Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 23
Tramóias


Notas iniciais do capítulo

Ainda estamos em época de festa junina/julina, então o tema do conto ainda está valendo :)

Boa leitura!



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Um baú de cartas antigas ocupava um pequeno espaço na cozinha da ex menina dos Karas. Enquanto organizava a bagunça da mudança que já estava na reta final — só faltava desembalar poucas caixas — Magrí tropeçou sem querer na quina da mesa e para se segurar, derrubou o pequeno baú que caiu com um estrondo alto no chão. Praguejou e com os olhos ardendo pelo dor no pé, ela foi até o baú, rezando que o vizinho do apartamento debaixo não estivesse em casa para reclamar do barulho que causou.

Vários papéis cartões estava esparramados, junto com papéis de cartas e telegramas antigos. Magrí sempre foi de guardar essas coisas por terem um significado importante para ela. Ela sentou no chão e passou a rever tudo o que guardou nos últimos anos de correspondência dos amigos e principalmente, do seu querido Crânio.

Estava bem entretida com as lembranças que um cartão em particular proporcionou-lhe.

***

— Atenção a todos os alunos do Colégio Elite! Nossa anual festa junina está chegando! E como de costume, nós iremos repetir o nosso tradicional Correio Elegante!

Todos os alunos olharam curiosos para os alto falantes nos corredores. O aluno continuou de forma animada:

— Para os calouros que não sabem do que se trata a brincadeira, ela funciona assim: Por apenas 1,05 cruzeiros você tem direito a um cartão ou uma breve carta com uma mensagem que você deseja enviar para qualquer aluno da escola de forma anônima! Isso mesmo! Garantimos o total sigilo da sua mensagem para aquela pessoa que você gosta, mas tem vergonha de conversar. Para enviar o seu cartão ou mini carta, dirija-se a sala de reuniões do Grêmio Estudantil. Receberemos até às 16h da sexta-feira, pois no sábado, dia da festa, estaremos distribuindo os cartões! E viva São João, pessoar!

Crânio se afastou um pouco do seus colegas de classe no pátio, que cochichavam após o anúncio. Normalmente sempre ignorou a brincadeira do Correio Elegante, mas naquele ano em particular, estava bem tentado a participar pela primeira vez... 

Ao longe, viu que Magrí ouvia uma de suas amigas que conversava com excitação sobre o assunto. Desviou o olhar e mordeu o lábio — mania que tinha pegado da namorada sem perceber. Deveria enviar um cartão para ela? Ela esperaria que o garoto o fizesse?

O gênio dos Karas ficou um pouco preocupado. Nunca tinha enviado um cartão para uma garota, apenas os bilhetinhos para Magrí com trechos de poesias de que gostava. Cartão talvez era um pouco diferente, não? Estava sozinho, poderia aproveitar para ir até a sala do Grêmio... Mas se o vissem? Bem, já tinha alunos desconfiando sobre o status do relacionamento dele com Magrí; Calú já sabia de tudo, Chumbinho provavelmente tirou suas próprias conclusões, Miguel... Pensar no amigo, deixou Crânio em choque.

Até aquele dia, o garoto não tinha refletido muito seriamente sobre o que Miguel nutria por Magrí, e como que isso afetaria a amizade dos dois. Mas será que ele já sabia àquela altura? O que pensava o líder dos Karas? Crânio sentiu-se muito estúpido! Era óbvio que a relação dos dois não seria a mesma dali para frente. Porém o que seria então?

O presidente do Grêmio às vezes servia de par para Crânio nos treinos de Xadrez em duplas, ou jogava como adversário. De vez em quando, Miguel tinha o costume de aparecer na casa do gênio dos Karas só para jogar conversa fora e tomar todos os refrigerantes da geladeira — Crânio tirava sarro do amigo nessas ocasiões, dizendo que se houvesse um campeonato de quem mais tomava refrigerante de cola no país, Miguel ganharia medalha de ouro.

Se não era conversando, os dois antigamente matavam o tempo jogando cobrança de pênaltis no jardim. Crânio normalmente era o goleiro que saia estropiado dos chutes de Miguel — às vezes eram pelas defesas que na verdade eram boladas, e às vezes era por ser jogar ao chão para impedir o gol. Porém, no futebol Miguel era tão bom quanto Crânio no Xadrez e o gênio dos Karas sabia que nunca chegaria aos pés de Miguel, literalmente.

O rapazinho riu do seu curso de pensamentos malucos.

— Oops, desculpe Crânio. Não vi que você estava aí.

O próprio Miguel se projetou na frente do garoto. Parecia preocupado e um pouco tenso.

— Não foi nada... Tá tudo bem contigo, Miguel?

O líder dos Karas colocou as mãos no bolso e evitava o olhar questionador de Crânio. Desabafou:

— Tá, tá sim. É só cansaço pelo fim do semestre e essa festa junina — ele suspirou — Querendo ou não, muita coisa sobra para mim. Sem mencionar, a semifinal do interclasse semana que vem. Se dependesse de mim, não teria esse negócio de Correio Elegante, mas como é tradição da escola...

— Você arranjaria briga no Grêmio se fosse tirar o Correio — Crânio riu — É engraçado as reações de algumas pessoas, pelo menos.

Os dois riram lembrando-se dos anos anteriores, mas logo o silêncio caiu. Sabiam que estavam apenas andando em círculos para evitar certos assuntos, e nenhum dos dois tinha coragem para aludir um certo nome que estava virando um tabu entre os dois. Crânio queria perguntar e se justificar — havia uma justificativa — mas parecia que a língua ficou presa no céu da boca. O que Miguel disse depois só piorou o estado de nervos de Crânio:

— Você vai enviar um cartão para alguém, eu presumo?

O gênio dos Karas abriu e fechou a boca como um peixe.

— Ãhn... Err, não sei. Talvez. Não sei. Você vai?

— Não sei. Talvez. Acho que não.

Silêncio. Ainda faltavam quinze minutos para o fim do intervalo e os dois estavam querendo arranjar qualquer desculpa para fugirem. Crânio teve a sorte de levantar mais a cabeça e ver uma massa de cabelos vermelhos há uma distância. Ele sorriu, gritou e acenou para Dani pedindo que ela se juntasse aos dois.

A menina, por sua vez, estava escrevendo alguma coisa apoiada na capa do caderno, quando olhou de testa franzida para o irmão e depois para Miguel. Ela tentou dissuadir Crânio que não poderia se juntar a eles, mas o garoto insistiu de novo, para a raiva da mais nova, que ficou sem graça pelo olhar escrutinador de Miguel em sua direção.

Por fim, ela se aproximou tentando disfarçar a vontade que tinha de chutar a canela do irmão.

— Oi Miguel. O que você quer, Crânio?

O garoto piscou assustado pela agressividade no tom da voz de Dani. Ela estava vermelha e apertava o caderno no peito. De forma proposital, olhava apenas para Crânio.

— Eu só queria saber se você estava melhor da tosse e da dor no braço, só isso. Não precisa me xingar.

Ela baixou os olhos e remexeu os pés. Murmurou:

— A tosse passou depois que tomei aquele mel horrível da mamãe, mas a dor continua. Não vou conseguir jogar na final do vôlei, já falei para as meninas da minha sala irem atrás de outra jogadora.

Crânio passou os ombros na menina tentando reconfortá-la. Miguel falou pela primeira vez:

— Não sabia que você era parte do time, Danielle. É uma pena.

— Eu sou uma das titulares desde o ano passado — ela respondeu um pouco seca e surpresa por ele se dirigir a ela diretamente.

— Eu nunca te vi na quadra...

“Claro que não...”, Dani pensou.

— Bem, melhor eu ir — Miguel acenou para os dois — Te vejo por aí, Crânio e melhoras, Dani.

Antes que Miguel se afastasse, o gênio dos Karas o chamou:

— Hey Miguel!

Ele se virou

— Disputa de pênaltis lá em casa depois da aula? Só para não perder o jeito...

O rapaz sorriu amarelo.

— Desculpe, Crânio. Estou muito ocupado.

E saiu, sem olhar para trás.

***

Era a tão aguardada noite de estréia de Romeu e Julieta pela turma de teatro do Colégio Elite. Por causa do terrível assassinato no ano anterior, todas as apresentações de Rei Lear foram canceladas, para a tristeza de estudantes e pais. Aquela era a volta por cima da escola após o incidente, e como um incentivo, pela primeira vez eles iriam encenar a peça no Theatro Municipal de São Paulo, uma conquista que foi muito celebrada por toda a escola.

Todos estavam mesmo ansiosos em ver Calú no papel de Romeu — mais ansiosos que os alunos, só mesmo o próprio Calú. O que o confortava, além da presença de muitos familiares na plateia, eram os seus queridos amigos, mas em especial a sua amada Peggy.

Acompanhada de um guarda-costas e sob os olhares curiosos do público, a menina esperava pacientemente no primeiro balcão inferior do lado esquerdo, que tinha a melhor vista do teatro, o início da apresentação.

Magrí acenou para a amiga, muito contente e sabendo do quanto aquilo significava para o seu querido amigo Calú. Estava ansiosa, é claro, pois adorava Romeu e Julieta, porém gostaria que tivessem trocado a atriz que contracenaria com o ator dos Karas, a insuportável Marina.

Magrí não era rancorosa. No entanto, olhar para a cara daquela garota por quase duas horas seria uma tortura, pois tudo na menina causava desgosto em Magrí. Ela discordava completamente da escolha de Marina para o papel de Julieta, uma moça tão dócil, sendo que a escolhida era uma garota insensível, arrogante e cruel — não tinha esquecido do que ela fez com o seu collant de ginástica na véspera da apresentação, por pura maldade. Na ocasião, nem cogitou retaliação, pois se abaixaria ao nível dela, mas se tivesse a oportunidade de dar-lhe um golpe de karatê...

Pensava sobre isso enquanto retornava do toalete onde foi para retocar a maquiagem. Faria o esforço por Calú, e a noite poderia ser muito agradável com a presença dos seus amigos. Mais ainda se pudesse roubar alguns minutinhos e beijinhos com seu querido Crânio.

Adentrou um dos salões de recepção do teatro que mais parecia uma amostra do Museu do Louvre de tão majestosa e bem decorado, onde vários grupos conversavam aguardando o sinal para entrarem. Não estava frio dentro do teatro, então Magrí deixou o casaco no carro dos pais e deixou os braços nus devido ao vestido delicado com corte estilo deusa grega de um rosa bebê suave.

Em um canto afastado onde não poderia ser vista, próximo a uma das grandes janelas, sentiu que alguém a abraçou pelos ombros e depositou um beijo na bochecha da menina. Ela não precisava virar-se para saber quem era, pois reconhecia o perfume dele. Magrí deixou-se ser abraçada e suspirou de contentamento.

— Você está mais linda do que nunca, meu amor.

— Obrigada, querido — ela sorriu e se virou para o namorado e deu um selinho nele.

Não tinham se visto nos últimos dias e a saudade era grande. Além disso, Magrí lembrou-se da brincadeira do Correio Elegante e se perguntava se Crânio teria mandado algum cartão para ela? Não que ela precisasse de uma “prova de amor”, mas não podia negar que gostava de pequenas delicadezas. 

Ela enviou cartões para todos os Karas com belas mensagens de carinho, contudo para Crânio foi um realmente um cartão romântico e o mais difícil que fez, pois não sabia o que realmente dizer em poucas linhas. Ela abraçou o garoto de novo.

— Você vai na festa sábado?

— Vou sim, mas não vou ficar muito tempo — Crânio beijou o topo dos cabelos de Magrí — Você vai, eu presumo?

— Sim! Vou ajudar no caixa e no que precisarem... Sabe como é, nessas festas grandes da escola nunca tem gente o suficiente para dar conta de tudo.

Magrí piscou um pouco travessa.

— E também quero ver as reações da galera que recebeu os cartões.

Crânio ficou um pouco tenso, ela percebeu isso pela rigidez nos braços no garoto ao redor da cintura dela. Ele ficou em silêncio por alguns minutos, enquanto Magrí morria de curiosidade para saber a razão. O sinal tocou indicando o início do espetáculo. O rapazinho a abraçou com mais força e deu um beijo apaixonado, pois se separariam a partir dali.

— Ah estou tão feliz que Calú deu a volta por cima! — Magrí sorriu largamente antes de se despedir — Achei que ele não voltaria mais a atuar depois do que aconteceu ano passado. Que bom que eu estava errada!

— Eu também estava preocupado — Crânio sorriu — Mas eu sabia que ele superaria. Vamos, antes que o Calú surte dizendo que ele errou a fala porque chegamos atrasados...

Magrí riu e se deixou conduzir por Crânio até a entrada das fileiras onde sentaria. No fundo, queria muito sentar mais perto do garoto, porém ainda era cedo ter certos luxos de “namorados assumidos aos alunos do Colégio Elite”. 

Não era só a reação de Miguel — mesmo ela suspeitando que ele já sabia do relacionamento dos dois àquela altura, apesar de ele nunca ter feito alusão sobre — mas também os fuxicos dos alunos a respeito deles que a incomodava, e tinha certeza que incomodava Crânio. Talvez nunca fossem à público como namorados enquanto estudassem no Elite... E aquele pensamento a deixou um pouco triste.

A apresentação foi como de esperar, um grande sucesso. Sem sombra de dúvidas, Calú era a estrela da noite e não faltaram gritos e aplausos ao ator dos Karas pela sua performance.

Da fileira onde estava, há poucas cadeiras de Crânio, Magrí viu o garoto assobiar e gritar alguma coisa para o amigo, que ouviu e deu risada do palco. Em algumas fileiras à sua frente, viu Miguel e Chumbinho, próximos um do outro, fazendo reverências exageradas em brincadeira ao garoto; e por fim Peggy do balcão mandando beijos para o seu “Romeu”, e Calú enviou outro beijo. Como adorava aquele grupo! Sabia que um peso tinha sido retirado dos ombros dele.

A única que tinha a expressão azeda era Marina, e isso não passou despercebido para Magrí. Será que ela ainda amargava a rejeição de Calú? Será que ainda sentia raiva dela por ter sido a responsável por isso? Alguma coisa incomodava a menina dos Karas quando encarava a atrizinha...

***

O ginásio do Colégio Elite estava lotado naquele fim de tarde para a semifinal do futsal masculino. O time da sala de Miguel era o grande favorito a ser campeão (de novo) por conta do garoto ser o melhor jogador do time e de toda a escola. Magrí procurava um lugar para sentar e ver a partida na arquibancada, mas a escola inteira se fazia presente e os lugares vagos estavam esparsos. Encontrou um lugar vazio ao lado de Danielle e suspirou de resignação. Subiu até o local rapidamente.

— Tem alguém aqui?

— Não. Cheguei agora.

Dani colocou a mochila nos pés para facilitar para que Magrí se acomodasse. A estranheza estava no ar. As duas não se falavam desde o incidente no estacionamento. A garota ruiva olhava para quadra evitando o olhar questionador da menina dos Karas. 

Dani, porém, foi a primeira que falou para a surpresa da outra:

— Fiquei sabendo que sua sala ganhou de novo no vôlei feminino. Parabéns.

— Ah... Obrigada, Dani. Foi difícil, mas deu tudo certo.

A irmã de Crânio fez uma expressão que indicava que ela não concordava com Magrí sobre a partida ser difícil para a menina dos Karas, contudo não disse nada. Magrí respirou fundo e disse:

— Eu lamento que você não vai poder jogar a final do nono ano pela sua classe. É uma pena mesmo, você joga muito bem, é muito rápida.

— Obrigada... — Dani olhou para Magrí pela primeira vez — Creio que Crânio te contou, certo?

Magrí ficou tensa pela citação do apelido do namorado. Flashbacks de quando ele foi mencionado voltou à sua memória. Não fugiu da questão.

— Sim, foi ele...

— Olha, sobre o que aconteceu antes... — Dani quase tropeçou nas palavras — Eu queria p...

— Deixa para lá, não tenho raiva de você.

E era verdade. Magrí não estava ressentida pela menina. Contudo o sentimento de pena e a vontade de querer ajudá-la eram verdadeiros. Sabia, porém, que Dani não apreciaria pena.

— Ok. Bom... Bom... Obrigada.

Dani ficou pensativa por alguns segundos, até voltar atenção para a partida que estava cada vez mais tensa e violenta na quadra.

Miguel era caçado pelos adversários como uma presa a ser abatida por caçadores, e os meninos grandões não o estavam o poupando de pancadas e entradas violentas para parar as jogadas do garoto. Os alunos nas arquibancadas gritavam indignados. Magrí viu Chumbinho perto de Crânio abaixo de onde ela estava, gritando palavrões raivosos para os alunos adversários da sala de Miguel. Era possível que o machucassem, o que o impediria de jogar — exatamente como queriam.

Faltavam poucos minutos para o fim do jogo, quando Miguel foi derrubado por um jogador com um carrinho que acertou diretamente a panturrilha do menino. Todos na arquibancada se levantaram.

— Ai meus, Miguel! Agora machucaram ele de verdade!

— Ele não consegue se levantar, Magrí... — Dani roeu as unhas — Que m**! Só porque o time dele está ganhando!

Magrí apontou para quadra. Miguel tentava se levantar a todo custo, mas a dor o estava impedindo. Por fim, o juiz, que era um professor, junto com seus colegas de time o levantaram e o colocaram mancando em um dos bancos perto da quadra. Claramente, ele não tinha mais condições de jogar.

Dani estava tão aflita pela cena, muito mais do que Magrí. A primeira sem querer, deixou a mochila tombar com o zíper aberto. De dentro, a menina dos Karas viu diversos papéis cartões e papéis de carta com a letra bem marcada da irmã de Crânio. Em todas elas havia o nome de Miguel.

Magrí encarou com Dani com determinação. Num impulso, pegou com firmeza no pulso de Dani e a arrastou saindo da arquibancada indo em direção a quadra.

— Você ficou maluca?! Me solta, Magrí!

— Você vai lá ajudar ele agora! Não quero saber de protestos!

A menina tentou se desvencilhar de Magrí sem sucesso, pois ela era mais forte. Em segundos, as duas entraram na quadra sem serem barradas por ninguém por causa da confusão em que estava o ginásio. Os outros Karas também desceram preocupados com seu líder, mas não conseguiam se aproximar dele. Magrí, porém, empurrou todo mundo pedindo desculpas, junto com Dani, e rapidamente, as duas se aproximaram do capitão do time.

Miguel suava e fingia que não estava sofrendo de dor, entretanto a forma rígida como estava sentado o entregava. Com a confusão e a briga que estava se formando, ninguém se preocupava no momento em levá-lo à enfermaria, Magrí notou.

Empurrou Dani até ele e a garota andava parecendo que estava indo para a própria morte. De longe, Magrí viu ela se abaixar e falar algo para Miguel, que apenas balançou a cabeça. Em segundos, ele se apoiava no ombros da menina mais nova e os dois lentamente saíam da balbúrdia.

— Onde está a Dani, Magrí?

A menina se virou para o irmão da jovem e sorriu de forma misteriosa.

— Ela vai ficar bem. Talvez melhor do que nunca.

***

Chumbinho depositou o cartão que havia comprado às escondidas na caixa do Correio Elegante com as mãos suadas. Sentia-se bobo e com receio de Natália rir dele. Mas porque ela iria rir se aceitou a mixtape do garoto semanas antes de bom grado? E ainda foi gentil? Mesmo assim, o caçula dos Karas estava apreensivo de “tomar um toco” da garota...

Já estava de saída da sala do grêmio estudantil, quando esbarrou por acidente em alguém. Constrangido, o garoto pediu desculpas, mas não foi o suficiente.

— Presta atenção por onde anda, seu pirralho!

— Já pedi desculpas, Marina!

A garota saiu de perto de Chumbinho bufando de raiva. Carregava alguns cartões e olhava a todo tempo se ninguém a observava além do garoto. Ninguém poderia negar que o menor dos Karas era curioso nas horas certas — foi assim que conseguiu entrar para o grupo — mas também nunca deixou de ser um pouquinho enxerido. Tinha boa visão, que se aperfeiçoou nas aventuras que viveu com os Karas. Jurou que viu o nome Peggy escrito pela caligrafia de Marina no envelope...

***

Crânio suspirou e desistiu pela enésima de vez de escrever qualquer coisa naquele cartão. Ou ficaria curto demais ou não teria espaço o suficiente para dizer a Magrí tudo o que gostaria. Talvez se escrevesse uma mini carta... Ou aquilo só aumentaria seus problemas. Talvez se espiasse o cartão que Calú enviou para a Peggy para ter alguma ideia...

Balançou a cabeça. Teria de se virar sozinho e aproveitar a sala de computadores vazia para executar a tarefa. O sol de inverno que vinha das janelas aberta fizeram cócegas no rosto do garoto. 

Crânio ficou tão absorto que se assustou um pouco com a voz risonha de Magrí atrás dele.

— Ah sabia que você estaria aqui! Preciso de ajuda...

Crânio escondeu como um jato todos os papéis que tinha espalhado em cima da mesa para debaixo dos livros que carregava e sorriu sem jeito para a menina. Eles trocaram um rápido beijo, pois Magrí olhava com grandes olhos para os papéis que o rapazinho havia guardado com tanta pressa.

— O que você guardou quando eu cheguei?

— Nada não. Besteiras minhas...

— Humm, posso ver?

Crânio enrijeceu enquanto Magrí o abraçava pelos ombros. Ela estava fazendo aquela cara de sapeca igual ao Chumbinho.

— Você não disse que precisa de ajuda? — ele puxou a cadeira ao lado dele — Sente-se.

Magrí levantou a sobrancelha sem se dar por vencida. Por dentro estava morrendo de curiosidade para ler o que ele estava escrevendo para ela. Era óbvio que era algo para o Correio Elegante. Ela descobriu recentemente que Crânio tinha pontos fracos e iria explorá-los a seu favor sem medo.

— Ah mas eu quero saber o que é....

Então ela atacou o namorado fazendo cócegas nas costelas de Crânio. Ele por sua vez ria e tentava fugir da garota ao mesmo tempo.

— Sai, Magrí!

Eles riam com gosto, até Crânio consegui se levantar e mobilizar os braços de Magrí.

— Isso é jogo sujo!

— Azar no jogo, sorte no amor, meu bem!

Os dois riram e sentaram-se um do lado do outro. Magrí ainda estava desconfiada, mas deixou para lá (por enquanto) e abriu o caderno cor de rosa todo decorado com figurinhas.

— Não é nada demorado, só alguns exercícios de Física que eu não estou conseguindo resolver...

O rapazinho explicou o que o professor estava pedindo e porque Magrí estava errando na resolução. Rapidamente, ela entendeu e encontrou a resposta para o problema, para o orgulho de Crânio. Ela continuou sentada conversando com o garoto que tanto adorava.

— Sabe, amor... Você já pensou no futuro? No que vai fazer depois que terminar a escola?

Crânio franziu a testa e acariciou os cabelos de Magrí com carinho.

— Já pensei algumas vezes, mas estou na dúvida — ele sorriu — Ainda não tenho certeza no que eu quero me especializar e trabalhar. E você?

Magrí fitou os botões do casaco e mordeu o lábio.

— Estou pensando nisso ultimamente e estou tentando não ficar ansiosa com decisões — ela riu — Não vou prosseguir na ginástica por muito tempo, talvez até os 20. Há o vôlei, mas por mais que eu ame jogar, não me vejo sendo jogadora profissional.

— Por que não? Você joga tão bem... Você poderia jogar na seleção brasileira se quisesse.

Magrí segurou a mão do garoto com ternura. Ela não havia dito a ninguém o que se passava no seu coração após o incidente da droga do amor.

— Eu quero ajudar as pessoas, Crânio. Em especial crianças. Antes de eu invadir o quarto de hospital da Profª Iolanda, eu entrei numa ala com bebês com doenças terminais, e eu... Bem...

Ela não percebeu que tinha deixado uma lágrima escorregar no canto do olho, até Crânio limpá-la com os dedos. Ele sorriu fracamente. Era possível que ele ficasse mais apaixonado por aquela garota?

— Já entendi. Você vai se tornar uma excelente médica, tenho certeza. Posso arriscar dizendo que até a sua vocação. Nunca conheci alguém que se importasse tanto em ajudar as pessoas como você, meu amor.

Ela sorriu largamente e beijou o namorado com carinho. Sabia que o garoto a entenderia.

— Obrigada, meu querido.

Crânio olhou bem nos olhos de Magrí e corando, murmurou:

— Amo você. Nunca duvide disso...

***

A festa junina do Colégio Elite já estava no seu ponto máximo. O pátio estava abarrotado de estudantes, pais e alunos de outras escolas para provar as delícias culinárias. 

Calú se empanturrava de curau enquanto trocava algumas palavras com Magrí, que ria das caras de prazer exageradas dele. Ela saiu um pouco da barraca do caixa para comer e conversar. O Correio Elegante começou a ser entregue pelas expressões coradas — de alegria e tristeza — dos alunos. 

Quando os alunos do grêmio chegaram nos dois Karas, eles quase não conseguiram segurar tantos cartões e cartinhas.

— Nossa, Calú! Você é o campeão de cartões de amor da escola! Meu Deus!

Magrí riu e abriu um cartão sem prestar atenção no que estava escrito no envelope. Já sabia muito bem de quem era, pois viu que ele tentou esconder dela o que escrevia.

— Nem vem, Magrí! Olha o tanto de admiradores você tem! Acho que alguém ficará com ciúmes...

Ele piscou de forma galante e a menina riu mais ainda. Calú tentou espiar pelo ombro da menina o conteúdo do cartão, mas ela o despistou. Foi para um canto para ter mais privacidade.

Magrí ficou pálida a cada linha que lia. As mãos começaram a tremer.

— Magrí? Tá tudo certo?

Escutou a voz de Chumbinho que voltou da barraca mordiscando milho. O garoto a encarava com preocupação. Magrí tentou disfarçar a perturbação por causa do cartão sem sucesso.

— Não é nada, eu acho...

Chumbinho fez a sua expressão de que não aceitaria mentiras de jeito nenhum. O lábio de Magrí tremeu.

— Eu não sei... Acho que tomei um fora...

***

Miguel aguardava o pedaço de bolo que havia pedido. Alguns colegas que passavam lhe davam tapinhas nas costas e desejavam melhoras para o garoto. Ele havia melhorado um pouco, mas ainda sentia dor na perna.

Sentiu um par de olhos fitando-lhe da fila do caixa a frente dele. Timidamente ela se aproximou e o cumprimentou.

— Você já consegue pisar sem precisar de apoio. Fico feliz.

— Obrigado, Danielle. Ainda bem que não foi nada grave e vou jogar a final semana que vem.

A garota sorriu e acenou, escondendo-se atrás do copo de refrigerante. Um aluno do terceiro ano se aproximou dos dois com vários cartões.

— Chefinho, pega os seus cartões. E esses são seus, moça.

— Valeu, Vitor — Miguel riu — Você está bonito de Cupido.

O garoto bufou indignado pela fantasia que o obrigaram a vestir e saiu correndo. Dani riu pela cena. Já havia olhado todos os cartões sem nenhuma esperança, mesmo que irracionalmente ela esperava ser surpreendida. Miguel guardou os cartões no bolso da jaqueta com com outra pessoa em mente.

— Esses alunos do grêmio inventam cada coisa — comentou ele com Dani — Acho que pegaram o coitado do garoto enquanto eu estava distraído...

Ela riu mais ainda e quase se engasgou com o refrigerante, conseguindo disfarçar bem. Miguel nem percebeu nada. Um dos alunos mais velhos do grêmio se aproximou com uma maçã do amor para o garoto.

— Para você presentear uma garota e ser feliz, chefe. E dá um sorriso, pelo amor de Deus.

— André, não me tire do sério...

— Eu estou brincando! Mas aqui, dê de apresente a maçã para aquela gatinha que você estava conversando.

Dani ouviu o tête-à-tête. O coração começou a bater mais forte. Porém, as palavras de Miguel foram um balde de água fria:

— Não, ela não é nada minha. Dê para outra pessoa.

O garoto ainda discutia com o tal do André, mas Dani não quis ficar para ouvir o desfecho da conversa. Saiu de perto tentando sentir raiva de Miguel, sem sucesso. A dor era maior.

***

Crânio procurava por Magrí, pois a tinha visto conversando com Chumbinho e parecendo aflita. A garota sumiu por longos minutos, até finalmente ele vê-la de longe. Aproximou-se.

— Crânio... Oi... O seu cartão, eu...

— Puxa, até que enfim te achei! — ele segurou uma das mãos da menina — O que há com você?

— Você já está cansando de mim? Eu te entedio de verdade?

Crânio piscou confuso.

— O quê? Claro que não! De onde você tirou isso?

— Foi o que você escreveu no cartão... Em inglês também.

O garoto balançou a cabeça.

— Não, Magrí, de jeito nenhum! Eu não escrevi nada disso, pelo contrário. Houve um engano.

Antes que ela dissesse mais, Chumbinho, com Calú atrás dele, se aproximou dos dois.

— Magrí, esquece esse cartão! Foi engano, olha de novo o envelope.

A menina sem contestar fitou com mais atenção o envelope. Sentiu-se muito estúpida:

— Peggy?! Por que colocaram o nome da Peggy no destinatário e deram para mim?

— Acho que fizeram confusão na entrega — Calú estava raivoso — Era para a minha namorada e não para a sua, Crânio.

O gênio dos Karas encarou o amigo.

— Quem faria essa brincadeira de mal gosto com você e a Peggy? Isso poderia dar numa briga feia!

— Eu sei quem foi — Chumbinho exibiu sua melhor cara de espertinho — Foi aquela garota que fez par com você na peça, Calú. Eu vi ela colocando o envelope na caixa.

O ator dos Karas estava indignado.

— Quando que essa garota vai me superar e me deixar em paz?!

Enquanto os dois discutiam, Magrí se aproximou do ouvido de Crânio.

— Desculpe, querido. Eu estou bem envergonhada.

Ele se segurou para não beijá-la ali mesmo no meio de tanta gente, mas não escondeu o sorriso. A garota abriu outro cartão e de cara reconheceu a letra do menino. Como ela não percebeu que no cartão de Marina a letra era completamente diferente da do namorado? A ansiedade em achar o cartão dele a cegou. Contudo, o que a deixou mais feliz pela doce mensagem era o fato de estar escrito no código Morse.

— Eu vou enviar mais dois cartões para a Peggy lá para o hotel dela com bombons e tudo — Calú balançou a cabeça — Marina está brincando com a pessoa errada!

— Calma Kara, deixa isso para lá — Magrí sorriu — Tudo o que vai, volta.

Ela virou-se para Chumbinho.

— Você salvou o dia, obrigada.

— Foi nada não, é bom ser cupido de vez em quando — piscou para ela — Ou sempre.

— Se você quiser, eu coloco a roupinha de Cupido em você — Calú brincou.

Os outros caíram na gargalhada, mas o caçula fechou a cara.

— Sai fora, Calú!

***

Dani estava um pouco afastada do pátio onde a festa estava mais concentrada e se prostrou mais próxima do jardim da escola. Ouviu vozes raivosas de uma das alamedas. Curiosa, foi ver do que se tratava.

A garota que era a Julieta da peça — qual era o nome dela? — estava intimidando o pobre menino Cupido, a ponto de levá-lo as lágrimas. A cena fez o sangue da irmã de Crânio subir e sem pensar, foi até os dois.

— Anda seu pivete, você fez ou não o que eu falei?! Responde!

— Eu... eu... Eu não...

Ela levantou a mão para bater no pobre garoto que se encolheu de medo, quando Dani a segurou com força pelo pulso, travou a mão de Marina nas costas dela e com raiva, jogou o resto do refrigerante na cara da garota.

— Isso é para você aprender a deixar de ser covarde, sua nojenta!

O garoto ficou tão espantando pela cena que por alguns segundos, ficou estático. Em seguida começou a rir, ao tempo que Marina rangia os dentes e estava pronta para partir para cima de Dani.

— Se você quer mesmo brigar comigo? Eu sei Taekwondo, queridinha.

Marina viu que não seria páreo para Dani, e saiu gritando cobras e lagartos com a cara suja de refrigerante. O garotinho a agradeceu radiante, e a olhava com adoração. Dani sorriu para ele, quase se esquecendo da mágoa que sentia.


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Notas finais do capítulo

No próximo conto: Como qualquer casal, Magrí e Crânio tem lá seus probleminhas de convivência. Contudo, uma briga besta pode virar um grande pesadelo..



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