Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 1
Capítulo 1 - Uma entrada espalhafatosa e um velho amigo


Notas iniciais do capítulo

PARTE UM - SEVERUS



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Severus Snape deveria estar se sentindo totalmente frustrado com o fato de que ninguém sequer virou o rosto diante de sua entrada espalhafatosa. Realmente, com seu traje totalmente negro, capuz e a tradicional parafernália, ele poderia ser eleito Dramático do Ano.

O cenário era uma praça de alimentação lotada em um shopping sem qualquer característica singular. Havia centenas de adolescentes, alguns casais e poucas famílias. Com seu capuz negro, manto da mesma cor e botas pesadas, Severus deveria atrair todos os olhares da praça de alimentação.

Mas ninguém o viu.

Agora ele já se acostumara a ser invisível ao mundo. O único que podia vê-lo era o cliente, e ainda assim, apenas nos seus momentos finais. A seta no relógio de pulso apontava para um rapaz adolescente de ascendência africana morbidamente obeso com uma vasta cabelereira e um rosto feroz escondido em sua pele escura.

Severus consultou o relógio: dez segundos. O garoto estava com outros de sua idade, todos rindo, mas ele parou com a zoeira e a gritaria. Ele estava de costas para Severus e de repente ficou parado, rígido. Os amigos já tinham notado que algo estava errado. No minuto seguinte, ele desabou no chão.

Num segundo, Severus estava lá. Os meninos cercaram o garoto, chamando-o pelo nome ("Reginald! Reggie!!"). O garoto deveria ter uns 16 anos ou menos, olhos imensos saltados ao olhar para Severus e reconhecê-lo como a Morte.

Num movimento rápido, com a agilidade conquistada com anos de prática, Severus sabia que o rapaz tinha expirado, então ele coletou a alma e alojou-a na bolsa, uma espécie de bolso dentro do manto. Os adolescentes estavam em variados estados de desespero e confusão, gritando por socorro, gritando pelo amigo, chorando do jeito que as crianças fazem quando se veem diante de um apuro longe de um adulto. Mas as preocupações de Severus se relacionavam apenas com os mortos. Os vivos teriam que cuidar de si mesmos.

Usando as botas especiais, ele atravessou a praça de alimentação em uns poucos passos e pegou o elevador até a garagem, onde Mort o esperava. Mort, sua confiável limusine amarela, de uma cor entre o crepúsculo e o entardecer, não atraía atenção no mundo. Pois Mort era a montaria da Morte, e a tradição ditava que a Morte andava num cavalo amarelo. Na verdade, Mort podia ser qualquer meio de transporte necessário: cavalo, carruagem, carro, motocicleta, avião. Como um ser mágico, ele podia viajar mais rápido que a luz e indicar o modo mais eficiente de viajar a distância até o cliente. Severus chamava Mort de "ele", mesmo que a montaria da Morte dificilmente tivesse gênero. Eles tinham se tornado amigos - mais ou menos.

O adolescente do shopping tinha sido o nono cliente do dia, e o relógio dizia que não havia outros trabalhos nas próximas três horas. Ele poderia tirar uma folga.

— Vamos para casa, Mort.

A limusine trocou de marcha, e Severus vivenciou a sensação já conhecida de esmaecimento das cores a seu redor. Em poucos segundos, Mort podia atravessar o mundo. Era o que fazia constantemente. Portanto, em poucos toques do relógio, eles estavam em casa.

Spinner's End, claro.

Onde mais Severus se sentiria em casa? Hogwarts estava fora de questão, claro, com aquele irritante e intrometido diretor ainda na escola. O velhote adoraria ver Severus instalado nos sagrados corredores - ele na verdade dissera isso uma vez. Apenas Albus Dumbledore misturaria crianças e a Morte em pessoa. Maluco de terceira idade.

Severus saiu de Mort, dizendo:

— Vamos tirar uma folga, amigo. Pode relaxar um pouco.

O veículo saiu sozinho e virou uma das apertadas esquinas de Spinner's End, desaparecendo em plena luz do dia. Severus entrou na casa de sua infância, agora transformada em lar da Morte.

Para quem passava pelo local, era apenas uma ruína. Até bruxos tinham dificuldade para ver além da magia que escondia o local. E a papelada da casa dos Snape estava perdida até que o mandato de Severus como Morte estivesse concluído.

Severus juntou sua parafernália e foi direto para o escritório doméstico. Depois de pendurar o manto tão útil e aquele capuz maneiro, ele conservou as luvas em suas mãos, pôs a bolsa com as almas coletadas na mesa e foi ao armário de madeira à sua direita. Abriu a porta grande, então puxou uma pequena gaveta w de lá  tirou duas esferas mágicas, as que pesavam o bem e o mal em cada alma. Uma era branca e outra era preta. O ritual ia começar.

Toda vez que ele fazia o ritual, Severus ponderava sobre seu cargo e tudo em sua vida (ou meia vida) desde que ele se tornara a Morte. Ele não coletava cada uma das almas no planeta. Até magia tinha limites. Ele sabia muito bem disso, já que fora um bruxo. Outras Mortes foram Muggles e não tinham ideia de como funcionava a magia.

Não, a Morte só aparecia para recolher almas extremamente equilibradas. Aqueles que mereciam uma visita pessoal do Grim Reaper, o Coletor Maldito, eram as que tinham uma quantidade muito equivalente de bem e mal na contabilidade de suas vidas. Mas não era Severus que decidia quem ia para o Céu e quem ia para o Inferno. Parecia que o Universo se encarregava disso. A Severus cabia recolher as almas para que elas passassem pela Balança - as esferas mágicas que ele estava segurando nas enluvadas mãos esqueletais.

Severus pegou o bolso e retirou a primeira alma, cuidadosamente dobrada. As esferas reagiram à presença da alma e flutuaram das mãos dele até ela. Então elas se alinharam, uma bem juntinha da outra. Severus sempre ficava fascinado com o que via. Porque sempre demorava apenas alguns segundos, e aí, lentamente, bem devagar, uma das esferas começaria a se mexer.

Bem como aconteceu.

Desta vez foi a esfera branca. Como sempre, ela se movia para cima. Aquilo indicava que a alma estava a caminho do Céu. Devagar, a esfera se elevou até alcançar o teto e um vapor se desprendeu dela, atravessando o teto. Então a esfera flutuou novamente para o local ao lado da preta. Severus abriu as mãos enluvadas e as esferas se moveram no ar até ele. Ele se deu conta que estivera prendendo o fôlego. Depois ele retirou outra alma do bolso.

O processo se repetiu outras oito vezes, e nem todas as almas foram para cima. Severus estava acostumado a isso. Mesmo assim, ele às vezes pensava sobre seus clientes. Como o garoto adolescente, por exemplo. Ele era tão jovem, e sua alma já era acinzentada. Que maldade teria ele feito para que a Morte em pessoa viesse coletar sua alma?

Severus costumava especular para onde sua própria alma iria quando fosse a sua vez. Ela morrera bem jovem também. Mas ele tinha maldade na alma, ah, se tinha. Toda vez que ele fazia o ritual da contabilidade, Severus pensava na própria situação. Ele não podia se conter. Pelo menos agora ele sabia que a Morte, em si, não era parte do julgamento. Havia outras instâncias responsáveis por alocar cada alma no Céu e no Inferno. E ele nem queria pensar no Purgatório. Ao menos, em outro que não fosse a Administração.

Muitas vezes Severus também ponderava sobre como ele obtivera o cargo de Morte. Era um método questionável de sucessão, para dizer o mínimo. Mas era certamente eficiente.

Aquele dia fatídico, o dia em que ele herdara a função, estava marcado em sua memória para sempre e mais além. Ele estava sempre se lembrando dela, a cada vez novos detalhes aparecendo.

— Você está em casa, Morte?

O problema em ser uma das Encarnações da Imortalidade era que seus colegas tinham poderes semelhantes. Portas e janelas certamente não o detinham, e portanto não detiam a eles tampouco.

Severus se virou e viu uma mulher de meia idade sorrindo de maneira gentil. Ela perguntou:

— Está ocupado?

Ele guardou as esferas mágicas e se virou, respondendo:

— Nunca ocupado demais para você, Marlene.

— Eu já pedi que me chamasse pelo meu cargo, Morte. Foi apenas uma piada do Universo que nós conhecêssemos nossas identidades prévias. Além do mais, Marlene MicKinnon jamais chegou a esta idade.

— Que pena – disse Severus. – O mundo precisa de mais mulheres maduras e bonitas.

— Está me elogiando, Morte? – Ela sorriu, parecendo divertida e relaxada. – Lisonjas podem melhorar seu destino.

— Bem que eu queria – disse ele, desanimado.

— Não seja tão azedo. Alguma novidade?

— O de sempre. Almas para coletar, muita correria. E você ?

— Basicamente a mesma coisa. Fios para tecer, novelos para fazer, vidas para observar. Posso ser três, mas isso não facilita o trabalho.

— Quer trocar?

— Merlin, não. Eu não aguentaria a sanguinolência.

— Você falou Merlin – disse ele, divertido.

— Hábitos adquiridos não se perdem rapidamente. Nem mesmo o Destino é capaz de mudar isso.

— Marlene, por que você veio? E não venha com a piada de querer essa casa porque ela é chamada de Spinner’s End e vocês são fiandeiras. Depois de 10 anos, não tem mais graça.

Ela deu de ombros:

— Ainda acho que é uma piada engraçada. De qualquer forma, o velho gostaria de lhe falar, se puder lhe dar um minuto.

Severus suspirou, entre entediado e irritado, indagando:

— O que o bode velho quer desta vez?

— Não fiquei por perto para ouvir. Um aviso: se ele tentar olhar de novo no meu tapete...

Ela não completou a frase, com um olhar ameaçador. Severus se lembrava do incidente e assentiu:

— Entendido. A gente pensa que ele aprendeu a lição, mas você sabe como é Dumbledore.

— Exatamente o que eu penso – disse a personificação do Destino, mudando seu corpo para a jovem Clotho, uma moça atraente de vinte e poucos anos. – Agora preciso continuar o trabalho. Tchau, Morte!

— Por favor, me chame de Severus! – ele gritou, mas ela já tinha desaparecido.

Severus suspirou de novo e conferiu o relógio. Ele tinha um cliente em 20 minutos, mas depois de cuidar disso, ele poderia ir a Hogwarts.

Então, contrariando todos os seus instintos, Snape se dirigiu à escola que era sua alma mater.

Desde que ele se tornara Morte, ele perdera todos os seus poderes de bruxos. Portanto, Aparatar estava fora de questão. Mas os poderes de seu novo cargo eram bem úteis. Afinal de contas, Severus imaginava o que aconteceria se os estudantes e professores pudessem vê-lo marchando pelos corredores, a caminho do escritório do Diretor. Ele provavelmente assustaria até mesmo os fantasmas residentes.

Todos os retratos se calaram quando Severus entrou o escritório. Era estranho que Dumbledore só pudesse enxergá-lo quando ele permitia, mas os retratos podiam enxerga-lo o tempo todo. Algumas das estranhas circunstâncias de sua condição jamais deixavam de deixa-lo admirado, mas ele desistira de buscar explicações. Melhor aceitar as coisas como eram, decidiu.

Dumbledore notou o comportamento dos retratos e olhou em volta, chamando:

— Severus? É você?

Severus tornou-se visível, e não fez o mínimo esforço para disfarçar seu aborrecimento.

— Sim, sou eu. Por favor, declare a natureza de seu chamamento com presteza. Eu não estou à sua disposição.

— Não pense que não estou grato por vir. Mas há assunto que, creio, você vai gostar de saber.

— Francamente, acho difícil de imaginar isso. Os assuntos dos vivos não me dizem respeito.

Dumbledore mencionou, meio despreocupadamente:

— Achei que gostaria de saber que o filho de Lily começa a frequentar Hogwarts em setembro.

Tudo parou.

Um arrepio se formou no fundo do estômago de Severus. Ele se lembrava do garoto. Ele se lembrava... daquela noite. Todas as emoções vieram de volta de uma vez só, como uma torrente ou enxurrada. Por fora, porém, ele tentou soar impassível:

— É?

— O pequeno Harry Potter está vindo para Hogwarts – repetiu Dumbledore. – Ele esteve escondido no mundo Muggle esses anos todos, mas agora vai voltar o mundo bruxo. Achei que gostaria de dar uma olhada nele.

— E por que eu faria isso?

— Achei que poderia estar interessado em proteger o filho de Lily. Você era amigo dela.

— Não era fazia tempo. Além do mais, ela não está aqui.

— Soube dela?

Severus tentou não soar amargo:

— Sou a Morte, mas não frequento o outro lado.

— Achei que minha lembrancinha pudesse ser útil.

Agora ele não conseguiu conter sua irritação:

— Mas você continua sem me dizer o que quer em troca daquilo!

Dumbledore nem piscou:

— Tudo a seu tempo, meu rapaz, tudo a seu tempo. Eu espero que você possa me ajudar a proteger o garoto.

Severus se irritou ainda mais:

— Eu sou a Morte! Tenho muitos compromissos. Não posso ficar bancado a babá do pirralho do Potter. Tenho certeza de que você tem muitos outros candidatos para suas manipulações!

— Oh, bem – disse Dumbledore, com um ar desapontado. – E a informação que solicitei?

— Não tenho uma resposta. Na verdade, eu já disse que ele provavelmente foi direto para o andar de baixo, sem precisar de minha ajuda.

— Você não deveria contabilizar a alma dele? Ou ter certeza de que sua alma não escaparia de seu destino?

— Consulte a definição de Morte. Meu trabalho é presidir e ajudar a passagem dos vivos, não de recuperar almas perdidas ou caçar eventuais fugitivos.

— Desculpe. Acredito que Lord Voldemort está muito empenhado em escapar de seu encontro com você. Ele pode ter escapado do Inferno.

— Não é minha obrigação. Não sou caçador de fugitivos para Satanás. Esta obrigação é do Cavaleiro ou Motoqueiro Fantasma, pelo que ouvi. Uma vez mortos, eles estão fora de minha jurisdição.

— É o que você vive me dizendo. Ainda acredito que Lord Voldemort não esteja morto. Ele voltará algum dia. E quando voltar, creio que o jovem Harry Potter estará em grande perigo. Também penso que você terá muito trabalho.

— Veremos. Agora, se me der licença, eu tenho um horário de trabalho muito apertado.

— Agradeço a visita. Espero vê-lo em breve.

Severus sorriu, e não era de prazer:

— Não, você não espera.

E saiu.


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