Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 42
Impasses - Parte II




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Londres, 1995

O Hyde Park estava ainda cheio naquele início de noite. Crianças corriam e brincavam perto dos pais que as assistiam com expressões de riso e às vezes preocupação quando desejavam fazer algo perigoso. Haviam casais passeando e namorando entre as belas roseiras e árvores iluminadas. 

Só havia um “casal” que não partilhava de nenhum romantismo — salvo os olhares furtivos que o rapaz dirigia a moça enquanto estavam sentados em um dos bancos. O cabelo vermelho da jovem reluzia sob a luz das lâmpadas, e os braços nus se arrepiaram pelo vento frio que levantou as folhas do chão.

— Aqui, fique com o meu casaco — disse o rapaz estendendo a peça para a moça.

Ela crispou os lábios pela oferta, mas deixando o orgulho de lado, aceitou o casaco e passou os braços para dentro das mangas. Dani se sentiu minúscula dentro do tecido pesado, porém ao menos não estava mais com frio. Discretamente aspirou. O casaco estava envolvido pelo perfume dele, que ela conhecia muito bem. 

A dor que a acompanhava a quase uma década estava no limite do insuportável. Não conseguia encará-lo.

A voz de Miguel a despertou dos seus pensamentos sombrios:

— Você tem arrependimentos, Dani?

Dani sentia o olhar dele sobre si, mas tentava ao máximo ignorar o que ele causava nela. Se tinha arrependimentos? Talvez... Alguns.

— Claro, acho que todo mundo tem — murmurou ela — Por que comigo seria diferente?

— Eu tenho muitos — suspirou Miguel — Se eu pudesse voltar no tempo, faria muitas coisas de forma diferente...

Dani tinha medo da resposta, mesmo assim indagou:

— É sobre os seus amigos...? É sobre Crânio e Magrí?

Os olhos de Miguel eram o retrato da tortura quando encarou de novo o perfil de Dani.

— Eles também... assim como os outros. Mas há outros arrependimentos... — ele engoliu em seco — Desses que apenas nos damos conta quando é tarde demais, quando o dano já foi feito.

Dani cravou as unhas pintadas de preto na palma da mão direita. Poderia ele estar falando dela própria? Não, Miguel jamais seria tão franco e aberto dessa maneira. Conhecia-o muito bem e sabia que ele preferia morrer do que dizer em voz alta o que de fato sentia (tal qual como ela às vezes...).

Aquele Miguel ao lado dela não era o mesmo. Pelo canto do olho, viu que a expressão de tortura continuava estampada no rosto dele. Por alguns minutos, ela se esqueceu da raiva que sentia e deixou que se compadecesse por ele.

Miguel estralava as mãos e parecia que não iria mais falar, até ela ouvir um murmúrio:

— Se eu pudesse...

De repente, Dani sentiu que ele puxou a mão direita dela colocando-a sobre a mão esquerda dele. Ela arfou. Não sentia mais tanto frio assim.

Ela olhou de verdade para ele pela primeira vez desde quando saíram do campus da faculdade. O que viu foi mais uma surpresa naquela noite surpreendente. 

À sua frente não estava mais o ex-presidente do Grêmio do Colégio Elite, nem capitão do time de futebol, nem um dos braços direito do chanceler — e aos vinte e cinco anos já cotado como futuro candidato a embaixador do Brasil na Inglaterra. Não viu o rapaz que sempre andava e falava com confiança, aguentava as presepadas do Primeiro Ministro e do Mr. Pickwick, e que conversava em pé de igualdade com todas aquelas ilustres figuras políticas de vários países.

Não. Não era esse o Miguel que ela encarava naquela noite atípica embaixo das luzes do Hyde Park. Aquele Miguel era só mais um rapaz de vinte e cinco anos confuso, cansado, que não via a família há quase dois anos — e por isso, sabia que os pais dele estavam magoados — que não falava propriamente com o melhor amigo há mais ou menos seis anos, que não se lembrava de quando foi a última vez que saiu com uma garota, ou quando foi convidado para alguma festa de aniversário ou de casamento, ou até mesmo para o pub beber e dar risada.

— Eu fiz muita merda nesses últimos anos, Dani — continuou ele apertando a mão dela e a encarando com súplica — Eu afastei todo mundo da minha vida, até meus pais deixei de fora das minhas decisões. Foi dominado pela ambição e ela virou a minha melhor amiga. Coloquei na minha cabeça que eu não precisava de amigos, que eu podia me virar sozinho... que eu não precisava de ninguém.

A respiração de Miguel estava entrecortada e ele cerrou os dentes. Sem perceber o corpo estava quase completamente virado para Dani no pequeno banco, e não se lembrava de ter puxado a outra mão dela para ficar entre as dele. A moça mais uma vez estava sem palavras.

— Você sabe quando eu me toquei que eu estava vivendo que nem um zumbi, que eu estava tentando jogar para debaixo do tapete tudo do que eu vinha me arrependendo nos últimos anos?

Dani piscou e apenas negou com a cabeça. Ela queria tirar do rosto dele aquela expressão de tortura e de dor. Miguel inalou:

— Foi você. Quando você voltou para a minha vida naquela manhã da entrevista, você trouxe tudo de volta, meu passado, meus amigos, minha família, tudo o que eu abandonei. O arrependimento também veio, mas você também me trouxe alegria, Dani. E eu não trocaria isso por nada.

A garganta dela se fechou e respirar ficou muito difícil. A vulnerabilidade de Miguel era tão esmagadora quanto o resto da sua personalidade.

— Eu quero ser bem sincero com você — continuou ele depois de alguns instantes — Eu quero agora a sua amizade, mas saiba que ela nunca será o suficiente para mim. E quero também que um dia você me perdoe pela forma como te tratei no passado.

***

Sexta-feira, 15 de agosto 1986

— Eu realmente acho que é melhor para nós dois não... não... — Crânio se engasgou e evitava ao máximo o olhar tristonho de Crânio do outro lado da mesa.

A biblioteca já tinha se esvaziado, com exceção dos dois e um aluninho do primeiro ano que estava muito ocupado tentando terminar a lição de casa antes que a Sra. Morcego o expulsasse dali. Crânio e Magrí estavam praticamente sozinhos.

— Depois de tudo o que passamos, depois de tudo o que fizemos para ficar juntos, você... você vai jogar tudo isso fora, Crânio?

Magrí não escondia mais a dor na voz e nem as lágrimas que já estavam brotando. A decisão de darem um tempo partiu de Crânio, mas Magrí descobriu que o remorso era forte demais para continuar um namoro que já tinha feito tantos estragos. Havia acabado de dizer, enquanto fitava as páginas de David Copperfield, que esperaria por ele o tempo que fosse necessário — mas Crânio faria o mesmo?

Ele respirou fundo e continuou de forma muito séria:

— Eu não quero que você pare sua vida por minha causa, Magrí. Não quero que você deixe de... de c-conhecer outras pessoas por mim. Não é muito saudável e eu não valho tudo isso.

Crânio engoliu em seco tentando não encarar o lampejo de raiva que subiu no rosto de Magrí. Ela fechou o livro com força com um bag que assustou o aluninho da outra mesa. Ele levantou a cabeça para ver de onde veio o barulho, fitou os dois, deu de ombros e continuou o seu trabalho.

— Eu não acredito que você está me dizendo isso — vociferou Magrí — Depois de ter dito que me amava, depois de ter aguentando namorar às escondidas por um ano, por... por...

Crânio queria se levantar e consolá-la, mas não podia fazer isso. Era tão difícil se controlar quanto dizer aquilo que nunca sonhou que diria para Magrí. Aquele era o seu pior pesadelo virando realidade. Não escondeu a dor na voz, nem a expressão torturada no rosto.

— Eu já perdi tudo, Magrí. Eu já te perdi há muito tempo. Não percebe isso? O que começa de forma errada, termina de forma errada.

Magrí fez um som que parecia um soluço e um desdém. A raiva, a dor cegaram os seus pensamentos e discernimento. Nunca a franqueza de Crânio foi tão dolorosa como naquele momento. Ela só pensava no quanto ele estava sendo injusto, ingrato e cruel com ela, ao passo que só entenderia que havia um quê de razão no que o rapaz dizia muito tempo depois daquela fatídica tarde.

Ela arrancou o pingente em formato de rosa que havia ganhado de presente de aniversário dele, jogando-o em cima da mesa. O rascunho do trabalho de David Copperfield ela deixou em pedacinhos na frente de Crânio. O rapaz se levantou, suplicando:

— Magrí, Magrí me escuta...!

— Me deixa em paz! — ela já estava chorando e passou a mochila nos ombros — Nunca mais me dirija a palavra!

E saiu da biblioteca com os olhos curiosos do aluninho que presenciou a cena seguindo-a e os olhos dolorosos de Crânio que sentiu o chão abrir debaixo dele novamente. Aquilo foi pior, muito pior do dia da briga com Miguel. O coração dele se fez em picadinhos iguais aos papéis em cima da mesa.

***

Segunda-feira, 18 de agosto de 1986

Último debate pré-eleição do Grêmio Estudantil

Miguel encarava a papelada que havia escrito com as respostas das possíveis perguntas que Iago, o seu único adversário faria. Estava encostado em um pilar do corredor tentando conter o nervosismo. Os “conselhos” de Dani sobre jogar tão sujo quanto Iago ainda ecoava na mente dele. Não teria coragem, teria? Aquilo era contra tudo o que ele acreditava que deveria ser um debate democrático… Mas ultimamente, ele havia feito tantas coisas contra os próprios princípios que Miguel se perguntava se ainda se importava com a própria consciência….

Nos corredores do Elite, uma garota ruiva distribuía panfletos animadamente fazendo campanha para a reeleição do atual presidente. O panfleto enfatizava todos os benefícios que a chapa atual comandada por Miguel tinha conquistado para a escola. Um aluno do último ano se aproximou de Dani com uma expressão carrancuda:

— Por que diabos eu devo votar nele de novo? Ele prometeu que conseguiria mais recursos para o time de futebol, mas estou esperando até hoje.

O rapaz era duas vezes mais alto que Dani e estava mais para um jogador de Rugby do que futebol pelo tamanho das mãos e ombros. A garota fingiu que não se sentiu intimidada.

— Você não pode esquecer, err qual é o teu nome…?

— Luís — rosnou o garoto.

— Luís, que a escola acabou de sair de uma crise econômica e que a distribuição dos recursos precisam ser aprovada pelo cons—

O garoto soltou um palavrão e bateu o pé de forma impaciente.

— Eu não aguento mais esperar, tá legal?! Era mais fácil Miguel dizer que não liga mais para o time.

Dani abriu a boca para objetar quando ouviu uma voz pastosa se meter na conversa:

— Ora, sr. Luís, não se preocupe — disse um garoto alto e magricela — Colocarei na pauta da minha administração futura como prioridade, sem passar pelo escabroso conselho.

O garoto chamado Luís piscou sem acreditar enquanto encarava o garoto magricela. Dani rangeu os dentes. Aquela lagartixa humana não ia estragar a sua campanha! 

Disse de forma petulante:

— Eu quero só ver como você vai fazer isso passando por cima do conselho, Iago — o nome saiu como um xingamento — Você pode ser punido.

Iago estalou os longos e répteis dedos com um sorrisinho de desdém. Uma pequena aglomeração de alunos assistia a cena no corredor, incluindo o irmão de Dani que estava pronto para socar a cara de Iago caso ele continuasse faltando com o respeito com a sua irmã.

— Isso se chama influência, minha cara e conhecer as pessoas certas. Algo que talvez o seu Miguel não tenha…

Dani corou até as raíz dos cabelos e ignorou as risadinhas das garotas por perto. Trincou os dentes:

— Bom, pelo menos ele não precisa lamber as botas do papai e subornar o treinador para conseguir uma vaguinha no time de futebol, já que você joga como se estivesse cagado.

As risadas foram mais altas dessa vez, e até mesmo Luís não escondeu o sorriso. Iago era um péssimo jogador, e todo mundo sabia que ele só conseguiu entrar no time da escola depois que o pai mexeu os pauzinhos. 

Ele estava vermelho de raiva quando se aproximou de Dani de forma ameaçadora, mas deu três passos para trás quando Crânio se interpôs entre ele e a irmã com uma expressão assustadora.

— Encosta um dedo nela que eu te arrebento, entendeu?

Iago bufou e deu um sorrisinho de desdém:

— Muito me espanta que você não está fazendo campanha para aquele… — ele xingou Miguel com um palavrão — Não sabia que agora ele tinha uma babá.

— Você deveria estar indo para o debate ao invés de ficar se rastejando pelo corredor, não acha? — rebateu Crânio com ironia.

Dani levou a mão a boca para segurar o riso pela expressão de ódio no rosto de Iago. O garoto saiu pisando duro e a aglomeração se dispersou pelos corredores. Crânio se virou para Dani.

— Pensei que você estava brincando quando disse que faria campanha para Miguel.

— Olha para mim e vê se eu brinco em serviço? — ela riu e enfiou nas mãos dele parte dos panfletos — E você deveria me ajudar, mocinho.

Crânio engoliu em seco. Na primeira eleição para o Grêmio, ele se lembrava de ter feito uma vasta campanha para a eleição de Miguel junto com os outros Karas. Mesmo com o trabalho duro, as noites mal dormidas e as horas perdidas preparando os debates, a ocasião aproximou ainda mais os dois. Como foi que em tão pouco tempo as coisas mudaram de forma tão drástica?

Apesar da mágoa, Crânio discretamente fez campanha para Miguel. Nas horas seguintes que antecederam o Dia D, ele viu os outros Karas ajudando como podiam.

O último debate começou. O auditório do colégio Elite estava abarrotado e as aulas haviam terminado mais cedo para que todos os alunos pudessem assistir o embate. As mãos de Miguel suavam, e do lado esquerdo encarou Dani discretamente que quando o viu, sorriu de forma encorajadora. Crânio estava ao lado dela com uma expressão indecifrável. Miguel desviou o olhar.

Viu todos os Karas nas cadeiras. Calú levantou o polegar de forma divertida, Chumbinho mal mantinha os pés quietos de tanta ansiedade, Magrí tinha um leve sorriso, mas ela parecia triste. Pigarreou. Apesar da presença deles, Miguel se sentia mais sozinho do que nunca.

O debate começou. As primeiras perguntas eram as de sempre e as de praxe e os primeiros 45 minutos foram tediosos até para os partidários mais entusiasmados de Miguel e Iago. Este último tinha uma língua ferina, mas Miguel claramente estava mais preparado e tinha melhor conhecimento da administração da escola. Boa parte do Grêmio o apoiava, o que pesava muito a favor dele. 

Porém, Iago não ia se render tão facilmente, e sabendo desde o começo que teria de apelar, ele nos últimos dez minutos do debate, quando claramente perdia para Miguel, usou a última tática quando chegou a sua vez de perguntar:

— Então, Miguel, explique uma coisa: o que foi feito pelas famílias dos alunos sequestrados por causa da droga da obediência? Por que as investigações foram tão secretas, assim como as investigações sobre a morte do Profº. Elias e do Profº. Solomon, ironicamente todas ocorrendo durante o seu mandato…?

Um silêncio espectral caiu no auditório. Miguel empalideceu e ele viu Magrí arregalar os olhos pela audácia da pergunta. Muitos se remexeram nas cadeiras de forma desconfortável. O rapazinho encarou Iago friamente.

— As investigações foram comandadas pela polícia, Iago, e os casos já foram explicados e encerrados.

Iago sorriu com triunfo pelo desconforto de Miguel.

— Bem, não é o que todo mundo pensa, caro Miguel. Ouvi muitas histórias circulando pela escola que você atrapalhou as investigações desses casos com a ajuda de alguns amigos íntimos. Ouvi que você queria resolver tudo sozinho para ficar com os louros.

Vários olhos se arregalaram e sussurros tomaram conta do auditório. Os Karas mesmo longe um dos outros se encararam com apreensão. Estaria Iago apenas inventando aquilo para jogar sujo ou ele sabia mesmo de alguma coisa? Se algum fofoqueiro do Elite ouviu alguma coisa...

Miguel fez uma expressão de desgosto. Viu o olhar de Dani que lhe dizia que aquela era uma boa hora de também jogar sujo, como ela havia dito tão bem. Resolveu dar crédito para a garota e se virou para Iago:

— Por que diabos eu ia querer ficar com as glórias de resolver um caso? Quem você pensa que eu sou, um detetive mirim? Eu não sou o Hercule Poirot, Iago. Realmente tivemos um herói no detetive Andrade que resolveu todos esses casos.

Sussurros de aprovação ecoaram no auditório. O detetive Andrade virou uma espécie de herói para os alunos do Elite. Mas Iago não desistiu. Sorriu com zombaria:

— Não se faça de modesto, Miguel. Você queria sim bancar o detetive e até chegou a desconfiar da polícia para ter uma desculpa para se meter nas investigações, principalmente no caso da droga da obediência. Você nega?

Miguel trincou os dentes sentindo todos os olhares sobre ele. Estava encurralado. Sentiu as mãos suarem. Poderia negar e dizer que era besteira… Antes que respondesse, Iago continuou:

— O antigo diretor, quando foi preso, deixou escapar que você estava muito interessado no caso, Miguel. Como foi que ele disse mesmo? Ah sim, que você estava envolvido até o pescoço.

Os burburinhos aumentaram no auditório. Os Karas não esconderam a expressão de raiva pela situação que Iago colocou Miguel. Juntos ou não, a lealdade ainda era muito forte entre eles. Miguel crispou os lábios, mas pareceu relaxar antes de responder:

— Sim, eu me envolvi, porque meus amigos também foram sequestrados, caso você não se lembre. Não abusei dos meus poderes de presidente, mas me arrisquei, assim como meus amigos, para salvar principalmente um dos meus melhores amigos, Chumbinho. A vida de um amigo vale mais do que regrinhas de conduta, Iago.

O garoto em questão sorriu de orelha a orelha. Muitos outros alunos sorriram e aplaudiram pela sinceridade latente de Miguel. Aquilo pareceu ter desarmado o adversário, pois se a intenção dele era colocar Miguel numa saia justa, o efeito foi o contrário.

— E o sobre o time de futebol do Elite? — resmungou Iago usando do lhe restava — O time não anda bem e você é culpado por isso.

Alguns alunos que jogavam no time gritaram xingamentos para Iago. Miguel ouviu a voz de Dani na mente “não deixe barato para ele, Miguel”. Sorriu com zombaria:

— Eu não joguei as últimas partidas por causa da preparação para essas eleições… E pelo o que eu me lembro, você ficou no meu lugar. Não tenho culpa se você corre como um pato, Iago.

O auditório explodiu em risadas ao passo que Iago ficou vermelho ou de embaraço ou de raiva — provavelmente os dois. O debate foi encerrado com Miguel saindo vitorioso, assim como na votação do dia seguinte. Iago não teve a menor chance, por mais que tenha usado de todos os recursos e poder que o pai tinha no conselho para anular a eleição.

No início da tarde após a eleição, Miguel caminhava lentamente pelo estacionamento do Elite sentindo um pouco do peso saindo das costas. Ficou mais feliz que Chumbinho tenha o parabenizado e não parecia mais tão zangado com ele, e Calú veio lhe dar um tapinha nas costas pela vitória. Até mesmo Magrí acenou de longe de forma tímida, mas o suficiente para o coração dele reavivar no peito. Mas a alegria diminuía com a frieza de Crânio… Trincou os dentes. Não queria pensar na situação dos dois naquele dia feliz.

— Miguel, espera!

Dani veio saltitando para perto dele com um grande sorriso no rosto. Por um instante, pareceu que ela ia abraçá-lo, porém ela se limitou a apertar a mão dele.

— Parabéns!

— Obrigada pela ajuda, Dani — ele sorriu de forma amigável.

A menina piscou atordoada. Balançou a cabeça.

— Eu acho que deveríamos ir comer alguma coisa juntos para comemorar. Topa?

Miguel franziu a testa. Alguma coisa no olhar dela para ele o deixou desconfortável e com medo. Era o mesmo olhar que ele dirigia a Magrí… 

De repente, sentiu-se um pouco nervoso e não queria ficar perto dela.

— Desculpe.. eu vou almoçar com os meus pais. A gente se vê, Dani.

E saiu com largas passadas até o portão sem olhar para trás, deixando uma garota que até então estava muito feliz, com os olhos baixos e  se enchendo de lágrimas.

***

Dani se engasgou com as próprias lágrimas enquanto se lembrava de tudo o que passou até aquele momento por culpa dele. Miguel deitou a cabeça dela no ombro dele. Passou os braços pelos ombros da moça e dava-lhe tapinhas nas costas como se a ninasse. Ainda não conseguia falar, era tudo difícil de processar. Era sempre assim quando estava perto dele.

Conseguiu murmurar entre os soluços:

— Não posso te prometer nada, Miguel, nada mesmo. Mas posso te prometer que vou tentar te perdoar...

Miguel sorriu fracamente. Mesmo não sendo exatamente o que ele queria, sabia que era melhor do que ficar longe dela. Já havia perdido muito tempo quando poderia estar feliz com alguém que de fato sempre o amou, e agora estava pagando o preço da própria estupidez.

Suspirou. Ela tinha toda razão em guardar mágoa e ele não tinha direito de querer apressá-la. O pai sempre lhe dizia para ser paciente diante de um problema. Se ela teve tanta paciência com ele nos últimos anos, era a vez dele agora de ser paciente.

A vida dele estava cheia de impasses, mas pelo menos aquele parecia ser um que se resolveria mais rápido. 


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