Encontrei o Yan!

Mentira, foi no meu sonho só.

Lá estava eu em uma mesa do jardim, com Bernardo sentado na minha frente, copiando as lições de biologia do meu caderno.

Tinha coisas que ele ainda não tinha aprendido na outra escola, então ele me fez de refém e me fez trazer as minhas anotações das matérias pra ele copiar.

E me fez copiar as lições de história ainda.

— Já falei que não quero texto rosa. — Bebê puxou a caneta da minha mão. — Quantas vezes vou ter que falar?

— Ai, é só uma corzinha... Tá tudo preto e azul. — Fiz bico.

— E é assim que eu quero — resmungou.

— Chato. — Peguei a caneta azul.

— Você que é. Tô te pagando pra quê?

— Você não tá me pagando. — Voltei a escrever.

— Eu ia, mas não vou mais pela sua teimosia.

— É, tá — ironizei, e vi ele sorrindo de leve.

Ficamos o sábado quase todo fazendo isso. Eram lá pras cinco horas de domingo e ainda não tínhamos terminado.

E nada do Yan aparecer.

Os outros chegaram, jantamos e nada. Lili e eu subimos, e cada uma foi pro seu quarto.

Em vez de ficar pensando no Yan, decidi já começar a arrumar as coisas que eu levaria pro acampamento.

Como a mochila estava ocupada e eu só poderia desocupá-la na terça, fui deixando as coisas na mesa.

Roupas de calor, de frio, roupas íntimas e os biquínis — que eu lembrei de trazer —, meias, meus tênis, chinelos que eu estava usando... E fui deixando o resto lá.

Fui dormir imaginando como seria o acampamento, e quando acordei, vi que eu não tinha ouvido o despertador.

Merda. O que tá acontecendo com esses despertadores? Nem pra Lili me acordar... Isso se ela estiver acordada...

Levantei e fui pro quarto dela. Ela estava mesmo dormindo.

— Lili! — Puxei sua coberta e ela deu um pulo de susto. — De novo!

Ela sentou, olhando o relógio. — Droga... Pelo jeito você também atrasou. — Levantou e correu pro banheiro.

— Acontece! — falei saindo.

Voltei pro quarto e fui me arrumar. Dez minutos depois, saímos dos quartos ao mesmo tempo.

Descemos rápido. Faltava quinze minutos pra tocar o sinal das aulas. Fomos pro refeitório e pegamos nosso café.

Eu estava com um frio na barriga. Será que o Yan voltou?

Os meninos não estavam mais por ali, mas vimos Bebê sentado numa mesa sozinho, escrevendo algo em seu caderno.

Sentamos lá enquanto ele me olhava com uma cara de poucos amores. Olhou pra Lili.

— Você dormiu demais de novo?

— Dessa vez nós duas dormimos demais. — Ela riu.

Ele balançou a cabeça, desaprovando.

Peguei minha xícara e a levei até a boca, dando um gole do chá.

— Ah, o sujeito Yan chegou.

Engasguei e tossi, derramando chá na bandeja. — É sério? — Tossi de novo.

— É sim — respondeu calmo. Olhou pro lado, procurando, mas voltou a me olhar. — Ele já foi pra sala, imagino.

Meu coração estava martelando. — V-você não foi falar com ele não, né? — questionei com medo.

Lentamente, um sorriso diabólico surgiu na cara dele, e eu comecei a ficar gelada.

— Não, não falei. — Riu da minha expressão. — Só acenei quando ele passou por aqui, cumprimentando o James e o Júlio.

— E que cara ele fez? — Lili perguntou curiosa.

— Sabe quando você tá na casa de alguém e vai comer, mas a comida é ruim e você tem que fingir que gostou pra não ser mal educado? — Ela começou a rir. — Ele fez essa cara.

— Bom, acho que ele não esperaria que você estivesse aqui.

— E isso é o mais legal de tudo. — Sorriu enquanto escrevia.

Ai Jesus... Tenho até medo do que vai sair disso.

— É engraçado, vai Bru. — Lili riu.

— Não acho.

— Não acha porque é chata. — Bernardo comentou.

— É, ele pode ficar afastado de mim igual aquela vez com o James e eu que sou chata.

— Ele já ficou afastado de você por causa do James? — Ele me olhou, abismado.

— Ah, não foi bem afastado... — Me arrependi da palavra que usei.

— Ele ficou com ciúmes do James, por causa do teatro. — Lili explicou.

— Hm... então o problema é com ele, não comigo. — Deu de ombros.

Suspirei e me concentrei em terminar de comer.

Não posso ficar bobeando com o Bebê perto do Yan!

Terminamos de comer e subimos. Fomos pra nossa sala, e Bebê seguiu para a dele. Assim que entramos na sala, o sinal tocou.

Explicamos o motivo do atraso pros meninos e a aula começou.

Eu só queria que terminasse logo. Quero ver o Yan, saber que ele está bem.

Agora sim faz tempo que eu não o vejo. Quero abraçar ele, Deus.

Estava quase pulando na cadeira na última aula. Até que o sinal tocou, e meu coração quis sair na frente.

Guardei minhas coisas rapidinho e esperei os três. Tentei não demonstrar meu nervosismo.

— Calma menina. — Lili cochichou, segurando minha mão. — Nossa, que gelo.

— Tô nervosa — falei olhando ao redor, pro mundaréu de alunos.

Ela deu uma risadinha e seguimos. Guardamos nossa mesa com as mochilas e fomos pra fila já grande da cantina.

Fiquei de olho na porta, vendo o povo entrar, só esperando. Então vi Mateus... seguido de Gabriel... e....

Minha garganta secou. Nem sabia mais do coração, porque ele já tinha ido até onde Yan estava.

Lá estava ele, de uniforme e mochila, com seus cachinhos pretos e me arrumados.

O segui com o olhar até a mesa onde pararam. Yan conversava com os meninos normalmente, mas parecia meio cansado.

Mas estava lindo, como sempre.

— Bru. — James me cutucou.

Voltei a prestar atenção, e vi que era minha vez de pegar a bandeja e o prato.

Respirei fundo. Pegamos nossa comida e nos sentamos.

Encarei meu prato, engolindo seco.

Será que ele me viu? Será que vai vir falar comigo?

Uma bandeja foi colocada do lado da minha, e por dois segundos quase morri.

Mas era só o Bebê.

— Tava achando que era o Yan, né? — Ele riu.

Fiquei corada e comecei a comer.

Lili riu. Você gosta de provocar ela, né?

— Claro. Esse é meu emprego. — Se sentou.

— Tá despedido — disparei, apontando o dedo pra ele.

— Você não pode me despedir, sou funcionário público.

Lili caiu na gargalhada e eu balancei a cabeça.

Comi, tentando não olhar ao redor. Até porque se eu ficasse olhando, Bebê ia encher o saco.

Assim que terminamos, levamos as bandejas e subimos. Fui pro meu quarto e sentei na cama, de frente pra porta da varanda.

E vi justo o que queria ver.

Yan abriu a porta da sacada dele e saiu. Encostou na grade e olhou para baixo, mas depois olhou na direção da minha sacada, aparentemente. Mas logo entrou.

Queria tanto saber o que aconteceu. Será mesmo que ele vai me procurar? Ou eu vou ter que ir atrás dele? Mas e se ele não quiser falar comigo?

Desse jeito quem vai se sentir insegura sou eu.

Ouvi meu celular apitando em cima do criado mudo e o peguei. Bernardo estava me ligando.

— Alô?

— Bruna, qual é o quarto do James?

— Pra quê?

— Preciso das anotações de química e tô com preguiça de ir buscar com você.

— Só isso?

— É ué, que desconfiada.

— Sou, com razão.

— Vai, mulher.

Suspirei. — Vinte e quatro.

— Valeu. — E desligou.

Espero que seja só isso mesmo.

***

Saí do quarto e desci pro andar de baixo. Olhei os números das portas, até chegar na vigésima quarta, que estava aberta.

Fiquei na frente dela, olhando pra dentro do quarto.

James estava sentado na ponta da cama e me viu. O outro, que estava de costas pra porta e encostado na mesa, olhou para trás.

Segurei o riso, pra manter minha pose de sério.

— Yan — cumprimentei.

— Oi — respondeu, sem sorrir.

— Vocês já se conhecem, né? — James nos olhou.

— Sim — respondemos juntos, olhando para ele.

Yan não se virou, e James me olhou.

— Você pode me emprestar suas anotações de química? — questionei, educadamente.

— Claro. — Levantou, indo até seu guarda roupa e o abrindo. — Achei que você já tinha pego tudo com a Bru.

— A maioria já peguei, mas falta química, sociologia e filosofia. Eu devia ter feito tudo nas férias, na casa dela, mas aí eu ia estragar a surpresa.

James riu. — Entendi.

Olhei pro Yan, que ficou de lado para ver o que James estava fazendo, então me olhou.

— O que exatamente você é da Bruna?

Dei de ombros. — Amigo de infância... E você?

Ele hesitou por um segundo. — Amigo.

Vi James dando uma olhada rápida pra ele e eu tentei não rir.

— Pelo que eu fiquei sabendo, você atrasou uma semana. Ela tá preocupada com você. — Coloquei as mãos no bolso da calça.

Yan suspirou. — Imagino.

— Você não vai falar com ela?

— Vou, quando eu terminar de arrumar minhas coisas.

— Hm. — Balancei a cabeça. — Então tá.

Ele continuou me olhando. — Ela disse alguma coisa?

— Não, mas nem precisa. É só eu ver a cara dela que eu já sei o que ela tá sentindo. Ela é meio transparente.

— Como você já a conhece tanto? — James me estendeu um caderno. — Não faz pouco tempo que vocês se encontraram?

Peguei o caderno. — Ficamos juntos pelo menos quinze horas por dia durante um mês. Eu sou muito observador... Valeu, depois te devolvo.

— Beleza.

Me virei e saí do quarto, me sentindo como se tivesse implantado uma bomba no território inimigo.

Sorri, imaginando a reação da Bruna se eu contasse o que aconteceu.

— Ei.

Parei e olhei pra trás. Yan andou até ficar a três passos de distância de mim.

— Você tem alguma coisa contra mim? — perguntou calmamente.

Fiz cara de quem não entendeu. — Por que eu teria?

— Não sei. Das vezes que nos encontramos você parece querer me provocar, sempre falando da Bruna como se a conhecesse a anos.

— Tecnicamente a conheço a anos. Só ficamos separados um tempo, e ela continua a mesma de antes. Eu só falo o que sei. E não teria motivo pra te provocar.

Imagina, né, Bernardo.

— Talvez você goste dela mais do que acha?

Alguém tá querendo virar o jogo?

Ri internamente.

— Será? Engraçado, oportunidade não me faltou pra provar isso pra mim mesmo. — Coloquei a mão no queixo, fazendo uma cara pensativa. As sobrancelhas dele se juntaram de leve. — Tô brincando, relaxa. — Acenei, dando uma piscadela e me virei, voltando a andar.

Assim que subi as escadas, comecei a rir.

Ai, a Bruna vai mematar se souber disso.