outro, em conjunto.

Quando os risos foram diminuindo, o Doutor aproveitou a chance para observar o ombro machucado, mais de perto. Então, sentiu o olhar da amiga recaindo sobre ele, e se viu na obrigação de pedir permissão.

—Vem cá... Será que eu poderia dar uma olhada nesse ombro machucado...?

—Claro. –Luisa permitiu, apesar de se sentir meio desconfortável com isso. –Mais cuidado! Está doendo muito...

—Não se preocupe. Eu sou o Doutor. Eu sei ser delicado. –ele sorriu calorosamente e começou a examiná-la, com extremo cuidado. A garota colaborou bem, ficando imóvel enquanto ele passava uma lupa sob os hematomas. Por fim, voltou-se para ela, pensativo.

—E então? –Luisa sondou. 

—Eu sei um pouco sobre medicina... E, pela forma que a colisão ocorreu, acredito que o seu ombro esteja mesmo deslocado. Não creio que tenha trincado ou quebrado. Esse é o lado positivo da coisa.

—E o lado negativo?

—Bem... Infelizmente, vai demorar a ficar bom. –ele disse, com pena. A amiga baixou o olhar, chateada. O Senhor do Tempo não gostou do desestimulo que aquela frase provocou nos dois. Teriam que se conformar em esperar o tempo curar a ferida... Isso, se o Doutor não ficasse impaciente e quisesse apressar um pouco as coisas, ao seu modo. Pensou um pouco no assunto, consultando de momento em momento, o mostrador do relógio dourando de pulso. –Não. Eu não suporto! Ele fica testando a minha paciência com esse tic-tac, tic-tac infernal! —sem pestanejar, ergueu o rosto da amiga, fazendo-a contemplá-lo olho no olho. –Olha, sei que pedir desculpas adequadamente não é o bastante –ele começou, enquanto seus dedos bobos subiam pelo braço da garota e pousavam leves sobre o ombro ferido. –Mas isso não vai me deter na minha obsessão de ajudar você.

Instantaneamente, ela começou a sentir o ombro esquentar e franziu a testa de leve. Quase sem fôlego, virou a cabeça na direção do membro, e deparou-se com o melhor amigo usando um pouco da própria energia regenerativa para curá-la.

—Doutor... Não. –ela suplicou, quase sem forças.

—É só um pouquinho. Não vai me fazer falta. –assegurou, com a voz rouca.

Chocada, Luisa reuniu todas as forças para detê-lo.

Não! Não faça isso! Já chega!—agitou-se, mas quando deu por si, estava imobilizando o braço dele com a mão correspondente ao ombro machucado, já novo em folha. Pasma, ela encarou o Senhor do Tempo. –Não... Você não devia ter feito isso. Ouviu o que a TARDIS disse, não é? Você precisa descansar...

Os olhos dele sorriram para ela, assim como ele todo.

—E você precisava de um médico. –contrapôs, ligeiro.

Tuchê. –ela admitiu. –Mas bancar o fofo não vai imunizá-lo por muito tempo... Você está fraco também. Não devia desperdiçar energia regenerativa comigo.

—Não estou desperdiçando –ele interpôs. –Cuidar de você nunca é um desperdício.

Ela se empertigou quando percebeu que, de fato, o Doutor estava lhe passando uma cantada. Foi em meio ao seu embaraço, que pousou os olhos sob a camisa aberta do rapaz, e alguma coisa dentro da garota pareceu despertar.

—E você? –ela tocou o peito dele, sentindo uma vibração boa. –Está machucado?

—Não. –ele sussurrou. –Mas meu corpo inteiro dói por causa do processo regenerativo. –queixou-se. -Você consegue imaginar? Tudo em você ardendo como fogo e mudando... –ponderou. -É o preço que se paga por ser um Senhor do Tempo.

Luisa tentou sorrir, compreensiva, mas a descontração em seu rosto não escondeu as marcas de cansaço.

—Quando isso vai acabar? –ela acertou uma das mechas cacheadas do rapaz, de volta no lugar. Estava realmente preocupada com a saúde dele.

—Eu espero que muito em breve. –ele suspirou, exausto.

Luisa sorriu amigavelmente.

—Obrigada por curar meu ombro. Está muito melhor agora.

—Era o mínimo que eu podia fazer. –o Doutor disse, simplista.

Luisa analisou o trabalho executado, com mais precisão.

—Imagina! Se esse é só o mínimo, então estou morta de curiosidade para saber o que você faria no seu auge. –ela atiçou, realmente impressionada.

O Doutor mordeu o lábio.

—Eu sei que errei feio com você hoje –ele segurou a mão dela. Demorou-se mais do que o normal para criar coragem e retribuir o olhar da moça. De certa forma, parecia sentir-se constrangido pelo acontecimento infeliz. –Eu sei que pareço um bobo, mas quero realmente poder me redimir com você da maneira certa...

Luisa tocou o rosto do amigo e o fez erguer a cabeça.

—Você não precisa ficar se torturando... Eu já perdoei você. –ela disse, amavelmente, acariciando-lhe o rosto. Aquilo deixou o Doutor mais confiante para dar o próximo passo.

—Eu sei. Sei que você realmente me perdoou –ele disse, intenso. -Mas uma coisa ainda me incomoda: Sabe, eu não sinto que fiz por merecer –explicou, intrigantemente. Os olhos da menina fitaram-no com curiosidade.

—Onde está querendo chegar? –Luisa perguntou, arrepiando-se quando uma das mãos dele roçou sem querer, em sua coxa. Ela, porém, não parou de acariciar-lhe o rosto, incentivando-o a se aproximar mais um tantinho.

Os olhos dele fitaram-na com fervor.

—Nada que eu puder pensar ou dizer servirá realmente de consolo para diminuir o sentimento de culpa que estou sentindo profundamente, neste instante –ele ponderou, realmente sentido. –Porém, há uma forma de contentar meus corações e, certamente, agradar seu ego. –ele fitou-a com paixão.

—É mesmo? –ela sorriu, desejando-o. –Me surpreenda então, homem das estrelas.

—Certo. Permita que eu me desculpe da forma mais adequada que conheço... –e inclinou-se para ela, beijando-a com ternura.

Luisa sentiu um calor imenso subir por seu corpo. Novamente, algo muito forte despertou dentro de si. Sentiu um desejo indomável e um prazer absoluto tomar-lhe por inteiro. Aquele beijo pareceu tomar conta de seus atos. Não conseguia mais raciocinar direito... Ela finalmente, se entregou a ele.

Freneticamente, começou a passar as mãos pelos cabelos do rapaz e nuca, depois desceu-as com certa urgência, desabotoando-lhe a camisa por inteiro. O Senhor do Tempo retribuiu firmando as mãos ao redor de sua cintura, e puxando-a de encontro com seus quadris. Luisa encaixou as duas pernas entrelaçadas nas costas dele, prendendo-o junto dela em um abraço íntimo e inseparável. Ao que o Doutor se empolgou e começou a passar as mãos bobas pelas curvas do corpo dela, pressionando a garota contra o pilar de uma forma leve, e excitante.

Juntos, os dois se envolveram em uma experiência mágica e inigualável –apesar de Luisa ainda estar vestida, e do Doutor permanecer com as calças. Afora esses pequenos detalhes, aquilo era muito mais ousado do que qualquer outra coisa que já haviam feito juntos. A garota era inexperiente; O Senhor do Tempo, nem tanto. Mas talvez, só para agradá-la, ou quem sabe, impedi-la de se sentir inferior, ele parecia se comportar como um adolescente inseguro e desajeitado. Bem, isso somente em suposição. Afinal, talvez ele realmente fosse um. Quem no universo saberia dizer o que o Doutor realmente era por dentro? A palavra “talvez” poderia ser empregada de tantas formas diferentes sobre ele, quase tanto quanto a incógnita “quem”. Entretanto, ambos prosseguiam com a ação, absortos de qualquer tipo de pensamentos; preocupados apenas com aproveitarem ao máximo aqueles segundos.

Estavam a mil por hora. Estava na cara que não pretendiam parar tão cedo, mas inesperadamente, Luisa teve um pressentimento forte e recuou, descruzando as pernas (libertando-o da proximidade com ela) e assumiu uma pose mais apresentável.  

—O que foi, amor? –o rapaz perguntou, estranhando o recuo repentino dela. Ainda tinha as mãos envoltas na cintura da moça. –Eu fiz alguma coisa errada?

—Não –ela sorriu imensamente. –Desculpe, mas desta vez, será você quem vai ter de me perdoar mais tarde... –intrigado, o Doutor semi-cerrou os olhos para sua companheira. Do que ela estaria falando? Na real, o fato era que poucos segundos depois daquele comunicado, aparentemente sem sentido, Melissa e a TARDIS retornariam ao corredor, trazendo ataduras e remédios, e os dois ainda estariam lá, entrelaçados, dando sopa. E, obviamente, para evitar o imenso flagra que os dois receberiam, Luisa precipitou-se e o empurrou para longe, salvando-os de especulações futuras.

Realmente, poucos segundos depois (antes mesmo do Doutor conseguir dizer qualquer coisa), as duas moças adentraram no espaço, batendo papo, mas sem qualquer desconfiança de que poderia ter rolado um climão entre o casal. Incrédulo, o Doutor fitou Luisa com espanto e murmurou as palavras “como você sabia?”, sem pronunciar som algum. A menina leu seus lábios e apenas sorriu, lançando-lhe uma piscadela cúmplice, disfarçadamente.

Sem suspeitar de nada, as duas loiras foram ajudá-los, e o segredo se manteve oculto.

Completamente salvos pelo gongo, Luisa suspirou aliviada, enquanto o Doutor erguia-se sentado, apoiado nos cotovelos, e resmungando algo sobre dor nas costas.

Querendo ou não, ser Visualizadora rendeu à Luisa o poder de salvar o dia. Ou peno menos, a pele dos dois.


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Notas finais do capítulo

Ui... está quente aqui né? kkkk

Bem, e esse foi o 8º Doutor -infantil, fofo, poético e apaixonante (porém não o único kkkk) entrando pra listinha de desregenerações conferidas nessa aventura fora de série!

*Antes que alguém pergunte: a Luisa não estava sendo insensível com ele. Ela sofreu um tremendo baque *literal* e ficou abalada com isso (quem não ficaria no lugar dela né?). Mas felizmente, como pudemos ver, isso são águas passadas.

YEP MEU POVO: Muita confusão ainda vem por aí... E também, possíveis arranca rabos (kkkkk agora deu curiosidade né? kkkk)

O próximo capítulo sai domingo! Vejo vocês lá!

;)

*Curiosidade: O "gênia" existente no título do capítulo se deu à influencia da Novela Cheias de Charme. Na época, eu estava vendo a reprise da famosa trama das "Empreguetes"; Não sei se vocês se lembram da rival delas, "Shayene", que vivia dizendo que era uma gênia por bolar planos mirabolantes. Daí eu incorporei isso à história da Luisa, só que no sentido dela ter previsto a coisa antes da hora e ter conseguido evitar o flagra (Visualizadora + golpe de sorte). kkk

Tá bém, agora sim é só.

Té mais gente!!



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