Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 7
Estranhos na Noite


Notas iniciais do capítulo

Já tínhamos visto em outros contos um pouco de como estava a relação de Magrí e Crânio pós Colégio Elite, mas sem muitos detalhes. Finalmente saberemos um pouco mais...

Conto situado mais ou menos uns dez anos após a formatura do Ensino Médio dos Karas, com alguns spoilers de A Droga da Amizade.

Música: Strangers in the Night - Frank Sinatra



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Missão ajudar Magrí com a mudança. Não aceito não.

Câmbio, Chumbinho.

 

As risadas divertidas daqueles dois velhos amigos enchiam o ar do apartamento bagunçado e silencioso de outrora. Magrí preparou mais chá para si e um café forte para Chumbinho, enquanto conversava com o garoto — no meio da cozinha ainda escondida entre caixas e malas — sobre temas triviais e a mudança.

— A faculdade vai muito bem — dizia ela — Já estou estagiando no setor de pediatria da Unicamp no Hospital das Clínicas, e já comecei a minha pesquisa para o meu trabalho de conclusão de curso. Se tudo der certo, final deste ano já estou formada!

Chumbinho não escondeu o seu entusiasmo.

— Que máximo, Magrí! Eu estou gostando do meu primeiro ano de Ciência da Computação. Achei que apanharia mais nesse primeiro semestre, mas me saí muito bem! Não fiquei retido em nenhuma matéria!

Magrí elogiou o garoto pelo seu desempenho. Quando já estavam sentados à mesa, Chumbinho criou coragem para perguntar o que estava muito curioso em saber.

— Então Magrí… Como anda o Crânio?

A jovem, que até o momento ria de forma alegre, parou, a expressão adquirindo a dor conhecida que já estava acostumada a carregar. Precisou de alguns minutos até finalmente responder:

— Ele está bem… Estamos bem. Ainda está nos EUA e acho que volta no fim do ano...

Chumbinho franziu a testa. Magrí estava muito interessada no padrão do mármore da mesa.

— Tem certeza que está tudo bem?

Ela não respondeu de imediato. Encarou o velho amigo com olhos tristes. Tinha orgulho do homem que aquele menino estava se tornando, ainda porém com aquele mesmo brilho inocente em seus olhos.

A valentia e a coragem de Chumbinho não se desvaneceu com o passar dos anos, assim como a confiança que Magrí depositava nele. Sabia que poderia compartilhar os temores que sentia, sem se preocupar com julgamentos ou que ele iria espalhar seus segredos.

— É só que… — Ela começou com um leve suspiro — Eu sinto muita falta dele, Chumbinho. Eu sei que é temporário e logo ele volta, mas eu tenho receios de que alguma coisa o prenda por lá e ele não queira mais voltar…

— Mas o que poderia fazer com ele adiasse a estadia dele na terra do Tio Sam?

Magrí suspirou de novo. Era óbvio que estava pensando naquilo há muito tempo.

— Não sei. Uma proposta de emprego, talvez? Você sabe de quantas que ele recebeu quando se formou, mais rápido do que todo mundo da turma dele... — ela mordeu o lábio e continuou — Ou uma garota mais bonita e mais interessante do que eu…

Chumbinho riu de leve.

— Mais bonita e interessante que você? Você só pode estar louca! Ele doido por você, sabemos muito bem disso.

Ela sorriu fracamente.

— Mas as circunstâncias são outras agora, Chumbinho. Não somos mais adolescentes e temos responsabilidades, uma vida adulta para tocar. Essa distância entre nós dois pode ocasionar de realmente acabarmos nos separando, não somente por estarmos longe, mas também pelas escolhas que fizermos em nossas vidas, entende?

Chumbinho olhou de forma profunda para a amiga, antes de responder de forma brincalhona:

— Essa sua fala me soa bem coroa, hein Magrí? Acho que você está mais careta que o Miguel!

Os dois riram do comentário, porém a alegria não chegava aos olhos de Magrí. O coração ainda pesava muito no peito da menina, e dizer em voz alta depois de tanto tempo tudo o que se passava nele, só a deixou mais angustiada. A menção de Miguel piorou um pouco mais seu estado de espírito.

— Eu sei que as coisas não estão fáceis para vocês dois desde do dia que ele viajou — começou Chumbinho de forma mais séria — Porém, eu não acho que a distância e o fato de crescer seja um problema para vocês. Olha quantas coisas vocês já passaram juntos desde quando começaram a namorar!

Isso era de fato uma grande verdade que Magrí não podia ignorar. Ela e Crânio passaram por tantas situações difíceis em suas vidas particulares — em especial depois que se formaram no Colégio Elite — que por um fio os dois cogitaram que o relacionamento não teria futuro. Os dois jovens namorados precisaram crescer um pouco mais cedo do que os outros Karas.

Ah os Karas! Por que a vida adulta e as responsabilidades de crescer foi o motivo de separar aquele grupo maravilhoso? Foi de fato necessário que eles se separassem?

Não era como se a amizade tivesse acabado — com exceção talvez de Miguel — mas desde da formatura que não se reuniam para nenhuma emergência máxima, nenhuma sessão pipoca, nenhuma festa de aniversário, nada. Cada um seguiu o seu caminho, e mesmo Calú, Peggy e Chumbinho dando notícias eventuais de suas vidas para o casal de Karas, as coisas não eram mais as mesmas.

Magrí se sentia um pouco velha pensando em tudo aquilo. O mesmo sentimento quando deixou a casa dos pais para morar na república da universidade e agora quando, depois de muito esforço, financiou o próprio apartamento.

Por mais orgulhosa que estivesse de tudo o que conseguiu em tão pouco tempo, ainda existia um vazio em seu coração: era a saudade de Crânio, amor da sua vida, em primeiro lugar, seguida pela saudade doída dos Karas. Por último, o remorso de como as coisas desandaram com Miguel.

Bebericou o chá, o silêncio agora reinante novamente, exceto pelo barulho do elevador do prédio à fora e dos vizinhos andando no andar de cima. Por fim, se dirigiu a Chumbinho tentando soar otimista:

— Tem razão, Chumbinho. Talvez eu esteja sendo muito dramática — riu de forma suave — Mas às vezes eu não sei lidar com mudanças muito rápidas e drásticas na minha vida, você sabe disso.

Ele acenou em compreensão dizendo:

— Falando em mudanças… — Chumbinho olhou o apartamento com atenção, levantando a sobrancelha com uma risada marota — Você está precisando de ajuda com esse monte de coisas. Enquanto seu namorado não volta para juntar a bagunça dele com a sua, acho que consigo te dar uma mãozinha.

Magrí corou pelo comentário, mas não teve tempo de responder, pois o garoto já foi se levantando para carregar uma das pesadas caixas da cozinha. Só teve tempo de murmurar:

— Ainda não nos entendemos sobre isso, Chumbinho…

***

Os óculos escuros do rapaz bonito, sentado sozinho à mesa do pequeno café, brilhava ao sol de fim do dia na cidade de Nova York. Ali era muito diferente da badalada Los Angeles, onde o rapaz estava mais acostumado, desde que deixou o Brasil, quando ganhou seu primeiro papel em uma série de TV.

Pediu dois expressos e olhava constantemente pela calçada para ver se a namorada estava chegando. Não demorou para ela adentrar o café da forma mais discreta que conseguia para não ser reconhecida, porque afinal de contas, ela era a filha do ex presidente dos Estados Unidos da América, Peggy MacDermott.

Ele se levantou para cumprimentá-la, sempre com aquele sentimento gostoso que tomava conta de seu ser toda vez que se aproximava dela. O perfume da jovem o envolveu e o sorriso que ela lhe dirigia sempre fazia com que ele se sentisse especial.

— Desculpe a demora, Calú, querido — disse ela sentando-se — Mas fiquei presa numa reunião chata.

— Não se preocupe, meu bem. Eu já pedi o seu café.

Os dois conversaram e mataram a saudade por horas sem verem o tempo passar. Era sempre assim quando se encontravam, depois de semanas longe um do outro. Haviam tantas novidades e histórias para contar sobre suas vidas, que o tempo nunca parecia ser o suficiente.

— Eu não sei o que é dormir há duas semanas — Calú ria, segurando com carinho a mão de Peggy — Depois que terminei as filmagens numa madrugada, eu tinha as provas finais da faculdade no dia seguinte. Meus colegas pensaram que eu estava de ressaca por conta de uma festa! Vê se pode! Trabalhei que nem uma mula para ouvir isso!

Peggy riu do comentário ultrajado do namorado, sem deixar de notar que mesmo bravo, ele continuava lindo. Ela se sentia uma garota de muita sorte, não somente por ter um namorado tão bonito, mas também por estarem juntos há tanto tempo e dele não a ter trocado por nenhuma outra garota.

Ela suspirou com um beicinho.

— As coisas estão mais calmas agora no Congresso. Você sabe toda aquela burocracia chata para votar em uma lei, sem falar que eu também estou esgotada das provas finais. Eu não aguento ler nem se quer uma linha na minha frente!

Calú aproximou-se trocando de cadeira para ficar sentado ao lado da garota, abraçando-a e beijando-a com muito carinho, da mesma forma como o namoro deles começou em cima de um telhado à luz das estrelas. Peggy em determinado momento, falou o mais baixo que conseguia:

— Eu falei com Magrí esses dias. Ela está bem, só que muita ocupada com a mudança para o apartamento novo.

Calú sorriu com carinho pela lembrança da melhor amiga.

— Se ela continua a mesma Magrí que conheci, ela não vai parar quieta um minuto até ter tudo arrumado! — Ele riu de novo, até parar por um instante com a testa franzida, observando a leve expressão de preocupação da namorada — As coisas estão bem entre ela e Crânio, certo Peggy?

A garota mordeu o lábio inferior com preocupação.

— Acho que sim, eu perguntei sobre ele e de como andavam as coisas. Ela disse que estava tudo bem, mas me soou triste, sabe? — Ela bebeu um gole de café e continuou — Mas não quis pressioná-la a me contar nada ainda. Porém, eu acredito que ela tenha expectativas sobre essa mudança, mas está com medo de ficar decepcionada...

— Expectativas…?

Peggy mexeu no bonito cabelo, revirando os olhos.

— Não é óbvio, querido? Ela não ia financiar um apartamento tão bonito para morar sozinha, tão de repente. Ela pensa que me engana com essa conversa mole de "querer se virar sozinha" e "sair do ninho".

Calú riu da expressão de deboche de Peggy. A moça continuou com suas conjecturas:

— Se eu bem me lembro, foi tudo muito rápido essa mudança dela. Magrí costumava me dizer que pensaria um pouco onde iria morar depois da formatura, que não estava com pressa de deixar o campus. De repente, no meio do ano, ela me aparece com um apartamento novo e de mudança. Não é estranho para você?

Calú concordava com o raciocínio de Peggy. Apesar de ter pouco contato com a ex menina dos Karas, ele a conhecia muito bem, e sabia que Magrí era dada a tomar decisões no impulso de vez em quando. No entanto, o que a motivaria naquele caso?

— Magrí está esperando por alguma coisa, não somente pela volta de Crânio, creio eu — disse ele terminando o raciocínio de Peggy — Você acha que ele…?

Peggy entendeu de imediato o que Calú queria dizer. Os olhos brilharam:

— Ah eu espero sinceramente que sim! Eu ficaria tão feliz disso acontecer! Não consigo imaginar os dois separados, para mim é inconcebível.

— Eu também não, meu amor! Seria uma alegria imensa para mim também. Mas acho que nós podemos tentar arrancar alguma coisa de Crânio quando a gente finalmente se encontrar com ele para jantar, o que você acha?

Peggy riu de forma conspiratória, a expressão sendo a mesma de Calú, com o adendo daquele sorriso lindo e brincalhão que tanto amava.

Ele lembrou-se, porém, de outro velho amigo, um que não conversava há bastante tempo, mais do que Crânio.

— E Miguel? Como será que ele está?

***

O inverno estava rigoroso na capital britânica naquele ano. O aquecedor do escritório da embaixada brasileira no país não estava dando conta de manter todos os funcionários longe do frio. Em uma das grandes salas, um rapaz tomava a quarta xícara de café quente, em meio a uma papelada que precisava analisar em cima de sua mesa.

O barulho do relógio na parede e do computador zumbindo eram os únicos sons daquela sala. Chegou muito cedo como de costume e o sono queria dominá-lo.

Distraiu-se por um momento com os porta-retratos em cima da mesa de trabalho — os pais sorriam para ele com o conhecido orgulho que estava acostumado. Ao lado deles, uma foto que não entendia o porquê de ainda manter ali: estava vestido com a beca de formatura do Colégio Elite rodeado pelos seus velhos amigos, os Karas.

Todos eles sorriam de satisfação e alegria naquele abraço coletivo, um símbolo da amizade que nunca deveria ter se desfeito pelas circunstâncias. A figura de Magrí quase no meio, entre ele e Crânio, sempre o perturbava, como se ela socasse seu rosto com aquele sorriso bonito.

Na foto, ela segurava de forma discreta a mão do gênio dos Karas — um gesto natural que nenhum dos dois tinha ciência — mas que Miguel viu acontecer durante muitas vezes naqueles anos juntos.

Suspirou irritado consigo mesmo. Foi tudo há tanto tempo! Era possível que ainda amasse Magrí mais do que uma irmã? Será que jamais conseguiria amar outra mulher sem compará-la com ela? Ficaria com o coração preso para sempre no passado?

O rosto sorridente de Crânio era outro soco bem no estômago do ex líder dos Karas. Como sentia falta do melhor amigo! O garoto foi o irmão que ele sempre quis ter. Havia uma admiração mútua e respeito um pelo outro, que ele sabia que dificilmente encontraria em outra pessoa.

Os sorrisos de Calú, Peggy e Chumbinho — que mesmo não se formando naquele ano, se juntou a eles na foto — só completaram a angústia do jovem rapaz.

Dizem que melhores amigos você só encontra uma vez na vida. São poucas as pessoas no mundo que você consegue compartilhar os mesmos valores, terem os mesmo objetivos e seguirem os mesmos caminhos. As pessoas que são amigas vão querendo ou não moldar o seu caráter e colocar um pouco de si mesmas em você é vice-versa. Era uma aliança entre pessoas das mais poderosas que existia.

A amizade era um laço tão forte quanto o amor. Não foi à toa que o amor os separaram.

Pegou o porta retrato da formatura e o virou de cabeça para baixo, como se aquele gesto fosse a solução para suas mágoas. Sabia que precisava seguir em frente com sua vida, assim como os outros ex Karas fizeram.

Entretanto, aquele situação não resolvida com Magrí e Crânio sempre vinha à tona como um vendaval que arrastava tudo à frente.

O barulho de saltos batendo no assoalho despertou o jovem de seus devaneios melancólicos. A porta do escritório se abriu e uma figura elegante iluminou toda a sala, como se a moça espantasse todos os fantasmas e sentimentos ruins que ocupavam o lugar.

— Bom dia Miguel!

— Bom dia Danielle.

O suave perfume dela envolveu os sentidos de Miguel, fazendo com que ele se esquecesse por um tempo dos pensamentos tristes e do trabalho a fazer. Passados alguns instantes, pigarreou constrangido e voltou a cuidar da papelada com afinco.

Era difícil, porém, manter a concentração por muito tempo com Danielle sentada bem de frente para ele.

— Está tudo bem? — indagou ela — Você está bem agitado.

Mentiu:

— É o frio do escritório, só isso.

A moça riu do comentário, concordando. Miguel passou o dia em estado de agitação, não somente pela lembrança dolorosa dos Karas — em especial Magrí e Crânio— mas também pelos eventuais olhares cheios de significado que Danielle lhe dava entre xícaras de café.

***

O Village Vanguard era um dos mais antigos e tradicionais clube de jazz de Manhattan, inaugurado em 1935. Visitar o local era como entrar em uma outra dimensão, um passado já esquecido dos anos de ouro dos grandes grupos de jazz americano. Diversas fotografias de músicos famosos que iniciaram suas carreiras no Village decoravam as paredes próximas às mesas dos visitantes.

A luz baixa, o avermelhado das mesas e a música suave da banda que animava aquele início de noite acalmava o espírito de Crânio, sentado em um dos cantos afastados do local. Era o seu local favorito toda vez que pegava o trem para visitar Nova York.

Mas ao mesmo tempo, sentia-se triste por estar ali sozinho. Um casal se levantou para dançar abraçados e o coração do rapaz apertou no peito.

Havia tentando ligar para namorada várias vezes durante o dia, mas não teve sorte de completar a ligação para que ela atendesse. Estava com receio da moça pensar que ele havia esquecido dela, o que não era verdade. Mas era frustrante a dificuldade de conversar por telefone. Talvez fosse hora de começar a escrever cartas para ela...

Estava à espera dos amigos Calú e Peggy para jantarem e relembrarem os velhos tempos. Apesar de feliz por rever os amigos, depois de meses tentando marcar aquele reencontro com eles — desde o dia que o casal ficou sabendo da vinda do rapaz para os EUA através de Magrí  — o ex gênio dos Karas daria qualquer coisa para estar ali, naquele lugar tão mágico com sua amada.

A moça, por influência dele, tinha paixão pelo jazz e não foram poucas as vezes que saíram juntos para dançarem nos clubes de São Paulo, a maioria do público composta mais por senhores de idade, o que os dois sempre achavam bonito. No Village não era diferente, e Crânio sempre imaginava por quanto tempo aqueles casais estavam juntos. Com certeza boa parte de suas vidas. Perguntava a si mesmo se ele e Magrí teriam a mesma sorte. Teriam eles?

Estava muito preocupado. A universidade estava fazendo de tudo para prendê-lo por lá. Alguns professores deram indiretas sobre um longo projeto de pesquisa que queriam que ele participasse. Não deu ainda uma resposta, mas sabia que assim que o final do ano chegasse e pegasse o diploma de mestrado, deveria tomar uma decisão definitiva.

Crânio não poderia negar que a oferta era tentadora. Havia se esforçado muito para chegar até ali, e não era qualquer um que receberia tal oferta. No entanto, a lembrança de Magrí era um aviso que tinha feito uma promessa para ela que odiaria desaponta-la. Estava em um dilema.

A banda começou a tocar, a pedidos dos clientes, uma antiga e famosa canção de Frank Sinatra, que era a favorita de Magrí. A bela voz da vocalista embalou as lembranças do rapaz, enquanto sonhava com a namorada naquele lugar, em outro tempo, em outra época. A era de ouro de Nova York e do namoro deles.S

Strangersin the night

Exchanging glances

Wondering in the night

What were the chances

We'd be sharing love…

Em seu sonho acordado, Crânio ainda estava sentado naquela mesma mesa. O Village, porém, estava mais cheio, as luzes mais vivas ao redor do clube. As mesas estavam lotadas, embaladas por conversas animadas e risadas; os rapazes entre baforadas de charutos e drinks, flertavam com as moças solteiras sentadas nas mesas vizinhas. Algumas respondiam ao flerte com ultraje, outras riam e coravam, para o divertimento de Crânio.

Sentiu sendo abraçado por trás. Por um momento ficou tenso, achando que fosse uma desconhecida um pouco alta pelo álcool. No entanto, reconheceu as mãos delicadas e o perfume doce da namorada, que ela sempre usava quando saíam juntos. Beijou as mãos delas, enquanto ela beijou o pescoço dele, causando descargas elétricas por todo corpo do rapaz.

— Você fica tão mais lindo de suspensório — ela sussurrou — Que eu até fico com ciúmes.

O rapaz riu um pouco sem graça, vendo-a por fim com toda a sua beleza. O colar de pérolas que lhe deu de presente adornava o delicado pescoço da jovem, que combinava com o vestido cor de creme de somente um corte até os joelhos, e o coque alto no topo da cabeça, deixando todo o rosto de Magrí exposto.

Quando ela sentou-se ao lado dele, após admira-la, Crânio comentou com um sorriso:

— Acho que eu sou quem deveria ficar ciúmes…

Eles se beijaram com paixão, pouco preocupados com olhares alheios, porque ninguém ali se importava com eles. Quando finalmente se afastaram um do outro, Magrí suspirou, encostando a cabeça no ombro de Crânio.

— Eu sinto tanto a sua falta, meu querido.

O coração dele se apertou de novo no peito. Havia dor na voz dela, por mais que tentasse esconder.

— E eu sinto muito a sua falta. Todos os dias. Acho que eu não deveria ter vindo para cá…

Magrí levemente balançou a cabeça.

— Não diga isso…

— Magrí, é sério…

Ela levantou a cabeça, olhando-o de forma enigmática, quase sussurrando.

— Eu não quero que você pare de perseguir seus sonhos por minha causa.

Ficaram em silêncio por alguns instantes, os dois traçando a fisionomia um do outro. Crânio pegou o rosto dela entre as mãos com carinho.

— Mas você faz parte dos meus sonhos, Magrí...

Ela acariciou o rosto nas mãos dele. Uma lágrima teimosa escorreu, seguindo o ritmo da canção suave que a banda tocava.

O rapaz beijou o rosto da moça e tomou a mão dela para se levantasse e o seguisse. Os dois se dirigiam até o pequeno terraço vazio aos fundos. A noite já estava alta.

Crânio abraçou Magrí com força, dando pequenos beijos no ombro dela, causando-lhe suspiros de contentamento.

Era possível ainda ouvir a música ao fundo. O sorriso Magrí se alargou mais ainda, enquanto que a tristeza da conversa anterior diluía. Começou a cantarolar:

Something in your eyes was so inviting, something in your smile was so exciting, something in my heart told me I must have you…

O beijo que se seguiu foi um pouco diferente. Foi mais lento e apaixonado, os corações pulsando de saudade e amor. Era estranho pensar que aquele amor adolescente que nasceu de uma amizade, com direito a piano, gatinhos e Mozart, evolui tanto a tal ponto dos dois não conseguirem imaginar um futuro sem o outro fazendo parte dele.

— Sabe por que eu gosto tanto dessa música? — Magrí murmurou com o rosto ainda colado ao de Crânio — É porque ela me recorda de quando nós dois fingimos ser namorados no meio da noite, quando fomos atrás do Marius Caspérides, lembra?

O rapaz riu da lembrança.

— Só que fiquei com raiva do Calú por ter colocado aqueles arames no seu rosto. Se não fosse por eles…

Magrí sorriu de forma maliciosa.

— Não pense que você foi o único. Eu fiquei frustrada, porque eu tinha certeza que você teria me beijado de verdade.

— Você teria deixado já naquela época? — ele levantou uma sobrancelha.

A moça apertou o abraço, com um risinho.

— Não só teria deixado, como também eu iria tirar proveito…

Riram novamente como se fossem adolescentes de novo, os dois dançando ao embalo da bela canção, aos beijos.

Crânio, sabendo que logo voltaria para a realidade e que a figura de Magrí se desvaneceria de suas mãos, sussurrou com todo o amor que preenchia seu coração, junto com suas lágrimas interiores, querendo que suas palavras chegasse até ela, há quilômetros de distância..

— Eu te amo, te amo muito, Magrí. E eu vou manter a minha promessa.


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Notas finais do capítulo

No próximo conto: Quem não ama o Natal? Magrí com absoluta certeza é fã da data. Vamos pular um pouquinho a linha do tempo para o primeiro Natal dela com Crânio, espiando as peripécias da menina na cozinha para fazer uma surpresa para namorado.

Porém, o gênio dos Karas estava bem ranziza e com espírito de Scrooge naquele ano...



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