Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 132
Ladrilhos amarelos no planeta dos sonhos


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Desculpem o atraso pra postar... Eu tive umas coisas pra fazer e ocorreram uns imprevistos também, mas já estou de volta!

E com vocês, o capítulo de hoje:



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/748924/chapter/132

O amável som de pássaros cantando foi reconhecido pelos seus ouvidos. Era estranho... Até pouco tempo ela ainda se sentia “fora de área”, como se sua existência tivesse sido apagada, mas então aquele som quebrou o silêncio contínuo, lhe devolvendo os sentidos e também a esperança.

Luisa Parkinson abriu os olhos. Tudo que viu, em um primeiro momento, fora um céu azulzinho bem acima, algumas poucas nuvens flutuando como algodão doce aqui e ali, e o esplendoroso Sol, reinando na imensidão do acolhedor firmamento.

—Onde... eu estou? –ela perguntou num sussurro. Não esperava ouvir resposta nenhuma...

De acordo com meus registros, você está num planeta longínquo, por muitos dado até mesmo como inexistente, ama Luisa.

Luisa imediatamente arregalou os olhos e se sentou sob o gramado florido.

K-9!?—exclamou, pasma, ao de fato se deparar com a forma do cão de lata ao seu lado. –Mas isso é impossível... Como me encontrou? Eu estava num castelo, numa terra mágica chamada Nárnia, que existia dentro do guarda-roupa da antiga sala de Defesa Contra as Artes das Trevas, em HOGWARTS!

K-9 passou uns segundos assimilando tudo aquilo.

Bem... E eu estava em um teatro com Sarah Jane, Sr. Smith, o mestre Luke, a pequena ama Sky e todos os seus amigos, quando subitamente fomos apanhados por um autentico Ciclone. —contou.

Luisa arqueou as sobrancelhas.

—Nossa! Parece que ambos temos histórias mirabolantes...

Afirmativo, ama Luisa.

—Podíamos até escrever um livro, juntando todos esses fatos... Eu toparia fazer uma parceria, e você K-9?

Creio que essa não seja a melhor hora para isso, ama Luisa. –ressaltou K-9, de modo a mexer suas orelhas de mini antenas-parabólicas.

—Oh, tem razão... Me desculpe –consertou Luisa, rapidamente. –Acho que ficar muito tempo em “suspensão” não faz bem pra cabeça de ninguém... –argumentou, esfregando a testa. Então, pela primeira vez olhou adiante, prestando atenção na fotografia do lugar, e boquiabriu-se. Teria caído sentada, se já não estivesse. –OH MEU DEUS! Isso é lindo! É... Lindo demais...

Ama Luisa, está tudo bem?

—Sim. Sim, está tudo ótimo –se pôs de pé, sorrindo. –Maravilhoso.

A ama parece estar relapsa... –observou K-9, erguendo uma haste com um scanner na ponta, que ficava um pouco abaixo da placa vermelha que eram seus olhos. –As pupilas estão dilatadas, os batimentos aceleraram... Tem certeza que está mesmo bem?

—Eu estou sim, K-9. Só fiquei meio... Surpresa.

Com o quê, especificamente?—quis saber. –Com o fato de estarmos em um dos 9 planetas mais misteriosos de todo este universo, ou com a vista em si?

Luisa o encarou.

—Existiria a opção “as duas coisas”? –foi tentar dar um passo, mas quase caiu. Checou os pés e percebeu que estava usando sapatinhos vermelhos, de rubi. Boquiabriu-se novamente. –Mas isso é... Isso é... É...

Isto é um sapato de rubi legítimo, e serve especificamente para se calçar, da mesma forma que se veste uma armadura para se proteger.—explicou K-9, sem alterar a intensidade do tom de voz robótico. Luisa encarou os sapatos. O sutil ventinho nas pernas ajudou-a a perceber também que estas estavam expostas. A partir deste empurrãozinho, foi subindo com o olhar e se descobriu vestindo um adorável vestidinho azul, com mangas bufantes brancas. Felizmente, encontrou a Bolsa Que Tudo Tem junto do corpo, porém, as surpresas ainda não haviam acabado: Tocou nos cabelos, e notou-os presos em maria-chiquinha. Subitamente, em meio à sua confusão, ouviu um som de água corrente e caminhou até o riozinho mais próximo, na expectativa de se ver refletida no espelho d’água.

Quando viu seu reflexo, acabou gritando. Estava vestida igual à Dorothy, de “O Mágico de Oz”. Não que isso fosse uma coisa ruim... Não, sem dúvida não era. O problema foi o choque cultural mesmo, que a pegou de surpresa.

—OH MEUS DEUS! MEU DEUS! MEUS DEUS!!! –ela dizia, inquieta, andando de um lado para o outro sem parar. –De alguma forma eu fui “apagada” da realidade, “reiniciada” e ambientada em uma espécie de planeta esquisito, onde as coisas funcionam como em O Mágico de Oz! –exclamou, perplexa. –Okay... Eu sei que era minha história favorita quando criança, mas isso já tá ficando ridículo! EU NÃO POSSO SER A DOROTHY! –tocou o próprio corpo. –Eu sou... A Luisa. A mesma Luisa de sempre. Ainda tenho minhas lembranças intactas, e minha personalidade continua sendo a mesma... Então, por que diabos estou vestida como a Dorothy??? –indagou. Então olhou para K-9 e a coisa ficou mais bizarra ainda. –Oh! Já entendi o que você está fazendo aqui... Dorothy tem um cãozinho, chamado Totó. Se aqui eu sou a Dorothy, então você deve estar fazendo papel do meu Totó, estou certa?

Meus registros indicam que esta informação é desconhecida ama Luisa, sinto muito—acrescentou K-9.

Luisa agrupou parte da boca, de um lado só do rosto.

—Isso não foi de muita ajuda, tão pouco tranqüilizador -então arregalou os olhos, subitamente. Avistou a TARDIS caída à alguns metros dali, por entre uma plantação de milho. Era ela! Tinha que ser! As cores eram as mesmas... E Luisa a reconheceria em qualquer lugar, mesmo que estivesse disfarçada.

—Olhe! É a TARDIS bem ali! –sorriu largo. –Estamos salvos! Venha K-9! Vamos correr até ela!

Afirmativo.

E correram, mas quanto mais se aproximavam, mais o milharal parecia distante... Até que Luisa se cansou e resolveu parar para poupar fôlego.

—Não adianta... É inútil continuar...

Negativo ama Luisa. Olhe de novo—instruiu K-9. Luisa o fez, e desta vez percebeu que a silhueta da TARDIS estava mais próxima do que jamais esteve. Com a única diferença de estar mais escurecida agora.

—Oh! Isso é perfeito! Vamos continuar então! –ela novamente se animou, ao que tornou a tentar se aproximar, agora com a esperança restaurada. Entretanto, logo se decepcionou, pois com a verdadeira aproximação, percebeu que a TARDIS não era uma TARDIS real, e sim apenas um monte de pedregulhos altos e disformes, que à distância, pareciam se unir e assumir a forma da nave do Doutor.

—Não creio... Isso foi maldade –analisou Luisa, observando o lugar que mais parecia um paraíso. -Está brincando com nossas mentes... Parece ser belo e acolhedor, mas na verdade não passa de um pesadelo... Um pesadelo sob encomenda. Um pesadelo fantasiado de sonho, como o Lobo Mau vestido de vovózinha, para caçar a Chapeuzinho Vermelho... Isso aqui não passa de uma armadilha psicológica! Por isso mesmo tem minha história favorita como tema principal... Tudo isso faz parte do “show”. É uma autentica “armadilha de mel”... Uma casa de doces no meio da floresta... Mas quer saber? João e Maria nos ensinaram a não confiar em estranhos –murmurou para si mesma. Então sentiu um arrepio desconfortável na nuca, e concluiu, engolindo em seco: -Para uma armadilha de mel funcionar, é preciso mel... –fez uma pausa sugestiva, observando tudo ao redor. –Neste caso, o “mel” seria algo que me motive a continuar a me arriscar, e assim, cair de vez na armadilha. De fato, será isso que o “controlador” desse mundo de mentiras estará prestes a fazer. É assim que a banda toca, é assim que o jogo funciona... –olhou para um ponto vago, como se encarasse o rosto de alguém invisível. -Como sei de tudo isso? –sorriu torto. –Eu estive com um homem... E ele me ensinou a desconfiar de tudo e de todos, sempre e sem parar. Por isso, se alguém me dá de graça uma realidade tão perfeita e magnífica, eu só posso mesmo ficar com o pé atrás –concluiu. –Não se surpreenda... Ele me treinou bem o bastante, até mesmo para eu saber que tem alguém me ouvindo nesse exato instante... E que se for esperto, e apreciar de verdade a vida que tem... Você fará a escolha certa e me deixará ir embora –alertou. Não houve resposta. Não houve retorno algum. Quando a distância entre seu discurso e o silêncio que veio a seguir se tornou incômoda, Luisa mudou de abordagem: -Tá legal... Por enquanto vamos jogar o seu jogo. Se eu sou a Dorothy, K-9 é o Totó, e estamos dentro de um extenso milharal... Então... Tudo indica que estarei perto de encontrar...

—SCRRO! –uma voz embolada alcançou seus ouvidos.

Luisa imediatamente apurou os ouvidos.

—Rápido, –voltou-se para K-9. -tem alguém em perigo!

Meu Scanner não registra forma de vida—anunciou K-9.

—Ué –aquilo deixou Luisa encabulada. –Mas... se tem alguém gritando...

—SCRRO!

—Oh! É claro! -Luisa olhou para K-9 por mais um momento, então saiu correndo por entre o milharal. Percorreu uma longa extensão, se perdendo à principio, pois não havia nenhum caminho aberto entre as plantas, portanto, a voz poderia vir de qualquer direção...

Foi então que subitamente ouviu um som de madeira rachando. Não houve tempo hábil para pensar. Quando deu por si, deparou-se com um tronco de árvore despencando em sua direção, e teve que saltar para fora do caminho às pressas, se não quisesse ser atingida em cheio.

Ela se atirou contra o chão, caindo de bruços, e lá ficou paralisada de medo, mesmo depois de ouvir o tronco da árvore atingir o solo.

Então, um inesperado barulho de passos por entre o milharal quebrou o silêncio.

—Ei! Você! –uma voz masculina a chamou. Ainda trêmula, a garota ergueu a cabeça. Lá estava um homem negro, de cabelo curto, roupas prateadas, machado em mãos e cara fechada. Parecia bastante aborrecido... -O que pensa que está fazendo? Onde já se viu, ficar no meio do caminho da árvore... Está tentando morrer, garota?

—Não –Luisa respondeu, erguendo-se. –Eu... Estava procurando uma pessoa. Então a árvore tombou em cima de mim.

—Eu avisei que a estava derrubando –emendou ele, rapidamente. –Meu chefe me incubiu de pendurar uma placa explicativa para alertar os passantes.

Luisa olhou ao redor, enquanto se levantava e limpava o vestido.

—Bem... Parece que não passa ninguém por aqui. Estamos em uma plantação de milho. Espero que tenha avisado, acima de tudo, o dono da plantação, de que ia derrubar árvores bem em cima desta. –disse com ar de riso. O homem continuava com cara de poucos amigos. –Qual é seu nome? –tentou puxar assunto.

—Mickey Smith.

—Luisa Parkinson. –ela se apresentou, olhando para o céu ao ver um corvo passar. -Escuta, você não ouviu alguém gritar? Sabe me dizer de qual direção veio a voz?

—Hum... –Mickey esfregou o queixo. –Daquela direção. –apontou.

Luisa o observou, enquanto recuperava o fôlego.

—Você também ouviu, não ouviu?

—Ouvi –ele disse, com a cara fechada. –Começou com isso faz quase meia hora.

Ela arregalou os olhos, se indignando.

—Então por que diabos não foi ajudar?

—Por que deveria? –retorquiu o outro.

Ela ficou chocada.

—Você está se ouvindo? Acabou de negar ajuda à uma pessoa provavelmente em apuros... –gritou, se adiantando na direção dele. -Qual é o seu problema? Será que não tem coração?

Mickey a encarou por um instante, como se aquilo lhe tivesse gerado alguma espécie de impacto.

—Exato. –respondeu, sem demonstrar sentimentos. –Acertou na mosca. –lhe deu as costas e voltou a cortar lenha.

—Espera aí... Como assim? –ela o alcançou. 

—Como assim o que, menina?

—Apenas, “como assim” –repetiu ela, perplexa. Ele não lhe deu retorno algum, então ela completou: –Por que você concordou quando eu perguntei se não tinha coração?

—Porque eu não tenho –disse, cínico. –Não tenho coração.

—Isso é uma metáfora, né? “Não ter coração” significa que você é isento de sentimentalismo... certo?

Que garotinha inteligente—ironizou. Luisa não gostou do modo como se referia a ela, com tanto sarcasmo. –Inteligente demais pro meu gosto. -Luisa sentiu as pernas tremerem um pouquinho, quando ele ergueu o machado para apoiá-lo no ombro.

—SCRRO!!! –o grito voltou a ressonar, trazendo Luisa de volta às prioridades.

—Oh meu Deus... O que estou fazendo aqui perdendo tempo conversando?

Mickey deu de ombros.

—Eu lá vou saber? A vida é sua.

Luisa o encarou com um brilho irado no olhar.

Obrigada por nada, “Homem de Lata” –e passou direto, aborrecida, fazendo questão de esbarrar seu ombro no dele, ao passar.

—Ei! –Mickey reclamou, mas Luisa não pediu desculpas. Sumiu no meio do milharal, continuando sua missão de resgate.

Contudo, pouco depois, estava novamente perdida. Soltou um grito indignado.

—MAIS QUE INFERNOOOOO!! –puxou as marias-chiquinhas de leve, estufando as bochechas. Avistou uma pedra e sentou-se sobre ela, apoiando o rosto no punho fechado, aborrecida. 

Não deu nem meio minuto, escutou um som de galho se partindo, como se alguém caminhasse sorrateiramente por entre a plantação, e pisasse em alguma coisa barulhenta. Luisa se pôs de pé, alerta, o coração disparado.

—Mickey Smith é você? –perguntou. –N-não tem graça nenhuma assustar as pessoas!

Então subitamente alguma coisa saltou sobre ela... Rugindo. Era o rugido autentico de um Leão, mas quem o projetava definitivamente não era o rei da selva.

—ARRRRRRRR! –Fez um homem alto e raivoso, com um casaco de pele extremamente volumoso, que lembrava pelo de leão. Luisa caiu para trás, assustada. Então sua cabeça começou a funcionar rápido, fazendo conexões, e ela acabou confusa, intrigada. Aquele rosto era conhecido. Não era o mesmo homem que se juntara a eles para combater os Slitheens em sua formatura, e também ajudar a salvar Luke Smith dos Bane no Egito?

—Jack... Harkness? –Luisa arfou, perplexa.

Ele a encarou, cheio de fúria.

—Como você sabe meu nome? DIGA!

—Eu conheço você.

—Impossível. Nunca nos vimos antes...

—Claro que nos vimos! Você apareceu com Martha Jones na minha formatura para ajudar o Doutor com os Slitheens, depois fomos resgatar Luke, o filho da Sarah Jane, das garras dos Bane no Egito...

—Isso não faz sentido nenhum. Eu nunca estive fora dos limites de Oz!

—Esteve! Esteve sim! Jack, eu juro pra você que nós nos conhecemos! –fitou-o com persistência, então baixou os ombros. –Você não me reconhece mesmo não é?

Ele inflava o peito ao respirar. Olhou feio para ela.

—Eu não te conheço –determinou. –Não conheço nenhuma Martha Jones... Nenhum Doutor também.

—Jack... Está tudo bem. –ela ergueu uma mão para pedir que se acalmasse. –Você está com as lembranças confusas. É esse lugar... Tem alguma coisa aqui bagunçando nossos pensamentos, adaptando-os para esta realidade –falou, causando impacto. Os olhos aflitos, observando o espaço ao redor. -Deve haver algum motivo para nós dois termos sido reunidos aqui neste planeta... Mas não se preocupe. Se juntarmos nossas forças, eu tenho certeza que conseguiremos contornar essa situação numa boa...

—NÃO! –Jack, muito valente, se adiantou na direção dela, em posição de ataque. Foi tudo muito rápido. Luisa tentou fugir, mas não houve tempo... Jack a segurou firme e apertou seus braços com força. Luisa gritou. Como reflexo, ela o chutou forte na perna. Jack a soltou, gemendo, enquanto a garota correu para longe, ofegante.

—JACK HARKNESS EU NÃO GOSTEI DISSO –berrou, indignada. –NUNCA MAIS TENTE ME MACHUCAR, ENTENDEU? NUNCA MAIS!!

Então parou, espantada. Aquele que antes a atacara, agora choramingava encolhido feito um animal ferido. Luisa ficou sem reação por um instante.

—Jack? Está mesmo chorando por causa do chute que te dei? –perguntou, realmente intrigada. –Ah, pára! Eu nem fiz com força...

—Você fez sim! Me machucou, olha só! –choramingo, igual a uma criança que acabara de levar um tombo bobo e fazia o maior drama por causa disso. –Tá doendo... Sua bruxa malvada!

—EU? MALVADA?? –boquiabriu-se ela. –QUE ULTRAJE! NÃO FUI EU QUE TENTEI ATACAR NINGUÉM!

Ah, agora ela acusa—ele disse, revoltado. –Todos têm a mesma carinha inocente... Até alguma coisa besta acontecer, então tudo muda: Olhem-na de novo agora! A face do mal se revela...

—JACK HARKNESS, EU NÃO ACREDITO QUE ESTOU OUVINDO UMA COISA DESSAS VINDA DE VOCÊ! –Gritou, irada, então avançou em sua direção. Jack se encolheu todo. –ANDA JACK! ME ENFRENTE! NÃO É ISSO QUE VOCÊ QUER? TENTOU ME TIRAR DO SÉRIO E CONSEGUIU COM ÊXITO. ENTÃO ANDE LOGO COM ISSO, DROGA! ME ENFRENTE!—exigiu. Jack abraçou as próprias pernas, afundando a cabeça por detrás destas. Tremia muito a cada palavra enérgica que a garota proferia. Luisa o encarou severamente. –Onde está sua coragem agora?—perguntou. -Olha só pra você... Tentou bancar o valente comigo, mas você não passa de um covarde. Tentou me botar medo, mas eu não estou assustada Jack. EU. NÃO. TENHO. MEDO. DE. VOCÊ! –disse, então tremeu ao som das próprias palavras. Mais uma revelação lhe ocorria:

—Não pode ser... –ela recuou, assombrada. -Você é o “Leão Covarde”!

—Ei, também não precisa ofender –disse Jack.

—Não, Jack. Não foi o que eu quis dizer. –Luisa se agachou, sentando-se de frente para ele. –Hã... Como é que eu vou explicar? É que estamos presos dentro da história do Mágico de Oz, e nesta versão, você faz o papel do Leão Covarde. –ela ergueu as sobrancelhas por um momento. –Engraçado... Você sempre foi corajoso e destemido, e agora tornou-se completamente o oposto. Aposto como o tal Mickey Smith também não é tão frio quanto parece... É esse lugar! Definitivamente! Está mexendo com nossas personalidades, nos confundindo, nos testando... –parou por um segundo, incomodada. Jack percebeu.

—O que foi?

—Nada. Só me dei conta de uma coisa estranha.

—Bom, acho que não fará mal nenhum dizer em voz alta o que está pensando –sugeriu ele, então se encolheu de novo, amedrontado. –B-b-bom, só se quiser dividir isso comigo. N-ninguém está te forçando a nada!

—Eu sei disso –ela constatou, mais arrogante do que pretendia. Tapou os lábios. –Viu? Era DISSO que eu tava falando! Eu sou muito mais brava e desconfiada aqui, do que seria lá fora, na vida real. Por algum motivo minhas lembranças foram mantidas intactas, enquanto a de vocês sofreram modificações. Bom... a do K-9 não sofreu, mas deve ser porque ele é um robô, e tecnicamente não tem uma “personalidade” como a dos seres humanos. –arregalou os olhos, largando o corpo contra a mesma pedra onde Jack se apoiava. -Enfim... Estamos todos lascados.

—“Arrogante, brava, desconfiada”... Talvez deva acrescentar “pessimista” à sua listinha. –sugeriu ele, então inesperadamente:

—SCRRO! –o mesmo grito de antes se repetiu.

 Luisa escutou e se levantou de súbito.

—Oh, é, pode ser –disse sem pensar, já se afastando de Jack com pressa.

—Ei! Espere! Aonde você vai? –perguntou ele, se pondo de pé.

Luisa não respondeu. Já perdera muitas vezes o rastro da pessoa que gritava, e não pretendia deixar acontecer novamente.

—SCRRO! –foi graças a nova seqüência de gritos, que ela pôde se orientar. Finalmente, após andar um pouco mais, ela avistou, há poucos metros dali, a silhueta de um homem preso em alguma estrutura circular de madeira, então arfou:

—Olá... Espantalho—e ainda acrescentou para si mesma, lembrando-se de K-9 e seu scanner lá no começo: -Espantalhos... São feitos de palha. Tecnicamente, não tem elementos orgânicos, físicos ou químicos que o tornem detectável à um scanner: Como eu havia imaginado.

Avançou mais um pouquinho, até chegar num círculo aberto, bem no centro da plantação, que quebrava o padrão, como um buraco no meio do queijo. Contudo, a imagem que viu agora, ao se aproximar consideravelmente, foi bastante traumatizante... Pois ele não estava apenas suspenso na estrutura de madeira... Nem a tal estrutura era uma simples tábua qualquer... Aquele era um aparelho de esticar membros –uma máquina de tortura clássica e bastante rústica, mas que ainda sim poderia causar estragos. 

Luisa levou as mãos ao rosto, horrorizada, enquanto o homem gemia, esticado, preso e suspenso verticalmente à mesa. 

Num feixe de luz, K-9 se materializou ao lado da menina (resolvera cortar caminho, ao invés de se aventurar por entre a plantação de milho). Aquilo chamou a atenção dela:

—Você consegue se tele-transportar? Por que não disse antes? Podíamos ter saído deste lugar há séculos... Ao invés de continuarmos tendo que seguir em frente e nos depararmos com coisas horríveis como esta cena!

Negativo ama Luisa. Meu Tele-transporte só funciona dentro das proximidades. Eu testei enquanto você esteve longe. Não consigo me enviar de volta para o planeta Terra, por exemplo. Esta função está temporariamente bloqueada.

—Arrrrr! ÓTIMO! –resmungou a menina, correndo na direção do “homem espantalho”. –Calma! Eu vim ajudar... Você vai ficar... OH! –Luisa arregalou os olhos. As roupas maltrapilhas e rasgadas, o rosto sujo e relativamente coberto por uma mordaça de pano, (sobretudo na boca), não lhe permitira ver anteriormente... A voz embolada também servira para despistar... Mas agora tudo estava muito claro: Aquele era, sem dúvida, O DOUTOR.

—Dout... –ela cobriu a boca com a mão, extasiada. Perplexa. Chocada. –Oh meu Deus... Eu pensei que nunca mais o veria de novo... –arfou, sorrindo, ao mesmo tempo que queria chorar. -O que fizeram com você? –tocou seu rosto. Ele se debateu.

—SCRRO!!!

—O que? –ela franziu a testa. Então teve idéia de tirar a mordaça de pano de sua boca. –Prontinho. Agora sim conseguirei ouvi-lo. Será que pode repetir o que estava tentando dizer antes?

SOCORROOOOO!!!—o grito foi tão alto e desesperado que Luisa quase caiu para trás de susto.

—Okay! Okay! Eu já entendi! Era um grito de socorro –arfou, levando a mão à uma das orelhas para destapar o ouvido.  –Bom, parece que K-9 e eu chegamos em boa hora... Fique calmo, tá bem? Nós vamos tirar você daí...

—Ah, graças a Deus! –ele suspirou, aliviado. –Eu já estava achando que morreria aqui...

—Doutor... Eu... Nem sei o que dizer... Estou tão feliz em ver você! –sorriu ela, então franziu a testa. -Por que foi que te prenderam aí, hein? –ela perguntou, vasculhando a tábua onde ele estava preso, em busca de alguma alavanca que pudesse soltá-lo.

—Eu não sei. Não me lembro de nada. –franziu a testa. –Não... Pensando bem, na verdade eu me lembro de algo... Uma luz dourada, e então medo... muito medo, e de repente não havia nada.

—Sério? Eu também fui pega por uma luz dourada –comentou Luisa, mais preocupada em libertá-lo dali do que em se ater aos detalhes. –Ah! Está ali a corda que te mantem preso... Espera só um minutinho que eu vou te soltar... Só preciso arranjar algo que corte...

—LUISA, ESPERE! –Jack Harkness apareceu, seguido por Mickey Smith.

—O que quê houve?

—Não faça isso... Se você libertá-lo, vai ocasionar a queda daquela lâmina ali, bem em cima da jaula coberta –indicou Jack, ofegante. –Você por acaso chegou a ver se não tem ninguém ali? Seria terrível ser massacrado sem querer por uma “guilhotina”.

Profundamente intrigada com o que Jack disse, ela tomou distância, e desta vez observou melhor os componentes que compunham a paisagem: de fato havia mais coisas ali do que ela reparara inicialmente. Além da esticadeira, onde o Espantalho estava amarrado, também havia uma jaula coberta por um pano, do lado oposto, e acima desta, uma lâmina cuidadosamente posicionada para entrar pelo topo da jaula e escorregar para dentro. Luisa acompanhou o cabo que a mantinha erguida no lugar e constatou, horrorizada, que a corda que a suspendia era a mesma que inicialmente estava amarrada ao Espantalho. Deste modo, o Leão, ou melhor, Jack estava certo. Se ela desamarrasse o amigo, provavelmente causaria a queda da lâmina afiada do lado oposto... E, afinal de contas, porque haveria uma jaula se não tivesse criatura alguma aprisionada lá dentro? Era óbvio que aquilo tudo era uma emboscada. Algo estipulado minuciosamente para deixá-la indecisa, ou no mínimo irritada.

—Vamos ver o que tem ali –determinou. Os dois a seguiram. Se aproximaram da tenda e a ergueram de uma só vez. Luisa arregalou os olhos, levando as mãos aos lábios e prendendo a respiração. Se de um lado ela tinha o melhor amigo, do outro tinha a melhor amiga.

Sim, era Melissa que estava dentro da jaula, mas com uma desvantagem: estava dormindo. Luisa ficou paralisada de medo... Quase, por muito pouco, não soltou o Espantalho e condenou a vida da amiga. Aterrorizada com essa possibilidade, ela deu passos vacilantes para trás, até esbarrar em Mickey.

—Ei! Olha por onde anda!

—Desculpa! Desculpa! É que eu... Me surpreendi.

—Você a conhece? –perguntou Jack.

—O nome dela é Melissa Rivera. Ela é minha melhor amiga.

—Caramba! Essa foi por pouco mesmo... –arfou. –Ainda bem que você me ouviu.

—Sim, esse é um hábito que eu costumo ter –comentou, ainda se recuperando do choque. –Okay... Como isso funciona? Eu tenho que escolher quem quero salvar? Mas eu não posso! Simplesmente não consigo... Eles colocaram meus dois melhores amigos pra “equilibrar os lados da balança”... ISSO É GOLPE BAIXO!

—E mesmo que não fossem seus amigos, é completamente desumano –Jack tremeu na base.

—Sim. Acho que é. –Mickey cruzou os braços. Não parecia afetado, mas não era culpa dele... Sua posição como Homem-de-Lata não permitia sentimentalismo.

—E agora? O que acham que devemos fazer? –perguntou Luisa, dividida. O coração aflito com a escolha.

—E você ainda pergunta? NÓS VAMOS EMBORA –disse Mickey, já a arrastando junto.

—É O QUE? –Luisa freou os pés, incrédula. –MAIS NEM PENSAR! Não podemos deixá-los aqui! Eles vão morrer!

—Um deles vai morrer de qualquer jeito se tentarmos libertá-los... Pense por outro ângulo: se formos embora e fingirmos não ter visto nada, ambos continuarão vivos.

—Sim! VIVOS E SOFRENDO! –rebateu ela, indignada.

—Mas pelo menos estarão vivos—insistiu Mickey. –Pense bem... Nessas circunstancias, melhor viver nem que for com dificuldade, do que ter a vida tirada de você.

Luisa o encarou firme. Os olhos querendo lacrimejar...

—Eu. Não. Vou. Deixá-los. Ouviu bem? –bateu o pé. –NÃO VOU DEIXÁ-LOS!

Mickey revirou os olhos.

—MAIS QUE DROGA! Por que tem que ser tão teimosa?

—Hã... Gente? –chamou Jack. Os outros dois olharam pra ele. –Talvez não tenham reparado, mas tem um relógio agora... bem ali –e apontou para um altar, que aparecera do nada entre a jaula de Melissa e a esticadeira do Doutor-Espantalho. Havia um mostrador na parte frontal da peça de mármore, (com números que corriam em disparada) e, bem no topo, um botão envolto por uma redoma de vidro. Um botão esmeralda, que aparentemente controlava a esticadeira, ou a guilhotina. Agora, só poderiam ter certeza de qual dos dois se apertassem o botão, e se apertassem o botão um dos dois amigos com certeza morreria; E se não apertassem, a função do relógio era avisá-los de que o tempo estava correndo... Provavelmente, o comando se ativaria sozinho quando a numeração chegasse em zero, e todo mundo morreria de uma forma ou de outra.

Apesar de estar exasperada, Luisa ainda conseguiu arranjar capacidade de olhar feio para Mickey. 

E você queria abandoná-los aqui—disse, decepcionada. –Que droga de equipe nós somos? Poderiam ter facilitado um pouquinho as coisas pra “Dorothy aqui”, ao terem escolhido um Homem de Lata mais competente! –resmungou ela.

—O QUE? –Mickey já ia se por a bater boca com ela. Luisa amarou a cara e pôs as mãos nos quadris. Ao fundo, Jack se encolheu todo, assustado. O tempo estava passando...

—So... corro... –o Doutor murmurou, fechando os olhos. Luisa escutou e saiu correndo para ampará-lo. Mas era tarde demais... Ele não voltava. Estava suado demais, exausto demais, e seus membros recomeçavam a ser esticados em intervalos cada vez menores... Estava sendo demais pra ele. Seria demais para qualquer um, mas se aquilo chegou ao ponto de realmente abater um Senhor do Tempo, então a situação estava bem feia mesmo.

Doutor! Por favor, agüente! Doutor!—suplicava Luisa. As lágrimas se formando nos olhos. Então um som de lâmina escorregando fez o coração de Luisa quase parar, para depois acelerar a valer. Olhou na outra direção, com receio do que iria encontrar: Melissa continuava dormindo. Não havia sangue espalhado nem nada. Aquele som fora da lâmina escorregando alguns centímetros para baixo. Ainda se encontrava bem distante do corpo da garota, mas mesmo assim, não se podia confiar naquela coisa... Se a corda arrebentasse a qualquer segundo, causaria um estrago irreparável. Luisa deixou o Doutor e correu para a jaula da amiga, com o coração na mão. Segurou nas grades e gritou: -Melissa, por favor, acorde! MELISSA! –a amiga não reagia, mas era possível ver que continuava dormindo, inalcançável. –MÉLI, NÃO SE PREOCUPE! EU VOU TIRÁ-LA DAÍ TAMBÉM! –chorou, baixando a cabeça.

Jack secou os olhos com sua calda...

—Minha...? AAAAAAAAAH!

Luisa e Mickey pularam no mesmo lugar.

—O QUE DEU EM VOCÊ? –reclamou Mickey, irritado, ao seu lado. –NÃO PODE ASSUSTAR AS PESSOAS ASSIM!

—OLHEM PRA ISSO! OLHEM PRA ISSO! EU. TENHO. UMA. CALDA!!! –gemeu, assustado.

—O que? E me assustou por causa disso? Grande coisa! –Mickey fez ar de pouco caso. Luisa passou direto por ele, aproximando-se de Jack.

—Isso não faz sentido... –falou incrédula, mexendo na calda. –Ela... é de verdade!

—Sim. A cada segundo que ficamos aqui, vamos nos tornando cada vez mais parte desse lugar; Cada vez menos humanos... –falou Jack, receoso.

—Bobagem! –Mickey revirou os olhos. Foi tentar se afastar dos dois, mas sua perna ficou dura de repente e ele não conseguia movê-la. –Epa! QUE ISSO?

—O que aconteceu com sua perna? –Luisa se voltou para ele.

Nada. Esqueça. –respondeu rudemente. Porém, a menina se agachou e bateu os nós dos dedos na perna de Mickey. Esta fez repercutir um som de metal oco. Até ele se espantou. –QUE DIABOS FOI ISSO?

—Você está enferrujando... E virando mesmo um Homem de Lata. –Luisa mordeu o lábio, preocupada.

—AH! Olhe só pra você! –ambos apontaram para Luisa desta vez.

—O que está acontecendo comigo?

—Você está oscilando... Querendo desaparecer talvez?

—Mas... Por quê? –Luisa observou a própria mão que ficava levemente transparente então voltava ao normal, diversas vezes. –O que isso teria a ver com eu me tornar mesmo a Dorothy?

—Não sei –admitiu Jack. –Mas acho que se você continuar por muito tempo aqui, vai deixar de ser visível.

—Ou então... Morrer—disse Mickey. Jack lhe deu um cutucão. –Ei! Você sabe que é verdade... Ela está usando os sapatinhos de rubi. Dizem que eles protegem quem os estiver calçando. Mas... E se isso não bastar para salvá-la das maldades desse lugar? E se... Alguma coisa estiver tentando consumi-la e não está obtendo sucesso por causa dos sapatos protetores? A única forma de remover os sapatos, é se ela morrer...

—Mas talvez o “planeta” tenha encontrado uma variante alternativa... Que consiga driblar parte dos efeitos de proteção, de modo a atingi-la de uma forma mais “leve” e superficial do que a morte, por assim dizer, porém, igualmente irreversível. Pois ficar invisível para sempre e ser esquecida por todos, também não me parece ser nada bom –disse Jack, triste.

Luisa levou as mãos ao rosto, chorando desconsoladamente. Jack a abraçou. Em seguida fez um sinal de cabeça para Mickey se juntar a eles e dar apoio. Este revirou os olhos, impaciente, mas cedeu, abraçando-a também, mesmo sem sentir que devia.

—Calma garota... Vai ficar tudo bem... –disse Jack, bondosamente. Aquilo foi como um chacoalhão para ela. De repente Luisa lembrou de um monte de coisas, dentre elas, várias situações em que o Doutor lhe dissera essas mesmas palavras. Aquele “vai ficar tudo bem” era como uma promessa. E sempre que aquelas palavras eram proferidas, a promessa ganhava força de novo e de novo, infinitamente. Por isso jamais deviam ser ditas em vão... Elas tinham poder. O poder de fazer a diferença na vida das pessoas, e Luisa reconhecia isso. Tanto, que quando o abraço se desfez, ela já parecia outra: parara de chorar, assim como também oscilar. Talvez aquela história toda de “ficar invisível” tivesse uma ligação direta com seu psicológico: se ela não se desesperasse, não voltaria a acontecer. Ela não tinha certeza, mas preferiu acreditar nessa possibilidade; Também se encontrava mais determinada do que nunca agora, a salvar os DOIS amigos. E NINGUÉM iria impedi-la! Nem Mickey Smith, nem a estranha presença que habitava aquele planeta chamado Oz, muito menos a Bruxa Má do Oeste! (se é que ela existia nessa realidade).

—Jack, Mickey, venham comigo... Eu acho que sei como libertar meus dois amigos. Mas preciso de vocês para conseguir executar essa façanha... Será que podem me ajudar?

—Conta com a gente! –Jack mostrou o polegar para ela, sorridente. Então deu um cutucão em Mickey.

—Arrr Tá... –bufou.

—Obrigada meninos! –ela se animou. Então Jack levantou outro dedinho. –Hã... sim?

—Contanto que isso não envolva se arriscar demais... Você entende né? A minha coragem me abandonou –Jack deu de ombros.

Luisa respirou fundo. Aquilo ia ser complicado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.