Ela é tudo escrita por Kristine K


Capítulo 2
Descontentamento




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Fazia tanto tempo que eu não me sentava e comia dessa forma, era a melhor coisa que aconteceu comigo em poucas horas, a dor que era pulsante até amenizou e consegui aproveitar cada minuto.

Somente Rick e Carol continuaram ali, me esperando terminar o almoço.

— Estava fazendo o que perdida pelas redondezas? — Rick me fez olhá-lo, limpei a boca rapidamente e engoli o que ainda mastigava.

— Como disse para todos, eu estava sozinha. Meus amigos morreram, provavelmente e acabei tendo que me virar, de algum jeito.

Rick continuou me encarando com seriedade.

— E como se machucou?

Olhei para minha perna espontaneamente e o vislumbre de todos aqueles caras tentando me violentar invadiu meus pensamentos, obrigando-me a fechar os olhos com força.

— Escapei de alguns caras que me abordaram, eles queriam algo que nem em sentença de morte eu daria. — ergui o rosto e pude perceber que ele soube de imediato do que eu estava me referindo.

— Acho melhor deixá-la descansar, ela ainda não está totalmente recuperada. — Carol falou.

Me mantive calada.

— Tudo bem, você tem razão. — ele se levantou — Descanse, Alessa. Quanto mais forte conseguir ficar, será melhor para todos nós.

Assenti vendo-o deixar o recinto.

— Vamos, precisa melhorar. — Carol novamente se dispôs a me ajudar.

Na verdade não sabia se continuaria com eles, há algo que detesto mais do que zumbis: ser dependente. Quando fico dessa forma é como se estivesse acontecendo dois apocalipses.

Não consegui distinguir a personalidade de Rick, sua expressão era muito frívola, mas não o julgo, com certeza ele perdeu muitas pessoas e isso é a forma que encontra de se proteger, posso entendê-lo completamente.

Deus é testemunha – se é que ele ainda está olhando por nós – que estou tentando ficar boa, só que não é tão fácil quanto parece quando seu único pensamento está voltado para as criaturas andando lá fora.

Após algumas horas deitada, não consegui me manter por muito mais tempo naquele quarto, porque passarinhos odeiam gaiolas.

Mesmo doendo horrores, consegui me pôr de pé. Alessa não é Alessa ficando parada.

Comecei a andar, mancando, mas nada que algumas horas de prática não esquente o motor.

Escorei na cômoda arrastando a perna e forçando mais a outra, coloquei a cabeça para fora e olhei os dois lados, não havia ninguém pelo corredor.

Estava tudo em silêncio exceto por alguns resmungos vindo do cômodo ao lado que me deixou curiosa. Claro que iria ver o que era.

A porta estava aberta, facilitando muito para mim. Tinha um berço perto da parede e a coisa mais linda de se ver se encontrava dentro dele! Um lindo bebê, sentado olhando para os lados.

Escorei nos poucos móveis que tinha no quarto até chegar perto dele. Seus olhinhos eram lindos e ao me ver, abriu um sorriso.

— Olá. — disse baixo, toquei a bochecha dele com as pontas dos dedos. — Ah, acho que você é uma menina… — constatei ao me dar conta da cor de sua meia, amarela e rosa.

— O nome dela é Judith.

Virei rapidamente em um susto, mas era somente Carl.

— Desculpe, eu ouvi uns resmungos e vim ver o que era. — me expliquei — Droga de machucado!

— Você está bem?

— Estou, só me virei mais rápido do que aguento, mas estou legal, não se preocupe. — arfei e voltei a olhar para a criança — O que ela é sua?

— É a minha irmã. — Carl se inclinou e pegou Judith no colo.

— Suponho que os dois sejam filhos do Rick, acertei?

— Na mosca. — Carl ajeitou ela em seus braços — Quer pegar?

— Adoraria, mas estou suja, talvez depois de um banho. — passei a mão pela cabecinha dela. — Sua mãe está aqui também?

O semblante dele se entristeceu e eu me amaldiçoei por ter falado alguma besteira.

— Ela morreu. — respondeu — Eu a matei.

Fiquei um pouco surpresa, mas não me opus, deve ter tido algum motivo.

— Sinto muito.

— Não sinta, estamos todos bem agora. Bom, nem tanto. — Carl sorriu.

— Vocês estão aí…

Olhei para a porta e vi Daryl com algumas peças de roupas em mãos.

— Alessa veio conhecer a Judith. — Carl disse.

— Legal. — Daryl adentrou o quarto — Aqui, Rick pediu para te entregar isso. — ele me deu as peças de roupa — É para você tomar um banho.

Peguei-as de suas mãos.

— Obrigada.

Daryl balançou a cabeça, se virou e foi embora, sem dizer mais absolutamente nada.

— Ele é assim quase sempre. — Carl deve ter percebido algo assim como eu.

— Acho que ele não foi com a minha cara.

— Vai passar. — Judith começou a chorar em seu colo — Vou descer com ela, acho que está na hora do leite.

— Vou tomar um banho. — balancei as roupas.

— O banheiro é a primeira porta vindo da escada.

— Valeu.

Carl assentiu e saiu, me deixando ali, sozinha.

Da mesma forma que cheguei no quarto, sai dele, mancando e quase me arrastando pelo chão.

***

Foi bem mais difícil do que imaginei, porém consegui ficar limpa.

Estar vestindo roupas diferentes depois de certo tempo te eleva a autoestima, até porque sobreviver nessas condições não te dá espaço para pensar em limpeza.

Como ninguém estava por perto e sou orgulhosa demais para gritar por ajuda, arrisquei-me em descer sozinha.

— Vamos lá… Devagar… — dizia para mim mesmo, atenta aos degraus. — Au. Au. — apoiei todo meu peso no corrimão e desci a perna boa primeiro, mas ao tentar fazer isso com a outra, me desequilibrei e caí sentada. — Inferno!

— O que está fazendo?

Glenn surgiu me olhando com descrença.

— Tentando me virar sozinha. — respondi, soou um pouco rude.

— Mas sua perna está machucada.

— Mas não quero depender de vocês, o mundo já faz isso sozinho, só seria um estorvo, então tentei fazer isso. — com a ajuda dele consegui concluir o percurso.

— Aqui todo mundo ajuda todo mundo. Somos uma família.

— Cadê o pessoal? — ignorei o que ele disse.

— Estão todos lá fora. Quer ir até lá?

— Quero mas, onde estamos exatamente? Parece uma cidade.

— Estamos em Alexandria. Tecnicamente é quase uma cidade normal, só que com zumbis loucos para comer seu cérebro por trás do muro.

Glenn deu uma risadinha.

— Fascinante. — soltei um suspiro e acabei vendo Rick dando a mamadeira para Judith, pela janela. — É seguro aqui? — voltei a fitar o rosto de Glenn.

— Até agora foi, e esperamos que isso não mude.

Nós nos encaminhamos para fora e pude ser novamente alvo dos olhares de todos eles.

— Alessa, pensei que estaria dormindo. Porque não me gritou? — Carol veio ao meu encontro.

— Eu…

— Ela estava descendo a escada sozinha, a encontrei caída em um dos degraus. — Glenn disparou, fazendo Carol me olhar feio.

— Garota, tem que se cuidar.

— Só não quero atrapalhar vocês em nada, só isso. — deixei claro.

— Você não está me atrapalhando em nada. — Carol tomou meu braço de Glenn — Assumo daqui.

Ele saiu, indo até o outro lado onde Maggie estava.

— É um lugar bonito para viver. — comentei fascinada pelas árvores e gramados bem cuidados.

— Também acho. Tudo aqui está indo de vento em poupa, bem diferente do que pensei que seria. — Carol me levou junto dela até onde Rick se encontrava. — Conhece Judith? A mais nova do grupo!  

— Já tive o prazer. — sorri e Rick se virou para nós com ela no colo.

— As roupas serviram. — disse ele olhando diretamente para mim.

— Como uma luva.

— Com licença, já volto. Qualquer coisa, sabe o que fazer. — Carol se afastou, me deixando sozinha.

— Ahn… Não pensei que seria capaz ainda de existir um lugar como esse. Vocês tiveram sorte. — puxei assunto para que o clima não ficasse estranho.

— De início ninguém aqui confiou cem por cento, era bom demais para ser verdade. Só que agora a gente pode te garantir que não tem lugar mais apropriado que este.

— Fico feliz em saber disso.

Judith começou a se mexer no colo dele e em seguida a chorar.

— Quietinha…

— Posso? — me ofereci para pagá-lá.

— Claro! — ele claramente não pareceu certo daquilo, mas sempre me dei bem com crianças.

— Olá de novo, bonequinha! — encostei minha testa na dela e então mais nem um choro se foi ouvido.

— Ela gostou de você.

— Isso é bom, não é? — sorri.

— É sim.

— Eu nunca vi uma menina tão linda como você! — toquei a ponta do narizinho dela — O quê? Gostou do meu colar? — fitei suas mãozinhas tocando no meu pingente.

— Judith adora objetos que não são apropriados para a idade dela. — Rick se aproximou mais da gente.

— Esse pode, não é, papai? — perguntei olhando para ela, Judith bateu palminhas e arrancou um sorriso do pai, foi estranho vê-lo sorrir. — Olha só, querida… Seu pai está sorrindo.

Rick mudou seu foco para mim e ficou longos segundos sem dizer nada, sem esboçar mais nenhum sorriso.

Eu e a minha belíssima mania de dizer o que não devo. Mas o que foi que eu disse de tão errado?

— Preciso lavá-la para tirar uma soneca, está na hora. — pediu pegando-a novamente.

Apenas a entreguei compreendendo.

Acompanhei ambos se distanciando e acabei topando meu olhar com o de Daryl, ele se encontrava na varanda, limpando sua crossbow e como sempre, de cara fechada.

Troquei de foco e voltei a andar com um pouco de dificuldade, mas o curativo estava amenizando a dor.

Carol e Glenn demonstravam ser sempre bem dispostos a ajudar, Maggie era de uma simpatia inimaginável, Carl é um bom garoto, Abraham aparenta ser uma daquelas pessoas que te ajuda mesmo estando na pior. Rosita não falou mais comigo, porém aparenta ser legal assim como Sasha na qual ainda não tive a oportunidade de conversar. Michonne era na dela, porém sempre sorria ao me ver:

Rick é indecifrável, às vezes ele é de um jeito, mas não dá para saber ao certo se vai durar muito. Daryl é o mais distante de todos, nem se quer se aproxima, vive na espreita… E olha que os conheci hoje.

Meus pais teriam gostado daqui caso tivessem sobrevivido. Meus irmãos iriam adorar cada canto e correriam livres.

Mas eles não podem mais, eu os matei, os deixei virarem zumbis e os matei.

Você os matou. Matou todos! A culpa é toda sua!

Aquela voz martelou na minha cabeça deixando-me tonta, sem ter lugar para me apoiar.

E matou os seus amigos e vai matar todos os outros também!

Tudo a minha volta passou a rodar.

— Não! Não! — coloquei a mão sobre o cabelo e fechei os olhos — Não foi minha culpa! Não foi!

— Alessa? Ei, Alessa! — Carol estava ali, assim como Glenn, Maggie e Abraham.

Já não sabia onde estava.

— O que ela tem?

— Os lábios estão roxos… Faça alguma coisa!

Novamente tudo se apagou.

***

Diferente de antes, acordei com a minha cabeça estourando, mas me encontrava no mesmo quarto.

Fitei ao redor e ainda era dia, mas perdi totalmente a noção do tempo.

— Nem pensar, não se levante. — Maggie deixou uma bandeja sobre a cômoda e correu até mim — Você nos deu um susto.

— O que houve? — perguntei sem me lembrar de nada.

— Você teve uma crise de pânico e desmaiou. Abraham te trouxe para cá, eu e Carol te medicamos.

Maldita seja eu!

— Eu realmente não queria fazê-los ter tanto trabalho assim, perdoe-me.

— A gente não se sente dessa forma, gostamos de ajudar os outros. Você é só mais uma vítima das circunstâncias, assim como todos nós. — Maggie colocou a mão em meu ombro — Vamos estar dispostos em te ajudar até que melhore.

— Eu até me perco no que dizer a vocês, estão fazendo muito por uma estranha.

— Acredite ou não, todos nós fomos estranhos um dia.

Eles eram pessoas ótimas, não deviam estar passando por isso tudo.

— Muito obrigada!

— Não há de quê. — Maggie pegou a bandeja e trouxe até mim. — Coma, vai se sentir melhor.

— O que é isso? — questionei sem entender.

— Seu café da manhã.

— Mas que horas são? — perguntei.

— Nove horas. Você apagou de um dia para o outro.

— Sério? — arregalei os olhos — Deus…

— Rick ficou preocupado. — ela comentou, encostada na parede. — Pensou até em levá-la há algum hospital por perto.

— Fiquem tranquilos, isso acontece às vezes quando penso demais em certos assuntos, que me deixam sob pressão. — mordi a torrada.

— Desmaios?

— Crise de pânico. — respirei fundo — É bem complexo.

— Se quiser conversar…

— Talvez uma outra hora. — disse com paciência.

— Tudo bem. Vou descer, estarei lá embaixo caso precisar.

— Pode deixar.

Maggie deixou o quarto.

Queria muito entender a razão pela qual ainda tenho crises de pânico nessa altura do campeonato.

Decidi deixar o passado que tanto me machucou para trás, foi uma missão que consegui cumprir, mas agora todas as coisas remetem à isso, fazendo com que lembranças horríveis retornassem igual a um vendaval, levando toda a minha sanidade.

Eu mato zumbis! Como cheguei a esse ponto? Estou enfraquecendo e isso é inadmissível!


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