Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 20
Capítulo 20 – Como se resolve um problema como Satã




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Capítulo 20 – Como se resolve um problema como Satã

Durante umas poucas horas, Hermione se viu incapaz de entender completamente o que estava acontecendo. Ela se deixou ser guiada para fora do Vácuo, e suas irmãs-aspectos estava horrorizadas com o que havia se passado. Àquela altura, Mãe Natureza, que a encontrara em estado de choque, trouxera-a para seu lar no meio de uma floresta virgem verde como Hermione jamais vira antes. Que pena que Hermione não notou muito toda aquela beleza.

Ela ainda estava em choque.

— Querida - chamou a Mãe Natureza -, eu não posso ajudar você se não falar comigo.

Lachesis tomou o corpo e pediu:

— Mãe, por favor, poderia nos dar uns minutinhos? Nem nós conseguimos entender direito tudo que aconteceu.

— Gostaria que eu vá chamar Chronos?

— E Thanatos também, por favor. Muito obrigada.

Enquanto a Mãe Natureza saiu para buscar as outras Encarnações, os três aspectos de Destino puderam conversar em paz. Internamente, é claro.

Gente, eu senti tanto a falta de vocês, disse Hermione, ainda tremendo. Nunca senti tanto a falta de vocês.

Diga o que aconteceu, pediu Atropos.

Acho que Satã me agrediu, ela respondeu. Estou quase certa de que tenha sido ele.

Como você não tem certeza?

Porque ele usou a aparência de Severus, ela disse. Ele tentou imitá-lo, e eu lamento admitir que ele me enganou quase totalmente.

O que o denunciou?, quis saber Atropos.

Primeiro, foi o desrespeito com o cargo, o jeito debochado, disse Hermione. Depois ele tentou um truque para me fazer admitir que eu estava traindo Chronos.

Odeio dizer isso, lamentou Atropos, mas eu temia que ele tentasse alguma coisa assim. Aquele ser desprezível!

Lachesis falou:

— Clotho, eu sei que é difícil, mas você precisa nos contar tudo. E depois vamos ajudar você a contar aos demais. Onde está o báculo?

O bastão com o material da Fonte da Vida? Bem aqui, disse Hermione. Está são e salvo. Por que pergunta?

— Porque eu posso sentir que isso é importante - foi tudo que ela disse.

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A princípio, houve um bocado de confusão entre as Encarnações reunidas na sala de estar da Mãe Natureza. Não só Destino estava angustiada, mas também a anfitriã parecia incomodada. As Encarnações masculinas (Chronos, Thanatos e Marte) demoraram a entender o que se passava.

Hermione pôs-se a desfiar sua triste história. Lachesis quis tomar o corpo, mas Hermione pediu para estar fisicamente presente, e assim poder abraçar Severus e sentir conforto após o ataque insidioso.

Marte, namorado de Gaia, era o mais confuso.

— Então vocês quatro são namorados, mas não como pensávamos?

Severus suspirou. A Encarnação da Guerra era notoriamente densa em assuntos cerebrais. Mesmo assim, ele respondeu pacientemente:

— Correto. Precisamos lançar mão de subterfúgios devido à insistência de Satã em assediar Destino.

Hermione disse:

— Ele escolheu me atacar quando eu estava totalmente sozinha. Minhas irmãs-aspectos ficam adormecidas no Vácuo.

Gaia lamentou:

— Pobrezinha, suas irmãs não estavam com você.

— Esse era o plano dele - disse Hermione. - Eu enxerguei Severus, e baixei minha guarda.

— Como você o ama muito, não lhe ocorreu que Morte não tem o privilégio de chegar perto da Fonte da Vida - completou Mãe Natureza. - Thanatos jamais teria capacidade de entrar lá em primeiro lugar.

Guerra ainda não entendera. Ele indagou à jovem:

— Mas você não notou nada estranho?

Hermione enxugou as lágrimas e respondeu:

— Não a princípio, porque ele disse que queria tentar coisas novas e apimentar nossa relação.

Chronos estava rangendo os dentes quando concluiu:

— Então ele alertou você que ele poderia agir diferente, aquele bastardo.

Hermione disse:

— Foi por isso que eu só suspeitei quando ele disse que estávamos traindo Chronos, e que ele tinha uma mulher velha como namorada, e que eles deveriam esperar ser traídos. E tive total certeza quando ele desrespeitou o cargo, xingando pessoas mortas e insinuando que eram fracassados. Severus jamais diria essas coisas.

Eles trocaram sorrisos tímidos e amorosos. Mãe Natureza, contudo, não se comoveu.

— Por favor, responda - ela indagou, séria. - Vocês engajaram em coito?

Hermione parecia vexada além do possível.

— Lamento que sim, infelizmente. Eu fui completamente enganada.

— Oh, não. - A Encarnação da Natureza empalideceu, tão angustiada quanto Hermione. - Isso quer dizer que ele venceu. Por tudo que é verdejante, ele obteve uma vitória e tanto.

Hermione e Severus franziram o cenho, Chronos ergueu uma sobrancelha e Marte soltou um palavrão cabeludo. Severus indagou:

— Isso é possível?

Desanimada, Gaia explicou:

— É um pecado mortal conspurcar a Fonte da Vida. Hermione condenou sua alma ao Inferno por toda a Eternidade.

Uma onda de puro choque atravessou a sala. Hermione gritou:

— Não!

Severus mordeu o lábio para não soltar um palavrão ainda pior que o de Marte.

— Mas ela não sabia! - redarguiu Chronos. - Ela é inocente!

— Um pecado foi cometido - insistiu Gaia. - O mais perverso nesta situação é que ela poderia jamais ter se dado conta do que aconteceu até que fosse hora de prestar contas de sua alma. Satã teria deixado que ela acreditasse que tinha uma alma pura até chegar o momento de arrastá-la para o Inferno.

Guerra indagou:

— Ele pode fazer isso agora?

Gaia negaceou:

— Ele não pode tomar posse de uma alma antes da morte do indivíduo.

Chronos exclamou:

— Poderiam ter se passado anos antes que ela descobrisse! Ou até mesmo séculos!

Severus não queria saber de lamentações.

— Mas agora sabemos o que acontece, portanto, devemos agir. O que podemos fazer?

Mãe Natureza estava bem desanimada.

— Lamento, mas não há muito a fazer.

— Não! - reagiu Hermione. - Eu me recuso a aceitar! Tem que haver algo que possamos fazer. Eu fui enganada! Não pode ser válido no caso de trapaça, certo?

Gaia indagou:

— Diga-me, querida, e não minta: ele forçou você a fazer qualquer coisa que não quisesse?

— Não, mas eu não queria fazer aquilo com ele!

— Eu entendo, mas se o homem fosse seu verdadeiro namorado, você negaria a ele o prazer carnal?

— Não, mas-

— Pois aí está. A Fonte da Vida teria sido manchada de qualquer forma. Você teria cometido o pecado. A trapaça é irrelevante para este propósito.

Hermione estava à beira de um ataque total de pânico. Severus indagou:

— Podemos fazer algum tipo de apelo ou recurso? Há algum tipo de autoridade ou corte capaz de mediar este tipo de disputa?

Chronos deu de ombros:

— Sempre tem o Purgatório. Não se tem visto uma queixa desta em bastante tempo. E embora eu seja simpático ao seu problema, não vejo que seja um caso viável.

Os aspectos de Destino ganharam esperança, e Hermione também se animou.

— Lachesis diz que o Purgatório pode ser a saída. Ela mencionou um Tribunal da Almas.

— Nunca ouvi falar - disse Severus. - Mas isso não significa nada, já que Chronos diz que é raro haver este tipo de apelo.

— Esse é o canal apropriado, até onde eu saiba - confirmou a Encarnação do Tempo. - Você pode apresentar a queixa, mas o processo não será secreto. Satã vai saber de tudo.

— Não me importo - disse o aspecto jovem de Destino. - Quero vê-lo pagar pelo que fez.

Marte disse:

— Nunca se ouviu falar disso antes. Um Tribunal de Almas é chamado a decidir sobre o destino das almas de mortais. Julgar o destino de uma Encarnação da Imortalidade é inédito.

— Então temos uma chance - disse Chronos. - Satã vai encontrar uma parada dura!

Hermione indagou:

— Tem algum lugar onde possamos pesquisar a esse respeito? Para onde devo ir?

— A Biblioteca do Purgatório, é claro.

A parafernália da Morte começou a brilhar e a apitar, e Severus anunciou:

— Infelizmente, não poderei ir com você, minha eterna. Mas estarei de volta assim que for possível.

Hermione abraçou-o.

— Obrigada, meu amor. Podemos combater tudo isso

— E vamos fazer isso mesmo.

Severus a beijou e saiu para a floresta, onde Mort já o esperava.

Hermione seguiu-o com os olhos, tentando não chorar.

Mãe Natureza, por sua vez, não partilhava da atitude otimista.

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— Com licença. Com licença.

Hermione teve que erguer a voz para chamar a atenção da senhora de óculos extremamente distraída na entrada do Purgatório. A mencionada senhora nem mesmo levantou a cabeça para dizer:

— Em que posso ajudar?

O Purgatório era muito parecido com o Ministério da Magia, comparou Hermione. Havia escritórios e serviços públicos, e um monte de equipamentos ultrapassados lado a lado com máquinas parecidas com computadores modernos. Permeava no local uma aura de processos bem demorados e muita frustração de consumidores.

— Eu gostaria de saber como posso protocolar um recurso num Tribunal de Almas.

A mulher recitou mecanicamente:

— É necessário pelo menos uma década após o falecimento para ser candidato ao protocolo. Depois você deve acionar seu anjo da guarda para que ele preencha a solicitação.

— Mas eu não morri.

Só aí a recepcionista ergueu a cabeça para dar uma boa olhada em Hermione.

— Você está viva?! Como isso é-

Ela interrompeu a si mesma, espremendo os olhos. Então ela se deu conta, parecendo totalmente surpresa:

— Você é imortal.

— Na verdade, eu sou uma Encarnação da Imortalidade.

— Minha nossa - disse a senhora, intimidada. - É melhor eu chamar o gerente.

O gerente ficou tão perdido quanto a funcionária, e ele decidiu chamar um superior hierárquico. Atropos estava achando a situação muito interessante. Tudo ficaria tão interessante quanto possível, na verdade, pois chamaram a Encarnação menor em pessoa, Burocracia, para resolver a situação.

Contudo, Burocracia não era a única Encarnação envolvida no caso. Como era uma situação sem precedentes, foi chamada Justitia: a Encarnação da Justiça.

— Não existe previsão legal para tal situação - explicou a jovem, de maneira muito profissional. - Você quer levar um demônio ao Tribunal de Almas? Qual deles?

— Satã - ela respondeu. - Não é um demônio qualquer.

Justitia quase torceu sua toga grega de pura agonia.

— Oh, mas isso só melhora! Não só é um litígio de uma Encarnação da Imortalidade, mas é contra ninguém menos do que a Encarnação do Mal! Todas as leis do Grande Além precisarão ser reescritas!

Hermione deu de ombros.

— Satã vem burlando as regras e leis desde o início dos tempos. Um dia isso iria acontecer.

— Mas você consegue ver o problema? O Purgatório é supostamente neutro. Não  estamos acima do Bem e do  Mal, mas não podemos torcer para nenhum dos dois lados. Como vou designar um juiz justo para esta causa? Existe um problema de hierarquia aqui. Nós somos todos Encarnações menores! Como podemos passar julgamento sobre uma Encarnação maior e uma entidade maior na mesma queixa?

Hermione respondeu:

— Bem, eu fui ofendida e quero deixar tudo esclarecido. Você é a entidade da Justiça. Não pode julgar o caso você mesma?

Justitia franziu o cenho. Ela obviamente não tinha pensado naquilo.

— Não é má ideia. Faz tempo que não me sento na corte. Talvez possamos resolver tudo em uma única bela audiência. Vou consultar o Céu e o Inferno, depois conversamos.

Mais tarde, Hermione pensou que a Senhora Justiça podia ter simplesmente avisado que ia pôr fogo no Inferno.

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Lachesis abriu a porta e um rosto vermelho furioso a esperava.

— O que, em nome de tudo que é mais profano, vocês estão pensando?

O aspecto de meia idade do Destino não se abalou.

— Se você não se comportar, Satã, não vou deixá-lo entrar.

A Encarnação do Mal gritou:

— Eu exijo a explicação!

Lachesis sequer piscou antes de bater ruidosamente a porta na cara dele. Praticamente no mesmo segundo, Satã bateu à porta novamente. Ela abriu, indagando de maneira tranquila:

— Está mais calmo?

— Por que você pediu um Tribunal de Almas? - ele indagou, numa voz muito mais comedida.

— Eu não pedi - corrigiu ela. - Clotho pediu. Acho que tem alguma coisa a ver com você personificar o namorado dela. Ou quem sabe ela se sentiu tão enganada que pensou não haver base para o exercício do livre-arbítrio.

— Deixe-me entrar. Quero falar com ela.

Lachesis não lhe deu passagem para a Morada.

— Você poderá falar com ela no Tribunal.

— Isso é um absurdo! Vocês não se preocupam com o precedente? E se isso vira moda?

— Você deveria ter pensado nas consequências de seus atos antes de apelar para seus truques sujos.

— Mas-

Lachesis o interrompeu:

— Deixe isso para o tribunal, Lúcifer. Se isso é tudo, podemos nos despedir agora. Adeus.

Ela fechou a porta e ele gritou:

— Isso não fica assim! Vocês vão ver!

Uma nuvem pútrida de enxofre foi a confirmação de que Satã deixara o local. Lachesis suspirou.

Você poderia tê-lo deixado entrar, disse Hermione.

Ela fez bem, opinou Atropos. Teria sido uma gritaria só. Melhor gritar na  frente de um juiz.

Chronos, que estava alheio à conversa interna, indagou:

— O que ele queria?

Lachesis sentou-se ao lado dele, enroscando seus dedos nos dele, e deu de ombros.

— Não faço ideia. Não estou disposta a ouvir seus ataques.

— Isso quer dizer que a Senhora Justiça comunicou-lhe sobre a audiência - disse Chronos.

— Isso também quer dizer que ele não esperava por nossa manobra - complementou Lachesis.

— Acho que devíamos chamar Thanatos.

Foi o que fizeram. Outra batida se ouviu na porta. Lachesis abriu, esperando Thanatos. Mas não era ele, e sim uma entidade menor do Purgatório, entregando algum tipo de intimação judicial. Na verdade, era a citação da Senhora Justiça fixando a data da audiência. As partes envolvidas tinham permissão de convidar até três pessoas como testemunhas. Hermione apareceu para ler o documento. Nesse meio tempo, Severus chegou.

— Isso significa que você terá que encará-lo, minha querida, cara a cara - confirmou Chronos para Hermione. - Você está pronta?

Ela inspirou longamente antes de responder:

— Não. Mas estou chegando lá.

Severus lembrou:

— Satã não tem a menor chance. Quando era mortal, esta jovem aqui tinha a reputação de ser a bruxa mais inteligente de seu tempo.

Chronos arregalou os olhos.

— Ela era bruxa? Isso torna as coisas bem interessantes. Oh, aqui também diz que, além de testemunhas, também estarão presentes observadores tanto do Céu quanto do Inferno.

Hermione quis saber:

— Quem seriam esses?

— Anjos e demônios do alto escalão, provavelmente os príncipes - disse a Encarnação do Tempo. - Mas eu não ficaria surpreso se Satã trouxesse seus quatro amiguinhos.

Hermione repetiu:

— Quatro amiguinhos?

— Eles são mais conhecidos como os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Você já conhece um, falando nisso. Ele é uma das Encarnações Maiores. Sabia disso?

O aspecto mais jovem do Destino empalideceu. Severus era a Morte, e é claro que haveria umas mortes no final dos tempos, como estava na Bíblia. Seria o homem de seus sonhos inconscientemente um servo do Mal? Seria Severus um capanga do Príncipe das Trevas?

A sala ficou em silêncio, mas antes que os demais aspectos pudessem reagir, Severus tratou de esclarecer:

— Chronos está se referindo a Marte. A Guerra cavalga com eles, no cavalo vermelho. O Anticristo anda no cavalo branco, a Fome anda no cavalo baio, e a Peste usa o cavalo verde. Mas a despeito de ter o status de Cavaleiro, Guerra é uma Encarnação Maior. Ele tem independência e não é aliado de Satanás.

Hermione recordou-se:

— Mãe Natureza uma vez disse que ela entendia por que Marte era amigo dele.

Severus continuou:

— A Bíblia é clara em dizer que Morte não é um dos Quatro Cavaleiros. Mas as pessoas sempre pensam que é.

Ele sentiu a mão quente de Hermione na sua bochecha.

— Você é tão incompreendido, meu amor...

Severus sorriu para ela com afeto. Eles se deram as mãos.

Chronos limpou a garganta, trazendo-os de volta à realidade.

— Posso ver que a audiência será em breve. Que acham de fazermos uma reunião para discutirmos nossa estratégia?

— Acho que seria prudente - disse Severus. - E podíamos chamar alguns convidados.

Ao final, todos concordaram que o convidado mais útil seria a Mãe Natureza. Embora Marte fosse teoricamente neutro, sua presença na reunião poderia dar uma vantagem a Satã. Não porque Marte fosse espioná-los para o seu satânico amigo, mas sim porque o Pai das Mentiras era um cara esperto, e Marte não era. Guerra podia se tornar um ponto fraco sem querer.

Severus estava um tanto irritado com tantas incertezas. Então ele decidiu tomar uma atitude sem contar aos outros.


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