Quando Sai acordou, percebeu que se encontrava sozinho na cama. Levantou-se devagar, ainda grogue. Não fora a melhor de suas noites. Ao contrário de Sasuke, que parecia ter dormido a noite toda como um bebê, toda vez que ele fechava os olhos, sentia náuseas. Assim que a vontade de vomitar finalmente havia cessado e ele achou que seria capaz de dormir, o moreno ao seu lado se mexeu, se aconchegando o mais próximo possível de si mas sem tocá-lo. Dessa forma, nervoso, conseguiu cochilar, mas seu sono foi bastante turbulento.

Nunca havia chegado àquele ponto com alguém e as poucas pessoas com quem se envolveu não eram como seu companheiro atual. Sasuke era uma caixinha de surpresas e nem todas elas eram necessariamente positivas, então ele se sentia um pouco acuado com tudo o que acontecia. E acontecia mais rápido do que ele podia acompanhar.

Antes de seguir para a cozinha, ele foi ao banheiro para que pudesse escovar os dentes (com uma escova que o dono da casa havia lhe cedido na noite anterior) e lavar o rosto, numa tentativa inútil de esconder as bolas escuras que estavam abaixo de seus olhos. Fez o melhor que pode com água e sabão e em seguida partiu para encontrar os outros. De longe, ele podia ouvir a gargalhada estrondosa de Naruto e uma outra risadinha feminina que não soube identificar até o momento em que as pessoas entraram em seu campo de visão: era TenTen.

“Bom dia!” Antes não tivesse falado nada. Tanto TenTen quanto Naruto olharam para ele como se fosse uma assombração. Depois, como que sincronizados, ambos olharam para Sasuke, que corou levemente, enquanto abaixava a cabeça para continuar preparando a sopa que estava fazendo.

“Bom dia?” A morena foi a primeira a sair do estado de choque. Tão rápido quanto tinha entrado nele, ela abriu um pequeno sorriso malicioso. “Onde você dormiu?”

“TenTen, para de tentar nos constranger. Você sabe muito bem onde ele dormiu.” Assumindo o controle da situação, Sasuke terminou de colocar a mesa. Sai se aproximou para ver o que havia, pois seu estômago reclamava de dor, pedindo por comida. Havia de tudo um pouco e ele se sentiu grato por não precisar ter que preparar nada. Sentou-se ao lado da morena de orbes chocolates, ficando de frente para os outros dois.

“Então, vocês fizeram…” Seus olhos se arregalaram com o comentário de Naruto, que estampava a mesma face maliciosa da kunoichi.

“Naruto, o que você está pensando exatamente?” Comentou, aparentando chateação, com um pingo de vergonha em sua voz.

“Calma, calma, eu só ia perguntar se vocês tinham dormido de conchinha. Mas você e sua mente também… não me diga que você estava pensando em…”

“Chega. O que eu e o Sai fazemos sinceramente não é da conta de vocês. Cuidem das suas próprias vida. E comam antes que esfrie.” Sasuke não precisou de muitas palavras para calá-los.

Podia dizer que a noite havia sido proveitosa. Havia realmente muito tempo desde que dividia sua cama com outra pessoa e o Itachi praticamente não contava, pois era seu irmão. Conseguiu dormir mais tranquilo sabendo que havia alguém como Sai ao seu lado. Como ele havia saído do homem que era odiado por todos para aquilo? Muitas reviravoltas em uma quantidade pequena de tempo. E elas estavam longe de acabar.

Alguém bateu na porta e como dono da casa, Sasuke se levantou para atender enquanto os outros ficaram conversando sobre a noite anterior na cozinha. Não se surpreendeu ao ver Gai do outro lado, era comum que ele visitasse os alunos, mas de qualquer forma não estava esperando-o.

“Bom dia, Sasuke-kun. Como está?” Mais abraços, mas não se importou, já fazia parte da sua rotina. 

“Estou bem. Quer entrar? TenTen, Sai e Naruto estão tomando café da manhã.”

“Eu gostaria, mas temo que não seja a melhor hora. O Sexto Hokage pediu para que eu viesse pessoalmente para levá-lo até a torre. Tem algo a discutir com você.” Não imaginava porque Kakashi teria algo a falar com ele. Desde a missão, tudo o que tinha feito tinha sido ficar em casa e sair com o pessoal na noite anterior. Com certeza, aquele era um dia atípico. 

“Claro, eu já volto.” Sasuke precisava ir a cozinha pelo menos para comunicar aos seus visitantes que precisava sair. Já estava com roupa apropriada para sair, então pelo menos era um tempo a menos que seu sensei ficaria esperando. Ao chegar na cozinha, o grupo parou de rir para encará-lo.

“Então, quem é essa hora da manhã?” A morena quis saber, curiosa.

“Gai-sensei, para que o Hokage gostaria de me ver agora. Eu preciso sair e não sei que horas voltarei. Terminem de comer e fechem tudo assim que saírem.” Os três acenaram em concordância. Sasuke se aproximou mais de Sai, tocando seu ombro, fazendo com que as orbes cinzentas se virassem para si. “Nos vemos depois, ok?”

Sai não esperava aquele gesto, mas ficou feliz que finalmente o moreno estava compreendendo melhor como ele gostaria de levar aquele relacionamento. Assentiu e viu o outro sair calmamente. Após escutarem o barulho da porta sendo fechada, surpreendeu-se ao ver Naruto e TenTen assumirem a mesma expressão maliciosa de antes, direcionando seus olhos para ele. Não podia acreditar.

“Então, Sai, o que exatamente aconteceu na noite passada?” A kunoichi questionou, afoita por informações. Olhou para os lados, pensando como poderia fugir daquilo. Mas não tinha jeito, não é? Pelas expressões, eles seriam capaz de amarrá-lo e torturá-lo atrás de informações. Deu um sorriso sem graça, pois era a única coisa que poderia fazer estando naquela situação.

*** 

Sasuke e Gai não demoraram a chegar a torre de encontro. Seu sensei parecia sereno, então ele imaginou que não fosse nada sério. Mas isso mudou no momento em que Kakashi o recebeu, mas disse que o Maito não era necessário na conversa. Se fosse algo em relação ao seu time, ou as missões, o sensei deveria estar presente, não era? Começou a ficar apreensivo. 

Kakashi estava com uma expressão cansada e indicou a cadeira a frente para que ele se aconchegasse. O moreno sentou-se, alerta. O que seu ex-sensei poderia querer com ele àquela altura?

“Bom dia, Sasuke. Eu gostaria que não tivesse sido preciso chamá-lo até aqui, mas a situação pediu que eu tomasse tal atitude.” Havia algo de urgente na voz do atual Hokage. Sasuke não tinha nada em mente, mas não poderia deixar de pensar que era algo que ele havia feito. Bem, as suas rédeas estavam bem curtas e voltar não foi tão simples como ele gostaria que tivesse sido. Haviam várias regras que ele precisava seguir, incluindo coisas que ele não poderia fazer. Não se lembrava de ter cometido algum ato errado ou qualquer coisa que o levasse a estar ali, mas, bem, não se surpreenderia se chamassem sua atenção por qualquer coisa. 

“Como você sabia, estávamos monitorando o Orochimaru de perto, assim teríamos dimensão do que ele planejava. A princípio, tudo correu bem e ele não estava fazendo nada suspeito. Não aos nossos olhos. Mas então os guardas começaram a notar comportamentos estranhos e emitiram um alerta. Não pareceu grave no início, até que tivéssemos a dimensão completa do que estava realmente acontecendo lá. Tivemos que prendê-lo. Você pode imaginar que não foi tão simples e eu posso dizer que ele lutou bastante para que seu material e sua pesquisa não fossem apreendidos. Mas no final… o que ele estava fazendo em si não era perigoso, talvez um pouco incomum, mas não podemos confiar em quais são as suas intenções futuras.”

O Uchiha esperava ouvir qualquer coisa, até mesmo que ele estava errado por se envolver com alguém da vila, porém o tema Orochimaru nem ao menos havia passado por sua mente. Eles não sabiam que já havia se desvinculado do ex-mestre há muito tempo? Achou que o fato tinha ficado claro durante a guerra ninja. Aparentemente não.

“Não entendo o que estou fazendo aqui. Não tenho contato com o Orochimaru há muito tempo.” 

“Eu sei, Sasuke, eu sei. Também não gostaria de tê-lo chamado, como disse, mas não tive escolha. Nós prendemos Orochimaru e o próximo passo seria encontrar uma finalidade para sua pesquisa, seja arquivar ou destruir, como realmente consideramos. Mas então, nós encontramos… Ibiki disse que Orochimaru pediu que nós lhe chamássemos. Não para conversar com ele, mas ele sugeriu que talvez uma parte de sua pesquisa deveria ficar com você.” 

Por que diabos ele quereria uma parte daquela pesquisa, o que quer que ela fosse? O que estava realmente acontecendo ali? Haviam várias perguntas e nenhuma resposta e estava prestes a questionar o homem a sua frente quando duas batidas discretas na porta chamaram a atenção de ambos no recinto.

“Ah, eles chegaram. Por favor, entrem.” Se virou para ver quem havia chegado, ainda mais desconfiado. Não seria possível que eles trariam o próprio Orochimaru ali para que falasse com ele, não era? Também não queria. Não havia absolutamente que quisesse tratar com o antigo tutor. Toda a confusão presente em sua mente silenciou assim que um jounnin qualquer entrou acompanhado de uma criança, que, para a sua total surpresa, era uma cópia idêntica dele quando menor. Estava na faixa de seus cinco anos e olhava em volta, aparentando curiosidade. Não parecia com medo, mas era difícil dizer baseado na sua falta de expressão. 

“Eu… eu não sei… não sei o que devia dizer.” Balbuciou, confuso. Aquilo havia deixado chocado; poucas coisas no mundo o fariam perder a fala daquele jeito. Aparentemente uma delas se encontrava em sua frente. “Eu não entendo o que isso significa.” As perguntas se multiplicaram. Era o único Uchiha vivo. Era impossível ter algum primo distante que havia tido um filho. Mas, então, por que a criança era tão assustadoramente parecido com ele?

“Supostamente, ele não devia ser tão pequeno. Ao que nos parece a pesquisa ainda não estava concluída. Achamos que o Orochimaru estava tentando deixá-lo com idade o suficiente para entender mais rapidamente o que lhe fosse ensinado e compactuar com algum tipo de plano maluco.” O projeto do mestre das cobras era realmente uma versão menor de si mesmo? Por mais surpreso que estivesse, ainda era um pouco óbvio, se parasse para pensar. 

“Ele foi preso acusado de conspiração. Concluímos que ele poderia querer usar um clone seu para atacar Konoha. Apreendemos a maior parte dos escritos e equipamentos, mas não sabíamos muito bem o que fazer com o garoto, foi por isso que o chamamos. Inicialmente pensamos que poderia apenas ser uma semelhança física, uma coincidência, mas os testes provaram que ele tem genes Uchiha. Os seus genes.”

Como seu mundo poderia virar dessa forma de uma hora para outra? E como Orochimaru havia conseguido seus genes para criar uma outra versão dele? Isso o transformava agora em algum tipo de… pai do garoto? Talvez seja aquilo que Kakashi estava supondo, levando-o até lá? 

Já não era mais o único Uchiha vivo. Apesar de, tecnicamente, ser um clone de si mesmo, ainda sim era uma outra pessoa. Aquilo o assustou inicialmente, mas agora um sentimento diferente tomava conta de seu peito. Sua linhagem não morreria. Bem, ele sempre poderia ter um filho com uma garota, mas, considerando a atual conjuntura dos fatos e seu envolvimento com um outro homem, as chances de expandir seu clã eram negativas e praticamente impossível. Mas aquilo mudava tudo. 

Não que estivesse pensando em ficar com Sai tipo para sempre. Mas também ter um filho não estava exatamente em seus planos do futuro. Não até aquele momento. Verbalizou a pergunta que não queria calar.

"Hokage, o que você exatamente está me pedindo para fazer?"

O homem de cabelos grisalhos suspirou. "Sasuke, vou ser sincero. Não queria colocar algum tipo de responsabilidade sobre você, mas não sabia o que fazer. Ele não foi concebido por meios normais, mas não podíamos simplesmente… bem, vamos entender se você decidir não ficar com ele. Podemos pensar em um plano B." Plano B? O que, eles matariam o garoto? Deixariam ele preso? O próprio Hokage o adotaria? Quis rir. Era óbvio que Sasuke era o único plano possível.

"Onde ele está ficando?" 

"Em lugar nenhum ainda. Nós o encontramos hoje e já chamamos você. Não sabemos ainda exatamente onde alocá-lo." Olhou novamente para o garoto. Naquele idade, ele já saberia entender parcialmente o que estavam falando. Os olhos negros do pequeno estavam focados em seu rosto. Só Kami sabia o que se passava em sua mente. Só Kami sabia o que Orochimaru já havia mostrado ao garoto. Se perguntava se ele já sabia falar. Se sabia escrever. Coisas desse tipo. 

Muitos poderiam dizer que ele não tinha sentimentos, considerando que havia matado seu próprio irmão e inúmeras vezes atacou as pessoas que eram mais importantes para ele, seus amigos mais próximos. Mas olhando aquele pequeno ser, uma miniatura de si mesmo, soube que só havia uma resposta para aquela proposta. Como poderia deixar um Uchiha ser criado por qualquer um, de qualquer jeito? 

Enxergava a si mesmo anos antes. Sua personalidade atual era fruto de muitas variáveis: a traição de seu irmão e a falta de seus pais durante seu crescimento contribuíram bastante para que fosse um adolescente cheio de raiva e sede de vingança. Claro que havia se livrado daqueles sentimentos ruins e virado um adulto mais consciente, mas não poderia deixar de pensar o que poderia ter sido se, ao invés disso, tivesse tido o cuidado de Itachi, a doçura de sua mãe e o apreço de seu pai, apesar de toda aquela rigidez.

"Quanto tempo tenho para pensar?" Kakashi mascarou uma expressão de desespero, mas ele o conhecia bem o suficiente para saber o que aquela expressão realmente significava. Tinha pouco tempo para decidir. "Você sabe que está me pedindo para ser pai, não sabe? Não é uma decisão que se toma de um dia pro outro."

Mais um suspiro. O Hatake odiava estar naquela posição, pedindo algo como aquilo, mas sabia que o garoto merecia mais. Sasuke tinha feito inúmeras coisas terríveis com a vila, mas era seu próprio gene ali. Ele mesmo, em outra pessoa, só que menor. Gai lhe pediu para dar uma segunda chance a Sasuke. Bom, não havia melhor forma dele se redimir do que aquela. "Eu sei. Mas é um assunto urgente. Adoraríamos que tomasse uma decisão logo."

“Bom, já que vocês ainda não sabem onde ele vai ficar, eu posso levá-lo para casa. Ele pode ficar comigo enquanto eu penso um pouco melhor no assunto.” Viu a tensão sair um pouco do corpo do antigo sensei. É claro que o local onde abrigariam o garoto tinha sido mais uma preocupação. Ficando com ele, Sasuke poderia saber, pelo menos um dia, qual seria a sensação de ser pai. Não estava exatamente animado com aquela possibilidade, até porque várias responsabilidade vinham com ela, mas, depois de refletir um pouco sobre o assunto, ter outro Uchiha com ele não seria assim tão ruim.

O Hokage concordou com um gesto de cabeça e ele se levantou da cadeira. Aproximou-se do garoto, que ainda tinha uma expressão serena. Deveria carregá-lo ou algo assim? Não, ele já tinha idade o suficiente para andar. Infinitas cenas se passaram em sua cabeça e justo quando ele estava decidindo qual delas era a melhor, o pequeno estendeu sua mão para ele. Não estava acostumado a estar de mãos dadas com as pessoas, mesmo os mais próximos, mas, bem, as coisas haviam mudado um pouco, certo? Precisava se adaptar. Não podia se basear no que conhecia. A partir daquele momento, talvez as coisas estariam sempre fora de seu controle e ele estivesse sempre perdido. 

Refletiu por um instante. Não pareceu tão ruim.