Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 28
Um Caso Irresolúvel - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos leitores! Saudades de mais uma aventura? Pois é, eu também estava e esta é a primeira parte de mais um mistério (dessa vez macabro) para os nossos Karas resolverem... Ou não hehe. Sobre o final do último conto: vocês terão que esperar... ;)



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Londres, 1995

Miguel sabia que não tinha sido enganado. Não, não se enganou. Tudo o que aconteceu na festa da última sexta-feira aconteceu de verdade, porque se não tivesse acontecido, ele não seria capaz de lembrar, correto?

Então porque ela o estava ignorando?

A moça em questão estava muito concentrada no trabalho do outro lado da sala. O silêncio era torturante e Miguel não sabia o que fazer, pois nunca tinha passado por uma situação como aquela nos breves relacionamentos que já teve. Nenhuma garota lhe deu o gelo antes. Bom, nenhuma garota comum pelo menos.

Miguel conseguia fechar os olhos e visualizar toda a cena novamente. A música que tocava, as pessoas que dançavam ao redor, eles dois abraçados na pista de dança, o beijo, ela correspondendo com entusiasmo pela forma como o segurou pelo pescoço...

E num instante, ela tinha sumido, deixando Miguel sozinho na festa. O rapaz nunca se sentiu tão triste em voltar para casa cedo.

O porta-retratos com a foto dos Karas estava em pé em cima da mesa. Miguel há muito tempo desejava ter um dos amigos por perto para ajudá-lo a lidar com aquela situação. Sentia-se muito estúpido. Infelizmente era um sentimento rotineiro.

Levantou-se com a desculpa que ia esticar as pernas.

— Quer café, Dani? Eu pego para você.

A moça levantou os olhos do computador e o fitou. Em seguida, apenas acenou com a cabeça com um sorriso amarelo. Miguel foi até a copa, pegou duas xícaras de café e voltou para a sala colocando a xícara com o café mais espumante na mesa de Dani.

A porta da sala estava aberta e duas moças passaram com olhares desconfiados para os dois e dando risadinhas. Dani se remexeu na cadeira e Miguel franziu a testa.

— O que há com elas?

— Nada. Nada importante, sério — Dani bebeu do café e fez uma careta por estar quente demais

— Ai!

Ela acabou derrubando o café sem querer na manga da camisa de Miguel que deu um pulo de surpresa.

— Ai meu Deus, Miguel, me desculpe!

— Tá tudo bem, tudo bem — ele segurava as caretas de dor pelo café quente na pele do braço e no rosto respingado — Eu posso ir para casa trocar.

Dani tentava limpar a sujeira da camisa com o guardanapo, e balançou a cabeça parecendo protelar alguma coisa. Olhou de novo pela porta onde as outras funcionárias tinham passado aos cochichos e risadinhas. A cena que estava prestes a fazer só ia aumentar o falatório.

— Não, dá para sair se lavar. Vem, eu te ajudo.

Ela agarrou a mão dele e o arrastou até o banheiro feminino que, graças a Deus, estava vazio. Colocou a manga da camisa de Miguel com ele junto debaixo da torneira (graças a Deus novamente que ele não ia precisar tirar a camisa, porque se fosse o caso...) e começou a esfregá-la com o sabão.

Enquanto a água tirava o café da camisa, Dani passou então a limpar o rosto dele com papel, ignorando o sorriso que brincava nos lábios de Miguel. Estavam tão perto de novo um do outro, que o fez se recordar de outra ocasião, bem mais perigosa do que aquela...

***

Aquela manhã no Colégio Elite estava sendo mais uma de cochichos e sussurros pelos corredores. Se tivesse em seu estado de espírito normal, Crânio estaria se perguntando qual era a novo escândalo que aconteceu para gerar tanta fofoca, mas o rapazinho estava com a cabeça no mundo da lua.

Na última vez que conversou com Magrí os dois não se despediram em bons termos. Na verdade, tinham brigado (feio) pela primeira vez em todos aqueles meses de relacionamento. Até que demoraram, pois os outros casalzinhos brigavam para valer em muito menos tempo. O gênio dos Karas não se sentia consolado com este pensamento, no entanto.

Ficou tão absorto que não viu que alguém esbarrou nele.

— Desculpe — uma voz acuada e abafada soou perto dele — Ah é você?

Crânio finalmente olhou para pessoa que esbarrou. Levantou a sobrancelha crispando os lábios. Nunca foi com a cara do rapazinho a sua frente.

— Oi para você também, Henrique. Vê se olha para onde anda.

Em circunstâncias normais, Henrique teria uma resposta na ponta da língua; Crânio o ignoraria como se fosse um mosquito irritante e Henrique o fulminaria com os olhos o dia inteiro. De fato, Henrique tinha olhos negros de besouro que combinavam com o cabelo escuro. O nariz de fuinha sempre franzindo, os lábios muito finos e as sobrancelhas sempre arqueadas davam ainda mais o aspecto de mosca para o garoto.

Henrique parecia que havia chorado a noite inteira e quando falou cuspiu ressentimento e ironia:

— Desculpe se eu estava pensando no meu irmão assassinado.

Aquilo fez com que Crânio parasse e se virasse de frente num estalo para o garoto. Ia deixá-lo falando sozinho, mas aquela afirmação o pegou completamente desprevenido.

— O quê?

— Você não sabe? O gênio da escola não sabe como meu irmão morreu? — a expressão de Henrique ficou mais desdenhosa — Ora, ora.

Crânio trincou os dentes. O orgulho não o deixava admitir que não sabia sobre a causa da morte de Charles Duarte. Não havia lido o jornal naquela manhã, mas tinha percebido os cochichos. A expressão de triunfo de Henrique o deixou ainda mais zangado.

Henrique saiu cabisbaixo tentando parecer confiante, mas Crânio viu que o garoto fingia para esconder a dor. Sentindo-se mal, o gênio dos Karas viu a figura do garoto cara de inseto sumir no corredor do Colégio Elite.

***

A aula de Biologia naquele dia estava muito entediante. Ou talvez Magrí não estava conseguindo se concentrar pelos pensamentos estarem uma bagunça. Sentia os olhos do namorado a fitando atrás dela. Ouvia também os mexericos sobre o que aconteceu com o irmão de Henrique, Charles Duarte, filho de um dos grandes milionários da cidade, que apareceu morto em circunstâncias misteriosas. Havia também a questão de ter visto Dani muito perturbada com todo aquele caso. Ela tinha uma noção da razão da garota, mas ainda sim…

Um aviãozinho de papel pousou em cima da sua carteira. A profª. Hitomi estava de costas apontando algo da matéria na lousa. Pelo rabo de olho, Magrí viu Crânio olhar para ela com súplica. A menina deu um leve suspiro enquanto abria o aviãozinho:

Vêco orpí bom? Iandi orpí zingildi cemage?¹

Magrí mordeu o lábio enquanto decifrava de cabeça a mensagem em TENIS-POLAR. Realmente bem não estava justamente, porque estava chateada com o namorado. O que era apenas uma briga besta virou uma bola de neve. Era tudo ridículo! Por que ele precisava ser tão teimoso?

Franziu a testa. Em seguida escreveu rapidamente. Olhou para trás. Havia um aluno entre ela e Crânio na fileira. O gênio dos Karas deixou a caneta cair ao chão quando Magrí inclinou o corpo para trás com o aviãozinho agora amassado. Crânio esticou o braço, mas ao invés de pegar a caneta, pegou o papel da mão de Magrí que estava para fora da carteira. Leu:

Orpeu bom. Lie orpeu zilgidi, mir chipoidi.²

Naquele instante a professora chamou Crânio para ir a lousa resolver um exercício. O garoto aproveitou para “sem querer” deixar cair um papel do bolso na mesa de Magrí. Ele escreveu:

Tscarimer celvosris. Dotear di iuli, lugis do romtse³

Os dois Karas eram tão bons em fingir que ninguém, nem mesmo a professora sempre atenta e muito rígida com a disciplina em sala de aula, percebeu a troca de bilhetes. Ela que sempre pegava as colas dos alunos durante as provas...

Crânio e Magrí sabiam fingir, inclusive fingir que estava estava tudo bem...

***

Havia um grande arbusto no Jardim do Colégio Elite que tornava impossível ver quem estivesse do lado oposto que levava de volta às salas de aula. Foi naquele lugar que Magrí apareceu, e Crânio já a esperava com uma expressão séria e franzindo a testa. Quando a viu, o garoto pareceu hesitar por alguns instantes, até ir de encontro a ela e abraçá-la. Magrí por sua vez demorou para abraçá-lo de volta, mas por fim com um suspiro, ela passou os braços em volta do pescoço do garoto.

O rapazinho a soltou apenas para olhar o rosto cansado e abatido de Magrí. Franziu os lábios.

— Você não dormiu.

— Eu vou ficar bem. Mas não temos muito tempo — ela piscou — Há um assunto mais urgente do que nós dois agora, Crânio. O caso daquele aluno que apareceu morto. Eu estou surpresa que Miguel não tenha convocado os Karas.

A última vez que o nome do amigo foi dito entre dois foi durante a discussão de algumas semanas. Crânio concordava que o caso do garoto encontrado morto era muito sério, mas sendo sincero consigo mesmo, ele não estava nem um pouco a fim de se envolver naquilo tudo.

— Talvez ele acha que a polícia já estava bem adiantada com a história — ele cogitou — Se for o caso, talvez a gente nem precise interferir.

Magrí não estava confiante naquilo. Sussurrou:

— Sei não, Crânio. Mas há uma coisa: vi sua irmã hoje mais cedo e ela não está nada bem. Está muito perturbada e assustada com alguma coisa.

Aquela informação deixou Crânio em alerta. Se havia uma pessoa que ele sempre se preocupava além de Magrí, era Dani. Eles não tinham se visto pela manhã, pois Dani dormiu na noite na casa de uma amiga de classe e de lá foi direto para a escola.

— Perturbada? Com o quê?

— Eu não sei, por isso estou te contando, para você ficar de olho e descobrir qual é o problema. Você é irmão mais velho, ela vai confiar em você ao invés de uma estranha como eu.

Crânio franziu a testa.

— Você não é uma estranha, Magrí. Você é quase….

Ele estacou e a palavra morreu na língua. A menina piscou.

— Sou quase…?

O rapazinho a fitou com ternura e dor. Eram sempre esses os sentimentos que Magrí lhe causava.

— Você já é da família…

Ela sentiu a garganta se fechar. Não suportaria se separar dele, suportaria? Por mais que tenha dito na discussão que ela poderia acabar com o namoro, sabia bem que era apenas um blefe, algo dito em meio a raiva.

Tão parecidos em temperamento e afinidades, mas ao mesmo tempo tão diferentes…

De repente, a garota sentiu os pés saírem do chão quando Crânio a abraçou e beijou com saudades, amor, dor…

***

Miguel estava tendo um péssimo dia. Tinha mil coisas para organizar no Grêmio, tinha pilhas de matérias para estudar e para piorar, passou a maior parte do tempo livre trancado com o diretor e a polícia sobre o caso do aluno Charles Duarte.

Era tudo muito sinistro. Nisso ele tinha que concordar com a polícia, quanto menos os alunos souberem das circunstâncias da morte do garoto, tanto melhor. Até mesmo o líder dos Karas estava receoso de envolver os amigos na investigação, mas parecia que não havia muita escolha.

O rapazinho ouviu sussurros e um soluço no fim do corredor. Não havia mais ninguém na escola naquele horário. Será que algum dos primeiranistas ficaram para trás após o fechamento dos portões? Miguel se aproximou pronto para ajudar, mas estacou quando viu que não era um primeiranista, mas sim duas pessoas e a cena mais perturbadora daquele dia.

Henrique Duarte pela primeira vez deixava cair as lágrimas. Ele estava sentado no chão com a cabeça no colo de uma garota que o parecia consolar... Miguel a olhou bem. Escancarou a boca quando viu que era Dani.

Dani estava consolando aquele garoto esquisito como se ele fosse um bebê. O que era mais chocante era que ela parecia tão triste quanto ele. Ouviu os sussurros:

— Eu não deveria tê-lo deixar ir... A coisa... A coisa o pegou — Henrique fungava nos braços de Dani — Você sabe o que é, você viu.

— Eu não acho que seja isso...

— Foi sim, Danielle! Foi a coisa! A coisa o pegou! — Henrique levantou a cabeça do colo da menina num estalo — Não minta! Você está com tanta medo como eu! Mas eu sei que você não quer aceitar que Charles está morto, porque você preferia ele do que a mim...

Dani o empurrou de cara fechada tentando segurar as lágrimas.

— Cala essa sua boca, Henrique! Como pode ser tão idiota?!

Miguel se aproximou deixando que os dois notassem a sua presença. Henrique se endireitou em um pulo e Dani levou um susto quando viu. Qualquer que fosse a expressão do líder dos Karas, ela não era boa.

— O que vocês estão fazendo aqui? Já passou do horário — ele virou-se para Henrique — A escolta está te esperando lá fora junto com a sua mãe.

Henrique fez uma cara de desdém, mas era covarde demais para discutir com Miguel. Crispou os lábios:

— Passar bem.

Com um último olhar para Dani, Henrique saiu como um jato e sumiu pelo corredor. A menina fitou o líder dos Karas com uma expressão enigmática. Antes que ela dissesse qualquer coisa, Miguel olhou de um lado para o outro e se aproximou:

— O que ele estava dizendo para você? Que coisa é essa que ele repetia?

Dani fechou a cara ao se levantar do chão.

— Não se meta nisso, Miguel. Não é da sua conta.

Miguel não se abalou:

— É da minha conta sim senhora. Se ele estiver escondendo alguma coisa, eu tenho de avisar a polícia, é o meu dever como presidente do Grêmio ajudar nas investigações.

— Ajudar é diferente de ser um xereta e querer bancar o Sherlock! — Dani estava quase sibilando — Fica fora disso!

O garoto se aproximou e a segurou levemente pelos ombros. Olhou para Dani com súplica, e a menina engoliu em seco. Nunca tinham ficado tão perto um do outro como daquela forma.

— Por favor, por favor, Dani. Eu preciso que você me ajude.

***

A situação era de emergência máxima e os Karas não mais podiam ignorar o caso. Miguel convocou uma reunião em um horário atípico onde não tinha ninguém na escola, a não ser os seguranças. Com cautela, um a um foram chegando pelo forro do vestiário. O último a fechar o alçapão foi Calú, que se juntou ao semi-círculo iluminado pela fraca luz da lua.

O líder dos Karas não perdeu tempo:

— A situação é o seguinte: a escola está sob o controle do Ministério Público, e de outras pessoas importantes, desde a hora que encontraram o corpo de Charles Duarte há três dias e a duas quadras daqui. O Elite foi o último local em que ele foi visto.

Os cinco se olharam em tensão sem dizer nada. Toda aquela história já era muito ruim, mas a desconfiança da polícia sobre o Elite era tão pior quanto.

— Estão achando que algum aluno ou professor estão envolvidos nisso, Miguel? — Crânio franziu a testa — Não faz sentido. Aliás, eu esbarrei no Henrique e ele me disse claramente que Charles foi assassinado.

— Mas ninguém tem certeza sobre a causa da morte — Calú pensou — Eu ouvi que pode ter sido suicídio.

Magrí balançou a cabeça.

— Não foi suicídio, Calú. Pelo o que eu fiquei sabendo foi uma morte horrível. Quem quer que tenha feito isso com o pobre rapaz era um sádico.

— Então temos um serial killer solto por aí? — Chumbinho arregalou os olhos.

Miguel balançou a cabeça.

— Não acho que seja esse o caso, Chumbinho. Se fosse um serial killer, ele não iria parar em Charles. Teríamos notícias de mais mortes por aí.

Crânio tirou a gaita do bolso. Antes de soprá-la desferiu:

— Mas quem e por quê? Charles era um excelente aluno, tinha boas notas... Por que ele? Não me parece ser algo casual.

Calú fitou o amigo do outro lado do forro:

— Você quer dizer, por que ele e não aquele esquisitão do irmão dele, o Henrique?

— Eu não acho que seja bem por aí... — Magrí cogitou.

Miguel começou novamente:

— Na verdade, eu concordo com Calú e Crânio. Henrique me parece saber de algo que não quer contar. Eu presenciei uma cena hoje mais cedo: ele estava conversando e chorando no corredor sobre uma “coisa” ter pegado Charles. Ele estava com a sua irmã, Crânio.

O rapazinho parou de tocar a gaita abruptamente:

— Minha irmã? O que ela tem a ver com isso?

Magrí pigarreou e virou-se para o garoto sem jeito.

— Ela não te contou que saiu com Henrique um tempo desses?

Crânio olhou para a menina como se ela tivesse criado mais uma cabeça.

— A Dani namorando com o Henrique? Com o Henrique?

Calú e Chumbinho riram pela expressão chocada de Crânio. Miguel franziu os lábios com uma expressão incerta e Magrí segurava o riso.

— É, Crânio, mas eu acho que eles terminaram. Qual é o problema?

O garoto estava muito revoltado:

— O problema é imaginar aquela criatura desprezível e feia beijando a minha irmã! Eu juro que eu se eu vê-lo na minha frente agora...

Calú ria abertamente seguido de Chumbinho:

— Ah não, não me diga que você é daqueles irmãos mais velho ciumentos? Só porque eu queria apresentar um amigo meu para ela...

Crânio fuzilou o amigo:

— Não se atreva, deixa a minha irmã em paz!

Magrí mordeu o lábio e disse alguma coisa para Crânio que os outros não conseguiriam entender. Miguel se remexeu de forma desconfortável sem saber se pela cena ou pelo o que Crânio havia dito. Sentiu-se muito culpado pelo o que fez com Dani para tirar a informação dela... Magrí parecia ter lido os pensamentos de Miguel e levantou uma sobrancelha. O garoto ficou vermelho.

— Bem, eu conversei com Dani rapidamente, mas não consegui muito, apenas a confirmação que sim os dois se envolveram há pouco tempo. Creio que ela sabe mais.

— Isso eu resolvo, Miguel — Crânio disse com firmeza — Mas não quero Dani envolvida nas nossas investigações para não colocá-la em perigo desnecessário e comprometer o nosso segredo. Ela já passou por muita coisa esse ano.

Todos eles baixaram a cabeça sabendo sobre o que Crânio estava se referindo. Desde o dia que a menina foi parar no hospital, após ingerir uma substância numa festa na casa de uma das alunas, a preocupação do rapazinho triplicou.

— Tudo bem. Mas eu vou precisar que você faça mais uma coisa — Miguel continuou — Preciso que se infiltre no IML para ver o laudo do corpo de Charles. É arriscado, mas se não soubermos sobre o que estamos lidando...

Crânio acenou sem pestanejar:

— Não tem problema, eu me viro.

— Precisamos de o máximo de informações que conseguirmos. Calú, eu preciso que você consiga interrogar o Henrique. Você conseguiria se disfarçar como um agente policial? Acho melhor, pois se ele souber que é você, não vai querer cooperar.

— Deixe isso comigo, Miguel — o ator dos Karas se animou — O cara de inseto não vai desconfiar de nada. Vou de detetive particular, até pensei num nome, tipo Chiquinho Holmes.

As gargalhadas ressoaram pelo forro do vestiário quebrando toda a tensão. Quando eles se acalmaram, Miguel balançou a cabeça.

— Sem nomes, Calú. Só diga que é um jovem policial — virou-se para Magrí ­— Magrí, preciso que você entre em contato com a mãe do Henrique para extrair informações. Mas vá com calma, porque pelo o que eu ouvi, ela está bem perturbada.

A menina acenou:

— Certo, Miguel.

— Chumbinho, preciso que você invada o quarto dos irmãos para ver se encontra alguma pista. Seja cauteloso e tome cuidado.

Os olhos de Chumbinho brilharam.

— Certo, chefinho.

Miguel continuou:

— De minha parte, eu vou até a delegacia para ver se consigo mais informações. Amanhã nos encontramos aqui nesse mesmo horário.

Os cinco acenaram, e em silêncio desceram pelo alçapão do forro do vestiário e tomaram caminhos opostos, exceto Crânio e Magrí que ficaram para trás. A menina se aproximou do garoto com preocupação. Ele a fitou:

— Você me disse que achou Dani perturbada essa manhã, não é? Agora entendo o motivo.

Ele massageou as têmporas enquanto que Magrí o abraçava pela cintura. Ficaram em silêncio ouvindo o barulho da noite. Não era o melhor momento para discutir o que não fosse relacionado ao caso, mas precisavam se entender.

— Você não vai mesmo dançar comigo na minha festa de debutante? Vai mesmo me deixar sem par?

Crânio trincou os dentes. Aquele assunto mal resolvido estava deixando-o nervoso.

— Eu odeio dançar, Magrí. Por que você quer me forçar a fazer isso? Além do mais, você disse que não quer magoar ainda mais o Miguel pela cena. Mas quer que eu dance! Eu não te entendo!

Magrí enrijeceu. Podia sentir a raiva emanando do corpo do rapazinho.

— Eu não quero causar mais dor ao Miguel, Crânio. Mas isso não quer dizer que você não possa dançar valsa comigo como os outros convidados, ora essa! Qual é o seu problema?

O garoto baixou os olhos e encarou Magrí. Ela podia pensar o que quisesse sobre estar sendo infantil, mas dançar valsa não estava na lista de coisas que Crânio faria na vida.

— Por que você quer fazer essa festa? É tudo uma bobagem sem tamanho por causa de um aniversário. Você não fez isso nos seus outros aniversários, fez?

Magrí trincou os dentes:

— Eu não acredito que você disse isso! Mas você não venha me dizer que não vai, Crânio, por que se não...

— O quê? Você vai me largar por causa disso? Ah pelo amor de Deus, Magrí!

Os olhos de Magrí faíscaram. Ela o soltou.

— A minha festa de debutante é muito importante para mim! Será que você não entende? E você não vai ser o “príncipe” da festa, eu já arranjei um.

A boca de Crânio se escancarou:

— Espera, um pouco. Você quer que eu vá nessa maldita festa para ficar plantado a noite inteira esperando a sua boa vontade e vendo você dançando com outro?

Magrí estalou a língua e falou de forma autoritária:

— Você é meu namorado, você tem que ir!

— Ninguém me disse que para ser namorado tem que ser idiota também!

— Meu Deus do céu, como você é teimoso! Se você fosse normal, não acharia nada de mais nisso!

Crânio piscou e ficou mudo. Magrí arregalou os olhos dando-se conta do que disse. Dessa vez ela tinha conseguido ferí-lo de verdade.

— Eu vou para casa, estou cansado. Anda, eu te deixo no seu portão.

Antes que ele saísse, Magrí segurou a mão dele colocando-a no rosto dela. Estava à beira das lágrimas. Era tudo tão bobo! Por que estavam brigando por causa de uma festa?

Crânio acariciou o rosto dela antes tomá-la pela mão e saírem dos arredores do Colégio Elite. Parece que não iam chegar num acordo com toda aquela história...

***

Era uma noite bonita e clara quando Crânio sentou no batente de casa ao lado da irmã com duas garrafas de Coca-Cola na mão, estendendo uma para Dani. A menina pegou e tomou, franzindo o cenho.

— Isso não é Coca, é?

O garoto sorriu arteiro.

— É batida de uva do jeito que você gosta. Eu que fiz.

Dani caiu na gargalhada sem acreditar.

— O que deu em você? Espero que mamãe não tenha visto!

— Não tem nem 2% de álcool aí, eu medi. Não quero ninguém bêbado aqui.

— Claro que mediu — revirou os olhos — Se não seria o meu irmãozinho careta.

Depois de um silêncio amigável, a menina falou baixinho.

— Você e Magrí estão brigados, não é? Já até imagino o motivo. Por isso quer se embebedar e me levar junto.

O garoto não queria falar sobre aquele assunto. Suspirou.

— Por que você nunca me disse que namorou com o cara de inseto?

— Quem?

— O Henrique.

— Ah.

Dani ficou tensa, mas escondeu com um sorriso e dando de ombros.

— Não namoramos, apenas “ficamos” uma vez. E desde quando você fica xeretando a minha vida amorosa?

O garoto deu risada.

— Você se mete na minha, ué?

Bom... Aquilo era verdade, ela não podia negar. Encostou a cabeça no ombro do irmão bebendo da garrafa. Crânio passou o braço em volta dela com carinho.

— O que está havendo? Você pode confiar em mim.

— Miguel é outro xereta — Dani murmurou — Ele te mandou perguntar sobre o Henrique, né?

— Não, não estou fazendo isso porque ele pediu, mas porque eu sou seu irmão e eu me preocupo com você. Estou falando sério.

Ficaram em silêncio ouvindo os grilos do jardim até Dani finalmente dizer:

— Na última vez que eu e o Henrique nos vimos sem ser hoje, nós estávamos no jardim da mansão dele... — ela corou — Err, nos beijando. Para, Crânio, ele não é feio!

Crânio não escondia a careta de nojo.

— Ele parece um mosquito, Dani. Credo! E com aquele aparelho na boca, Jesus! E você sabe que ele me odeia?

Dani riu.

— Não foi isso que ele me disse... Na verdade, você é um arrogante...

Antes que Crânio rebatesse a afirmação, Dani continuou rapidamente.

— Nós vimos algo andando no jardim. Achamos que era um gato ou algo do tipo e fomos ver se o achávamos. O jardim da casa dele é gigante, parece um labirinto. Acabamos nos perdendo, mas vimos algo grande e escuro com dois pontos vermelhos na nossa direção...

Ela se arrepiou com a lembrança.

— Existe uma história na família do Henrique e do Charles sobre uma besta infernal que assombrava a família. Você sabe, historinha para assustar crianças. Mas quando contamos o que vimos para o Charles, ele ficou apavorado de verdade.

Crânio fitou a testa da irmã apoiada no ombro dele.

— Uma besta infernal?

— É só uma história. Os dois me contaram. É só uma lenda de uma besta que foi solta por um dos membros da família deles que era contra a Independência na época imperial. Haviam brigas nas ruas entre os que apoiavam Dom Pedro I e a independência, e os que eram contra. O ancestral da família deles fazia parte dos que eram contra.

Dani parou e franziu a testa tentando se lembrar da narrativa.

— Para vencer os combates, dizem que ele fez um acordo com um demônio: este demônio o serviria na Terra, e toda a família o serviria no inferno. Então este demônio se personificou numa besta que aterrorizava as cidades. Dizem que ele iria matar Dom Pedro I. Mas o ancestral morreu em batalha, e o corpo jamais foi encontrado. Mas a besta nunca mais foi vista.

Crânio olhou para a noite absorvendo a história.

— É bem... Macabro, não acha?

Dani piscou.

— Sinistro, mas surreal. Henrique jura que a besta voltou para receber o pagamento que a família lhe deve. Era isso que ele estava me dizendo hoje.

Crânio fitou o chão.

— Você acredita nisso?

De início a garota não respondeu. Depois de um breve silêncio, sussurrou:

— Você quer a verdade? Depois do que eu vi naquele dia e o que aconteceu com o pobre Charles, eu passei a acreditar.

***

Chumbinho descia com maestria da árvore que ligava a janela do antigo quarto de Charles. Não havia nada de suspeito ou útil que ajudasse os Karas, e teve sorte de ninguém tê-lo visto. Era melhor voltar para casa antes que dessem pela falta dele.

Quando estava pronto para pular o muro do jardim, algo assustou o caçula dos Karas. Sentiu a nuca se arrepiar e algo se mover atrás dele. Virou-se em um estalo.

Havia alguma coisa ali junto com Chumbinho. Dois pontos vermelhos brilhavam no escuro. Ele engoliu em seco sentindo a respiração entrecortada. Deveria ter trago o estilingue no bolso...

A coisa de pontos vermelhos se aproximava do garoto, mas ele não conseguia ver o que era. Deu dois passos para trás.

De repente, a coisa de pontos vermelhos disparou no escuro tendo Chumbinho como alvo.

CONTINUA

***

Tradução das mensagens em TENIS-POLAR:

1. Você está bem? Ainda está zangada comigo?

2. Estou bem. Não estou zangada, mas chateada.

3. Precisamos conversar. Depois da aula, lugar de sempre.


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Notas finais do capítulo

Karas cheios dos segredinhos hehe. Espero que tenham gostado dessa primeira parte, acho que essa aventura vai ser a mais tranquila de escrever do que as anteriores rsrs.



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