Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 67
Nunca deixe algo realmente poderoso próximo de Luisa


Notas iniciais do capítulo

Hiii!! :)

“Melissa, Taylor e companhia estão começando as buscas pelo paradeiro do Doutor e Luisa, enquanto a dupla tem que lidar com os flashbacks da cruel batalha dos Hipnóts”.





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Melissa assoou o nariz. Não entendia como um laboratório poderia ser tão frio. Com certeza, aquele ar-condicionado deveria receber um premio de “Melhor Competência” da história dos ar-condicionados. Ela, agora, estava parada á porta, respirando o ar quente e natural do ambiente exterior. O Comandante Taylor passou por ela carregando alguns equipamentos pesados. Washington veio logo atrás. Jim foi o próximo, mas deteve-se ao seu lado.

—Está tudo bem? Você parece gripada...

—Não. Tô numa boa. –ela deu de ombros. –É esse bendito ar-condicionado. Não podiam ter instalado um ventiladorzinho merrecas no teto como todo mundo faz? –ela reclamou, fazendo-o rir.

—Não é só isso. Eu posso ver pela sua postura. –ele anunciou, espantosamente. –Você está tensa. O que foi?

Melissa demorou um pouco para se abrir.

—É que eu mal cheguei nesse lugar e já estou envolvida com tudo isso... Não era para ser assim. –ela baixou os olhos, revirando a caixinha de lencinhos nas mãos. –A primeira vez que vi este lugar, pensei que estaríamos de férias. Afinal, para que vir a um espaço como esse senão para se divertir? Viemos parar em algum lugar tropical. Eu pensei que faríamos... Sei lá... Um piquenique. –ela ponderou. –Sabe? Eu e meus amigos. Mas agora, tudo foi pelos ares...

—Tomando ar fresco? –perguntou a tenente Washington, voltando ao laboratório para carregar mais armamento. Mas não estava falando com eles. Havia outra pessoa lá.

—Vocês realmente precisam usar o meu Rover? Eu ia usá-lo amanhã, entende? Preciso dele intacto para a colheita de novos espécimes... –surgiu á porta um homem alto, magro, de rosto fino, barba rala e cabelo cor de palha, usando um jaleco branco. Na descrição pendurada no pescoço, havia sua foto ao lado da palavra Cientista Chefe. Ele parecia ansioso e bastante inquieto com todo o projeto inesperado de busca pela floresta.

—Malcon... Relaxa! –a mulher esticou a mão na direção dele, impedindo-o de prosseguir. –São ordens do Taylor. Não pode desobedecer um comando direto...

—Mas por que o meu Rover? –ele insistiu, alterando o tom da voz. –Só me diz isso.

—Porque ele é o único que tem baterias extras. Nós podemos precisar delas... –o comandante Taylor emendou, juntando-se a eles. Apoiou o corpo contra o Rover, sentindo-se jovial. –Alguma intervenção, Malcon?

—Não senhor. –Malcon disse, contrariado. Depois olhou para Shannon. Eles dois ainda tinham uma pequena rixa por causa de Elisabeth, mas nos últimos dias, suas briguinhas particulares pareciam ter ficado de lado... Tinham muito que fazer.

—Não se preocupe, Malcon –Jim sorriu ironicamente. –Prometemos trazer seu Rover de estimação inteiro... –então engrossou a voz, pôs uma mão sob o peito e ergueu a outra no ar, como que em um juramento. –“Tudo pela ciência!

Malcon revirou os olhos.

—Eu mereço! –sacudiu os braços no ar e deu as costas aos quatro, voltando ao laboratório. Melissa logo se manifestou.

—Não podiam ter pego outro Rover? Ele parece chateado...

—Eu sei. Não é um máximo? –Jim sorriu triunfante. Melissa deu uma risadinha curta em retorno.

—Desculpe dizer, mas vocês são um tanto hipócritas! –ela anunciou. Taylor e os outros dois pararam no mesmo instante para ouvi-la. –Conheço esse tipo de riso zombeteiro... Faço isso pelo menos nove vezes por semana... –ela cruzou os braços, avaliando-os. –Pegaram esse Rover só por diversão. Sabiam que ele ficaria sem trabalho, que isso o enlouqueceria, e que se divertiriam muito á suas custas...

Os outros três se entreolharam, impressionados.

—Não. Infelizmente isso não faz parte do meu plano –Taylor saiu fora, então olhou acusatoriamente para os outros dois. –Eu disse do meu plano. Não incluí o resto de vocês.

Jim e a tenente Washington sorriram, admitindo as suspeitas de modo silencioso.

—Você é boa nessa coisa de supor. –Jim apreciou. –Poderia entrar no ramo policial, um dia...

Melissa mordeu o lábio, atentada. Poderia finalmente começar a por em prática o plano de atacar uma sorveteria e depois sair com a desculpa de se prender sozinha. O sonho ainda vive!

—É. Talvez eu faça isso. Mas primeiro preciso voltar para 2015... –ela deixou escapar, sem querer.

Taylor e a tenente Washington já estavam entrando no Rover. Porém, quando ouviram a confissão de Melissa, Taylor ergueu a cabeça e olhou para a menina com cautela.

—Ora! Então quer dizer que vocês definitivamente não são daqui... Viajantes do tempo, eu suponho?—o comandante Taylor se intrometeu na conversa dela com Jim. –Desculpem. Mas eu não pude deixar de ouvir... –ele se aproximou seguido de perto pela tenente Washington.

—Tá legal, já deu!—Melissa bufou. –Vou abrir o jogo pra vocês de uma vez por todas. Não há motivo para me internarem, porque, oficialmente, os hospícios ainda não foram inventados... –ela tagarelou. Taylor ergueu uma sobrancelha, pacientemente. –E eu sei. Eu sei que aquele magrelo convencido, mais tarde vai me dar uma bronca por ter entregado nosso segredo á colônia, mas eu preciso dizer a verdade! –ela explodiu. –Cansei de bancar a tola desinformada.

O comandante se empertigou, apoiando-se na própria arma.

—Ah... Já estava na hora de começar a confiar em nós. –Taylor deu um sorrisinho torto. –Então... O que você tem pra mim?

Melissa fitou-o com ansiedade. O que estava prestes a dizer era uma coisa muito séria, que poderia mudar todo o curso da história, se não fosse interpretada corretamente. O risco era grande, mas ela estava esgotada de “fazer tipo” e já não via escolha plausível para evitar uma explicação complexa e perigosa sobre um tema, até então, oculto.

—Nós três. Eu e meus amigos... Somos viajantes do tempo. A caixa azul se chama TARDIS. Ela é nossa nave. Ela nos transporta pelo tempo e espaço. Foi assim que chegamos aqui. Pronto, falei!—ela arfou, respirando fundo, ainda nervosa. -Ela não é tecnologia terrestre. É uma genuína máquina do tempo, mas, por favor, não a dissequem! Nem á nós! Eu lhes imploro... –ela suplicou. Taylor apenar coçou a nuca.

—E porque eu faria isso? –ele deu de ombros, intrigado. –Não estamos aqui para julgar ninguém. O objetivo de Terra Nova é dar a todos um novo recomeço... Ninguém aqui está pensando em explorar e conquistar. Bem... Ninguém a não ser os Sextos.

—Não ficou impressionado com meu depoimento? –ela pareceu desapontada. –Eu acabei de dizer a coisa mais sensacional de todos os tempos...! –ela protestou, sinalizando. Jim piscou, casualmente. Taylor e Washington fizeram o mesmo. Melissa ergueu as duas sobrancelhas: –Gente! Hello! Eu acabei de confidenciar que Viagem no Tempo é possível!

Taylor afivelou melhor seu colete anti-balas.

—Sim. Sim. Eu sei. –ele disse, aparentemente indiferente. –Tenente Wash. Por favor, termine de empilhar os mantimentos no nosso Rover emprestado.

—Sim senhor. –a mulher assentiu, lançando-lhe um olhar de soslaio e um sorriso torto que foi imediatamente retribuído por Taylor. Jim também pareceu agir de modo suspeito: pôs as mãos na cintura, e sorriu, fitando o horizonte, como se tivesse se lembrado de uma ótima piada. A garota não gostou nem um pouco daquilo. Melissa era uma mistura de desapontamento e indignação. Como assim aquele povo não se impressionava com viagem no tempo e naves espaciais? Queria tirar aquilo á limpo, e o faria agora!

—Tá legal... O que eu disse de errado? –ela própria se condenou.

—Por que acha que disse algo errado? –Taylor sondou.

—Porque vocês estão se entreolhando com olhares cúmplices e dando pequenos sorrisos sarcásticos. –ela descreveu. –É obvio que estão tirando sarro da minha cara por algum motivo! –argumentou. –Quero saber qual.

—E por que? –Taylor questionou.

Foi a vez de Melissa sorrir com sarcasmo.

—Quero rir da piada também.

Inesperadamente, Taylor assumiu um semblante mais leve, com um sorriso mais usual e divertido.

—Você é engraçada. –ele pôs a mão em seu ombro. –Mas não ágil o bastante, pelo que venho notando. –avaliou, estalando o dedo.

—Não entendi. –ela se manifestou. –Estou deixando algo importante passar, é isso?

—Não apenas algo... Mas provavelmente a coisa mais importante de todas. –Taylor prosseguiu, caminhando até Jim. –Nós, toda a colônia... Todos estamos aqui, na era cretácea, á 85 milhões de anos atrás. Vivendo lado á lado com os dinossauros... –ele apoiou-se no ombro de Jim. –Nós somos a raça humana, continuando a viver. Seguindo em frente. Quando estávamos nos conhecendo, eu disse a você que Terra Nova era nossa segunda chance porque 2149 estava acabado. –ele sorriu, altamente motivado. –Então, garota do tempo... Como acha que eu, Jim e Washington chegamos aqui?

Melissa encarou-os por um momento, então tudo veio a tona.

Não mesmo!—ela deixou o queixo cair. –Não vá me dizer que vocês também...

—O portal que permite nossas peregrinações também é uma fenda temporal. Ela nos conecta com 2149, mas apenas de lá pra cá. Nunca do contrário. O portal não funciona nos dois sentidos...-Taylor desviou os olhos. –Isso se meu filho Lucas, Mira e os Sextos já não tiverem terminado os cálculos necessários... Se eles conseguirem antes de nós, as conseqüências podem, e serão, catastróficas.

Um momento tenso se seguiu até que Jim estendeu a mão para ela. 

—Você vem conosco?

Ela não hesitou em responder.

—Com certeza. –sorriu e entrou no banco de traz do Rover, junto da Tenente Washington. Jim e Taylor se instalaram na frente, com as armas á tiracolo.

—Preparem-se –introduziu Taylor. –Isso vai ser perigoso.

 

*     *     *

Luisa abriu os olhos devagar. Não sabia onde estava. De novo. Ultimamente isso vinha acontecendo muito mesmo, em uma taxa de coincidência ridiculamente estimada. Estava deitada no chão, no silêncio e sozinha. Mas não totalmente no escuro. A luz vermelho-ardente de uma fogueira perto dali banhava seu corpo de uma forma bruxuleante. Mal abriu os olhos e sua cabeça pareceu dar voltas de montanha russa. Tudo estava girando. Tudo parecia confuso e estranho, como quando você olha para uma peça de arte abstrata, em um museu qualquer, e fica se perguntando que diabos significava aquilo. Apenas lembrava-se de anteriormente estar em algum tipo de arena... Sua cabeça latejava fortemente. Havia tido uma batalha, e o Doutor desmaiara. Não lembrou de mais nada depois disso. A vista estava embaralhada. Mas agora, o pânico tomara conta dela. Onde estava? Onde o Doutor estava? Será que tudo aquilo realmente acontecera? As vestimentas, a batalha e tudo mais? Bom, os machucados pareciam bem genuínos... Aos poucos, a dormência de seus membros acabou e a sensibilidade voltou, penosamente. Sentia o corpo inteiro arder de uma forma angustiante. Fitou as mãos com assombro. Os braços. As pernas. Estava cheia de arranhões, hematomas e cortes, nem tão superficiais assim. Mas, acima de tudo, o que mais doía era o da barriga. Uma mancha de sangue seco pigmentara agudamente parte da blusa da garota, de vermelho vivo. Estava de volta com as roupas habituais. Para onde foram as vestes egípcias? Sabe Deus. Mistérios á parte, só queria ver uma coisa em sua frente, no fim de um dia tão desgastante: sua amada cama.

No entanto, o único retorno que recebeu foi o de uma voz áspera e irritada. Era a voz de Mira e parecia muito zangada com alguém. A sorte de Luisa, foi que ela não se movera ao acordar, e com isso, não chamou atenção da mulher, que naturalmente, ainda devia pensar que ela estava desacordada.  

Como assim eles não vão nos pagar? Nós cumprimos nossa parte do acordo!—Mira gritou para alguém. –O QUE MAIS ELES QUEREM!? Trouxemos esses imbecis para eles! Merecemos nosso pagamento! –e apontou na direção de Luisa, caída no chão. A palavra “imbecis”, no plural, acalmou-a um pouco com a possibilidade de que o amigo ainda pudesse estar vivo.

—Eu não sei o que foi que deu errado. Naturalmente, os Hipnóts pensam que a culpa é nossa. Pensam que nós trapaceamos de alguma forma. Eles deixaram bem claro que gostavam de “brincar com a comida” antes de degustá-la. O rapaz e a garota sobreviveram e saíram praticamente ilesos da grande batalha. A Ordem dos Seis está descontente. Eles não consideram o acordo justo. –explicou Lucas Taylor, aparentemente calmo até demais para alguém que teve os planos arruinados. Estava claro como água que a prior prejudicada nisso tudo era Mira e os Sextos, e que, de certo modo, isso não chegaria a afetá-lo. Sua voz dizia com todas as letras “Foi apenas um contratempo. Que diferença isso faz pra mim? É o seu pessoal que está com a corda amarrada no pescoço”.

Mira fechou os punhos, quase espumando de raiva. Prensou tanto os dedos que suas dobras até ficaram brancas. Isso porque não detectou o tom indiferente na voz de Lucas.

Você!—Mira caminhou rígida na direção de Luisa. A garota apertou os olhos rapidamente, em desespero, fingindo continuar dormindo. Pensou que não daria certo; que seria descoberta e morta, provavelmente, (chegou a tremer na base com a idéia de Mira lhe tirando todas as forças restantes), mas surpreendeu-se ao perceber que, quase no final do trajeto, a outra mudou a direção dos passos. Pelo jeito, ainda não era sua vez de perecer. Ao menos por enquanto... Inesperadamente, Luisa ouviu o estampido seco de um tapa na cara. Aparentemente, Mira alcançara seu novo alvo, e já começara a descontar sua raiva nele. -SEU ESTÚPIDO! POR QUE NÃO COLABOROU E SIMPLESMENTE MORREU COMO TODOS OS OUTROS!?

Ah...  –gemeu alguém, á poucos metros de Luisa. Infelizmente, Mira e quem quer que fosse, estavam localizados justamente em um ponto sem visão para a menina, de modo que ela não conseguiria ver o que estaria se passando atrás de si, sem ter que se mexer e entregar sua posição, no momento, com a consciência retomada. O que ela jamais arriscaria fazer. Não sem um excelente motivo.

—Que desprezível... Não servem nem para morrer!—Mira deu-lhe um soco no rosto. O outro não reagiu. Nem conseguiria. Estava fraco demais para fazer qualquer coisa. Devagar, uma gotinha de sangue escorreu de uma de suas narinas, e ele a limpou com as costas da mão, com o rosto tremulo. Mira intensificou a interrogação: –Diga alguma coisa! Imbecil!

Lascou-lhe um pontapé, que o deixou tonto. Respirava cada vez com mais dificuldade e aquela cessão grátis de “irrite o homem exausto” não estava ajudando.

Não tem nada a dizer?—ela o pegou bruscamente pela gola da camisa, erguendo-o brevemente do chão, apenas para manter sua atenção completamente nela. Por meros segundos, eles ficaram se encarando, em silêncio, trocando ameaças mentalizadas. Ela, ainda mais do que ele. O rapaz não tinha forças nem para pensar. Mira fitou-o com desprezo, sem qualquer sinal de pena ou dó. Correu o olhar por todo seu corpo, á procura de alguma coisa. Quando a encontrou, sorriu de um jeito malicioso. Estendeu as mãos na direção de seu ombro, ferido de um modo nada superficial, e apertou-o cruelmente, na intenção de fazê-lo sofrer. –Me fala: O QUE VOCÊS FIZERAM? POR QUE SOBREVIVERAM Á BATALHA? COMO FIZERAM ISSO? DIGA!

O torturado gritou descontroladamente. Luisa conhecia muito bem aquele timbre.

—DEIXE ELE EM PAZ! –a menina ergueu-se sentada, bruscamente. Suas dores começaram a se intensificar de um jeito quase que insuportável, mas ela suportou. Jamais deixaria o Doutor na mão.

Ver o amigo vivo, depois de tanto tempo era realmente gratificante. Mesmo naquelas condições precárias. Ele, assim como ela, sentia fraqueza, vertigens, dores horríveis de cabeça e corporais. Especialmente nos locais machucados, perfurados ou arranhados. Quando se contemplaram, naquela fração de segundos, não pode deixar de notar como ele estava pálido, e com ar de doente. Seu rosto estava cheio de arranhões, assim como o dela. Sua boca tinha um leve corte transversal e ele parecia mais cansado do que nunca, (as dores definitivamente o haviam atormentado por horas á fio, mas isso não o deteve). Mesmo assim, eles foram capazes de trocar um sorrisinho tímido, entre si. Isso antes de Mira alcançá-la, agachar bem em frente á fogueira e contemplá-la com um olhar pesado e severo. 

—Ah... Então a bela adormecida já acordou? —Mira dirigiu-se á ela, sombria. –Vamos ver se você coopera melhor que o seu amiguinho ali. –ela indicou o Doutor com a cabeça. –Bem... Já descansou bastante, então já pode começar a falar. Como vocês escaparam? Como fizeram isso? Diga a verdade, garota. Para o seu próprio bem... É melhor dizer tudo que sabe.

—Sobre o quê? –Luisa interveio, com ar enojado. –A única coisa que eu compreendi, de toda essa maluquice, foi que vocês nos entregaram aos Hipnóts para morrer. –Luisa semi-serrou os olhos, incrédula com o som das próprias palavras que havia acabado de pronunciar. -Não sei o que você, o Lucas, ou os Sextos ganham com isso, mas eu lhes prometo que não receberão um centavo, se depender de mim... Está me entendendo?

Mira ergueu as duas sobrancelhas.

Oh! Isso foi uma ameaça, pirralha?—provocou. –Porque isso não costuma funcionar muito comigo. –ela sussurrou em seu ouvido, provocativamente. Então se afastou devagar de Luisa e concluiu: –Devia começar a controlar a língua, se não quer que eu a corte fora...

Luisa parecia uma leoa, prestes a rugir e mostrar as garras. Não sabia de onde vinha essa força, nem o quê estava fabricando toda essa coragem dentro de seu corpo, á essa altura do campeonato. Durante essa viagem, viera experimentando várias sensações diferentes. Já sentira raiva e desejo ao mesmo tempo. Agora, percebia um instinto super-protetor despertar das profundezas de seu ser. Não sabia como, mas as dores que sentia pareciam quase insignificantes, quando essa sensação dava as caras. Era como se um outro lado seu dissesse “Pode deixar, eu assumo daqui” e começasse a responder e agir por si mesmo, sem o controle ou a permissão dela. Aquilo era pelo Doutor. Só podia ser. Quem mais despertaria seus sentidos daquela forma? Estava tudo bem agora... Ela o machucara antes e ele fizera o mesmo, mas agora sabiam o porquê. Não poderiam se culpar por isso. Não fora culpa de nenhum deles. Eles foram usados. Só essa palavra já fazia o estômago de Luisa se embrulhar. Usados. Manipulados pelos Hipnóts, não apenas para se matarem, mas também, para entretê-los. Luisa não conseguia se acostumar com o som disso.

—Então é verdade. Eles nos queriam mortos. Os dois. Não é mesmo? Nos manipularam para morrer –insistiu Luisa, séria. Pra sua surpresa, Mira apenas ignorou-a. Ergueu-se do chão, deu meia volta e caminhou até Lucas, deixando-os para trás. –Qual o problema Mira? Sou boa demais pra você? –Luisa cutucou, antes que ela se afastasse o bastante.

Mira parou no ato. Voltou-se para ela, com um olhar pulverizador.

—Você se acha muito esperta, não é?

—É você quem está dizendo. –Luisa deu de ombros, aceitando o elogio de bom grado. Mira trincou o maxilar.

—Não vai se dar bem todas às vezes... Isso eu prometo! –terminou com uma ameaça, dando-lhe as costas de vez, e deixando-os agonizarem baixinho como filhotes feridos, e abandonados.

Viu Mira se afastar, mas a adrenalina ainda percorria todo seu corpo. As mãos estavam frias e trêmulas. A enxaqueca já estava em um nível alarmante e o corte na barriga ardia cada vez mais. Voltou a fitar o melhor amigo, arfando de cansaço.

—Você conseguiu. –ele suspirou de leve, mais ou menos sentado, com as costas apoiada em um tronco de árvore. –Finalmente Mira foi embora. Eu já estava me cansando dela...

Luisa abriu um sorriso como consolo. Precisava alcançá-lo. Precisava cuidar dele. Sem fazer corpo mole, arrastou-se com dificuldade até ele. Aproximou-se o bastante e tocou seu rosto, fazendo-o sorrir em êxtase.

—Eu tô aqui... Fica tranqüilo. –ela acalmou-o, fazendo um caminho de caricias por seu rosto até seus cabelos. O Doutor fechou os olhos, por um segundo, curtindo o momento. –Ela machucou você? –Luisa não conseguiu conter o embargo da voz, ao dizer isso. O amigo empertigou-se, por um momento.

—Estou bem agora. –ele acertou a postura, com certa dificuldade. –Você está aqui, não está?

Luisa sorriu afetada. Mas não pode conter o impulso. Foi apenas executar o simples ato de fitar o corte no ombro do amigo, que suas mãos se estenderam automaticamente, para tocá-lo. O rapaz se manteve o mais firme possível enquanto ela examinava o corte.

—Ai! –ele acabou gemendo. –Cuidado... Está um bocado sensível.

Eu não acredito que fiz isso em você... –ela disse, assustada com a intensidade do machucado. –Meu Deus... Eu nunca seria capaz... –ela chorou baixinho, apertando as costas da mão contra os lábios. Estava morrendo de pena dele. Não tinha a menor intenção de machucá-lo... Não. Ela tinha sim. Ao menos tivera, anteriormente... Lá na arena de batalhas. Um lado seu, pouco conhecido por ela mesma, cheio de raiva, rancor, ódio e um desejo voraz, quase animal, se manifestara, de modo brutal e cruel. Ela não mais se reconhecia. Demorou um pouco para que as lembranças viessem todas á tona, em sua cabeça, mas agora que conseguia se lembrar relativamente de tudo que fizera, sentiu uma onda insuportável de embaraço e culpa. Como pudera fazer aquilo com ele? Ela realmente se jogara em cima dele...? Suas bochechas se acenderam como faróis de transito e ela sentiu o rosto ferver. Agradeceu por estar de noite e pelo rapaz não poder ver sua expressão agora. De qualquer jeito, a culpa estava trinta passos á frente da vergonha. Fora ela quem quase o executara. Ela sabia. As mesmas mãos que várias vezes o envolveram em abraços calorosos, desgrenharam seus cabelos rebeldes e seguraram suas mãos quentes, haviam lhe feito sofrer, gemer e sangrar. Era muito jovem para conseguir conviver com uma culpa deste patamar. Não sabia se conseguiria encará-lo de novo com a mesma ingenuidade de antes. Estava com medo. De repente, um desespero involuntário tomou conta de si e ela apertou a barriga com mais força. A dor se intensificava cada vez mais á cada segundo. Quanto mais se lembrava, mais a dor a atingia. Mais tudo ardia e sangrava. Mais seu coração se desmanchava. Havia ferido seu melhor amigo. Não sabia mais quem era. Ficou completamente indignada consigo mesma. Durante algum tempo, teve uma vontade incontrolável de se debater e chorar. O amigo, naturalmente, percebeu seu desespero.

—Ei... O que foi? –ele sorriu mansamente, colocando uma mecha solta dela atrás da orelha. –Não chore... Por favor. O universo não merece isso.

—O universo? –ela soluçou, baixinho.

—É. –ele disse, um pouco mais ativo. –Sabe? Você é parte essencial do universo, assim como todos nós. Mas o universo odeia te ver sofrer. Uma estrela se apaga no infinito, cada vez que uma menina bonita chora. –ele disse de um modo poético, e tocou-lhe a ponta do nariz, descontraidamente. –Se você continuar assim, vai abrir um rombo no céu, daqui a pouco...

Luisa sorriu afetada, olhando para as estrelas. O firmamento era muito mais bonito no inicio dos tempos, sem toda aquela poluição dos carros no futuro... Aquele comentário dele sobre o universo não deixou de intrigá-la: Como o Doutor ainda conseguia dizer coisas fofas mesmo estando naquele estado?

Você não me machucou. Não estávamos conscientes quando duelamos, e você sabe disso. –ele prosseguiu. –E o que você disse à Mira era verdade. Nós dois fomos manipulados. Forçados a cometer um ato de maldade que jamais cometeríamos um com o outro em plena sanidade. Então... Acalme-se. Não chore mais. Faça isso por mim. –ele segurou-a pelo rosto, de um modo delicado, fazendo-a manter os olhos fixos nos dele. –Você não me fez nenhum mal. Lembre-se disso.

—Nem você. –ela completou. Mas uma careta de dor, manifestada logo em seguida, provou o contrário. Sem conseguir disfarçar, ela dobrou o corpo para frente, abraçando o estômago dolorido. O corte em sua barriga, definitivamente, não ia nada bem...  –Ai! Mais que droga! –gemeu insegura.

—Está doendo? –ele perguntou, preocupado. –Deixe-me dar uma olhada nisso aí...

—Ahã. –ela negou lentamente com a cabeça, sem soltar a barriga.

—Está com medo de mim? –ele disse de um modo engraçado. –Sou eu. O Doutor. Seu amigo... Você pode confiar em mim, lembra?

Ela assentiu, assustada. Luisa estava confusa e com medo. Por que tudo aquilo estava acontecendo com ela? Por que as dores na barriga só pioravam? Acabou chegando á um ponto que a dor tornou-se tão aguda que ela nem conseguia raciocinar direito...

 Luisa choramingou.

—Se for tão descuidado quanto eu fui com você, então juro que vou dobrar o cabo da boa esperança antes do amanhecer... –ela gemeu.

Ele sorriu o máximo que conseguiu, para tranquiliza-la.

—Não se preocupe. Não é á toa que me chamam de Doutor. –e tocou-a de leve. Com muito mais doçura, paciência e delicadeza do que ela jamais esperara. –Caramba... Isso está bem feio...

A garota sorriu de leve ao sentir o modo cuidadoso como ele a tocava. Mas o toque dele despertou algo a mais nela. Naquele instante, um fleche de uma cena muito parecida passou por sua cabeça em uma fração de segundos, embaralhando seus pensamentos: Nele, havia uma garota loira e um rapaz alto e moreno, acariciando sua barriga de grávida também com imenso carinho e afeto. Ao fim da lembrança, seu estomago se embrulhou inexplicavelmente.

—Você parece pior... O que foi? Me conte. –o Doutor pediu, com paciência. Luisa gemeu dolorosamente, sem parar de apertar a barriga.

—Eu não sei o que está havendo comigo... Eu simplesmente não sei! –ela recomeçou a chorar. –Doutor... Estou com medo.

—Fique calma. –ele instruiu. –E respire fundo.

—Não adianta... –ela negou, com urgência. –A dor não diminui. Ela só aumenta de intensidade... –ela disse em desespero. –Eu não sei o que fazer! Eu não sei o que fazer!

—Apenas respire fundo. –ele segurou suas mãos com urgência. Encostou sua testa na dela. –Fique calma. Isso é apenas um efeito colateral da batalha. Estou ouvindo Mira reclamar com Lucas sobre as regras dos Hipnóts á mais tempo que você... Eles disseram muitas coisas que eu acharia interessantíssimo se as circunstâncias fossem outras... –ele ponderou. –Entre algumas das informações, ouvi que os Hipnóts hipnotizam “seu jantar” na intenção de fazê-los se matarem sozinhos... Só aí já podemos concluir que é uma espécie preguiçosa. Também ouvi que, eles proporcionam um destino diferente para cada uma das vítimas. Ou seja, se você não morrer decepado, esfaqueado ou algo do tipo, então morrerá de agonia, quando a luta acabar. Porque é isso que eles fazem... Esses seres tiram nossa sensibilidade enquanto estamos lutando, para pensarmos que somos algo parecido com “imortais”. É dessa forma que eles criam toda essa mitologia na nossa cabeça e nos fazem querer agredir uns aos outros ainda com mais brutalidade. O que sobrevive no final tem a sensibilidade devolvida e acaba morrendo de agonia.

—Não... –Luisa mordeu o lábio, chorosa. –Me ajude, Doutor! Não quero morrer de agonia...

—Mas esse é o ponto! –ele interveio, em uma velocidade espantosa. –Nenhum de nós está reagindo como esperado. Quero dizer, você e eu podemos estar sentindo dores... Mas elas estão “mansas” perto do que deveríamos estar sentindo...

MANSAS?—Luisa resmungou, indignada. –Eu tô quase parindo uma criança aqui e você vem me dizer que é uma dorzinha de nada!?

—Eu juro pra você que era para estar muito pior. –ele assegurou freneticamente. –Mas, por algum motivo, o ritual não funcionou com nenhum de nós dois... –ele destacou, abraçando-a. –Pode conferir: Eu não morri. Você não me matou. Poderia ter me matado, mas não o fez. Isso porque despertou a tempo. Eu, por outro lado, livrei-me do poder hipnótico antes de você e consegui me deter de lhe causar feridas piores na reta final. Eu não cheguei a machucá-la do jeito que eles previram. Não o bastante para causar sua morte por agonia. Pode notar que nós dois temos apenas um corte mais preocupante. O restante foi superficial ou não passou de um arranhão... –ele sorriu para ela, empolgado. -Isso é bom! Nós não vamos morrer por causa disso... Não é ótimo?

A garota tentou sorrir, mas a expressão saiu forçada. A dor não passava e aquele idiota não parava de tagarelar, fazendo gestos frenéticos com as mãos!

—DOUTOR! CALA ESSA BOCA! –ela o chacoalhou pela gola do casaco.

—Tá bem! Eu já entendi. Sem gracinhas, por enquanto...  –ele revirou os olhos. Respirou fundo, estalou os dedos e o pescoço, então tornou a segurar a mão dela com força e, com a mão livre, tocou-lhe em cima da ferida na barriga, novamente. Naquele exato instante, Luisa parou de se contorcer. Uma luz dourada acendeu entre a mão dele e a barriga dela. Devagar, a dor foi amansando cada vez mais até desaparecer por completo. Quando ele ergueu a mão novamente, já não havia mais corte, nem dor, nem mesmo havia sinal do misterioso brilho dourado. Luisa encarou-o por uma fração de segundos, entretida, tentando ler seus olhos, depois encarou a blusa manchada de sangue: era a única lembrança que sobrara do corte. O sangue seco na blusa. Mais nada. Nem uma cicatriz, nem um pequeno arranhão. Intrigada, ela voltou a fitar o amigo, algumas vezes. Era impressão, ou ele fizera sua pele regenerar?

—Doutor...

—Sente-se melhor agora?

—Sim. –ela disse sem fôlego. –Estou ótima.

—De nada. –ele sorriu e deu um toquinho leve em sua mão, tornando a se encostar no tronco da árvore. A garota estava de queixo caído. O rapaz acabou se incomodando com a seqüência de olhares questionadores. –Está bem! Pergunte o que quiser.

—O que você fez? –ela arregalou os olhos, espantada.

Ele cruzou os braços.

—Se quer mesmo saber... Eu usei um pouco da minha energia regeneradora em você. –ele explicou, como se não fosse nada demais. –É isso.

—Usou sua regeneração em mim? –ela ergueu as duas sobrancelhas.

—Não! Não uma regeneração inteira... Apenas uma pequena parcela. Só o bastante para fazer sua pele fechar o corte e bloquear todos os caminhos por onde a dor agonizante atacava, destruindo-a de vez.

Luisa sorriu amplamente.

—E você pode fazer isso?

—Bem... –ele coçou a cabeça, mordendo o lábio. –Na verdade eu não devia... Mas isso foi uma emergência, então meu corpo vai ter que entender...

Ela inclinou-se para abraçá-lo sem aviso.

—Obrigada!

Ele sorriu de orelha a orelha.

—Não tem de que.

Foi durante o abraço que ela reparou mais uma coisa: sua cabeça estava próxima do ombro machucado dele, mas o corte também já não estava mais lá, para a surpresa dela.

—Doutor! Você regenerou a si mesmo!

Eles se separaram por um momento e ele conferiu os resultados.

—Ah! Muito bem celulazinhas... Era disso que eu estava falando! –o Senhor do Tempo disse alegremente, de uma forma cômica que acabou fazendo Luisa rir. –Estou inteiro de novo! Me sinto um novo homem... –ele disse, erguendo-se do chão.

—Isso é incrível! –ela o imitou. –Sumiu inclusive o aranhão do seu rosto... E o corte do seu lábio! Está inteiro de novo... –e ameaçou tocá-lo, mas no último segundo se deteve, impressionada. –Você regenerou a nós dois ao mesmo tempo... Que gracinha.  

—Valeu. –ele sorriu, modesto. –Fico feliz que esteja feliz.

—Ah... –ela fechou os olhos, embaraçada. –Falando em estar feliz... Desculpe por ter mandado você calar a boca mais cedo. Sabe? Foi no calor do momento... Sinto muito.

—Sem problemas. –ele deu de ombros. –Agora, eu sugiro que a gente saia o mais rápido possível daqui...

—Falando nisso... Onde estamos agora? Cada vez que abro os olhos, acordo em um lugar diferente... –ela disse, esfregando a testa.

Ele lambeu o dedo indicador e ergueu para cima, testando a direção do vento.

—Eu creio que no mesmo lugar de antes. Na floresta. No acampamento dos Sextos. A arena de batalhas foi, no mínimo, ilusória... Nós fomos drogados, não me admira que tenhamos visto coisas...

—Mas não podemos fugir. Mira disse algo sobre esse canto da floresta... Disse que guardavam as piores bestas de toda a era cretácea! –Luisa lembrou. –Eu que não vou sair correndo por aí...

O Doutor puxou-a pelo braço antes que terminasse a frase. E saiu arrastando-a junto de si, para entre os troncos das árvores altas.

—Não temos escolha! Podemos tentar fugir e quem sabe ter uma chance de escapar... Ou ficar aqui e morrer. –ele disse, exasperado.

—Bom... Já que colocou desta forma... –Luisa deu de ombros, enquanto corria de mãos dadas com ele.

Allons-y!

 

Mira e Lucas encontravam-se em uma cabana no topo das árvores. Era um forte perfeito para se esconder de predadores e dos homens do comandante Taylor. Os Sextos nunca passavam muito tempo no mesmo lugar. Mira tinha o costume de fazê-los mudar o acampamento de localidade, dia sim dia não. Isso, para dificultar sua localização. Sabe como é... Taylor não era nada burro. Em um dia desses, ele poderia acabar tirando a sorte grande. Mira jurou jamais deixar isso acontecer. Ela e os Sextos foram contratados por gente de posse, para executar um único propósito em Terra Nova, e não desperdiçariam sua chance com falta de cautela.

A mulher caminhava impaciente. Lucas girava um anel com uma pedra lilás nas mãos, distraidamente. O brilhante chamou atenção de Mira.

—Bom... O que temos aqui? –ela se aproximou com a mão estendida. Lucas recolheu o objeto, sério. Ela revirou os olhos. –Eu só queria ver...

—Ah, é mesmo gracinha? Vai ficar querendo. –ele retrucou, ríspido.

Mira fechou a cara.

—Vai se arrepender de ter sido tão grosso. –ela ameaçou, aborrecida. Lucas notou um pequeno timbre ofendido em sua voz.

—Qual é Mira... Desde quando começou a ficar sentimental?—ele provocou, levantando e caminhando pelo espaço. Mira se espantou com seu argumento.

—O que você disse? –o lábio dela tremeu de irritabilidade. –Não estou ficando sentimental! Essa é uma sensação já muito desconhecida por mim... Em 2149, eu morava nas ruas. Durante minha adolescência e fase adulta, nunca senti o menor vestígio de felicidade tomar meu rosto. Sempre passei necessidade. Nunca soube descrever direito a sensação de alegria e satisfação. Não sinto nada parecido há muito tempo.

—E julgo que só voltará a sentir sentimentos reais quando receber sua parte do dinheiro, não é? –ele sugeriu.

 Ela começou a perder a paciência.

—Não é por mim que faço isso. –retorquiu, rispidamente. Lucas voltou a jogar o anel para cima e para baixo, dando de ombros.

—Que seja. Isso só interessa a você. Eu não trabalho para ninguém. Faço isso por mim, e somente por mim.  

Mira o encarou com curiosidade, por um instante. Ele parecia feliz demais para seu gosto.

—Então quer dizer que já obteve sucesso com os cálculos...?

—Já sim. –ele respondeu, para a surpresa dela. –A baldinho fez seu serviço. Levou os cálculos até a Sala do Olho, em Terra Nova, e pediu ao computador que os terminasse. –então ele riu. Uma risada enlouquecida, que tornou seu rosto muito mais doentio e assustador. –Ela me traiu. Disse ao meu pai o que eu estava prestes a fazer. Dedurou até a localização do acampamento dos Sextos. Tudo para pedir ao maldito comandante Taylor para salvar sua amada mamãe moribunda de nossa posse. –ele esfregou o rosto e fitou Mira. Ela ouvia-o com o olhar desconfiado. -Por sorte, as informações já estavam comigo antes dela dedurar meu paradeiro e sua localização.

—Eu sei. –Mira emendou. –Um de meus soldados ia dar o remédio à Débora, a mãe de Skye, naquela noite. Entretanto, quando chegou lá, a mulher havia desaparecido e um de nossos homens também. Desconfio que também fosse um espião de Taylor infiltrado entre nós. –Mira cruzou os braços e apoiou o corpo no tronco da árvore, quase na copa, onde a cabana estava estendida. -Nós mantínhamos a garota infiltrada em Terra Nova, enviando-nos informações valiosas sobre seu desenvolvimento, e ele deu um jeito de nos pagar com a mesma moeda. Com o Taylor é sempre assim... Olho por olho, dente por dente.

—Eu que o diga. –Lucas afirmou, batendo o punho contra a outra mão. –Ele nunca me perdoou pelo incidente na Somália. Até hoje, eu vejo como ele me olha... Com aqueles olhos acusatórios e incompreensivos. Ele me culpa pela morte dela... Eu sei! –falou esmurrando uma mesa de madeira. Mira chegou a tremer de susto, pega de surpresa. -Desde que eu tinha catorze anos. Desde o incidente, todas às vezes que nos falávamos, ele sempre me olhava com a mesma carranca de decepção. –ele disse, segurando a cabeça, de uma forma doentia. Mira deu um ou dois passos para trás, insegura com o que ele poderia fazer a seguir. Lucas não era considerado cem por cento confiável. Na real, não era nem cinqüenta por cento... Ele vivia alimentando um desejo de vingança incompreensível contra seu próprio pai, o comandante Taylor, e do jeito que andava obcecado ultimamente, poderia ter um surto psicológico a qualquer momento.

—Mas nós estamos á frente dele –Lucas prosseguiu, com o olhar alucinado. –O Taylor pode ser tudo. Um grande líder para aqueles ordinários da colônia... Um símbolo á ser venerado. Um exemplo a ser seguido. Uma espécie de pai para Skye... –ele ponderou. -Mas há um quesito da qual ele sempre sairá perdendo... –e apertou o anel entre as mãos, com determinação. –Eu sempre fui mais inteligente que ele... E vou conseguir superá-lo. Você vai ver...

Mira fitou-o pelo canto do olho, sem se mover. Naquele exato segundo, seis luzes surgiram na escuridão do aposento improvisado: A Ordem dos Seis Sábios estava no recinto.

—Humanos –começou o líder dos Hipnóts, com a voz vagamente alterada. –Marcamos encontro com vocês antes do acordo ser cumprido. Viemos honrar nossa palavra.

—Muito bem –disse Mira. –Mas não precisam vir se explicar... Sabemos que rejeitaram nossa oferenda. –ela completou, irredutível. –O casal ainda vive.

—Mas não por muito tempo. –emendou um dos Hipnóts. –Eles estavam sob hipnose anteriormente, mas agora já conseguem sentir os resultados da batalha. Irão sofrer muito por conta disso...

—Não se preocupe. A morte não é sempre uma opção –assegurou outro Hipnóts, à Mira. –São poucos os que sobrevivem ao ritual, devemos admitir, mas mesmo assim, isso não os impede de permanecerem vivos por muito mais tempo...

—Nós criamos uma garantia –o líder prosseguiu. –Os que se mostrarem fortes o bastante e sobreviverem á batalha inicial, morrerão agonizando de dor.

—Sim. Nós compreendemos. –Lucas assentiu, erguendo-se e sorrindo novamente. –Então nem tudo está perdido... Nosso acordo ainda estará de pé! Se aqueles dois idiotas morrerem, então vocês terão comida, o sacrifício terá valido a pena e nós seremos recompensados! –ele sorriu para Mira. A mulher retribuiu rapidamente.

—Onde estão o macho e a fêmea humana? –perguntou o líder dos Hipnóts.

—Estão lá embaixo, no acampamento. –disse Lucas, apressado. -Deixamo-nos agonizando perto da fogueira.

—Tragam-nos os sobreviventes –pediu o líder dos Hipnóts. –Á essa hora, já devem estar quase mortos. Deixem por nossa conta. Seu pagamento virá assim que os trouxerem.

—Sim senhor. Imediatamente senhor! –Mira se prontificou, descendo a árvore, seguida de perto por Lucas. Então tudo o que tinham que fazer era trazer aqueles dois mortos vivos lá para cima? Aquilo estava fácil de mais...  

Ou talvez nem tanto.

—NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! –foi o grito de ódio mortal de Mira, quando chegou á fogueira e encontrou o espaço vazio. –Palermas inúteis! Como puderam escapar???—ela chutou uma seqüência de coisas que estavam empilhadas próximas ao local, enraivecida.

—Ei... Mira. Não perca tempo destruindo seu acampamento temporário... –Lucas veio tranquiliza-la. –Paciência. Se eles escaparam, não devem estar muito longe. –então deu uma boa olhada ao redor. –Estão nas Terras Malditas. Não se esqueça disso. Há milhares de criaturas carniceiras por toda a localidade. Esse é o maior covil de bestas em todo o cretáceo. Jamais sairão vivos dessa floresta... –ele fez uma pequena pausa, em que ambos contemplaram as árvores gigantescas com estimado prazer. –O que temos que fazer é procurar seus cadáveres mortos ao amanhecer. Então, teremos nossa tão merecida recompensa.

—Espero que sim –Mira disse em tom de ameaça. –Porque eu não pretendo voltar de mãos vazias. Não no dia da extensão do portal.

—Pense desta forma: essas criaturas são nossa arma secreta. O estúpido do meu pai jamais poderá adquirir uma vantagem sobre nós, agora. -Lucas fitou o horizonte por um instante. –Por hora, o único problema será convencer os Hipnóts á esperarem até amanhã. –ele lembrou, batendo no ombro de Mira. –Posso contar com você para convencê-los?  Tenho algo importante para terminar...

—Aonde você vai? –Mira perguntou, mas Lucas seguiu seu caminho calado, sem lhe dar ouvidos. –Lucas? Eu pensei que já tivesse terminado os cálculos...

—É sempre bom fazer alguns ajustes finais... –Lucas apresentou novamente seu sorriso doentio. –Agora me de licença... Se tudo sair como planejado, ainda hoje poderei colocar meu plano em prática. –então deu-lhe as costas e desapareceu nas sombras, adentrando em sua barraca, sem dar outras explicações.

Naquela noite, Mira até tentou convencer os Hipnóts, mas eles eram difíceis de se dobrar. Quando o sol raiasse novamente, se oficializaria o primeiro sacrifício incompleto de todos os seus séculos de existência, e eles jamais descansariam antes de reverter aquela situação. Não só porque tinham uma reputação nos quatro cantos do universo para honrar, mas também porque ficariam sem jantar, e isso os deixava irritados. Estava decidido! Eles não esperariam até o dia seguinte... Os Hipnóts iam procurá-los hoje mesmo, com ou sem a ajuda dos Sextos. E, combinemos que sem a ajuda deles, sairia muito mais barato.

 

*     *     *

Apreensão. E medo. Era tudo o que sentiam naquela floresta. O Doutor corria e arrastava a garota consigo, como se ela fosse uma boneca de pano.

—Doutor! Doutor! Pare com isso! Minhas pernas não conseguem acompanhar!

—Desculpe, mas nós estamos com pressa! Estamos atrasados! É tarde! Muito tarde!

—Pressa de quê? –a garota indagou, confusa. Seu cérebro saiu fora de área por uma fração de segundos, por causa do cansaço excessivo, na qual ela acabou flagrando-se fazendo uma associação ingênua do melhor amigo com o coelho atrasado de Alice no País das Maravilhas. “Apesar dele ter mais jeito pra chapeleiro maluco”, ela enfatizou, mentalmente.

—Precisamos sair dessa floresta antes do dia amanhecer! –ele anunciou. –Se não conseguirmos, não terá adiantado de nada nossa fuga...

—Mas para onde vamos? Nem sabemos direito onde estamos...

—Ah! Quem disse que não sabemos? –ele falou em um tom divertido. Então tirou do bolso do casaco, a Tecnopédia, ainda intacta. –Aqueles tolinhos nem pensaram em nos revistar. Estavam tão preocupados com a tal “recompensa” que até se esqueceram de checar se nós tínhamos algo de valor conosco.

—Ah! Essa é a melhor notícia do dia! –Luisa comemorou. –Mas o que poderemos fazer com a tecnopédia, além de pesquisar coisas aleatórias?

—Poderemos pesquisar coisas com fundamentos. –ele disse animado, parando, e escondendo-se com Luisa atrás de uma grande e larga árvore (tudo isso para esconder o brilho do visor da Tecnopédia, com o intuito de não chamar a atenção de possíveis predadores). –Vamos ver... Que tal tentarmos perguntar onde estamos?

Sem pestanejar, ele apertou o botão de ligar.

—“Olá! Meu nome é Alison. Estou feliz por poder ser útil... —disparou a tecnopédia, seguindo os protocolos habituais. –Ajudá-los a encontrar o que procuram é minha especialidade...

—Menina má! Muito má! Cala essa boca!—o Doutor chacoalhou o aparelho freneticamente. Qualquer ruído poderia ser o bastante para atrair a atenção de dinossauros e Sextos. Houve um momento cômico, em que ele jogou o aparelho na direção de Luisa e a menina devolveu-lhe na mesma velocidade. Foi quase como se estivessem brincando de batata quente. Quando a gravação inicial parou, enfim, o Doutor a recuperou, ainda eufórico. –Desculpe Ali... Só me diga uma coisa: Você vem com GPS embutido ou é só mais um “rostinho bonito”?

Era incrível como o Doutor conseguia flertar facilmente com uma máquina. Luisa sentiu um enorme impulso de dizer “Tome cuidado ou a TARDIS vai ficar com ciúme...”, mas resistiu á tentação.

—“Modo GPS, ativado.” –Ali disse, pausadamente. –“Façam bom proveito... E não se percam”.

—Fazer piadinhas irritantes também está gravado no protocolo usual de uma Tecnopédia? –perguntou Luisa, retoricamente.

—Acho que sim. Vocês gostam disso. Os seres humanos tem muito bom humor... –ele disse, distraidamente, enquanto consultava um mapa da localidade, azul, em 3D. –Aprecio isso em vocês.

—Puxa vida... Que honra!  –ela brincou, em tom irônico. –Quer saber? Podemos estar em apuros, mas é sempre ótimo saber que somos um planeta divertido aos olhos do universo... Especialmente em uma selva cheia de animais extintos, humanos desvirtuados e alienígenas hipnóticos...—ela ergueu os dois polegares para ele. –Valeu a força!

—Não. Não faça isso. Não... –ele disse pausadamente, fitando-a com seriedade, cortando seu barato. –Eu sou o engraçadinho, viu? Você é minha platéia. Você não declama... Apenas ri das minhas piadas! Eu sou bom com piadas... Esse é o meu departamento! –ele se doeu.

—Ah! –Luisa pôs as mãos na cintura, incrédula com o que acabara de ouvir. –Está me dizendo que eu não sirvo pra nada a não ser te aplaudir? –o Doutor fingiu estar interessado nas coordenadas para despistá-la e desconversar, mas já era tarde demais. –É pra isso que você me trás junto? Sou sua platéia? Uma mera trilha de risadas? Seu bichinho de circo treinado para sorrir com suas piadas tolas?

—Não! Eu não quis dizer isso –ele interveio, concentrado no 3D. –Sempre respeitei muito os animais de circo. Os macacos e elefantes, acima de tudo...

—Doutor! –sentindo-se insultada, ela lhe deu um cutucão reprovador, que o fez derrubar a tecnopédia na lama.

—Ah! Pronto! Está feliz? Agora a Tecnopédia virou uma autentica Melecapédia... –ele disse irritado, abaixando-se para recuperar o aparelho. Subsequentemente, a garota ao seu lado arregalou os olhos para o horizonte, ao mesmo tempo que o amigo levantou e Luisa, sem aviso prévio e completamente calada, o empurrou junto de si contra o tronco da árvore. O Doutor ergueu as sobrancelhas. –Nossa... Tão rápido assim? Você é uma garota bastante imprevisível, não é? –disse, ao tê-la colada em seu corpo.

—Fica quieto! Eu acho que ouvi alguma coisa... –ela alertou, em tom de bronca. Arranjaram uma boa posição e ficaram em silêncio, só observando a vegetação. Esperaram por um longo tempo, até chegarem a conclusão de não ser nada além do vento. –Desculpe... Alarme falso.

—Seu alarme falso me rendeu um furo no casaco! –ele resmungou. –Que droga... Ele foi presente da Marquesa de Santos! –disse, sentido.

—Ops –Luisa se encolheu, sem jeito. –Desculpe. Eu só pensei em salvar nossas vidas, e aí... aconteceu. 

—Nah. Tudo bem... –ele suspirou, controlando sua língua. Afinal, as intenções dela foram boas. –Sem problemas.

—É a TPM! Estou te dizendo! –ela enfatizou, um pouco relutante. –Não escute muito o que eu digo...

—Isso é uma ordem? –ele sorriu, brincalhão. –Vem cá... –e a ajudou a se levantar. –Essa tal de TPM parece uma chata bisbilhoteira... Ela importuna você. Quer te dominar... Não sei se gosto dela.

Luisa riu do comentário ingênuo do amigo.

—E nem eu. –tornou a sorrir. –Mas é o preço que se paga por ser saudável.

O Doutor deu de ombros.

—Graças aos céus sou um Senhor do Tempo. Não preciso de dominação para ser saudável. 

—Mas precisa de adrenalina. –ela completou, certeira. –Não consegue viver sem fazer o que faz. Sem salvar planetas, pessoas e ajudar os outros.

—Bom, com isso eu tenho que concordar. –ele assentiu, modesto. Então algo lhe chamou a atenção. –Olhe! A Tecnopédia terminou a busca! Parece que já sabe nossa localização... –então ele preparou-se para dar o comando de voz á longa distancia. -Fale Ali! Nos conte as novidades...

—“Resposta disponível. Localização atual dos dois usuários da unidade Tecnopédia alfa: TERRAS MALDITAS. TERRAS MALDITAS. TERRAS MALDITAS...”.

O rapaz e a garota se encararam com receio. Aquele nome não parecia nada agradável. Com certeza, não poderia ser o título de um lugar amável e acolhedor. “Nada comparado com a Terra das Fadas, O planeta das bolhas de sabão ou a Republica do Algodão Doce”, pensou o Doutor. “Terras Malditas” parecia ser tudo que a Tecnopédia sabia dizer. Ouvir aquelas palavras em modo repetição, parecia mais um castigo do que qualquer outra coisa.

—Ali! Já chega! Parece um disco riscado! –o Doutor apanhou o aparelho e tentou desligá-lo, mas o software travou em luping e não queria obedecer. O que lhe restou, foi usar a chave sônica. Apanhou-a e apertou-a contra a Tecnopédia, mas sua intenção só piorou as coisas, de modo que agora, além de tudo mais, ela também transmitia um assobio irritante, como o ruído que as tvs provocam no ouvido das pessoas, de vez enquanto. –Não! Não! Não se comporte mal... –bajulou. -Eu achei que você fosse ser nossa aliada! Não nos entregue ao desconhecido, Ali... Tenha bom senso! Somos apenas dois pobres coitados. E os dinossauros tem fama de não ter uma alimentação muito regrada... Vamos garota esperta! Não nos faça virar “sobremesa proibida no clube da dieta”. –ele mimou a placa fina de vidro, como se fosse uma criança chorando ou um bichinho ferido.

Luisa olhou para trás por um momento, e o que viu tirou seu fôlego.

—Ah... Doutor? –começou a recuar até dar um encontrão com ele, que estava abaixado.  

Ai! Meu pé! —gemeu. -Que foi agora? Outro ataque de TPM? Já estou começando a ficar aborrecido com a freqüência desses seus...

—Nos encontraram. –Luisa disse paralisada, olhando fixamente para a imagem em névoa onde o formato de seis corpos flutuavam acima do solo. O Doutor se voltou para cima, e se endireitou imediatamente ao ver que tinham companhia. Carregava no rosto quase a mesma expressão que a primeira (acrescentando apenas um maior número de rugas na têmpora e marcas de expressão próxima dos olhos). Naquele instante, sentiram o corpo todo arrepiar ao darem de cara com A Ordem dos Seis Sábios.

—Fiquem calmos. –pediu o líder dos Hipnóts, apontando uma unha afiada para os dois. –Decidimos que não iremos repetir o ritual com vocês. Percebemos que vocês repelem nossos poderes, por algum motivo desconhecido...

O Doutor viu aquilo como uma oportunidade de se gabar.

—Sorte a nossa não é? Ainda bem que temos um “despertador anti-hipnose”.

Luisa mordeu o lábio. Como estariam se saindo até agora? Será que os Hipnóts realmente acreditariam naquela baboseira? Quer dizer... No fundo, no fundo, ninguém sabia ao certo como eles recuperaram a consciência na arena de batalhas. Poderia tanto ter sido influencia psíquica do Doutor, quanto uma coincidência muito certeira. Mas, por via das dúvidas, era bom que o inimigo não sentisse sua insegurança. Isso poderia condenar todo o plano.

—Nós vimos do que são capazes. –o líder prosseguiu. –E proporemos um acordo. –ele fez uma pausa em que os dois amigos se entreolharam, intrigados. –Os deixaremos em paz, em troca de sua ajuda –e agitou uma bola azul de névoa que logo adquiriu a forma da TARDIS. –Precisamos descobrir o que é isso. Mira diz que ele foi encontrado com vocês na floresta hoje cedo. Eu quero saber o que é e para que serve.

O Doutor teve o semblante congelado por um momento. Luisa o fitou pelo conto dos olhos e notou que o amigo nem sequer piscava. Deveria estar muito assustado para deixar de fazê-lo. Foi então, que começou a prestar atenção em uma seqüência de coisas intrigantes... Primeiro detalhe: havia muita névoa. De onde viera tanta névoa de repente? Inteligente forma de distração? Talvez. Mas para quê, afinal? Segundo detalhe crucial: Os coadjuvantes. Enquanto o líder falava, outros dois Hipnóts balançavam, disfarçadamente, um pequeno objeto redondo, pendurado por uma corrente (algo parecido com um iô-iô, só que muito mais elaborado) e, por algum motivo incerto, o Doutor continuava quieto demais, com o olhar fixo demais e a expressão neutra demais –para alguém que acabou de saber que sua nave e lar está prestes a cair em mãos erradas.

Foi então que ela entendeu. Novamente, estavam sendo controlados por outro truque barato de hipnose. Ou pelo menos em teoria, pois Luisa não estava hipnotizada. Absolutamente! Enquanto o líder falava, a garota se manteve desatenta a suas palavras. Deste modo, talvez tivesse conseguido repelir a hipnose, desta vez. Por outro lado, poderia ter alguma gambiarra que identificasse o verdadeiro dono do objeto de seu interesse (no caso, a TARDIS) e, talvez, quem sabe, criasse um campo visual hipnótico que apenas atingisse objetivamente a pessoa certa. Bem, entre uma opção e outra, o fato era que o Doutor estava novamente fora de si e que ela precisaria fazer alguma coisa para trazê-lo de volta, antes que fosse tarde... E já era bastante tarde: O amigo revirou, inconscientemente, um dos bolsos internos do casaco, e tocou em uma chave prata amarrada em um cordão: a chave da TARDIS. Ah! Então era isso que aqueles Aliens maus queriam? Viram, sabe se lá como, uma chance de sair ganhando com a cabine azul e trataram de descobrir uma forma de arrombá-la. Não conseguiram nada e perceberam, tarde de mais, que seus prisioneiros haviam escapado, então trataram de ir atrás deles fazer um acordo estúpido: “Sua vida pelo segredo da cabine”. Era óbvio que o Doutor não aceitaria, então porque arriscar? Eles vieram preparados para tudo. Sabiam que os dois negariam de qualquer forma, então novamente apelaram para a hipnose. Mas eles não contavam com uma coisa: A desatenção de Luisa.

Luisa olhou para o lado. Á essa altura, o Doutor já tinha a chave da TARDIS no punho estendido na direção da Ordem dos Seis Sábios. A garota já começava a se questionar sobre esse nome ridículo... Por que se dar ao trabalho de se auto-nomear: “Sábios”? Para meia dúzia de gatos pingados, como de fato eram, dava um ar pretensioso demais para um bando de amadores convencidos, (isso porque nem hipnotizar direito eles pareciam ser capazes, e as tentativas incansáveis de matá-los, machucá-los, devorá-los ou persuadi-los, já começava a extinguir, parte á parte, sua paciência). Luisa franziu o cenho. Fingiu estar hipnotizada também e esperou que algum dos Hipnóts se aproximasse. O que tinha em mente não era exatamente um plano, mas se funcionasse, ela já estaria por demais contente.

Luisa sabia que um deles teria de se aproximar. Como? Bem... Digamos que ela dera um jeitinho: Com as mãos atrás do corpo, a garota segurou o Doutor no lugar, de modo que ele não conseguiu se mover e entregar a chave à Ordem alienígena. Desta forma, algum dos integrantes teria que ceder e se aproximar dos dois, para apanhar a chave. Quando chegasse perto o bastante, essa seria sua deixa.

Por algum estranho motivo, Luisa estava bem confiante de que tudo correria como planejado, e curiosamente era o que estava acontecendo! Talvez o universo estivesse dando uma mãozinha afinal...

   Esperou o momento certo. Sem pressa nem afobação. A ordem foi dada. O Doutor não se moveu. Os Hipnóts ficaram desapontados. Então os seis se entreolharam e o líder fez sinal para um de seus discípulos descer da nuvem de névoa e ir apanhar a chave. Luisa sorriu internamente quando percebeu que o ingênuo voluntário carregava consigo o objeto hipnótico que mantinha o Senhor do Tempo em transe; Esperou que estivesse perto o bastante, então a menina, que ainda a pouco fingia estar também em transe, reagiu inesperadamente e chutou a mão peluda do Hipnóts, fazendo o objeto hipnótico ser arremessado longe dali, na escuridão do solo terroso jurássico.

Com um dos cordões fora de posição, a escala hipnótica foi momentaneamente quebrada, fazendo o Doutor sair do transe, antes que tivesse lhes entregado a chave da TARDIS.

Vendo a rebelião da garota, os Hipnóts todos se ergueram ainda mais no ar e mergulharam na direção do solo, para tentar agarrar os dois. Luisa nem esperou o amigo se recuperar. Viu a oportunidade perfeita de escapulir por uma área de mata fechada logo adiante e não perdeu tempo em se dirigir para lá e alcançar seu objetivo. Tratou de apanhar a Tecnopédia, segurar a mão do Doutor com firmeza e arrastá-lo desembestado pela floresta, para o mais longe possível daqueles malucos obcecados por hipnose.

Está tudo girando... Ai! Mais o que é isso? –o rapaz gemeu, esfregando a testa após ter trombado com um galho. Era a vez dele de ser arrastado pela floresta.  –Luisa! O que aconteceu? Aonde estamos indo?

Agora não, Doutor!—ela cortou, tratando de se esquivar das palmeiras e folhagens enormes que dificultavam sua infiltração no lado mais fechado da floresta. Ela sabia que poderia estar correndo para “a boca do lobo”, em um ponto escuro, sem visão, e provavelmente com muitos predadores. Mas, naquele instante, nada poderia ser pior do que ser apanhado pelos cruéis Hipnóts.


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Notas finais do capítulo

Espero que todos estejam em clima fofinho hoje, porque teve bastante interação do Shipp Douisa kkkk

E aí? Gostaram? Sem dúvida ocorreram muitas coisas nesse período te tempo...

Alguma parte favorita? Quero ver nos comentários!

Beijooos!



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