Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 4
Capítulo 4 – Uma babá sombria




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746704/chapter/4

 

Depois da conversa com Dumbledore, Severus cumpriu sua rotina com a mente ainda voltada para o filho de Lily. Não havia nada que ele pudesse fazer imediatamente e ele não via nenhum motivo para proteger Harry de nada pior do que um ferimento de Quidditch, mas Dumbledore tinha certeza de que o menino estava em perigo. Talvez Dumbledore tivesse finalmente entrado irrevogavelmente na senilidade.

Como ele via Lily cada vez menos, Severus investia a maior parte do seu tempo livre com os mortais ou com os colegas de eternidade. Destino advertiu que ele se mantivesse em atividades discretas se optasse por lidar com os vivos, já que ele estava literalmente morto para o mundo.

Dinheiro era o combustível que movia o mundo, e felizmente Severus não precisava de muito para sobreviver. Ele tinha poucas necessidades para roupas e comida, mas precisava disso. Ele vendeu muitos objetos de Spinner's End, e às vezes Dumbledore ou as outras Encarnações lhe davam dinheiro. Quando os tempos ficavam bicudos, Severus ia a bazares e brechós, bem como abrigos de igreja. Seus hábitos sempre foram bastante frugais quando ele era vivo, e ele continuava assim.

Não haveria qualquer problema em tomar dinheiro dos clientes. Poderiam até justificar o fato e dizer que eles não precisavam mais de dinheiro. Mas Severus sabia muito bem que, a despeito das circunstâncias, um roubo era um roubo, e pesaria na sua alma. Satanás podia parecer um cara bacana, mas Severus preferia evitar passar a eternidade com ele, se pudesse.

Interagir com os vivos era complicado. Com os colegas também, às vezes. Guerra gostava de beber, então eles foram a pubs e bares algumas vezes, mas só quando Guerra prometia a Severus não começar brigas. Era o que ele achava mais divertido. Algumas vezes Severus terminava trabalhando por causa disso. Como muitas das Encarnações da Imortalidade, Guerra adorava seu trabalho. Severus? Nem tanto.

Mas o problema com o filho de Lily logo voltou à sua mente. Ele recebeu um chamado de um cliente e Mort o levou a Hogwarts. Quando Severus consultou o relógio, ele obteve uma leitura peculiar. Era como se duas almas estivessem no mesmo corpo.

“Que está acontecendo, em nome de Merlin?”, ele pensou. Severus nunca pensou que uma coisa assim fosse possível.

Seguindo as direções da flecha confiável, Severus chegou a uma sala nas entranhas da escola. Como aluno, Severus nunca suspeitara da existência daquele lugar, então não tinha como reconhecê-lo. Mas o relógio estava certo de que o seu próximo cliente estava ali.

Cinco minutos.

Um homem de turbante se olhava num espelho. Era o Espelho de Osejed, e o homem deveria ser um professor. Um garoto estava com ele, e Severus soube imediatamente quem era o menino.

Harry Potter.

Com terror crescente, Severus assistiu ao menino confrontar o homem. O turbante escondia uma outra entidade, a segunda alma detectada pelo relógio.

Em menos de dois minutos, Severus entendeu o que se passava: a entidade se apossara do homem de turbante e agora queria um corpo, uma façanha que o menino podia ajudar a realizar com a Pedra Filosofal. Mas parecia que Harry não tinha a menor intenção de dar a pedra. Eles discutiram e o relógio piscou, dizendo a Severus que ele estava a ponto de colher uma das duas almas no corpo do homem de turbante.

Não ia demorar.

O homem investiu contra o menino, exigindo a pedra, e tentou lutar contra a criança. Aí é que tudo ficou ainda mais esquisito.

No exato momento que o homem de turbante encostou em Harry, duas coisas aconteceram: Severus coletou a alma e o corpo dele começou a se desintegrar imediatamente. O homem urrou de dor, mas logo morreu. A segunda alma que habitava seu corpo estava virtualmente sem lar, então ela voou para o menino, tentando possuí-lo. Mas não conseguiu, então nada mais lhe restava a fazer a não ser fugir dali. Harry caiu desacordado ali mesmo, com um cristal avermelhado entre os dedos.

Severus levou algum tempo até assimilar completamente o que tinha testemunhado. Certamente havia forças do mal ali, e o filho de Lily estava bem no meio da coisa toda.

Por mais que ele odiasse admitir, Dumbledore podia ter razão. Mas como ele poderia proteger o garoto? E por que ele tinha uma incômoda sensação de que o bode velho não estava sendo totalmente altruísta?

Severus consultou seus colegas.

— Na minha experiência - começou Guerra -, altruísmo é uma arte morta. Todos têm interesses. Este tal de Dumbledore obviamente tem os seus.

— Eu concordo, mas não totalmente - disse Natureza. - Só não consigo ver o que ele ganha com isso. Ele pode ter razões legítimas.

Severus ofereceu uma nova rodada de biscoitinhos, dizendo:

— Gostaria que Destino estivesse aqui. Ela conhece Dumbledore. - Os demais o encararam e ele explicou: - De antes. Nós conhecemos Dumbledore. Éramos bruxos.

— Não confio em magos - disse Natureza, com desprezo. - Eles vivem tempo demais, não é natural.

— Eu não tinha completado 22 anos quando morri - lembrou Severus.

— Tecnicamente você não morreu, então ainda é uma razão válida - disse Guerra.

Severus olhou para o teto. Ele deveria ter desconfiado que seus amigos Encarnações não seriam de grande ajuda. Eles eram imortais por tempo demais para conseguir entender a condição humana. Ele mesmo e Destino eram as exceções. Depois de uma década no cargo, os demais ainda os chamavam de novatos.

Destino só apareceu uns dias mais tarde. Ela não tinha respostas para ele. Para piorar, Severus não tinha se dado conta de que, por ter sido da Ordem da Fênix, ela era parcial com relação a Dumbledore.

— É claro que ele só quer ajudar o menino - disse ela.

— Ele parece não acreditar que o Lord das Trevas esteja totalmente morto. Pode por favor me ajudar a esclarecer o motivo?

Pela primeira vez desde que ele a encontrar como personificação do Destino, ela parecia desconfortável.

— Voldemort parece estar se aguentando por um fio, e isso não é uma piadinha.

Severus sussurrou, horrorizado:

— Ele vive...

— Esse é o problema - disse Destino, contrariada. - A resposta é sim e não! Aquele maldito! Ele é o verdadeiro gato de Schrödinger, o único que eu já vi!

— Mas como?

— Não sei. A Mãe Natureza tem razão: bruxos têm a tendência de desafiar a natureza. Parece que Lord Voldemort está desafiando você, Morte.

Se pudesse, Severus teria empalidecido. Ele se lembrou da profecia que ouvira sobre o Lord das Trevas e o menino nascido no fim de julho. Sua mente experimentou as lembranças como uma enxurrada: a caçada ao filho de Lily, o fiasco de Dumbledore em protegê-los, a traição de Sirius Black... E se o Lord das Trevas pudesse mesmo estar de alguma maneira vivo, o menino estava em grave perigo. Ele disse tudo isso a Destino. Ela não se abalou.

— Eu não cheguei a conhecer o garoto. Ele é bonitinho?

Severus deu de ombros e respondeu de maneira instintiva:

— Ele tem os olhos da mãe.

Destino sorriu.

— Então ele é bonito.

Severus foi obrigado a concordar.

o0o 0o0 o0o 0o0

Ficar de olho em Harry Potter não era fácil. Severus teve que convencer Mort sobre a importância de acompanhar o garoto devido a sua conexão com uma alma rebelde que se recusava a morrer. De algum jeito, porém, ele se uniu a Dumbledore para juntos desenvolverem um mecanismo capaz de avisar quando Harry estivesse com a vida em risco. Era uma medida grave, e Severus imaginou que só fosse usá-la em umas poucas ocasiões. Para ele, era óbvio que um garoto de tão pouca idade não ia ficar constantemente cara a cara com sua extinção.

Dizer que ele tinha calculado mal seria subestimar a situação.

Poucas semanas depois de acionar o artefato, Severus foi alertado de um perigo muito grave bem perto do menino. Severus correu para Hogwarts e encontrou o menino na enfermaria da escola. Mas o garoto visitava uma menina que tinha sido petrificada. O fedor de magia negra era evidente até para Severus, que não era mais bruxo.

Outro menino, um ruivo, se juntou a ele. Severus deduziu que eram amigos – amigos bem próximos. E também eram companheiros de traquinagens. Pelo que Severus pôde ouvir, a menina era o cérebro da operação. O nome dela só queimou em seu crânio depois que o ruivinho disse que ela tinha feito uma Poção Polissuco. Como um devoto apreciador da arte das Poções, Severus sabia que fazer Polissuco era uma façanha em si, ainda mais para uma criatura nascida trouxa de 12 anos chamada Hermione.

Severus conferiu o equipamento: a menina não corria risco imediato, então ele decidiu não intervir. Ele só fez isso mais tarde, quando o garoto foi estúpido o suficiente para entrar numa câmara secreta dentro da escola e, desafiado por um espectro, enfrentou um maldito basilisco. Mas tudo teve um final feliz: a menina Weasley se salvou, Harry Potter saiu vivo de lá e Severus não precisou se expor.

Algumas coisas interessantes aconteceram então: Severus percebeu que Dumbledore estava cuidando do menino, que infelizmente o filho de Lily herdara do pai a propensão para se meter em confusão, e que aquele espectro que Potter encontrara enquanto tentava resgatar a menina Weasley tinha algumas respostas que Destino gostaria de saber.

— Acho que você precisa falar com Dumbledore - sugeriu Destino. - Ele pode saber direitinho do que aquele fantasma falava.

— Marlene - ele disse, com cuidado, ainda abalado -, aquele fantasma parecia ser uma alma. Não era o mesmo que uma assombração, mas parecia. Eu sou Morte; eu conheço almas. Você sabe que não me impressiono facilmente, mas agora eu estou impressionado, e não de um jeito agradável.

— É por isso que acho que você deveria ir falar com Dumbledore. Ele pode saber muito mais do que você pensa.

Aquilo não estava tão fora do raciocínio lógico, então Severus tomou nota. Mas ele não estava pronto para ir visitar o bode velho.

Ainda não.

Foi aí que um criminoso condenado conseguiu fugir de Azkaban.

Severus estava alarmado com as notícias, muito embora o aparelhinho milagroso estivesse quieto. Para ele, era apavorante: Sirius Black tinha escapado. O homem que o mundo bruxo inteiro conhecia como o odioso traidor dos Potter estava solto, e o jovem Harry podia estar em grande perigo. Dumbledore até colocara dementadores em todos os cantos de Hogwarts. Maldito aparelho! Por que ele não podia expressar o mesmo medo que Severus sentia?

As surpresas não tinham terminado. Outro dos antigos inimigos de Severus, Remus Lupin, estava de volta a Hogwarts, agora como professor. Embora ele fosse amigo de Black, de Potter e daquele insípido Peter Pettigrew, Lupin não tinha participado do bullying contra Severus nos tempos de escola. Mas o que Dumbledore estava pensando, colocando um lobisomem solto no meio de crianças inocentes?

A azeitona da empada apareceu, porém, apareceu quando o aparelho que alertava sobre o perigo perto de Harry soou. Eles tinham sido atraídos para o Shrieking Shack por ninguém menos que o próprio Sirius Black. O menino Weasley tinha quebrado a perna e os três adolescentes de apenas 13 anos estavam frente a frente com um assassino.

Só que Black não era um assassino. Ele nem mesmo matara Peter Pettigrew. Na verdade, Pettigrew estava vivinho da Silva e, como era um maldito animago, estivera vivendo como o rato de estimação de Ronald Weasley.

Severus podia ter espumado de puro ódio do rato. Porque ele era o motivo pelo qual Lily e James tinham sido assassinados: ao contrário do que se acreditava, foi em Peter Pettigrew que os Potters confiaram a localização do feitiço para escondê-los, e ele os entregara ao Lord das Trevas. Black era inocente.

Aquilo foi uma virada de mesa para Severus. Um rato era uma forma muito adequada para um bruxo covarde, traiçoeiro e desqualificado cuja alma ele alegremente coletaria e mandaria pessoalmente ao Príncipe das Trevas.

Lupin e Black certamente estavam decididos a fazer exatamente isso – matar Pettigrew ali mesmo, e ninguém ficaria sabendo. Mas eles preferiram perguntar a Harry o que fazer com a pessoa responsável pela morte de seus pais. Como ele era filho de Lily, ele decidiu entregar Pettigrew às autoridades e deixar os dementadores se encarregarem dele.

Severus odiava dementadores. Aquelas criaturas nojentas eram um deboche de seu cargo, roubando almas como se tivessem direito a elas. Eram uma aberração e totalmente fora das leis da Natureza, que aliás não queria nada com eles. Só Satã os protegia, pois eles tinham mal dentro de si.

Ficou claro, porém, que Black odiou a decisão, e que nem Pettigrew teve certeza de que não morrer naquele momento fosse uma coisa boa, considerando a missão dos dementadores. Pela primeira vez, Severus concordava com Sirius Black.

Então uma outra pessoa apareceu no Shrieking Shack. Aurora Sinistra, a professora de Astronomia, seguira o trio e estava chocada ao ver quem pensava ser o criminoso Sirius Black em conluio com o Professor Lupin. Ela estava pronta para apreender todos e levá-los para as autoridades, mas Harry Potter a derrubou com um feitiço. Hermione, a amiguinha, ficou escandalizada com o fato, o que agradou Severus.

Depois daquilo, muitas coisas aconteceram, e rapidamente. Os três alunos e dois adultos levaram o prisioneiro e levitaram a professora desacordada por uma passagem secreta para fora da cabana, e a lua apareceu. Era lua cheia, e eles sabiam que ela tinha um efeito devastador sobre Lupin.

Os apelos de Sirius Black para que Lupin mantivesse a cabeça e se apegasse à consciência humana foram lupinamente ignorados, obviamente. Severus estava até chocado que Black pudesse ser tão ingênuo e acreditar que apenas o sentimento fosse capaz de deter o poderoso imperativo de um lobisomem. Black então não teve escolha a não ser virar um cão e confrontar o lobo.

Felizmente, neste momento, Sinistra estava alerta e protegeu os meninos enquanto Black tentava desviar Lupin para longe dos garotos. Mas Harry, sendo filho de James, soltou-se e perseguiu tanto o cachorro quanto o lobisomem. Severus soltou um palavrão e foi atrás do garoto, que sumiu no meio da floresta. Alguns dementadores se aproximaram, e o aparelho de Severus pôs-se a apitar alucinadamente.

Os dementadores atacaram Sirius e Harry, e então Severus não pôde mais se conter. Fechou o capuz e silenciosamente chamou Mort, que estava na sua forma tradicional de cavalo. Com rapidez, ambos apareceram na beira do lago, onde ocorreria o ataque.

Era uma visão magnífica. A Morte e sua montaria audaz emergiram em meio às árvores, avançando ameaçadoramente contra as criaturas asquerosas. Dementadores eram considerados seres vivos, mas sua natureza certamente vinha do Grande Além, e assim eles reconheceram imediatamente a Morte que se aproximava.

Severus sempre achou que Mort era uma figura muito mais imponente quando tomava a forma de um cavalo gigantesco. Sua montaria valente provou ser exatamente assim ao fazer as criaturas fugirem espavoridas.

Mais tarde, disseram que foi um poderoso feitiço Patronus que causou a dispersão de dementadores de maneira tão desesperada. Severus não ficou ressentido com aquela versão. A Morte já era muito temida; ele não precisava de mais publicidade.

Mas sua atenção foi atraída pela chegada de um colega no local. Outra Encarnação estava lá. Severus não pôde esconder sua surpresa.

— Chronos?

— Thanatos? - A personificação do Tempo estava acostumada a chamar a Morte por sua denominação clássica. - Eu estava imaginando se você também estaria nesta versão da realidade.

— Nesta versão?

Chronos verificou sua ampulheta antes de responder:

— Isso mesmo. Tem uma viagem no tempo aqui. Isto está bem claro.

— Então eu acho que aquele bruxos adolescentes ali devem estar envolvidos nisso.

A Encarnação do Tempo virou-se na direção que ele apontava e suspirou:

— Ah, eu deveria ter adivinhado: bruxos. Às vezes eles fazem da minha vida um inferno.

A Morte aproveitou o embalo e concordou:

— A minha também, admito. Aparentemente, eu não tenho mais uma alma a recolher.

— Tudo está bem, então. - O Tempo olhou de novo para sua ampulheta. - Preciso me apressar, meu amigo. O Tempo não espera ninguém. Passe lá em casa, quando puder.

— Farei isso, sim. Adeus, meu amigo.

Depois que Chronos se foi, Severus ficou aliviado de não ter sido pego em flagrante cuidando de assuntos sem relação com as atividades de seu cargo. Era falta de profissionalismo, para dizer o mínimo.

Depois que o vira-tempo foi usado e o hipogrifo foi salvo (salvando também Black), Severus achou que Harry estava seguro, e voltou a seus afazeres, pois já havia uma fila considerável de almas. Mas ele fez um memorando mental a si mesmo para visitar Dumbledore e obter esclarecimentos assim que fosse possível.

Essas intenções, porém, continuariam a ser meras intenções por mais um tempo, ele constatou. Ao voltar para casa, ele notou que tinha uma visita inesperada esperando por ele em sua dilapidada sala de estar.

Satã estava em Spinner’s End.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um conto de destino e morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.