Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 32
A Ciência da Valsa


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores! Esse conto ficou tão amorzinho que eu escrevi com um sorriso bem bobo nos lábios ;)

Boa leitura!



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O sol finalmente apareceu depois de semanas de tempo nublado e aquela garoa típica de São Paulo. O Parque do Ibirapuera estava cheio naquele gostoso fim de tarde. Magrí se recostou debaixo da árvore onde estava sentada, e suspirou contente. O noivo estava de frente, com a cabeça deitada no colo da moça fazendo vários pedacinhos com uma folha seca. Crânio deixava os olhos se fecharem, enquanto Magrí acariciava e bagunçava ainda mais os cabelos do rapaz com sua mão delicada. Não havia quase nada do piquenique que tinham feito — como sempre tinham o costume de fazer.

Aquele era um dos momentos que gostavam de ficar em silêncio, apenas na presença um do outro. A mini férias de Crânio não duraria tanto, e logo ele retornaria para o EUA — mas Magrí nem queria pensar na despedida quando chegasse a hora. Era bom estar ali, como nos velhos tempos. O parque virou um refúgio para o casal desde os tempos do Colégio Elite, e era como se nada tivesse mudado, como se ainda tivessem quinze anos com pouquíssimas preocupações.

Quinze... Aquele número fez Magrí sorrir ao se recordar de uma lembrança.

— Amor?

Crânio estava de olhos fechados, e a moça não sabia dizer se estava dormindo ou acordado. Até ele se mexer.

— Hum? Nossa... — ele suspirou — Acho que cochilei.

Magrí deixou a voz cristalina ressoar em uma risada. Era engraçado pensar que ela era uma das poucas pessoas que já viu Crânio em situações em que ele estava vulnerável.

— Lembra da minha festa de debutante? Parece que foi ontem que estávamos ensaiando a valsa...

O rapaz fez uma rápida careta, sorrindo logo em seguida quando se recordou da ocasião. Se havia uma coisa que também não havia mudado era que continuava um péssimo dançarino — por mais que Magrí diga o contrário. Talvez ela dizia aquilo só para deixá-lo contente.

— Ah sim... A sua festa que você ficou desesperado por causa do príncipe — riu — Eu tenho que confessar que eu o seu desespero pela falta dele foi engraçado.

Magrí cravou os unhas no couro cabeludo de Crânio com uma expressão entre a risada e a raiva.

— Não pense que você essa história acabou, mocinho. Ainda temos a festa de casamento para você dançar comigo, hum?

Crânio se virou para Magrí e segurou as mãos delas entre as suas.

— Sobre isso, minha querida… Eu me casaria com você hoje mesmo. Não queria que tivéssemos um noivado muito longo.

Magrí sorriu de forma brilhante e acariciou as mãos do noivo entre as suas. Era possível que o amasse mais? A cada dia que passava, a moça se sentia mais grata por ter em sua vida um homem que cresceu ao lado dela e que lhe era tão devoto, a ponto de se sacrificar para que não a perdesse.

— Eu também não quero esperar muito, meu bem. Mas eu queria ter tempo para planejar a cerimônia e escolher o meu vestido. Prometo que não vai ser nada espalhafatoso.

Crânio riu e beijou as mãos de Magrí.

— Bem, eu vou confiar em você. Eu só não queria usar um terno preto de novo, como você me obrigou a usar na sua festa de quinze anos. Eu fiquei parecendo um pinguim.

— Não seja bobo, você estava lindo — ela o beijou nos lábios — Mas vou ser boazinha e escolher outra cor…

Crânio pensou que daquela vez ele poderia escolher a cor que usaria, mas pelo jeito, certas coisas nunca mudariam…

***

— Amor, você prefere este modelo de terno ou este?

Magrí adentrou o jardim da casa de Crânio esbaforida e carregando dois ternos muito chiques ainda embalados da lavanderia. O rapazinho, que estava tentando consertar um velho carrinho a pilha que estava quebrado há anos, levantou a cabeça com a expressão confusa.

— Err os dois são iguais, Magrí — franziu a testa — Para quê você quer que eu escolha um terno?

— Para a minha festa, é claro. Esqueceu que você prometeu dançar comigo? Eu já escolhi a música, lembra que eu estava indecisa? Então eu já resolvi o problema...

Crânio abriu e fechou a boca, e parecia que alguém tinha lhe dado um soco no meio dos olhos. Magrí baixou os dois ternos e franziu a testa.

— Você esqueceu? A minha festa é sábado. Você sabe a valsa, certo? Você disse que sabia…

O garoto sorriu amarelo tentando disfarçar o pânico que sentia. Tinha realmente esquecido da festa de debutante da namorada e da bendita valsa.

Na verdade, ele tinha esperanças que ela tivesse esquecido também, porém Magrí raramente esquecia de alguma coisa… Sem falar que ele tinha prometido, quando estava no hospital, que dançaria com ela. Na hora o gênio dos Karas estava feliz demais por estar vivo e além de tomado pela emoção… Talvez ele não pensou muito no que prometeu.

Para piorar, o rapazinho tinha mesmo esquecido da festa.

— Olha, Magrí, sobre a valsa, eu...bem…

— Você esqueceu — Magrí afirmou — Hoje é terça-feira, a minha festa já é no sábado e você não sabe a valsa.

O garoto massageou a nuca em nervosismo. Já sentia a encrenca que ia se meter com a garota. Não adiantava mentir.

— Tudo bem, eu esqueci. Pronto. Eu realmente não sei dançar valsa, Magrí — Crânio suspirou — Eu sei que eu prometi, mas vou fazer você passar vergonha na frente da sua família. Eu sinto muito.

Magrí colocou os ternos no banco do jardim com um leve suspiro. Por mais que quisesse ficar zangada com o namorado, o garoto sabia desarmá-la. Não tinham muito tempo para brigas naquela altura. Sendo assim, a garota antes mesmo de pensar em se sentar no banco, pegou os ternos, agarrou a mão do namorado e o levou para a sala. Assim que adentraram, a menina afastou os sofás para um canto da parede e tirou o tapete.

— Espero que sua mãe não fique zangada comigo por isso — Magrí comentou — Muito bem…

Ela estendeu a delicada mão para um Crânio que estava em pânico. Pela primeira vez, ele não tinha vontade de se aproximar dela. Ele deu dois passos para trás e olhou para a porta que dava para o jardim calculando todas as possibilidades de sair dali.

Magrí riu e revirou os olhos.

— Não seja bobo, Crânio. Até parece que eu vou te torturar.

O rapazinho se aproximou da garota como um animalzinho assustado, enquanto Magrí segurava o riso. Os dois deram as mãos, e em seguida, a menina dos Karas colocou uma mão de Crânio na cintura dela e a outra continuou atrelada a mão dele. Ela acomodou a outra mão livre nos ombros do garoto, e sorriu com doçura.

— Muito bem, querido. Está vendo, não arranquei o seu braço.

— Engraçadinha…

Magrí mordeu a língua para não rir da expressão assustada de Crânio.

— Eu vou dançar uma valsa simples com o “príncipe” — ela começou — Nada muito longo ou elaborado. Mas já com você, eu quero dançar uma valsa de verdade. Nós vamos circular o salão em sentido horário e anti-horário. Logo em seguida, os outros casais vão dançar também neste momento.

Crânio apenas acenou sentido as palmas das mãos suarem frio. Magrí lhe deu um selinho dizendo de forma provocadora:

— Agora não me diga que o campeão de notas 10 da escola está com medo de uma simples valsa?

O garoto fechou a cara.

— É claro que não!

— Ótimo! Porque você é quem vai ter que me guiar pelo salão. A valsa funciona dessa forma, você guia e eu te sigo. Para isso eu tenho que confiar em você. É como o amor…

Ela fez um carinho no pescoço do rapazinho.

— Eu não confio em você sempre que nos metemos em alguma enrascada? Na valsa a dinâmica é a mesma. A diferença é que é mais chique e não corremos risco de morrer.

Crânio sorriu amarelo.

— Só de levar um tombo na frente de todo mundo.

— Não vai acontecer se você souber para onde está me levando — Magrí riu — Para isso, vamos contar sempre. 1, 2, 3… 1, 2, 3… três tempos. Você sabe mais de música do que eu, então vai ver que a música só tem três tempos.

Os dois posicionaram os pés e Magrí começou liderando a valsa — e com menos de um minuto de ensaio sem música, os dois caíram no chão.

A menina caiu na gargalhada, enquanto Crânio ficava vermelho que nem um tomate, e se sentindo horrível por tê-la derrubado.

— Eu te machuquei? Me desculpe!

— Tá tudo bem, querido — Magrí deixou que o garoto a ajudasse a se levantar — Bem, pelo jeito vamos ter trabalho…

Na próxima hora, os dois continuaram tentando dar três passos sem caírem ou pisarem no pé um do outro. Crânio se sentia cada vez pior ao ver o olhar de decepção de Magrí por ele não estar progredindo na valsa.O rapazinho contou perfeitamente o tempo da música e as pausas, mas o corpo dele não respondia como o cérebro prodigioso.

Por fim, os dois se cansaram. Magrí se jogou no sofá da sala.

— Acho melhor nós pararmos por hoje… Quem sabe amanhã.

— Eu te disse que eu era um péssimo dançarino — Crânio murmurou se sentando aos pés do sofá onde Magrí estava — Magrí, é sério, você tem certeza disso…

A garota o fitou como se estivesse em um dilema. Ela se sentou no chão ao lado dele e o abraçou com carinho. Não iria desistir e ela esperava que ele também não. Queria muito ter aquele momento, por mais que soubesse que as fofocas sobre o relacionamento dos dois aumentariam depois da festa, e não haveria mais como esconder nada.

Magrí não convidou muitas pessoas, mas algumas colegas da ginástica e do vôlei estariam presentes. Os Karas também estariam presentes… Ao pensar em um específico, a menina sentia o estômago afundar. Se ele tinha apenas suspeitas, elas se confirmariam na festa. Magrí não tinha ideia do que fazer com isso.

— Eu tenho sim — disse ela — Vai dar certo, não se preocupe.

O tom que ela disse parecia mais que queria convencer a si mesma. Crânio segurou a mão dela.

— Você entende que se nós dois dançarmos juntos… — Crânio parou — Vamos confirmar todo o falatório sobre a gente. Você tem certeza?

— Sim — ela respondeu rapidamente apertando a mão dele — Eu acho que você tinha razão quando me disse lá no carro do Andrade que era não justo que passássemos a vida inteira nos escondendo, como se fôssemos criminosos.

O rapazinho acenou.

— Mais cedo ou mais tarde esse dia ia chegar… Mas eu te conheço bem, Magrí. Não quero que sofra por causa do Miguel.

A menina se recostou no peito de Crânio suspirando. Murmurou:

— Algumas coisas são inevitáveis…

***

Crânio aguardava com impaciência batendo o pé e olhando toda hora para o relógio. Era estranho ver o teatro vazio, e aquele não era um lugar que o rapazinho ia com frequência após a aula. Ele olhava para as coxias e para a porta com frequência, mas ainda não tinha sinal de Calú.

Mal havia se sentado novamente no banco da platéia, o ator dos Karas adentrou o teatro do colégio de forma triunfante, com Dani logo atrás dele. Crânio franziu a testa para a irmã.

— O que você…?

A menina revirou os olhos e riu.

— Eu vim ajudar, é claro. Calú me contou a história toda. Por que você não disse nada sobre essa valsa? Esqueceu que eu tive que aprender para a festa de aniversário da nossa prima ano passado, que você conseguiu fugir?

Crânio fez uma careta de desgosto. Pela primeira vez estava arrependido de ter escapado daquela festa — se tivesse ido, não teria mais problema com valsa nenhuma, nem a situação constrangedora de ter que pedir ajuda com aquilo.

Calú estalou a língua.

— Além disso, eu ofereci os meus serviços caso a Magrí precisasse de ajuda sobre a valsa, já que eu danço melhor do que todo mundo nesse colégio. Anos de prática no teatro e festas de aniversário.

Crânio balançou a cabeça segurando o riso. O ator dos Karas era tão vaidoso quanto ele mesmo.

— E a Peggy? Ela não vai conseguir vir mesmo? Você vai ficar sem par?

— Infelizmente, a minha gatinha vai ter que participar de uma viagem diplomática — Calú fez uma careta exagerada — Mas eu descobri que a sua irmã é uma excelente dançarina.

Dani sorriu de forma maldoso.

— É, mas eu disse para ele que na primeira gracinha, eu vou arrebentá-lo depois da festa.

Crânio riu, enquanto que Calú revirou os olhos.

— Ah, assim eu fico mais tranquilo.

Calú estalou as mãos com um sorriso enorme no rosto. Ensinar alguma coisa que o gênio dos Karas não sabia fazer era uma satisfação para o rapazinho, e não ia deixar de aproveitar aquele momento.

— Muito bem, senhor e senhorita — começou ele de forma espalhafatosa — Subam para palco.

O rapazinho colocou a música para tocar no rádio do teatro, e começou a rir enquanto dançava sozinho. Virou-se para Crânio.

— Que fofo, vocês vão dançar na festa a valsa de A Bela Adormecida.

— Calú, se você começar com as suas gracinhas…

— Calma, calma, criança. Não posso nem mais fazer uma brincadeirinha!

Crânio revirou os olhos e massageou as têmporas. Aquilo ia ser uma tortura e estava começando a se arrepender de ter pedido ajuda para Calú.

O ator dos Karas puxou Dani para o centro do palco, e os dois de forma graciosa, começaram a circular o chão seguindo perfeitamente o compasso da música. Crânio observava com atenção o que Calú fazia e como a irmã respondia aos movimentos dele.

Não havia como negar a graciosidade do ator dos Karas, a confiança que emanava dos movimentos que fazia com o corpo, e a segurança que passava para Dani, como se dissesse que poderia confiar nele, pois ele sabia o que estava fazendo.

Naquele momento, Crânio entendeu a razão da sua dificuldade com a valsa, mas só não conseguia por em palavras o que estava em sua mente.

Calú e Dani finalizaram a dança, e Crânio aplaudiu da platéia. Subiu de novo para o palco.

— Acho que eu entendi o que eu estava fazendo de errado… — disse ele.

— Não é complicado, são apenas três tempos e você não pode esquecer de girar a Magrí no 3. Quer tentar?

Crânio acenou e se posicionou junto com Dani no centro do palco. A menina sorria de forma carinhosa para o irmão e sussurrou:

— Eu sei que você sabe dançar valsa, Crânio. Você está apenas com medo do vão pensar de você.

— É claro que não! — ele quase sibilou — E eu não sei dançar valsa!

Dani sorriu de forma divertida.

— Você está apavorado de se mostrar como realmente é. Por isso que não consegue dançar, porque a dança não esconde o que está na nosso coração.

O garoto franziu a testa e não respondeu. Calú contou até três e soltou a música, se aproximando dos dois para corrigir os passos que saíam errados. Crânio fitou a irmã enquanto que, ainda sentindo insegurança, avançavam pelo palco do teatro.

— Crânio, respira — Dani riu — É só uma valsa.

— Eu quero fazer uma surpresa para Magrí — ele sussurrou para a irmã enquanto circulavam o palco — Sabe… mostrar que eu aprendi, que o esforço dela não foi em vão.

— Ai! Você pisou no meu pé!

— Desculpe!

Calú gritou e desligou o rádio.

— Ok, corta! Crânio, vem aqui!

O garoto suspirou alto, enquanto Dani tentava não rir da situação.

Calú passou o braço pelo ombro do amigo e o levou para o canto.

— Presta atenção, acho que isso vai te ajudar: já viu como são os pavões?

Crânio acenou de forma afirmativa. Calú continuou:

— Eles são bonitos e graciosos com todas aquelas penas, principalmente quando querem conquistar uma fêmea.

Crânio franziu a testa para o ator dos Karas.

— Ok… O que isso tem a ver comigo?

Calú sorriu.

— Tem tudo a ver, oras. Tudo bem que você já conquistou a Magrí, e se considere sortudo por isso. Mas pense que vocês dois não estão juntos, e você quer conquistá-la na hora da valsa. Ou seja, você vai ter que ser que nem o pavão.

Crânio olhou para Calú como se ele tivesse duas cabeças.

— Calú, que diabos de conversa essa?

O ator dos Karas deu risada. Dani os observava de longe com curiosidade e sem entender nada.

— Ora Crânio, até parece que você não sabe do que eu estou falando! Se a valsa fosse a única oportunidade que você tivesse para conquistar Magrí? Se a valsa fosse a sua única chance?

O rapazinho levantou a sobrancelha e Crânio finalmente entendeu o que ele mesmo havia percebido, mas não tinha conseguido pôr em palavras. Ser um pavão. Era engraçado, mas fazia sentido.

Calú fez os irmãos dançarem por quase uma hora e meia até dizer que estava razoável. Crânio sentia as costas doerem de tanto ficar em postura reta como Calú havia exigido. Ainda estava longe do ideal, mas pelo menos não estava tão ruim como nas vezes que tentou dançar com Magrí.

Ele estava imerso em pensamentos, e não percebeu que a irmã sentou ao lado dele no palco do teatro.

— Vamos, se anime. Você não precisa ficar tão nervoso. É só uma valsa.

Crânio bufou.

— Fale isso para o Calú. Sabe o que ele me disse? Que eu tenho que dançar como se fosse um pavão.

Dani caiu na gargalhada por quase um minuto, ao passo que Crânio revirou os olhos.

— Vá lá, Don Juan! Mas o Calú realmente dança como um pavão. Se ele não tivesse namorada e eu não gostasse do…

Ela parou abruptamente e virou o rosto. O irmão a fitou com curiosidade.

— Quem? Quem é quem você gosta?

— Ninguém — Dani passou os dedos no cabelo — Não gosto de ninguém. Falei apenas por falar.

— Ah qual é, você não vai me falar? Se bem que eu nunca sei quando você está namorando ou não…

Dani ficou emburrada.

— Já disse para deixar para lá, Crânio! Não se meta!

O rapazinho estudou a irmã confuso pela mudança súbita de humor. Dani evitava olhar nos olhos dele.

— Ok, ok. Pelo jeito você pode se meter na minha vida — disse ele de forma brincalhona — Mas eu não posso me meter na sua. Já entendi, não precisa se zangar.

A menina deu um leve sorriso, mas ainda sentia uma terrível náusea no estômago ao pensar que o irmão quase a fez confessar o seu maior segredo. Não estava preparada para admitir aquilo em voz alta.

Ela encarou o perfil do irmão. Crânio não tinha ideia do quanto era sortudo, pensou ela, pela garota que ele amava corresponder aos sentimentos dele. Nem todo mundo tinha essa sorte na vida.

***

Magrí sentia os músculos do rosto doerem de tanto que estava sorrindo, seja cumprimentando os familiares e amigos que chegavam no salão para a festa, seja para pousar para as fotos. Ela gostava, é claro, mas ela já estava se cansando e queria comer alguma coisa.

A menina foi até mesa onde os pais estavam para beliscar um salgadinho, e acabou ouvindo o que a funcionária do buffet dizia para sua mãe:

—… Não sabemos o que fazer, senhora. Sem o "príncipe", como vai ter a valsa? Estamos atrás de outro, mas encontrar um garoto para fazer esse trabalho não é tarefa fácil.

— Nós vamos dar um jeito — respondeu a mãe tentando soar confiante — Só não deixe minha filha sa… ah querida, você está aí?

Magrí estava pálida feito papel. Tinha ouvido a maior parte da conversa, e a mãe percebeu a situação.

— Err, querida, tivemos um pequeno contratempo com o príncipe, meu bem — a mãe acariciou os cabelos impecáveis de Magrí — Mas não se preocupe, nós vamos dar um jeito.

A menina sentiu o estômago afundar.

— Mamãe, não vai ter valsa sem o príncipe…

— Vai sim, querida. Qualquer coisa você pode dançar com o seu primo William, ele dançou na festa da Sandrinha ano passado.

A menina sorriu amarelo para o primo William que estava na mesa ao lado. Por mais que gostasse do primo, queria distância dele, pois ele tinha uma certa fama de não ser o garoto mais correto do mundo. O namorado não havia chegado ainda, e só tinha visto Miguel em um canto conversando com alguns amigos, e Calú…

Calú! O ator dos Karas sabia dançar valsa, certo? Magrí segurou o saiote do longo vestido que usava e foi até o amigo que conversava com um conhecido. Os dois ficaram mudos com a chegada da garota.

— Ow, Magrí! Como você está elegante! Parece uma princesa da Disney.

A menina sorriu pelo elogio, mas o puxou discretamente para um canto. Calú franziu a testa.

— Estou com problemas, Calú. Você viu o Crânio?

— Não… O que houve? Você não deveria estar se posicionando para a valsa?

— Eu sei, mas o príncipe não vão poder vir! Depois que eu dançar com o meu pai, eu não vou ter par!

Era nítido o desespero na voz de Magrí. Calú falou num tom conciliatório:

— Calma aí, garota. Eu entendi a situação. Bem…. Eu até poderia dançar com você, mas eu prometi fazer par para Dani, lembra? Você não queria que ela fosse uma das suas quinze damas? Já que a Peggy não pode vir e eu e ela ficaríamos sem par…

Magrí bateu a mão na testa. Tinha se esquecido daquele arranjo de última hora. Magrí não tinha certeza inicialmente se Dani ia querer ficar no lugar da Peggy, mas a menina acabou aceitando o convite.

A hora estava passando e os convidados já cochichavam entre si se haveria ou não a tradicional valsa da debutante. Enquanto os dois Karas tentavam conversar de forma discreta, Crânio finalmente chegou, já sentindo as mãos suando. Viu Miguel ao longe dividindo uma mesa com alguns amigos do Grêmio, viu a irmã olhando na mesma direção que ele e por fim, viu Magrí que também o viu.

Crânio nem prestou atenção que Calú estava ao lado dela quando se aproximou. Magrí estava tão deslumbrante que o deixou sem palavras, e só horas depois que percebeu que o vestido era de um leve tom rosa com branco, e que o modelo era uma releitura do clássico vestido da Princesa Aurora.

A menina o puxou por um canto pela mão e o olhou com súplica. Mas Crânio estava tão estupefato pela beleza dela que só entendeu o final:

— ...Está tudo bem para você ser assim? Eu sei que não é o que combinamos, mas eu preciso que você dance comigo.

Crânio piscou e sabia que estava com a cara mais idiota do mundo.

— Claro, claro. O que você quiser. Você está tão…. Eu, bem, quero dizer…

Ele ficou vermelho. Os olhos de Magrí brilharam e ela deu um leve selinho no garoto. O perfume da menina o deixou mais tonto.

— Você é um amor, obrigada. Gostou?

— Muito. Só falta um castelo e um cavalo branco…

Magrí riu. Ela entrelaçou os dedos na mão do namorado e o levou para perto dos quinze casais que dançariam a valsa. Ao longe, os dois não perceberam o olhar de surpresa de Miguel. Só quando Magrí foi com o pai até o centro da pista de dança é que Crânio finalmente percebeu que o tal príncipe não ia aparecer, e que ele é quem deveria ficar no lugar.

O gênio dos Karas poderia ter reagido da maneira habitual: pânico, raiva, suor frio. Mas não sabia dizer o que aconteceu ao sentir uma confiança em si mesmo e no que deveria fazer — algo que não era do seu costume. Só tinha os olhos para Magrí e mais ninguém. O mundo a volta dele era um borrão de cores.

A primeira valsa terminou e veio os aplausos dos convidados. As luzes diminuíram um pouco e Crânio caminhou para o centro da pista. Cumprimentou Magrí que sorria de orelha a orelha. Pegou na mão e na cintura da garota, puxando-a para si e a olhou nos olhos. Ele sentiu o coração dela bater mais forte. Ouviu os primeiros violinos da música, contou até três e valsaram pela pista.

Os dois pareciam voar enquanto giravam com graça e elegância. Magrí seguia os passos de Crânio com uma grande sorriso no rosto, e não olhava para mais ninguém a sua volta. Até mesmo quando ele a girava, a menina não tirava os olhos dele.

Os convidados estavam encantados pela dança, e logo além dos quinze casais, outros casais convidados também se juntaram na pista, fazendo uma círculo em torno do casal principal. Mas nenhum chegava aos pés de Crânio e Magrí, nem mesmo Calú e Dani. O ator dos Karas sorria como um pai orgulhoso ao ver o casal principal dançando.

Quando a música já estava chegando ao fim, Crânio foi mais ousado em levantar Magrí pela cintura e girá-la. A garota riu de surpresa, e quando a música chegou ao fim, com os dois de volta no centro da pista de dança, Magrí com o coração aos pulos, puxou Crânio pela nuca e tascou um beijo na boca do menino. Os convidados foram a loucura entre aplausos, assobios e gritos para os dois. Ao longe ouviram Calú grita "Pavões!"

Crânio e Magrí continuaram abraçados na pista. A menina sussurrou:

— Eu sabia que você conseguiria dançar valsa.

— Acho que quando eu pisei no seu pé nos ensaios, você não estava tão confiante.

— Talvez… — ela riu — Mas eu sabia que vi não ia me decepcionar. Amo você.

Crânio segurou o rosto dela entre as mãos.

— Eu também te amo muito…

E se beijaram de novo, sem se importarem com mais nada, como se estivessem vivendo um contos de fadas…

***

Miguel fitou a noite alta sentindo um horrível aperto no peito. A imagem que viu não saía da sua cabeça. No fundo ele sabia sobre Crânio e Magrí, mas como nunca tinha visto os dois agirem como casal, aquela realidade parecia algo distante e impossível de acontecer. Porém, depois daquela noite, os dois pareciam que não iam mais esconder o que sentiam, e como consequência, Miguel teria que conviver com tudo aquilo.

Ele balançou a cabeça com um sorriso irônico, escondendo qualquer tristeza como sempre fez e sempre faria. Ninguém iria sentir pena dele, faria questão disso. Não seria um trágico garoto apaixonado e faria de tudo para fingir que nada o atingia. Era o melhor plano e remédio que conseguia pensar.

— Miguel? O que você está fazendo aqui?

O rapaz se virou e viu Dani parada na porta do terraço com uma expressão confusa. A garota se aproximou com um suspiro colocando uma mão no ombro dele.

— Acho melhor você entrar antes que dêem por sua falta.

— Ninguém vai perceber que eu saí, Dani — o rapaz sorriu amarelo tentando soar como uma brincadeira, falhando.

Dani baixou a cabeça e murmurou:

— Mas eu sim...

Se Miguel ouviu, ela nunca soube. O garoto passou por ela de cabeça baixa, evitando olhar para o rosto dela. A coragem que Dani tinha juntado em convidá-lo a dançar com ela se esvaziou e dissipou como os giros de valsa na pista.


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Notas finais do capítulo

No próximo conto: Em 1995 Miguel está completamente confuso sobre o comportamento de Dani, e finalmente relembra também a final do interclasse de 85 que Dani foi fundamental para Miguel, mas que ele jamais havia percebido isso até aquele momento.



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